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Nenhures

Olisboa

Ia-me estrear a votar no CDS, na lista para a Câmara Municipal. Fui agora à página da candidatura buscar uma imagem para encimar o postal. E tão surpreendido fico que mudo o sentido de voto. Já ontem me irritara com a conversa de Cristas sobre a “carta de marinheiro” no currículo escolar. O meu irmão mais velho morreu comandante da marinha mercante, o meu outro irmão é capitão-de-fragata, alguns dos meus melhores amigos são afincados velejadores, nada tenho contra marinheiros, profissionais ou amadores. Mas o que tem isso a ver com Lisboa? O que tem de diferente daquilo do BE propor o surf no currículo secundário? Mas se a vontade era pouca morreu-se no “site” da candidatura: o mandatário é Carmona Rodrigues. A este vi-o há anos, na TV, até cândido, narrar que tinha estado em negociações com o partido de Manuel Monteiro, para que este lhe desse apoio numa candidatura. Dizendo, plácido, que a contrapartida não seriam lugares nas listas eleitorais, mas sim “umas consultorias”. Ou seja, reconhecendo a sua predisposição para utilizar o erário municipal para pagar apoios eleitorais. E achando isso tão legítimo que dizível. Lembro-me de achar/blogar que este era o ponto mais baixo a que chegara a nossa democracia. Que este homem seja o “senador” desta candidatura torna-a infrequentável. 

Assim sendo, sem grande convicção, mas porque é preciso enfrentar a candidatura da firma Medina & Manuel Salgado, Ltda., lá irei votar na lista PSD.

 

olivais

Olivais: freguesia com mais de 30 000 eleitores no centro de Lisboa. O PS sempre ganhou aqui. E deverá ganhar de novo, muito impulsionado pelo bom momento do partido, na cidade e no país. Ou seja, maioria sociológica e bom contexto político.

Mas muito má Junta. Resume-se a dois factores: uma equipa incompetente para assumir as novas competências e dotações orçamentais, resultantes da recente reconfiguração autárquica. E com uma grande incultura democrática. Traços que se tornam muito visíveis no descalabro dos espaços verdes, que abundam na freguesia, devido à incapacidade em gerir a sua manutenção. E na política populista, com controlo até patético da informação autárquica, com verdadeiro “culto da personalidade” da presidente, e um fervilhar de pequenas obras encetadas nos últimos dias (bancos de jardim, canteiros, etc.). E uma política cultural “festivaleira” ao longo dos tempos. Há um desencanto generalizado com esta Junta, independentemente dos partidos pelos quais as pessoas têm simpatia.

Eu voto na lista do PSD. Encabeçada por um tipo que é um professor universitário, que não conheço. E que aparenta alguma capacidade industriosa. Escolho este seu cartaz, porque me é ilustrativo do que julgo necessário face a estas eleições. Maria do Céu Guerra é uma grande actriz, e que tive o enorme prazer de conhecer em Maputo. É uma mulher insuspeita de ligações à “direita”. E integra a Comissão de Honra da candidatura de Fernando Medina. Mas quis expressar apoio a esta candidatura para a Junta dos Olivais, algo excêntrica ao seu perfil. Isto mostra que vê no candidato qualidades cívicas e intelectuais desejáveis.

É uma junta de freguesia, não se discute um modelo de sociedade. Nem um governo. Seria bom que os fregueses, desiludidos com a pobre equipa a que a concelhia do PS tem condenado os Olivais, pudessem cruzar as linhas partidárias (que não são tão rígidas assim) e dessem votos a uma potencialmente diferente postura, uma outra abordagem, uma outra cultura. Contribuindo, talvez, para um rejuvenescimento do bairro e, com toda a certeza, para a sua modernização.

