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Nenhures

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1. Antes de tudo os dois vencedores: o PS; António Costa. A ordem é arbitrária. Os que, como eu, não gostam bem que podem botar o rol de coisas que consideram criticáveis: o controlo da justiça; e o da comunicação social, a estatal e a privada; a rede familiar no aparelho político; a (indi)gestão dos fogos rurais; a continuidade da austeridade; a perene inexistência de um verdadeiro desenvolvimento nacional; as constantes diatribes governamentais, a errática política africana, etc. Mas o que é certo é que a população votante aprecia. São as pessoas alienadas e ignorantes, ou vice-versa? Essa explicação pulidovalentesca, por mais que atractiva em dias de irritação, é vácua. A força sociológica do PS não é conjuntural e é fortíssima. E um "partido" não é uma "frente" ou um "movimento", é um "partido" mesmo que tenha uma retórica "nacional". O PS, tal como os outros, é um partido, portanto ligado a interesses preferenciais, e está imensamente ancorado no país. Lapaliçada? Talvez, mas há muitos que o esquecem. E Costa é muito hábil. Competente. Reproduz e engrandece essa base sociológica. Está para durar, excepto se houver um "arrefecimento global" económico-financeiro.

2. Foi um straight flush: PSD atarantado - já o estava e Rio sublinhou-o no penoso discurso final, exactamente igual ao de Jerónimo de Sousa, feito antes: disse ele que o PSD foi alvo de campanha da imprensa, de difamação até; que o PSD apresentou propostas detalhadas em todas as áreas temáticas (como se isso não fosse o trivial num partido daquela dimensão); que o PSD divulgou essas propostas em campanha; e que as profecias da hecatombe do PSD foram exageradas. A efectiva similitude com o discurso do secretário-geral do PCP foi mais que patética, pareceu mesmo plágio. CDS esmagado. PCP amarfanhado. BE reduzido - por mais que anunciem vitória os resultados não foram os que esperavam, e perderam 60 mil eleitores, uma boa quantidade desses para o rival mais próximo, agora neo-parlamentar. E nenhum dos pequenos partidos ficou imprescindível para futuras negociações.

Melhor para o PS/Costa seria mesmo muito difícil. E o óptimo é inimigo da ... maioria absoluta.

3.  A comunicação social trata o BE com cuidados inexcedíveis. Até quando? Vi a noite eleitoral na estatal RTP.  Ali José Rodrigues dos Santos, que tanta esquerda apoda de reaccionário (ou mesmo "fascista") várias vezes falou do resultado daquele partido, afirmando que não tinha crescido. Mas não foi capaz de dizer que o Bloco de Esquerda perdeu cerca de 60 mil votos. E na intervenção final do painel de comentadores Marisa Matias conseguiu dizer que "não há crescimento", sendo que o jornalista (do Estado) não a fez enfrentar os resultados. 

Mas isso são as coisas que todos viram. Deixo também os meus apontamentos pessoais, para quem tenha paciência/interesse:

4. Fui votar bem cedo, aqui na vizinhança onde cresci e agora vivo, na escola onde votavam os meus pais e eu sempre votei. Faltava gente nas mesas de voto - isto no centro de Lisboa, freguesia Olivais -, e vizinhos conhecidos convocaram-me para ajudar. Não tive "lata" para dizer que não - ainda para mais já tendo feito várias eleições no estrangeiro. E assim passei o dia numa mesa de voto, integrando uma simpática e funcional equipa de verdadeiros veteranos desta actividade - gente com 30 anos ou mais disto, entenda-se. Por eles vim a saber que este trabalho, afinal, é remunerado. Ou seja, ganh(ar)ei cerca de 50 euros pela missão cívica. E nisso percebi porque faltavam pessoas na alvorada eleitoral: pois a junta de freguesia pagara o trabalho feito nas eleições europeias apenas na sexta-feira anterior ... Cá se fazem, cá se pagam, diz o povo na sua infinita sageza.

