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Nenhures

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A Carolina estava no que chamáramos “ciclo preparatório”, na Escola Portuguesa de Maputo (uma boa escola, com professores empenhados). O dia era de actividades festivas (nas quais a EPM é fértil) e lá fomos assistir ao concerto de marchas, teatrinhos, danças, poesias e cantos. Nisso ficámos entre a amálgama parental, uma quase turba ululando mimos, uma tempestuosa maré de fotógrafos acotovelando-se sem qualquer dó ou piedade. De súbito chocámos com uma boa amiga da Inês e com ela ficámos um pouco. Finlandesa, casara com um moçambicano e os filhos estudavam ali. Passado um pouco disse-nos, sorrindo, “vocês, portugueses, distinguem imenso os rapazes das raparigas. Nas danças, nas roupas, nos papéis, em tudo, é até estranho”. Rimo-nos, do óbvio, e perguntámos-lhe como é que lá na terra dela. “Muito diferente, até à adolescência vão iguais, vestem igual, dançam igual, fazem as mesmas coisas, tratamo-los como iguais. Só lá para os 15/16 anos é que se começam a distinguir nas coisas”. E depois acrescentou, decerto que para nos ser simpática, “se calhar até é demais”. Rimo-nos mais, e lá voltámos a olhar as apresentações, os nossos marialvazinhos a rodopiarem o “vira do Minho”, as nossas princesas a rebolarem as ancas ao som das marrabentas em ritmo de kwassa-kwassa (sim, o conteúdo cultural ali transmitido às crianças daria um belo texto sobre a actualização do velho multirracialismo em “novo” multiculturalismo). Eu, sarcástico, fiquei a pensar, que se calhar é por isso que eles são assim pois, deixemo-nos de coisas que são os próprios escandinavos que o dizem, os finlandeses são uns macambúzios, diante deles até um norueguês rural é um meridional festivo. Mas a nossa amiga tinha ali toda a razão, a gente aparta os miúdos em demasia, e não “havia necessidade” para tanto. Tratá-los com mais fluidez não fará crescer patilhas às nossas princesas nem maminhas aos nossos galfarros (digo eu, que estrafeguei a minha princesa com mimos e que lamento não ter tido também a sorte de um morcãozito, para o levar aos treinos de râguebi para aprender as delícias de pisar com pitons todos os circundantes).

Dizer isto não tem nada a ver com defender que o Estado pressione uma editora, tão sua dependente ainda por cima, para retirar uma publicação que não viola a lei nem a moral pública, nem sequer afronta as práticas generalizadas. E que se destina exclusivamente ao mercado familiar, tal como roupas, brinquedos e tanta outra coisa. É criticável, critique-se, desaconselhe-se, apupe-se. Mas defender a sua retirada do mercado por “recomendação” (aliás, pressão) estatal é mesmo atentar contra aquela “conquista de Abril”, a liberdade autoral e editorial, recorrendo a uma interpretação abusiva e extremada da lei. É um radicalismo boçal, um acto de censura. Na nossa sociedade, por enquanto relativamente laica, a censura tem dois nomes: fascismo, comunismo. São estes dois ideários que sempre recorrem a ela, sempre a tornam estruturante. E sempre justificando-a com “boas causas”. Vê-la agora, pujante no aparelho estatal, acolhida com satisfação na sociedade, sua classe média urbana, é o óbvio sintoma de se ter entregue poderes aos comunistas, os partidos (PCP, UDP) e os grupelhos adjacentes (PSR, Livre, etc.). Este é o caminho deles, sempre o foi, sempre é. E há que combatê-lo, “rua a rua, prédio a prédio, flete a flete, caderno de actividades a caderno de actividades”. Ou estaremos a (deixar) chocar o ovo da serpente.

Sobre esta vil patetice meti um postal-FB com um símbolo de sanitários “meninos/meninas”, dizendo que se acabe com essa divisão e com os discriminatórios urinóis. Veio de tudo, e até demais. Sei que, e contrariando a teoria económica (essa vil ideologia fascista/neoliberal), a cagança é um recurso infinito. Daí que uma antropóloga graduada me tenha vindo ensinar a distinção entre “sexo” e “género” (a base do genderismo, ideologia de cujos radicais estão agora no poder). O que me foi engraçado é que nenhum dos radicais – aqueles pequeno-burgueses de fachada socialista, como alguém os dissecou – chegou ao ponto que é óbvio. De facto, não há qualquer razão, nem sequer anatómica, para distinguirmos os sanitários sexualmente. Há “razões”, construções sociais, legados culturais. Distinguirmos os sanitários, ainda por cima em tenra idade, ensina os miúdos que são diferentes, reifica diferenças que são culturalmente estipuladas (e estipula que “há coisas que não se devem ver”). E são discriminatórias, como qualquer pessoa que tenha estado num velho Dramático de Cascais ou em qualquer discoteca apinhada sabe, tendo visto as enormes filas de raparigas (ou meninas, ou gajas, como se preferir), trémulas em ânsias, enquanto nós outros, rapazes (ou meninos, ou gajos, como se preferir), passávamos triunfantes, copos de cerveja na mão ainda para mais, sorridentes e aliviados. Dir-se-á que distinguir sanitários é por pudor, a tal moral pública, e está certo, mas essa é uma construção social. Ou por segurança, mas a insegurança também é uma construção social. É claro que eu prefiro urinar e proceder aos cuidados higiénicos necessários (aquele sacudir, para quem não perceba) em paz, sem ter um bando de balzaquianas ao lado, a rirem-se do parco membro que me coube em sorte. Mas mesmo essa “paz” é uma construção social.

Quer-se educar os sexos em equidade de género? Sim. Quer-se viver os sexos em equidade de género? Sim. Quer-se viver com abusos estatais, a la carte, consoante ideologias totalitárias ou apenas as patacoadas da moda? Ok, então comecemos por mijar todos juntos.

(Publicado no O Flávio)

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