No mesmo sentido olho para a candidatura do BE. Para muitos fregueses, seja por razões ideológicas, seja por estarem macerados pelo “austeritarismo” que o PSD encabeçou, o voto na “direita” é impensável. Ali à esquerda há uma lista do BE. Jovens, dizendo umas coisas com as quais eu não concordo – de facto apenas mostrando-me que envelheci e que, como sempre acontece, há novas gerações com outras ideias e, acima de tudo, outras irreverências. Saudáveis, mesmo que pareçam inauditas aos mais-velhos. Conheço bem uma das candidatas. Uma “sobrinha”. Excelente formação, inteligentíssima, magnífica. Seria bom que os fregueses sitos à “esquerda”, incapazes de votar laranja e que estejam contentes com o actual momento político, esta “geringonça”, votassem antes no BE, promovendo até uma “geringonça olivalense”. Porque estes ao menos são “miúdos” (sem desrespeito) inscritos numa concepção cultural (não, não falo de “actividades culturais”, de feiras do fumeiro e carrinhos de choque) do exercício cívico. E não nesta trôpega, autoritária e pessoalista noção do que é a democracia, que vem avassalando, incompetentemente, a freguesia.

Enfim, entre todos, há bastante para votar e escolher. A ver se se muda ou, pelo menos, se se constrange, esta paupérrima equipa, inculta, incompetente e, mais do que tudo, arrogante, que o PS insiste em manter no centro de Lisboa. Porquê e para quê?

olhares

A 4ª edição do festival de cinema “Olhares do Mediterrâneo” decorre nesta semana em Lisboa, no São Jorge. Serão apresentados 52 filmes, oriundos de 14 países, dirigidos por realizadoras. Começa amanhã, quinta-feira e segue até domingo (saúde-se o governo do dr. António Costa que, esclarecido como é seu timbre, não proibiu a exibição de filmes durante as eleições).

O programa completo encontra-se nesta página. Bons filmes …

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Eu estou ao balcão do café, aqui nos Olivais. A comitiva PS entra, 5/ 6 carros de gente, campanha algo abonada, até “hino” próprio para a freguesia se gravou, e algo piroso, como manda a tradição destas coisas. Nela há alguém da junta, dizem-me, baixo, outros clientes. Pedem ao (afável) dono do café para afixar cópia do edital com o mapa das secções de voto, como é costume nas eleições. Resmungo para mim, que até andei a fazer eleições em alguns outros países, que não devia ser assim, é uma caravana partidária a distribuir material eleitoral, é uma confusão sempre desaconselhável. Depois saio, e vejo o que colaram. Atrevidos, aproveitaram a óbvia concordância do dono para encimarem a cópia do mapa eleitoral da freguesia com um cartaz partidário, que simula o apoio do estabelecimento comercial a esta candidatura. À revelia do proprietário. Este encolhe os ombros, desagradado mas, como qualquer pequeno comerciante, nada atreito a comprar conflitos locais.

43 anos de democracia e ainda não aprenderam a separar o partido do Estado. E treinaram-se nestas (pequenas?) malandrices. Um (pelo menos um) dos da caravana é professor, conheço-o. É esta trapalhada, indigna, que veicula como a tal “cidadania” que se ensina no secundário?

(colocado no "O Flávio")

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Aos meus exemplares de três números desta Revista Trimestral de Histórias & Ideias (publicados em 1978 e 1979, na editora Afrontamento) comprei-os em 1984, durante a licenciatura. Dois deles ainda têm a tarja dos preços, 130 escudos o número simples, 150 escudos o número duplo (nº 3/4), e a lápis o preço de venda real, 50$ cada. Demoro-me nestes detalhes para lembrar que já então a revista fora descontinuada, nunca soube se por dificuldades económicas se por outros afazeres dos seus directores, Artur J. Castro Neves e Armando Trigo de Abreu, e se destinava a saldos ou alfarrabistas. É óbvio que eu não tinha então, nem tenho hoje, um verdadeiro conhecimento do panorama intelectual e editorial dos anos da sua publicação, decorrida durante a minha puberdade. Mas logo que as comprei, nos meus 19 anos, fiquei com a ideia que aquilo era muito "à frente" do que seria corrente. A revista era excelente, uma verdadeira mina intelectual, discutindo as temáticas do desenvolvimento num registo alheio às ortodoxias vigorosas de então, tanto a marxista estrita como a matizada social-democrata, pois mesclando as contribuições. E muito actualizada face ao que "lá fora" surgia.