Fiquei como escrutinador na mesa dos "Manuel" e das "Maria" - e saí impressionado com a dimensão do voto geronte. A freguesia é muito envelhecida, e isso nota-se à vista desarmada (Há quase uma década, quando vivia em Moçambique, cá viemos de férias e a minha filha, com cerca de 7/8 anos, perguntou-me, impressionada, "pai, porque é que há tantos velhos em Portugal?"). Entenda-se, saí do dia naquela mesa de "Manuel" e "Maria" (mas também de "Marco" abstencionistas) impressionado com a dignidade de tanta gente já tão frágil que não se dobra, e vai botar a sua opção. Numa taxa de abstenção bem abaixo da nacional, menos de 35% numa mesa de 940 eleitores. Impressionado também com a minha extrapolação, a do conservadorismo óbvio que um eleitorado assim composto transportará em termos nacionais, mas isso é outra conversa.

5. Eu anunciara em quem iria votar. Fi--lo no meu blog, sem o reproduzir aqui pois não me parece curial usar um blog colectivo para algo que poderia ser considerado como campanha política. No fim do dia eleitoral pude perguntar-me sobre se vale a pena que aqueles que não têm actividade política explícita escrevam sobre política. E confirmei que vale, mesmo: eu havia blogado que votaria no Aliança, pela chã razão de que tenho apreço pelo "panache" do Santana Lopes, na sua óbvia crónica de uma morte política. Fui assim até à mesa de voto, boletim já na mão. Hesitei. E mudei. Por influência do João Caetano Dias, o enorme bloguista do saudoso "Jaquinzinhos", em particular deste seu texto. Não sou grande fã dos hiper-liberais, nem nunca li com apreço os grandes blogs liberais, tamanho o desvario de muitos dos seus escribas - de facto reaccionários nada liberais. E a divertida campanha do Iniciativa Liberal fez-me desconfiar, pareceu-me uma espécie de Bloco de Direita, se nos lembrarmos dos tempos iniciais do BE.

Mas o país precisa de mudanças. Redução do estatismo, económico e cultural. Combate ao clientelismo. E à verdadeira criminalização do Estado, que o PS praticou neste XXI e procura apagar (e talvez reproduzir). A chegada de uma geração mais nova, apesar de tiques nada liberais ("aumento das penas de prisão" para quê, num país com a tipologia e a incidência de criminalidade que Portugal tem?), com ideias que afrontam o Bloco Central, herdeiro do corporativismo do Estado Novo, é salutar.

Ou seja, já com a sebenta Bic na mão desviei o voto. E no ínfimo do meu voto colaborei nesta inovação. Obrigado, grande jcd, desde sempre um dos meus dois bloguistas preferidos, pela provocação intelectual. Agora é ver o que esta nova via pode influenciar.

6. Chegado a casa, algo cansado, comi uma febra reaquecida (que viera na antevéspera num doggy bag). E vi o que todos já sabem: que os partidos racistas CHEGA e LIVRE elegeram cada um o seu deputado. O que anuncia que as suas pérfidas agendas virão a ser agregadas por outros partidos competidores: em particular o BE que já viu parte do eleitorado deslocar-se para esta eleição - algo decerto maquinado pelo PS, tal era a ironia de Costa saudando o novo partido parlamentar -, e o CDS, que procurará disputar a direita conservadora. A ascensão destes racismos à assembleia é a grande derrota da democracia portuguesa. E que cada um de nós, democratas, escreva o que puder, resmungue o que entender, contra essas excrecências. Pois, como digo acima, nem que seja apenas para "convencer" um compatriota justifica-se tomar posições.

