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Lembrando o 25 de Novembro, data charneira da nossa democracia. Honrando os que nesse momento foram firmes contra a barbárie comunista, o (cá) contido brejnevismo do PCP e a histeria otelista, a tralha agora BE/Livre. Na fotografia os então majores Vítor Alves e o meu saudoso amigo Aventino Teixeira. Vénia.
No final desta semana perguntam-me porque me irrito eu, e tanto, com o palrar comuno-racista do dr. Ba, com os profissionais de jargão, crentes nas "causas" e sedentos de benesses, com os deslumbrados consigo mesmos que me vêm dar lições sobre história do escravismo, colonial ou de lusotropicalismo? Porque me eriço com o atrevimento de sociólogo estrangeiro que cá vem, aldrabando termos, convocando a nossa "tribalização"? Porque anseio vergastar os efebos que "intervencionam" a pobre estatuária pública - mas nunca quadros ou esculturas arrecadadas, qu'isso lhes fiaria mais fino, e a tanto não lhes chega a "militância"? Porque me enjoa tanto este tão pífio " N'Ámérica" a la Xutos, mas sem o Cabeleira a esgalhar?
Há décadas Cocteau escreveu: "La France est un pays qui se dénigre. (...) L'essentiel est qu'il ne se constate pas. Ce qui se constate se neutralise." Cada um que interprete como quiser - de facto, é para isso que servem as citações. Eu interpreto "à minha maneira", que este denegrir é o culto da vacuidade. E sigo ciente que este algures é Portugal. E que os EUA estão alhures. Constato isso, por assim dizer.
Leio muita gente criticando o multiculturalismo, dizendo-o pérfida e derrotista ficção ideológica. Clamam pela constatação da homogeneidade lusa. Esquecem, esses, o real. Ignoram até os sábios, tais como Orlando Ribeiro. Lembro-o agora. Pois só, em esplanada a sul do Tejo, ouço a conversa na mesa vizinha. Em desgarrada quatro encanecidos abordam bitcoins, covid-19, tik tok (?), 5G e, com delongas, as ... almorróidas, respectivas e alheias.
"Temos de matar o homem branco, assassino, colonial e racista" — Mamadou Ba (SOS Racismo)
Simpatizo com o dr. Ba. Na sua linha de acção política não gosto da demagoga e egocêntrica deputada Moreira, e ainda menos dos "white (old) boys" histriónico-demagogos que folclorizam (e racializam) tudo isto, em particular os de coração socratista (delenda est carthago, nunca esquecer isso), obviamente com olhos sôfregos nos desejados subsídios para os "desfavorecidos" que eles partilharão, na condição de "compagnons de route", aka "intelectuais orgânicos". Mas simpatizo com o dr. Ba. Chamai-lhe "macholice" minha mas aprecio um tipo que vem de fora, negro ainda para mais, e assume posições públicas difíceis. Dele discordo, imenso - o que o homem acaba de dizer do Mithá Ribeiro é uma verdadeira vergonha -, mas tiro-lhe o chapéu ao vê-lo sozinho a andar na rua, sem tergiversar, ainda que rodeado de alguns holigões fascistóides aos gritos provocatórios. Entenda-se bem, esses gajos costumam ser perigosos ...
Dito isto, vejo por aqui partilhado, em regime de invectivas, esta sessão académica do dr. Ba, um convívio via zoom. Na qual ele repega Fanon e considera que "é preciso matar o homem branco". Erguem-se as vozes contra este "evidente" discurso de ódio. Acontece que o homem não está a apelar à constituição de milícias "negras" dedicadas a matar-me, ou a outros tipos com a minha indigna cor de pele. Está a citar, glosar, está a aludir à sua vontade de destruir um narrativa histórica. Eu discordo dele, mesmo, e até sorrio diante do monumento ao anacronismo. Mas este homem não me quer dar um tiro, quer sim devastar a minha compreensão do mundo, e minar-me(nos) o proselitismo. O que é uma coisa completamente diferente.
Mas o problema fundamental é encontrar alguém que o conheça e que ele ouça, acate. E que lhe explique que, com zoom ou sem zoom, ele não está num campus pois optou pela praça pública. E qu'isto não é uma faculdade (por mais que os burguesotes "radicais de campus" comunitaristas o sonhem). Ou seja, que ele pode usar o Fanon, ou outros quaisquer, pode citá-lo(s), pode glosá-lo(s). Mas depois tem que explicar tintin por tintin o que quer dizer - ele fá-lo um pouco mas não o suficiente. Para aqueles que não estão no campus ...
Porque assim, com esta candura, isto ainda descamba. A não ser que seja esse o objectivo, uma martirofilia. Mas não creio, é mesmo só ...
(Carlos Cardoso com o filho, fotografia de Ricardo Rangel)
Parece incrível, como o tempo se esfuma ... Hoje, 22.11.2020, passam vinte anos desde o assassinato do jornalista moçambicano Carlos Cardoso. O qual foi um momento imensamente comovente e de significado crucial no processo nacional moçambicano. Há 13 anos, em 22.11.2007, deixei no ma-schamba um transcrição de excerto do elogio fúnebre que Mia Couto lhe fez, um texto de enorme grandeza e demonstrando então uma extraordinária coragem moral e física, em momento tão crispado e angustiante. (Esse discurso está publicado no seu livro "Pensatempos"). Palavras que se mantêm actuais.