Estudante de antropologia, bem antes de ouvir falar de Polanyi nas aulas apanhei-lhe o célebre "A Nossa Obsoleta Mentalidade Mercantil", este logo no número 1 - se calhar com carácter de manifesto implícito, para a complexificação da análise, e para reflectir sobre a "transponibilidade de modelos", como avisava o director Armando Trigo de Abreu. E junto com o também célebre texto de Dudley Seers, "Os limites do caso especial". Sim, esses textos eram antigos mas eram também, presumo, inéditos em Portugal. E juntavam-se-lhes artigos muito recentes de grandes nomes de então, como Sidney Mintz, George Dalton ou Castoriadis. No fundo, era a abordagem às questões do desenvolvimento global reflectindo a temática da antropologia económica (e do que viria a ser dita antropologia do desenvolvimento), sobre a qual o próprio director Armando Trigo de Abreu escrevia. Isto tudo numa revista que não pertencia ao nicho disciplinar era algo então raro e super-entusiasmante.

Em 1992 fui fazer o primeiro mestrado em Estudos Africanos do ISCTE, de assumido teor desenvolvimentista (cujo historial está aqui narrado e reflectido). Foi-me óptimo, desembrulhando-me da formação que tivera até aí, que sentia como demasiado academicista. Nesse curso eram dois os professores efectivamente cruciais, Mário Murteira, célebre professor do ISCTE - e que evoquei neste texto, aquando da sua morte, explicitando também a importância do olhar aprendido naquele curso; e Armando Trigo de Abreu. Quando soube que ele seria meu professor logo regressei à memória daquelas já então velhas revistas, antevendo a densidade do seu ensino.

Antevi mal, por defeito. Era ainda melhor. Super-informado, imensamente reflectido, fazendo nele viver aquela interdisciplinaridade, essa que em tantos de nós é apenas panfleto ou miragem. Era o tempo dos BRICS, caíra o "muro de Berlim" e generalizavam-se os "capitalistas patrióticos" na China, de facto era a explosão daquilo a que viemos chamar "globalização". E era também o tempo da disseminação da ideia do "desenvolvimento humano" e "sustentável", noções que se vieram a tornar jargão e a chamarem-se "conceitos". Nesse início dos anos 90s era mais óbvia do que antes havia sido a complexidade e indeterminação dos processos de transformação social e as enormes dificuldades provocadas pelos nossos instrumentos analíticos. E muito mais ainda a percepção do quão espúrias eram as certezas projectistas. E, como tal, a necessidade de sermos como se oleiros, tentando moldar o que olhávamos e como o olhávamos. Era isto que Armando Trigo de Abreu nos passava. E mostrava-o de modo muito peculiar, tudo muito sublinhado pelo seu jeito. Pois era um cavalheiro, nas vestes, na pose, no tom, uma espécie de gentilíssimo "fora de moda" que nos cativava. Numa involuntária sedução que assim tão mais alertava para os rumos intelectuais que nos ia indicando.

A esse seu modo de ser Professor associava uma extrema, mas muito discreta, generosidade. Consciente de que só o trabalho de terreno culminaria uma verdadeira formação, intercedeu pessoalmente para que tivéssemos (eu e alguns colegas) acesso a pequenas bolsas de investigação que nos permitiram realizar os trabalhos de campo em países africanos. Era o início de uma linha de investigação institucional e isso justificaria o esforço da organização. Mas foi ele que se deu ao trabalho de  procurar as linhas de financiamento, sem nunca referir o assunto ou recolectar as tradicionais fidelidades académicas. Pois era por demais cavalheiro para isso. Recolheu assim ao longo da vida as lealdades. As efectivamente devidas a um Professor.

Morreu hoje o meu Professor. E fico aqui, assim pior aluno.

