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Há dias referi, louvando, a intervenção de Paulo Rangel no Parlamento Europeu, dedicada à proposta de uma Resolução sobre a Situação Humanitária em Moçambique (2020/2784(RSP), documento do qual foi um dos proponentes - e creio que co-autor.
O filme da intervenção parlamentar de Paulo Rangel foi disseminado nas redes sociais. E fiquei abismado com a imediata reacção de vários membros da elite académica moçambicana. O seu conteúdo foi explicitamente deturpado - chegando-se a dizer que Rangel havia negado a existência de violência como causa da gravosa situação humanitária na província. Num regime mais rasteiro foi apodado de "tuga" - termo de nenhuma ambiguidade no uso local - e outros aludiram a "interesses" que o deputado europeu teria no país, explícita calúnia.
Num regime menos abrasivo, de cariz político, foi também criticado devido ao facto do Parlamento Europeu e as instâncias da União Europeia não se terem oposto, nos últimos anos, aos governos moçambicanos.
Tudo isto, tanto o acinte contra os "portugueses" - quantas vezes apresentado por académicos luso-moçambicanos, característica sociológica reconhecível por quem tenha algum conhecimento da sociedade moçambicana - como as calúnias ao deputado devidas a espúrias auto-categorizações ideológicas, bem como as críticas de índole política, foram também formas de desvalorização do documento acordado no Parlamento Europeu enquanto proposta de enquadramento de futuras articulações relativas ao conflito de Cabo Delgado. Sobre isso resmunguei há cerca de uma semana, em comentários no grupo de Facebook Nenhures, no qual ecoo as publicações deste blog. Transcrevo esse meu resmungo, sem particulares cuidados de rearranjos formais:
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O breve discurso de Paulo Rangel no PE, antecedendo a Resolução do PE sobre a situação humanitária no Norte de Moçambique, é um facto muito secundário neste processo conflitual, ainda que a Resolução possa vir a ser algo significante em termos de política internacional se obtiver (se obtiver, sublinho) alguma relevância na indução de articulações multilaterais face ao conflito existente. As quais são o explícito objectivo dos 3.08 minutos do discurso e, com muito maior ênfase, o da Resolução aprovada e da qual Rangel é um dos signatários (talvez o primeiro, mas isso não posso afiançar pois apenas o depreendo da leitura do documento e da ordem dos eurodeputados proponentes que ali está aposta, a qual poderá ser aleatória). Mas, ainda que venham a ter tais efeitos benéficos pois apaziguadores, são - discurso e Resolução do PE - meros epifenómenos.
Mas o que me é relevante é o conjunto de reacções que este discurso obteve por parte de intelectuais moçambicanos e/ou de intelectuais com interesses biográficos, intelectuais/afectivos, e laborais sobre Moçambique. Os quais têm diferentes mundivisões (provindo de diferentes campos ideológicos) e com diferentes interpretações do processo moçambicano. E isso é-me relevante porque denota um ambiente intelectual, apesar dessas mesmas diferenças "ideológicas".
Eu não sou eleitor do partido de Paulo Rangel - em 38 anos de eleitor votei uma vez no PSD e teria votado outras duas se não estivesse ausente do país. Não o conheço, nem a nenhum dos outros eurodeputados da sua (ou outra) bancada. Nem a qualquer deputado ou dirigente nacional daquele partido. Não tenho empatia pessoal por Rangel que facilitasse alguma adesão à sua argumentação - é certo que não devemos restringir as considerações políticas a empatias pessoais mas estas ajudam a apreensão menos desfavorável, a uma maior atenção à argumentação de alguns locutores (por exemplo é o que me acontece com Marisa Matias, e digo-o sem qualquer brejeirice, pois não é o facto de ser uma senhora bem apessoada que me convoca alguma simpatia auditiva [ou, pelo menos, não é só isso] mas muito mais a forma como se expressa).