Há já oito anos surpreendi-me com a "naturalização" do seu assassinato. Foi quando descobri que neste Facebook havia milhares de "amigos" e de "seguidores" - entre os quais imensas das minhas ligações-FB e até conhecidos e amigos meus - de um dos seus consabidos vis assassinos, então numa prisão de Maputo, na qual tinha a liberdade de, através das redes sociais, perorar comentários políticos sobre o país e alardear a sua inocência, assim tornado um verdadeiro "influencer" (como então ainda não se dizia). Irei-me. E botei este postal, a minha memória de Cardoso.
Hoje releio-lhe o livro de poemas "Directo ao Assunto" de 1985 (Maputo, Cadernos Tempo). E recupero-lhe o o poema "Ruth First", escrito em Agosto de 1982, após o assassinato em Maputo da investigadora e política, que 20 antes do de Cardoso também tanto comoveu o país. Pois julgo-o bem significativo. Talvez utópico ... Mas decerto que aplicável a esta data: "Isto dos mortos não falarem / não sei. / É que de certos mortos / costumam nascer embondeiros / de raiva / no capim da hesitação".
Esta releitura da sua poesia não me implica avaliar Cardoso como poeta, que para isso não tenho saberes. Mas o que retiro do livro - para além da memória de um homem que tão significante foi na sociedade moçambicana, pelo que viveu e dada a forma como morreu - é que neste pequeno livro, cujo prefácio de autor consiste na depois celebrizada frase "No ofício da verdade é proibido pôr algemas nas palavras", se encontra uma pequena história da I República do país. Desde os iniciais poemas (em inglês e bilingues, também) ainda de 1973, feitos em JHB, demonstrando revolta e anseios pela situação colonial de toda a região, até curtos poemas ainda dos anos 70s bem críticos do devir nacional, em registo de verdadeiros alertas - e isso anos antes do desassombrado e depois mítico "Tanjarinas de Inhambane" de Craveirinha. Em 2005 deixei no blog ma-schamba uma brevíssima selecção desses poemas, que mesmo tão pequena julguei demonstrar a irrequietude de Cardoso. Reproduzo-a aqui:
Hoje / aromas chamanculos / politizam os fogões / da polana ("Primeiro aniversário", 1977)
Eh!, todos aí / vamos deslobolar este país ("Discurso Novo da Mulher", 1978)
Cumprem regulosamente / a espia sobre as nossas aspirações / e chamam analfabetos / aos nossos gostos e opiniões. / São redondamente regulosos / os régulos / do carimbo (1978)
Os semi-utópicos que trazemos no peito / aqui no lado esquerdo do trump-trump da vida / e dos vulcões. / Este arsenal de guerra parado / à espera / nos discursos da nossa vontade / apenas semidita / Mas olha / não dura muito o lobolo do compromisso / nas verdades intuídas pela paixão. / Eh! escravos do slogan, / respeito. / Há sangue nosso na estrada (1977)
Carlos Cardoso era um radical (e não uso a palavra de modo pejorativo). Foi-o enquanto jovem anticolonialista. Foi-o enquanto revolucionário, um nacionalista que poderei chamar "samorista" (de novo, um termo que não me implica qualquer desvalorização). E seguiu - e foi assim que o conheci e li - um soberanista (idem), no sentido de reclamar contra quaisquer relações de dependência do seu país face a terceiros. O seu radicalismo talvez fosse mais uma posição profissional, pública, e como pessoa fosse diferente - recordo que entre os vários textos que se sucederam ao seu assassinato, aquele que preferi foi um dorido e carinhoso texto intimista de um seu amigo próximo, o académico António Prista (que talvez tenha sido publicado no "Savana" mas não o posso afiançar), que nos mostrava um outro Cardoso, peculiar e dulcíssimo.
Nessa dimensão pública, de jornalista empenhado, Cardoso era também muito pouco atreito à retórica política "lusófona" ou a articulações privilegiadas com a antiga potência colonial. Li-o e ouvi-o nesse sentido. Por vezes concordando, outras discordando, considerando exageradas as visões que tinham subjacentes a ideia de um programa neocolonial português. Não era essa uma visão peculiar dele (nem a critico) entre os seus concidadãos, era até comum, mas recordo-lha. Não julgo que fosse dependente do facto de ele ser um lusodescendente. Mas também não julgo que fosse disso independente. Era uma posição política, um patriotismo revolucionário, soberanista, e crítico tanto da sociedade colonial como do olhar colonial, que algo veio a perdurar.