(Colocado no O Flávio)

nYAgliz

A propósito deste artigo do “Público”, “Governo quer que Censos tenha dados étnicos da população“.

Ora lá está, vem aí a racialização da sociedade. A “etnia” (tribal) das certezas lá virá chamar-nos, aos que a isto se opõem, “fascistas”, “racistas”, “xenófobos”, “escravistas”, “colonialistas” e, pior do que tudo, “neoliberais”. Muito provavelmente esta é uma causa perdida. Pois nestas coisas da ideologia identitarista o PCP assobia para o lado (as suas questões são outras) e não se oporá, para o BE isto é a razão de ser retórica – de facto, quase ninguém na sua base social de apoio quer viver numa sociedade correspondente aos “modelos” que os partidos coligados perseguem, só querem mais redistribuição de recursos estatais. E ao PS convém-lhe, para atrair os pequeno-burgueses urbanos mais dados às “causas” festivas, e para os lucros na táctica de cabotagem governativa.

Ainda assim, porque isto é um dislate execrável, e não só por ser a refracção das concepções dominantes nos EUA, há que enfrentar esta palhaçada da racialização da sociedade. E não é com (já as antevejo) declarações líricas do “lusotropicalismo”, Portugal “país de brandos costumes”, “multirracial” e “lusófono” a la família Rebelo de Sousa ou ministro Castro Mendes. A discriminação racial existe? Enfrente-se. Mas não deste modo, nunca deste modo. Para uma posição mais-do-que-lúcida cito excerto de um texto de 2006 dos antropólogos brasileiros Yvonne Maggie e Peter Fry, sobre esta questão no seu país, e que explicitam exactamente o que está em causa. E porque nos devemos bater contra esta aparente “boa intenção”:

“O que está em pauta são dois projetos de combate ao racismo: um pela via do fortalecimento das identidades “raciais” ( …); outro pela via do anti-racismo que procura concentrar esforços na diminuição das diferenças de classe e uma luta contínua contra as representações negativas atribuídas às pessoas mais escuras. Esses projetos também são projetos distintos de nação. Um vislumbra uma nação pautada das diferenças “étnicas/raciais”—isto é uma nação de comunidades. Outro projeto aposta na construção de uma cidadania com direitos em comum independentemente de “raça”, “etnia”, gênero, orientação sexual, etc., salvaguardando o direito de cada individuo a seguir o estilo de vida que mais lhe convém—isto é uma nação de indivíduos. Enfim, argumentamos que não se pode acabar com o racismo com uma política que entroniza a “raça”. Quando o Estado legisla sobre esta matéria ele funda a “raça”, cria justamente aquilo que quer ver destruído. Merecemos melhor solução para os graves problemas que nos assolam“.

Veja-se o texto do Público que está aqui ligado, de Gorjão Henriques, jornalista que se tem dedicado à questão do racismo em Portugal e que é considerada especialista na matéria. O conteúdo é elucidativo da trapalhada ideológica (e desonesta) que os defensores desta questão colocam: o título diz que os censos querem dados “étnicos” (como se a etnia fosse uma realidade objectiva, o que é o cúmulo da ignorância). Depois o texto diz “A resposta iria permitir saber, no quadro da população, quantos portugueses negros, ciganos, de origem indo-asiática e outros não-brancos existem”. Um “português negro” tem etnia? [E o que é “negro”, a cena do “one-drop” americana? a auto-definição? e muito mais questões]. Há alguma etnia “indo-asiática”? O que é dado étnico para alguém que venha ou seja descendente do subcontinente indiano? Que dado étnico permite agregar “não-branco”? Etc. Ou seja, o artigo de jornal fala de “raça” e são as categorias raciais (que não são objectivas, mas isso não lhe(s) interessa) que defende constituir nos censos. Mas esconde o assunto através do reenvio para a “etnia”, que é um conceito que nem sabe utilizar. E isto não é um defeito da senhora que escreve, é a amálgama atrapalhada e viscosa de quem vai defender isto. É uma vergonha.

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