Ou seja, não sei quais os seus pressupostos quanto a Moçambique, não conheço a sua mundividência. Não tenho a mínima ideia sobre se terá (ou não) "interesses" (como o acusam alguns intelectuais moçambicanos) de cariz esconso, ímpio, ínvio sobre o país. Apenas procurei ouvir o que o homem disse (3.08 minutos, repito) e ler o texto do qual foi signatário. Coisa que, estou certo, a maioria dos detractores (alguns insultuosos, outros radicais críticos, outros meros deturpadores) não fez. Fi-lo, exclusivamente, pelo hipotético interesse que este momento político poderá ter para a urgente resolução da situação no Cabo Delgado.
V. [este meu texto é em resposta a um comentário do investigador João Cabrita, que fizera curiais críticas políticas a Paulo Rangel] argumenta contra ele, tal como outros o fazem, alguns em mero ad hominem. Então, e sem sobranceria, e já que o faz em contraposição a breves textos meus sobre o assunto, eu convido-o a reler o que eu escrevi e ver qual será, de facto, a pertinência de tamanho ataque, e até, azedume. Para facilitar eu cometerei o pecadilho da auto-citação:
1. Chamei a atenção para a recente Resolução do PE - cujo texto se articula completamente com a posição que V. refere elogiosamente da comissária da CE Urpilainen diante do governo moçambicano. Algo que, em última análise, nos recorda para que servem as resoluções do PE. Ou seja, louvar a proclamação de Urpilainen e as recentes declarações de organismos de direitos humanos relativas à situação no Cabo Delgado, enquanto se elide o texto da resolução do PE e se protesta com Rangel, é uma verdadeira e total contradição.
Ao referir a intervenção de Rangel escrevi em introdução: "Tem estado bem Paulo Rangel, e o PSD, no acompanhamento desde há meses no Parlamento Europeu da situação em Moçambique relativa à guerra no Cabo Delgado. E fez aqui uma boa intervenção, adequada àquela instituição, fundamentada e ponderada.", referindo um historial de produção documental que julgo encetado cerca de meados de 2020. Ainda assim aproveitei para criticar o reducionismo socioantropológico patente no breve discurso e, ainda maisno texto, devido a que reduz o universo populacional a cristãos e muçulmanos. Pois há sempre mais algo a dizer, mais algo a esmiuçar. Mas apesar dos defeitos, imperfeições ou incompletudes desta posição (ou doutras posições), há ou não algumas virtudes ("potências") no que foi apresentado?
Há quem negue essas virtudes ("potências"/potencialidades) a Rangel e ao texto que ele co-propôs, apenas porque antes não tomou posições que se julgam apropriadas - críticas aos governos moçambicanos, entenda-se que é disso que se trata. Eu fico na minha: nestes últimos meses, e face à involução da situação do Cabo Delgado, tem sido positivo o contributo daquele eurodeputado e daqueles com quem ombreia neste assunto. É isso que julgo agora relevante. E produtivo.
2. Num texto anterior, numa comovida reacção ao horrível filme do recente assassinato cometido por soldados, eu escrevi: "Este tétrico assassinato não é apreensível para se falar de outras coisas, para avaliar os males do mundo, para comparar com outros fenómenos ou aquilatar das posturas próprias ou alheias. Pois este assassinato à beira da estrada, a mãe nua defecando em pavor face à matilha das feras humanas, é o mal absoluto."
O que quis dizer, nesta atrapalhada forma, é que a urgência em entender a situação do Cabo Delgado (e também a das formas de acção por lá, claro) deve abarcar a multiplicidade causal de todo este processo. Que serão, a la Braudel, indiciadores de causas de longo e curto prazo, e "ocasionais". Mas defendendo que a compreensão do fenómeno exige a sua delimitação. E nisso, também, a limitação da sua utilização como analogia.