 

No governo Sócrates o ministro Costa tomou decisões importantes no seu pelouro. Ele não as iniciou mas concluiu as opções, que influenciaram o combate ao fogo florestal. Quando foi a PM para ali nomeou gente que com trabalhara, em especial uma antiga assessora tornada ministra. Naquele primeiro ano muito se alteraram as várias cadeias de comando, colocando gente de confiança política. Quando aconteceu o primeiro fogo catastrófico logo o aparelho se defendeu: nesse mesmo dia a polícia judiciária apontou o culpado, uma qualquer árvore que cometera "downburst". A imprensa logo afiançou que tudo era natural. No mesmo dia uma conhecida jornalista/bloguista - mulher de particular estatuto pois me apontam ser ela apenas criticável por quem a conheça pessoalmente - publicou no DN o diagnóstico final: tudo se devia ao aquecimento global. Logo a seguir, após cerca de 65 mortos queimados no desnorte institucional (que teve um relatório escondido pelo Estado), alguém perguntou a Costa se o governo tinha responsabilidades. Ele respondeu, seco, sarcástico, "não me faça rir". Repito, "não me faça rir". E foi de férias. Depois houve mais desgraça, como bem se sabe.

A tudo isto disseste nada, pensaste nada. Ecoaste, aplaudiste, quando após mais uma desgraça, 40 mortos noutro fogo descontrolado, alguém do aparelho do PS lançou o chavão de que a culpa era da Lei Cristas. E agora? Falam a Costa no assunto, ele irrita-se, cansado ou stressado, perde um pouco do controlo, algo que nem sequer é muito grave - principalmente para quem diz "não me faça rir" em cima de 65 compatriotas queimados num incêndio descontrolado. E que dizes? Que o mal é um velho resmungão afinal ser do CDS.

Hoje vota-se. O importante, para ti, é que o resultado final não venha a mudar a Lei Orgânica lá do teu sector de actividade. E a "cadeia de comando", chefe de divisão, director de serviços, etc, até ministro. E que saia um pouco mais de OGE ou de subsídios para o teu sector ou departamento. Que não te estraguem o relativo conforto. Nada mais te move. Imaginas-te, até abespinhado, um cidadão. Mas de facto és um cliente, apenas um cliente. E "não me faça(m) rir" diz o beneficiado, nas tuas costas.

Quando a Rodnina e o Zaitsev dançavam no 2º canal, a gente pensava que ia ser diferente. Mas ficámos assim. Eu nesta merda. E tu nessa. Ainda assim eu prefiro a minha putrefacção. "Não me faças rir", prefiro mesmo. Deixo-te o "Kalinka", ainda assim. A ver se te lembras de algo. E se tens alguma amargura, com o que te aconteceu. Será sinal que ainda te resta alguma humanidade. Que "não te faço rir".

***

Deixo ligação a textos de então: "O governo não tem culpa"; "A república dos eucaliptos"; "O ambiente geral"; "Olhar os que morreram".

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(Apanhado no Facebook)

Cristas algo penou, Costa cresceu para "popular", como sói dizer-se (como se não fossemos todos nós, em República, "populares"). O relevante disto é que os radicalizados e irados dínamos destas situações não foram operários da Marinha Grande, peixeiras de qualquer Bolhão, jovens saídos de "seminários de insurreição" bloquista, neovelhos-nazis, trabalhadores eventuais, lusoafrodescendentes, indocumentados magrebinos, investigadores supra-precarizados, enfim, alíneas mais ou menos clássicas do "De pé, ó vítimas da fome" ou seus intelectuais orgânicos. Foram velhos, seniores como se higienizam agora.

E isso mostraria algo, para não dizer muito, da nossa sociedade. E do nosso futuro. Mostraria se as pessoas (tantas delas) não votassem por clubismo.

Tende um bom dia, agora vou ao Lidl, reabastecer.

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[Cartaz da exposição* que decorre desde anteontem, 1.10, no Instituto Português de Oncologia do Porto. Página no Facebook, com as fotografias e os textos da exposição, estes últimos da autoria de artistas musicais e escritores. Grupo no Facebook aberto a quem queira escrever sobre as fotografias, sob o mote "movimento de empatia"]

No átrio da ala do cancro da mama, no I.P.O. do Porto, estão expostas dúzia e meia de fotografias. Os modelos são homem e mulheres que disso padecem. Sem rebuços, surgem com as suas amputações, como agora vão, mostrando-se na sua beleza, a de cada um, o quinhão dela que a cada um de nós coube, maior ou menor consoante quem nos vê e como nos olha. E na formosura da imensidão da força que denotam e da esperança com que nos reconfortam.

