O novo hotel brasileiro da Vila Galé
Quando surgiu esta "onda Bolsonaro" gerou-se, por influência dos discursos brasileiros de então, uma onda contrária, invectivando-o fundamentalmente por ser anti-negros e anti-mulheres. Logo me pareceu uma abordagem descabida: o homem não iria legislar contra "negros" (o espectro "pardos/negros") nem contra mulheres. O que era (e é) de esperar é que rompa com políticas de "discriminação positiva", o que é debatível.
Mas o que logo pareceu óbvio é que a grande questão, e a mais importante sob o ponto de vista internacional, seria a sua política amazónica, tanto por declarações explícitas sobre a matéria como pela sua adesão ao totem "mercado". E, acima de tudo, pela importância nos seus apoiantes dos sectores "ruralistas". Entenda-se bem, a depredação ecológica e a refutação dos direitos fundiários das populações ameríndias, na Amazónia e não só, não é uma consequência desta abordagem política, é um projecto político por si só. Claro que então, e depois, isso foi muito (muitíssimo) menos abordado, tanto pela inexistência de movimentos amerindófilos como pelo estado sub-intelectual dos movimentos ecologistas portugueses mais mediatizados, os inscritos no espectro partidário.
Temos agora esta notícia sobre um projecto de explícita rapina dos direitos fundiários de uma população ameríndia. É algo mais do que esperado. A particularidade é que é levada a cabo por uma empresa portuguesa, o segundo maior grupo hoteleiro nacional, Vila Galé Hotéis. A reacção da sua administração à denúncia desta inaceitável acção (que foi descrita pela antropóloga portuguesa Susana Matos Viegas, profunda conhecedora daquela área), não é boçal. É sim um negacionismo estratégico, indigno de tão imoral. A única dúvida que este projecto levanta é a do estatuto da Vila Galé: será pirata, actuando por conta própria? Ou será corsária, devastando com o apoio do Estado português? Assim de longe julgo que será mesmo uma empresa bucaneira. Mas a ver vamos, se haverá reacção governamental que nos demonstre não só a inexistência de "carta de corsário" emanada como também a oposição efectiva (ou seja, com punições legalmente aceitáveis e economicamente penosas) do governo português a práticas destas.
Como portugueses pouco temos a dizer sobre as políticas brasileiras. Mas muito podemos dizer à Vila Galé. Evitarmos os 23 hotéis em Portugal e dos 8 que já têm no Brasil. Neles não fazer turismo ou organizar congressos, nem neles nos acolhermos para viagens laborais. Inclusive repudiando reservas que outros (em contextos laborais) nos façam nessas instalações. Explicitando a causa. E, claro, exigirmos ao nosso governo o explicitar do repúdio por tais gentes, bem como que as instituições estatais e municipais nunca sejam clientes nem apoiantes desta empresa.
Contra este projecto, ainda em deliberação pelo governo brasileiro, foi lançada uma petição. Subscrevê-la será bonito, simpático, uma espécie de suave ombrear com os que defendem direitos justos e tão dificilmente adquiridos e de ainda mais difícil manutenção. Mas não suficiente. Pois diante disto urge mesmo, sensibilidades políticas à parte, bradar "Que se lixe* a Vila Galé". E exigir que o nosso poder ouça o urro.
*Texto censurado por instâncias familiares.