Especifico: urge salvaguardar a identidade do fenómeno, a sua "individualidade", apesar das tantas influências causais que tem. E reclamando a improdutividade, da negatividade até, de o utilizar para discutir questões que lhe poderão estar associadas ou lhe poderão ser associadas analogicamente (já o vi como bandeira da questão de "género" porque uma mulher foi morta, como discurso anti-movimento black lives matter, etc).
Ou por outras palavras, e como dizem muitos críticos da ligação da UE com os governos de Maputo: os processos eleitorais moçambicanos influenciaram este conflito? Talvez. Mas ao privilegiar a discussão desse processo eleitoral, se se o escolhe de antemão como o fundamental para entender o que se passa no momento presente, está-se não só a simplificar (por crença) o fenómeno como se está a confundir, a criar obstáculos ao enfrentar do problema. O enfatizar, em função de preocupações anteriores, de determinado fluxo causal prejudica a compreensão e envenena o necessário debate (intelectual e político).
3. Alguns entendem que este é um processo exclusivamente interno, uma luta contra a Frelimo e o seu governo. É isso que eu retiro de algumas leituras que faço e da hierarquia de significâncias que muitos deixam trasnsparecer - muito patente nas críticas que se fazem ao "colaboracionismo" de Rangel e restantes instâncias europeias com o governo moçambicano. Em meu entender isso cerceia várias dinâmicas que são ali aparentes, em particular internacionais.
E insisto, com todos os limites das acções multilaterais, com os efeitos disruptores dos interesses das grande multinacionais extractivas, até com os resquícios da velha doutrina Monroe - e, subsidiariamente, da tralha lusófona (contra a qual tanto tenho escrito in-blog e out-blog) - não vejo dimensões negativas no breve discurso de Rangel. Pelo contrário, nele encontro explicitamente:
a) o reconhecimento do drama humanitário;
b) o fundar desse drama na violência terrorista;
c) a afirmação das difícil situação económico-social moçambicana (o que abre campo para a discussão dos modelos de intervenção desenvolvimentista - ainda que, evidentemente, esse não seja o cerne do discurso e da Resolução. Nem seria normal que o fosse - aliás, não só seria avesso à questão central como seria, imediatamente, considerado como uma intrusão);
d) o reconhecimento do peso negativo das alterações climáticas (algo tão negado por uma extrema-direita europeia, fiel a um irredentismo industrialista), factor que não vejo nenhum crítico ad hominem referir e, muito menos, saudar;
e) o reconhecimento da ausência da solidariedade internacional, europeia em primento lugar, com a situação no Cabo Delgado;
f) o reconhecimento que há países europeus com especial "responsabilidade" face a Moçambique dada a antiguidade e proximidade de relações diplomáticas (e só um alfabetizado iletrado é que julga "responsabilidade" como mero sinónimo de "tutela" - mas há intelectuais que o fazem, para meu espanto, face à evidente ignorância linguística ou incompetência hermenêutica que assim patenteiam);
g) o reconhecimento que o silêncio internacional e das instâncias nacionais (situação tantas vezes afirmada/lamentada por vários intelectuais e jornalistas moçambicanos, seja em textos de imprensa seja nos seus murais de FB) teve como excepção o bispo de Pemba - recentemente atacado na imprensa moçambicana por falar do assunto;
h) a disponibilidade para envolver a UE (a Comissão Europeia) nos esforços de concertação com outras instâncias regionais multilaterais (a UA e a SADC) para colaborar com o governo moçambicano.
Atacar isto? Qual é o problema deste "ponto da situação"? Discordâncias pontuais, diferentes visões ou hierarquias de significação, seriam normais. Reacções insultuosas, deturpadores, caluniadoras? Ou, pura e simplesmente, revanchistas, como um pouco o é a sua?
