Festa do Avante no Covidoceno
Festa do Avante? Vejo aqui uma fotografia da Feira do Livro de Lisboa e sorrio, gente amontoada. Leio que Sousa, o patético presidente da maioria dos portugueses, invectiva um serviço do Estado (a DGS), assim esvoaçando, pusilânime, sobre o aparelho de Estado, para não afrontar a tutela política, o governo. Leio também que lhe respondem, que não há publicações das directivas da DGS para outros eventos ("toma e embrulha, ó Sousa"). Também leio que o PCP não deveria realizar a Festa durante este covidoceno. Que é aquilo que eu penso, não por causa dos perdigotos mas porque maior demonstração da incoerência deste governo não há, "uns podem, outros não ..." é a imagem que fica de tudo isto. Mas nisso terá o PCP razão, o problema é mesmo o da atrapalhação estrutural destes mandantes (aquela senhora das pregadeiras que nos mandava visitar os lares, lembrar-se-ão as pessoas disso?, e que protestava contra o fecho das escolas ... a ministra que não mama copos sem máscara, etc.), da taralhouquice desta elite, apardalada.
Enfim, Festa do Avante? Faça-se. O Covid irá crescer um pouco, com ela ou sem ela. Sousa & Costa continuarão a ser muito bem aceites (Rodrigues faleceu-se no caminho, mas isso são danos colaterais). O meu problema com a Festa do Avante? Não são os perdigotos. É este:
Fui à festa do Avante desde o início. Pois o camarada Pimentel, apesar das suas suspeitas quanto ao desvio de direita "eurocomunista" de Berlinguer - tal como o de Carrillo e, também, também ..., de Marchais -, acompanhara-me diante dos italianos Area na FIL nesta hendrixiana "Internacional" e, no ano seguinte, deixara-me assistir a Eugenio Finardi, aí já ombreando com os míticos Fairport Convenction e outros.
Naqueles tempos a Festa do Avante conjugava gerações, a gente aterrava ali a beber durante três dias (e a fumar que se fartava, vá lá, que também era verdade), a "camaradar" entre nós e com os mais velhos dali, os camaradas mesmo, aqueles voluntários dos pavilhões regionais a rirem-se dos nossos "camarada" e nisso a serem camaradas, no servirem/ajudarem às cervejas e comes, para nos manterem em pé, e mesmo assim nós por vezes a desconseguirmos ... Nisso a gente, em tempos tão diversos, via pavilhões do mundo inteiro (o comunista, claro) e do resto do país, nestes com os petiscos locais, jogava-se xadrez com os macro-grandes mestres soviéticos e ouviam-se inúmeros músicos de todos os lados, desde os desconhecidos, e alguns que músicos!!!, e os Dexys Midnight Runners (que concertão), aquele Chico Buarque (no apogeu!!, ainda que trémulo por questões lá dele, biográficas), o Manu Dibango (Manu Dibango em Lisboa naquele tempo? tão raro que me obrigou a voltar àquela Festa, já anos depois de me ter recusado a frequentar aquilo), o rock celta então em voga, proto-etnomusic de então, o Ivan Lins provavelmente no melhor concerto da sua carreira (com a belíssima mulher de então, uma loura Lucinha a alumiar Lisboa), Jorge Pardo, o fantástico "corno" de Paco de Lucia, num pavilhão menor numa actuação inesquecível da qual nada recordo, Makeba sem eu saber quem era Makeba, o gigante Luis Gonzaga diante de uma audiência que não o sabia ouvir, Charlie Haden a enfrentar um público estupefacto e também Max Roach, e tantos outros, ali todos os anos polvilhados pelo discurso quase final do camarada secretário-geral, o grande Cunhal.
Foi mesmo isso que me acabou ali, no cruzar a chegada aos 20 anos, na azia, enorme, de ver que nenhum Godinho ou Vitorino, sempre cagões - e ainda hoje - com a puta da liberdade na boca, como se dela fossem arautos, dedicava alguma canção, pequena que fosse, àquele Sakharov então sob custódia, e das duras, que o Ary dos Santos, poeta histriónico gritador de poemas diante de milhares, nunca lembrava os homossexuais perseguidos (e bem fodidos) nos países lá deles. Um dia, sei lá quando, mas depois dos The Clash no Dramático de Cascais, irritei-me mesmo com a merda do público a cantar o hino nacional (sim, o bacoco "às armas") de punho direito erguido, "que faço eu aqui?!" qual Rimbaud na Ajuda, e, foda-se, nunca mais lá fui. Os gajos, mesmo aquela turba simpática, o povo d'aquém e além-Tejo, eram, e mesmo sem o saberem, pobre gente alienada (como dissera o tal Marx), e nisso o inimigo. Vil. Segui para outros concertos, mas nunca festivais.
(O trecho da minha memória da Festa do Avante fora já colocado neste postal)