Propõe o projecto que cada um faça o seu "exercício de empatia" escrevendo algo - ou pensando algo, presumo eu. Hesito, procuro o tom, esse que poderá parecer adequado, o do sentimento, fraterno/amoroso, talvez aposto em vestes de requebros poéticos, abraçando com palavras o camarada homem, e sendo algo mais caloroso, até aprisionado pelo atrevimento próprio àquela toxicidade que agora vem sendo denunciável, com as camaradas mulheres. Assim louvando-lhes a coragem, celebrando-lhes a beleza, nada idealizada mas sim esta, óbvia, do tal qual estamos neste agora. Talvez até, distraindo-me, elevando uma ou outra, ou mesmo o conjunto, a arquétipo. Esse que falso, é óbvio, pois ali estão apenas indivíduos. Belos, corajosos. Desejáveis. Seguiria eu então para um ensaio (antropológico) sobre a constituição do desejo?, um poemaço romântico? uma narrativa erótica?, uma qualquer-coisa assim ficcionando sentimentos?

Mas eu não sou esse tipo. Pois vejo as fotografias e vivo outras histórias, menos poetizáveis, até menos narráveis. E é essa minha empatia, rude, descelebratória, que me ocorre. Pois surge-me Sousa, o cidadão presidente, no seu constante "somos os melhores do mundo". E concordo. Pois, dizem-me, somos nós, portugueses, os campeões europeus do divórcio com as mulheres com cancro da mama. Seguimos nº 1 do ranking,  mais de 60% ... Implacáveis seguimos, nisso competentes. Vem o cancro às nossas mulheres? Partimos para outras. Tratamentos? As unhas macilentas, quebradiços os dentes, corpos engordados com os químicos, ancas alargadas, nem um pêlo para amostra, da vagina à cabeça, que aos de abaixo pouco prezamos, olhos baços, e nem falo do medo, quantas vezes até desespero, dos padeceres que nem imagino, dos temores de desacompanhar os filhos, quando os há, tudo isso tão pouco apelativo? E ainda por cima cortam-lhes as nossas tão queridas mamas, a uma ou mesmo às duas? E ainda para mais arrancam-lhes o útero? Nisso tudo durante tempo mulheres sem desejos, vontades? Não foi isto que contratualizámos. Ficou danificada?, vamos para outras. Nisso, nessa mobilidade, nesse verdadeiro empreendedorismo, seguimos "Os melhores da Europa", competentes. E isto vai assim em todos os estratos, "acontece nas melhores famílias". E há bónus, não acaba aqui. Que há quem não se separe, que isto do divórcio empobrece - e de que maneira, como o afiançará quem por ele passa. E assim, conta quem sabe, tantas são as mulheres do cancro da mama, essas durante temporadas menos atreitas ao sexo, menos belas, e, se calhar pior do que tudo, menos airosas como fadas do lar, que às mágoas da doenças juntam as marcas das agressões, as dos "apenas" dichotes e as das verdadeiras pancadas dos extremosos maridos. E isto já não entra para o "ranking".

É esta a minha "empatia". Antipatizando, imenso, com o meu à volta. Compatriota.

*Fotografados / Textos: Telma Feio / Samuel Úria; Susana Neto / Fernando Ribeiro (Moonspell); Susana Cunha / The Legendary Tigerman; Sandra Gil / João Gil; Rute Vieira /  Rita Redshoes; Lourdes Pereira / Ricardo Ramos, Beatriz Rodrigues (The Dirty Coal Train); Paula Pereira / Jorge Benvinda, Nuno Figueiredo (Virgem Suta); Maria Maria / Olavo Bilac; Lucinda Maria Almeida / Jorge Palma; Ivete Oliveira / José Cid; Cristina Filipe Nogueira / António Bizarro; Carla Sofia Henriques / Alice Vieira; Ana Bee / Suzi Silva; Joana Barros / Ana Isabel Pereira; Agostinho Branco / Lena d'Água

 

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