De facto, o texto de Resolução do PE de que Rangel é signatário (e porventura parcial autor) é, na linguagem diplomática - que tem que reger as relações entre este tipo de instâncias políticas internacionais -, basto crítico do governo moçambicano. O texto nota as delongas no reconhecimento da gravidade da situação e as delongas (e até inaptidão) nas medidas necessárias. O texto insta o Estado a permitir inspecções de organismos internacionais, insta-o a cumprir uma vasta parafernália de tratados internacionais. E insta-o a articular-se internacionalmente, segundo os critérios que definir no cumprimento da sua soberania, para enfrentar a situação. Esse é o texto (também) do deputado que tanto é contestado por "cumplicidade" com o governo moçambicano.
4. Há outra proposta de Resolução de autoria portuguesa, que não congregou qualquer reacção negativa, nem sua nem dos intelectuais moçambicanos que tanto se abespinham contra Rangel. É a de Marisa Matias (consulta-se aqui). É interessante lê-la. Por um lado elenca como factores negativos a intervenção da indústria extractiva internacional. Mas aí, minha visão sobre esse documento, opta por se centrar apenas nos agentes europeus, algo compreensível pois apresentada no Parlamento Europeu.
Mas ainda assim considero esse viés deficitário. Pois sendo uma análise política da situação e uma proposta de conjugação de esforços internacionais, congregando multilaterais, seria positivo (menos “eurocêntrico”) identificar outros intervenientes externos, como empresas de origem americana e asiática e as redes de economia paralela e criminal do contexto índico, que tanto influenciam o contexto regional nortenho moçambicano, nacional e naquela área da África Austral. Mas mais ainda, essa proposta é, no seu sub-texto, bastante mais crítica do Estado moçambicano do que a Resolução que veio a ser aprovada, em moldes que me parecem menos apropriados a uma linguagem de relações internacionais – e me faz aventar, no mero contrafactual, sempre espúrio, que muito negativa seria a reacção dos intelectuais moçambicanos que clamam contra o “paternalismo” de Rangel, se fossem confrontados com o teor da Resolução proposta por Matias.
Mas mais do que tudo, para quem contesta o “centramento” de Rangel. O texto da proposta de Matias tem toda a aparência de ter sido escrito para consumo interno, num evidente “gilletjaunisme” de agit-prop, descentrado-se da urgência da acção face ao conflito moçambicano. Pois num documento que se pretende incentivador de uma conjugação de esforços das instâncias europeias com outras multilaterais e agentes internacionais em prol da resolução da crise de Cabo Delgado, Matias opta por invectivar, literalmente, a “hipocrisia de Macron”. Será que isto era para passar, é este o tipo de discurso que se espera produtivo? Será que o objectivo é um contributo para a resolução da situação? Ou é um mero (e face à gravidade da situação, até vil) "eurocentrismo"?
É interessante ver como os intelectuais moçambicanos não se incomodam com tamanha subalternização da questão de Cabo Delgado em prol de uma linguagem “que fique bem na fotografia”, uma verdadeira secundarização da situação. Gente intelectual que tem décadas de militância, de análise crítica, de responsabilidades executivas e legislativas, e é incapaz fazer actuar um mínimo de “realismo político” invectivando tamanha demagogia, tamanha inconsciência? Confesso não só a minha estupefacção como a minha indignação. Cívica.
5. Aconteceu que um parlamentar europeu falou na primeira pessoa do plural ("nós"), referindo-se a uma necessária congregação entre os constituintes desse parlamento, as 28 nações que pertencem à União Europeia. Para um catedrático moçambicano isso é uma coisa horrível e serve-lhe de pretexto para um insulto soez, a invectiva insultuosa em função da nacionalidade de Paulo Rangel. É também a evidência de uma incapacidade para entender um contexto de locução, os constituintes daquele areópago, e um sinal óbvio de incapacidade de entender o audível e o legível. Ainda mais abjecto é o coro de intelectuais portugueses e moçambicanos (até mesmo gente há muito aboletada em Portugal, terra dos tais “tugas”) que vão saudar, aplaudir, tamanho desaforo. Francamente, locutor e plateia ultrapassam o linha da indecência.
