10 de Junho, dia dos discursos e dos aplausos
No dia de Camões é dia de Portugal e dia dos emigrantes. E dos discursos. Todos os anos o estado chama um intelectual para que aborde o “nós”, o passado e o futuro. Esperando-se que não se algeme ao presente. É o dia da “função do intelectual”. Uns discursos são interessantes outros nem tanto (há um livro da IN-CM com os primeiros discursos após o 25 de Abril, entre os quais o fantástico de Jorge de Sena de 1977). Tão relevante como o que dizem é a forma como são recebidos, louvados. Há 5 anos chamou-me a atenção a entusiasmada recepção ao discurso de Sampaio da Nóvoa. Eu nunca ouvira falar dele, nem sequer poderia imaginar que viria a tentar a política. Dado o aplauso geral fui ouvi-lo. O discurso era pobre, boas intenções, mas um alçapão intelectual, uma enorme superficialidade. As gentes adoraram, pois criticava o governo em tempos difíceis (algemado ao presente, lá está). Mas também por respeito às palavras do reitor, quem põe a causa a sageza do reitor?
Este ano de novo o coro de aplausos pelo discurso do cientista da genética Sobrinho Simões. Curvo-me diante do currículo do orador. Procuro o que disse. No “Observador” a resenha refere que abordou os nossos fundamentos, aquilo que somos. E disse que nós, portugueses, muito miscigenámos (e assim até dos espanhóis nós distinguimos), que temos uma forte costela moçarabe, que somos atreitos a miúdas mestiças. O povo, ao Rossio, louva a sapiência e a verve do cientista do vero âmago (pois genético). Na tribuna presidencial está o presidente Rebelo de Sousa (Filho). Tremo, diante do tétrico. Anacrónico, no seu embrulhar em papel “ciências naturais”, o velho e bafiento lusotropicalismo. Em pleno 10 de Junho de 2017, a colher aplauso entusiasmado, este condensado de “afectos”, da “pica” pelas “mestiças” (as mulatas, aquelas que nós, portugueses, inventamos). As pessoas gostam, anuem, aplaudem.
Continuo a procurar o texto. O motor de busca leva-me a este breve excerto: lamenta o ilustre cientista que imensos portugueses dominem mal a sua língua, factor de exclusão. Entretanto, e partindo do seu conhecimento científico, avisa-nos que somos todos parentes, decerto porque partilhamos património genético. É óbvio que Simões nem percebe a contradição, tão algemado está à sua bonomia lusotropical, à sua inconsciência histórica, à piscadela de olho ao mero presente (à tribuna presidencial, muito em particular). Aprisionado pela incompetência linguística, pelo desconhecimento que tem da sua língua. À inconsciência histórica e à ignorância conceptual sobrevoa com as tais boas intenções e um “piscar de olho” maroto (ai, as mestiças, ai, ai, que saudade). As pessoas adoram. E louvam. Deve ser mesmo disso, de não perceberem a língua que falam. Ou seja, de asneirarem. De terem imensa “pica” no asneirar.
Até ao próximo dia 10 de Junho. Dia da miscigenação. E dos parentes. E, mais do que tudo, dos afectos e das “selfies” …