(Postal para o És a Nossa Fé)
Eu não sou moralista. Nem fui. Vive e deixa viver, o primado do livre-arbítrio, sob a tutela da lei, ainda que esta matizada pelo bom senso. E nisso ainda mais no que toca ao domínio do pessoal, das questões íntimas. E a pornografia, e a relacionada mas diferenciada prostituição, são áreas preferenciais nesse matizar. Eu não pago para foder, nunca o fiz, nestes meus 55 anos. Andei por cabarets, quantas vezes bordéis, muitos, nas noites austrais. Fiz amigas, paguei copos. Até financiei a reforma de uma amiga, proporcionando-lhe o sonho de se estabelecer como patroa de "barraca", vender copos e galinha na noite. E outras coisas, "que fazes tu aqui, princesa?" resmungo já com a sensibilidade etilizada diante da Fatinha, vinda do Norte. Está ali perdida, dou-lhe o dinheiro para regressar à origem, onde a conhecera, então resplandecente, mas agora ali ao engano. Encontro-a depois, afinal ficou, nada comigo, eu apenas dera o dinheiro, o critério foi o dela. Mas é uma pena, pois a pobreza extrema, material e/ou de expectativas, não é o forno do livre-arbítrio, como querem, aldrabões, os hipócritas. Eu gosto de pessoas - eu não gosto de comentadores anónimos, mas gosto de pessoas -, e quando mulheres muito mais ainda. Fui boémio. E na noite, fora dos sítios finos da burguesia lisboeta, a vida vai como vai.
E o porno? Em Portugal? Não, apenas uma vez que me lembre, um tal de D. Fradique, espelunca ali à Sé de Lisboa visitada numa despedida de solteiro. Quinze tipos impulsionados por uma patética tradição, ainda quase vigente nos inícios dos 1990s. Quando começou o show erótico, sexo lésbico ao vivo, aquilo tornou-se demais, escorropichámos os uísques e "vamos onde?". E Plateau connosco, ainda que keke, pois era dia de semana, tarde, e íamos dançar, e a onda não era o nosso Tokyo (ou Jamaica) e o Kremlin era tantantantan em demasia. Porno? Sim, desde novo, ali aos 14 anos no Olympia, eu e o Raul fomos lá com o Fanã, mais velho, esse nos seus já 17, belo pé esquerdo, bom jogador da bola aqui no Maracangalha da rua, sempre o primeiro a ser escolhido, conhecido pelo "Fuça, fuça e não se cansa", glosando o anúncio do Optilon, fecho-éclair, que o rapaz levava tudo à frente no seu driblar e depois era só dar ao gajo que estava à mama, para este marcar. Lá nos levou, aos putos, ao tal Olympia, para vermos um porno, afinal só "lite", como vim a saber depois, umas mamas à vista e pouco mais. No ano seguinte lá voltámos, o mesmo plantel, mas já para ver um "hard", cricas e pilas, estas gigantescas - porra, como é possível?, instrumentos daqueles? Um tempo depois, ainda adolescente, entristecido a olhar para a pobre oferta que Deus ou o azar genético me concedera, li a biografia de Hemingway, de Carlos Baker: o Fitzgerald com o mesmo problema que eu - e não vira filmes porno, presumo - a perguntar ao biografado sobre o palmo que lhe faltava, preocupado, e o arquétipo do escritor-rústico a dizer-lhe "vai ao Louvre ver os gregos e deixa-te de coisas". Eu fui, não ao Louvre mas aos livros. E era verdade, os sacanas dos gregos, que se enrabavam uns aos outros - pelo menos os filósofos e escritores - não apareciam lá muito dotados. Sosseguei. E segui a vida. Talvez desiludindo algumas senhoras mas quem faz o que pode a mais não é obrigado. Depois, nos meus 40s, apareceu aquilo da internet, que eu passara incólume a cena dos videoclubes - que quereis, o porno desinspirava-me a juventude - e fui ver a pornografia de agora. É como antes, as tipas mamalhudas (francamente, a velha página 3 não é o meu anseio), proto-varizes à mostra, os gajos de pilas monstruosas, uma canseira. Vi isso, as garotas umas com as outras, línguas linguarudas, os gajos uns com os outros - não me digam fóbico mas esteticamente aquilo é terrível, deus nosso senhor os tenha na sua santa guarda ... Não me lixem, chamem-me o que quiserem, mas neste meu estertor cinquentão (e até antes) dá-me mais alento uma foto a preto-e-branco da Katharine Hepburn, um laivo de memória da Lange, um sorriso da Bassett, ou, e muito mais, um mero meneio da vizinha cinquentona, do que meia hora de truca-truca (meia hora?, era o que faltava) num qualquer ecrã. Esta verborreia é só para resmungar, eu não consumo dessa tralha mas se gostais será convosco, desde que não seja eu obrigado a assistir. E não sou. Cada um como cada qual, e se há quem se anime, porque não? Desde que, claro, e já agora, se perceba que há coisas que não são para ser vistas. Não pelo que mostram mas pela forma como os participantes são induzidos ou forçados.
Mas agora esta célebre Mia Khalifa é algo diferente. De repente soube da sua existência, figura pública, a cicciolina d'hoje em dia. Googlei. Nada de especial na rapariga. Muito afã nos filmes, é certo. Mas nada de peculiar no físico. Eu não me vou pôr a fazer um ensaio semiológico mas o que a tornou uma estrela não foi a sua gulodice vaginal ou a capacidade gargarejadora. É ser Mia ... Khalifa. Funcionou como catarse no mercado americano. Os espectadores a ver foder, enrabar, a árabe Khalifa, a fazê-la chupar. "Éh tu, árabe, taliban, fodemos a tua filha!", foi esse o segredo para catapultar a curta carreira fílmica da actriz. Sim, ela não é árabe, nem sequer islâmica. Mas funcionou no (sub)consciente espectador como tal ... A rapariga retirou-se, e é bom, haverá melhor forma de ganhar a vida do que se fazer filmar a fazer sexo. E mais do que tudo o retirar-se mostra autonomia, ela podia sair daquilo - o que não é a regra universal no mundo porno e ainda menos no da prostituição, já agora, e sempre convém lembrar isto para matizar a suspensão dos juízos críticos. A rapariga quis sair, saiu. E ganha dinheiro, como sei lá, mas vai aparecendo por aí afora. Maravilhoso mercado global, magnífico "marketing"! Tudo bem, vive e deixa viver, repito.
Mas, caramba, por razões lá do seu "métier", ofício actual, seja lá qual for, veio resmungar contra o Arsenal de Londres. E lá em Guimarães entusiasmam-se, tornam-na uma do plantel, dão-lhe visibilidade, imprimem-lhe camisola e tudo ... O que é isto? Que javardice é esta? O mundo da bola acabou nisto? Os vimaranenses são só isto, um miserável filme porno, um paupérrimo bordel? É isso a cidade? E, mais do que tudo, é isso uma "instituição de utilidade pública"?