6. Intelectuais moçambicanas aventam em público que o discurso de Rangel (e, concomitantemente, a proposta de Resolução que apresentou) se deverá a ele “ter interesses” no país – numa formulação que apela a uma polissemia, dando azo a uma nada subliminar acusação desta intervenção se sustentar em interesses esconsos, pois inditos, de cariz pessoal, privado. Como atrás disse não conheço Rangel, e não posso elaborar sobre o assunto, sabe-se lá o que ele (ou os seus colegas de bancada) terá na agenda. Cumpre-nos a nós, cidadãos, em particular os portugueses, escrutinar, sob as nossas limitações, as suas efectivas ou putativas associações - é isso a democracia. A qual tanto desvalorizam como meramente "formal", enquanto apoiam e apoiaram durante décadas ditaduras de poderes inescrutáveis mas suportadas em mitologias "progressistas" de utopias distopianas. Mas como as pessoas que fazem essa insinuação em público têm responsabilidades intelectuais e institucionais a acusação (ainda que feita “en passant”) ganha outros contornos.
Não me alongarei sobre isto, este tipo de insinuações são graves mas são também forma de delimitar a forma como se concebe a reflexão e a acção relativamente a Cabo Delgado. Para estes intelectuais moçambicanos (e alguns torpes portugueses) os estrangeiros (ou, pelo menos, os portugueses) que podem opinar/actuar sobre esta situação terão que pertencer a um “Nós”, o conjunto pré-determinado, por critérios de pertença partidária ou conúbio ideológico, que é considerado "bom" e "virtuoso" (segundo os critérios próprios que eles próprios estipulam, de proximidade ideológica e, porventura, da amizade.). Já os outros, alheios a essa filiação ideológica, dever-se-ão calar ou serão insultáveis por serem "portugueses" (tugas) ou serão alvo de acusações caluniosas.. Talvez por isso Marisa Matias, apesar de ter feito uma proposta de Resolução, não é alvo dessa suspeição. Não me ocorre a mim presumi-la algemada a interesses malévolos na sua preocupação política com o Cabo Delgado. Mas cumpre-me interrogar-me porque são outros intervenientes políticos alvos dessa suspeita, ainda para mais quando tal é efeito de meros pressupostos de afectos ideológicos.
Mas mais surpreendente é a reacção face ao facto de que Carlos Zorrinho, eurodeputado do Partido Socialista, também é signatário da proposta da Resolução aprovada (assim porventura seu co-autor). E que também discursou (aqui o registo fílmico da sua intervenção). E que disse mais ou menos o mesmo que Rangel – ou seja, é também, nas viciosas palavras catedráticas (sufragadas, aplaudidas, "laicadas", com impudicícia e imoralidade, por antropólogos aqui imigrados e outros portugueses), um outro “tuga”. Para mais, e decerto porque é deputado do partido do governo, enfatizou as relações diplomáticas bilaterais, elogiando as acções do governo português. Uma deriva discursiva, normal em si mesma, pacífica, mas que daria mais azo ao tipo de reclamações anti-intrusão paternalista que grassaram no campo intelectual moçambicano. Ou seja, desnecessária e mesmo improdutiva, para quem conhece os "ruídos" na apreensão das relações entre Portugal e Moçambique, que carrega as normais chagas da antiga relação colonial.
Mas mais do que tudo julgo necessário dizer isto: em utilizando a mesma “epistemologia da suspeição” que deixa insinuar em público que a intervenção de Rangel se deve a malevolentes intuitos pessoais ter-se-á que fazer o mesmo ao membro do Partido Socialista que com ele ombreia, na apresentação da Resolução e no conteúdo discursivo. E ainda posso dizer mais: se tivermos em consideração o problemático processo que o PS viveu na última década - que é consabido, e que é também conhecido por via noticiosa no contexto intelectual moçambicano (e no académico, que tem algumas relações bem estreitas com a academia portuguesa), bem como a presença de vários das suas figuras gradas nos negócios internacionais em Moçambique (lembro que o único membro da elite socialista que está preso teve importante papel na articulação das empresas portuguesas e seu Estado com o processo extractivo em Moçambique), mais razão poderia haver para se aventar a intromissão de intuitos privados no grupo parlamentar europeu do Partido Socialista. No qual existe aliás pessoa com fortes vínculos profissionais e laborais ao país.
