60 anos de Pedro Ayres de Magalhães
Anteontem, quarta-feira 31 de Julho, Pedro Ayres de Magalhães fez sessenta anos. Um mero aniversário, uma alheia idade redonda, poder-se-ia dizer. Mas este tem um significado especial, anuncia que a minha geração passou assim, oficialmente, a sexagenária. Pois se Pedro Ayres nunca foi um "homem da frente" - o "front man" da mística rockeira - foi, de facto, o "homem do leme" da geração subsequente ao 25 de Abril. Não me vou por aqui a botar sobre ele: nem o conheço pessoalmente nem sou especialista em música. Mais vale escutá-lo (entrevista radiofónica) ou lê-lo (entrevista à revista Sábado; entrevista ao jornal i). Dizem-me que Edgar Pêra sobre ele fez um filme, mas ainda não vi.
Fico-me pelo registo: um tipo que andou na linha da frente do punk em Portugal (aqui deixo ligação para "Bastardos", um documentário sobre o punk português), desde os seus Faíscas, e seguindo para o grupo iconoclasta Corpo Diplomático. Eram tempos bem diversos - e aconselho mesmo as suas entrevistas, para se entender em particular o universo rural com que estes urbanos se deparavam, o tão diferente país de então, ainda espartilhado e sofrendo as mágoas das guerras coloniais recém-findas. Depois foi a alma-mãe dos Heróis do Mar, que tantos disseram - e continuariam a dizer, se se lembrassem de efemérides ou similares - como fascistas: quando de facto os Heróis anteciparam os anos 90s, esses que só terminaram em 2004, o reencontro do país Portugal consigo próprio e a sua celebração, passada que fora a era do país pária. Uma nação, história e identidade que comemoravam - mesmo que hoje o seu som surja imensamente datado, como "pop" que era -, enquanto também cantavam "este país é uma prisão", no afã de pontapear o provincianismo então hiper-dominante, sufocante mesmo. É certo que os hinos que ficaram dessa era foram os dos Xutos mas a atitude que frutificou nesses anos 1980s foi, em parte - e tão bom seria que mais tivesse sido -, a dos Heróis. Entenda-se, a de Pedro Ayres.
Muito se celebra agora António Variações, feito ícone. Convirá então lembrar que foi Ayres de Magalhães (e o seu quase constante parceiro Carlos Maria Trindade) que lhe produziu o disco final. Como ainda foi ele que, através do Resistência, congregou repertórios e músicos - não só de diferentes estilos mas, algo tão difícil naquele tempo de cesuras constantes, também de diferentes aparências políticas. Assim concertando Portugal. Depois foi ele o verdadeiro Pigmalião do Madredeus, esculpindo não só a cantora mas também repertório e trajecto. E com este internacionalizando a música popular portuguesa, reabrindo caminhos (que décadas antes Amália havia percorrido sem deixar sucessores), os quais vieram depois a ser seguidos, ainda que sem o seu brilho, por artistas como Mariza ou Dulce Pontes.
É um trajecto musical fantástico, feito sem cedências ao meios dominantes, muito radicado num individualismo - meritocrático, parece-me. É diante disto que continuo a repetir, Ayres de Magalhães é o homem da nossa geração que maior impacto cultural teve no país. Tem tido. A alumiar. Obrigado. Parabéns. Que venham mais anos, com saúde e sucessos.