O cretinismo
Tinha eu 16/17 anos quando o jovem defesa central Pedro Venâncio se firmou no Sporting, do qual veio a ser capitão e até símbolo, apesar da carreira amputada por lesões. Na época terminava eu a minha não-tão ilustre carreira de futebolista de rua, desviado por ímpios rumos boémios. Nesse estertor, antes de pendurar os ténis (Sanjo), nas pelejas do Maracangalha acimentado recuei do sonhado papel de play-maker para o menos exaustivo de defesa-central. Nesse passo assumi, evidentemente, o cognome "Venâncio", com o qual pretendi cobrir-me da glória prévia aos já tremoços e imperiais de fim de tarde. Poucos jogos me durou o epíteto. Pois logo sofri a aviltante corruptela de Bonanza, dada a que a todos foi evidente a minha associação ao célebre Hoss: o irmão algo burro mas simpático daquela ínclita geração Cartwright. Ainda que eu, de facto, não seja assim tão fisicamente parecido com aquela personagem.
40 anos depois quando alguém me chama Bonanza pode logo ser identificada a intensidade e antiguidade da nossa amizade. E o carinho, solidário, que nos une. E se algum vier ao Facebook juntar as fotos deste jpt/Zé Teixeira e da personagem de Dan Blocker, só um imbecil pensará que ele está a pensar em preconceitos intelectuais ou sociais e muito menos em estereótipos racistas - isto mesmo que nenhum dos meus amigos moçambicanos pretos ("negros" como os burguesotes lisboetas fazem questão de dizer no "parece bem" que lhes comanda a mediocridade intelectual) possa ser comparado fisicamente ao algo burro, ainda que "maningue nice", Hoss.
Vem esta minha memória a propósito de um longo (uma página inteira) e absolutamente cretino texto no Público de hoje sobre Bernando Silva, o Conguito e Mendy. Considerando, numa pedagogia de pacotilha, a inadmissibilidade da associação entre um tipo e uma figura ficcional, devido ao "racismo" que isso comporta.
Mas para além de cretino o palavroso texto esquece ainda uma questão política, mais clamorosa do que a imbecilidade daquela verborreia: numa democracia não há o direito de não se sentir ofendido. E quem esquece não se restringe a escrever cretinices (já agora, cretinismo é uma doença, chamar "cretino" a alguém é um terrível preconceito). De facto quem esquece isso é anti-democrático. E, como sempre, o Público patrocina as atoardas da moda. Nada mais do que isso. Já enjoa, tanto correctismo imbecil.