A mim, clamo-o, não me passa pela cabeça essa alusão, não ponho em causa a honorabilidade pessoal dos actuais eurodeputados socialistas, e a lisura dos motivos que os levaram a sufragar este texto de Resolução. Mas surpreende-me que os intelectuais moçambicanos que praticam em público a tal “epistemologia da suspeição” para com Paulo Rangel a suspendam para com os seus colegas do Partido Socialista. Ou sabem algo, e deveriam explicitá-lo em público quando dizem que “Rangel deve ter interesses”. Ou nada sabem, apenas peroram em inconsciência, somente preocupados em situarem-se … no espectro político português.
Entrevista a Joseph Bottum por Mark Tooley no canal Providence Magazine. Aborda a influência das visões auto-punitivas e escatológicas na política nos EUA, devido ao que considera ser o colapso das igrejas protestantes no país. Vinte e cinco minutos muito interessantes ...
Para quem quiser deixo ligação a um breve artigo, 6 páginas: Disenchantment and Its Discontents. Demonstra a sua visão e é, provocatoriamente, muito actual para o "debate" português - se é que há tal coisa. (Quase) Termina assim: "Earlier this year, Richard Dawkins reiterated his insistence that bringing up children religiously is a kind of “child abuse.” But I worry more about the rest of us in our modern culture—we children of science, brought up by anti-religious dogmatists in narrow, cramped little doctrines. No art, no richness, no sense of living symbols, nothing poetic, nothing sacramental: That is a truer kind of child abuse—a thinning of the experienced world, a willed privation."
A secretaria-geral do ministério da Defesa Nacional, instância decerto composta por assalariados do funcionalismo público, dispendeu algum tempo - ou seja, dinheiro público -, a compor uma proposta de directiva para uma "linguagem não discriminatória e mais igualitária nas Forças Armadas", a qual inclui este tipo de modificações. O dinheiro (tempo) gasto nesta escrevinhice não terá sido muito, e quem a fez não deverá ter muito mais para fazer. Ou seja, os custos efectivos disto são um nada. Tem apenas custos subjectivos, pois a patetice potencia irritações sociais e nisso oposições espontâneas a outras justas práticas tendentes à equidade. Muito bem esteve o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, ao explicitar que esta coisa "é absolutamente menor, não tem relevância nenhuma e, do meu lado, confesso que não pretendo passar muito tempo a pensar nessa matéria" pois "o que é verdadeiramente importante é o trabalho que está a ser feito na promoção da igualdade de género dentro das Forças Armadas".
Ainda assim isto custa-me. Pois vejo gente letrada (e reparai que uso um abrangente feminino, que é corrente), pela qual tenho amizade e respeito, a partilhar esta tralha como se fosse algo positivo. Outros que a isto louvam são os que usam o "X" para evitar o género das palavras, mesmo em comunicações profissionais, julgando que tais ignaros ademanes os engrandecem ou alindam.
O que esta imagem exemplifica é uma pobre mentalidade que considera necessário, pois positivo, substituir a genérica "indivíduo" - que é a palavra explicitamente subjacente - pela genérica "pessoa". Já agora, e num olhar mais minucioso, para além disso carrega uma visão sociológica muito básica, de facto populista e nisso anti-democrática, ao propagandear a noção de "classe política". Mas isto até é um mero detalhe, apenas denotativo da ignorância dos proponentes.
A igualdade e a equidade são causas justas. E estas nada ganham com argumentações estúpidas. E muito menos com sensibilidades histéricas.
Adenda: um dia passado sobre a notícia deste tonto documento o ministro Gomes Cravinho decidiu pela sua anulação. Esteve bem.
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