Mas hoje, ao relê-lo, encontro um poema que não retivera. E julgo-o tão significante ... E penso, sem arrogância, que vários dos seus companheiros de geração o poderiam reler. Por isso, para o caso de alguns deles por aqui passarem, transcrevo-o. Para que eles (e todos os outros) possam ver como pensava e sentia um jornalista revolucionário radical. E não essencialista. Passaram sobre o poema 40 anos. E julgo que ainda lhes fará bem ...
Chama-se "Editorial", é de Dezembro de 1981 (!). É dedicado a Ramalho Eanes, então presidente da República Portuguesa, que visitara Moçambique:
"Vieste sem caravelas nem cruzes / sem chibalos nem obuzes / e sem passares pelo Adamastor. / Vieste sem Gama mal-humorado / nem belzebus de espada em punho / que a morte morreu em Junho / e Moçambique aos tiros resgatado / limpou das tuas velas o sangue a dor."
A monumental cacetada televisiva que Sérgio Sousa Pinto decidiu dar em Rui Tavares, antigo deputado do Bloco de Esquerda e agora líder do "Livre" - aquele partido que o advogado Sá Fernandes, ex-candidato do MDP/CDE, reclamou como o primeiro partido de esquerda que "não vem do marxismo" (qu'isto não há limites ...) - tem dado para rir, em particular pela sonsice patenteada por Tavares (ver o curto filme abaixo). Sobre isso do agora Livre, do BE e do PCP terem sido dirigidos no Parlamento Europeu por um consabido antigo informador da STASI, a temível polícia política da RDA, bem esmiuça Rui Rocha.
(Intervenção de Sérgio Sousa Pinto no "Grande Debate", 17.11.2020, RTP)
Mas ainda que a tal sonsice tavaresca tão mostrada possa irritar convém não esquecer uma outra coisa. É que a candidata presidencial Matias também faz parte deste pacote. Pois também ela se perfilou num grupo parlamentar capitaneado por um consabido esbirro. É, decerto, um excelente cartão de visita eleitoral.
Enfim, sobre as sempre reclamadas superioridades morais está tudo dito ...
(Fotografia de Marc Garanger)
A RTP está a transmitir a série documental "Gulag, uma história soviética", em três episódios, um documentário francês realizado por Patrick Rotman, Nicolas Werth e François Aymé (uma entrevista de Rotman aqui).
Julgo saber que se trata de uma (interessante) iniciativa da nova directora do Museu do Aljube, a qual organizou (e patrocinou) a transmissão deste excelente documentário histórico no canal público de televisão. Bem haja, Rita Rato.
Deixo os três episódios para quem tenha pressa em ver o magnífico documentário. Para elogios a Rita Rato ler também Alexandre Pomar, João Pedro George, Pedro Correia.
Nunca tinha ouvido - com ouvidos de ouvir - o que diz André Ventura. Por isso tive curiosidade suficiente para acompanhar a entrevista de anteontem que o (já) decano Miguel Sousa Tavares lhe fez na televisão. É consabido que trinta e tal anos de poda jornalística não trouxeram particular sageza a MST, mas muito mais um arrogante e opinativo blaseísmo. Digamos que ele se tornou no inverso do MEC, outro dos "Miguéis" da geração que se celebrizaram, até como focos identitários, desde os 80s.
Ontem isso foi gritante. O professor Ventura, sem particular carisma ou dons oratórios, propaga o vácuo - aquela da redução abissal dos impostos em troca da diminuição dos ordenados dos deputados e do corte nas fundações estatais e algumas outras (inditas) "gorduras do Estado", como se dizia há anos, é mesmo para "patego ver".
Mas Sousa Tavares ultrapassa-o nessa vacuidade, a qual lhe é decerto catapultada pela sobranceria, viçosa na sua estufa de total inexistência de autocrítica. Para além de erros factuais e de descuido no centramento da entrevista (estava diante de um candidato à presidência, coisa que tarde e más horas recordou ... e para logo esquecer), o jornalista lá veio com o que lhe é tópico constante, o desprezo pelas gentes das "redes sociais" - nós, o público. Pois, claro, além de para aqui andarmos ao engate, como já referiu do seu pedestal moralista, somos ignorantes e pasto de populismo. E depois, o veterano jornalista, escritor de renome, descendente de ínclita geração, confortável no seu bom berço acima desta gentinha dos tuiteres facebuques, pergunta ao candidato "gostava que a sua filha casasse com um cigano?" e "tem algum amigo preto?". Credo!, que ininteligência, que básico. Mais popularucho, mais "redessocial" não haveria ...
Finda a entrevista fiquei angustiado. Não por crer que o professor Ventura ali tinha ganho simpatias e, porventura, eleitores, agradados com aquela "genuinidade", qu'ele há gente para tudo, até para acompanharem os programas de Sousa Tavares, quanto mais para aquilo. Mas fiquei angustiado pois ocorreu-me a hipótese de a minha princesa, a minha amada filha, me aparecer um dia com um namorado jornalista. Sim, eu tenho amigos jornalistas. Mas mesmo assim que horror! Gente a la Sousa Tavares nos jantares de Natal, quando eles voltarem a acontecer? Ateu que sou, invoco o nome de Deus, que me salve de tal praga ...
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