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Nenhures

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Durante estes longos meses nem o presidente Sousa - no seu histrionismo "camp", sempre ávido de roçagar cidadãos e assuntos - abordou o assassinato estatal de Ihor Homeniuk, apesar do seu hábito em comentar investigações judiciais em curso. Ou fez mera menção solidária junto da família vitimada, ele que tão lesto é em abraços e beijos, e mesmo não se coíbe em telefonemas saudando estreias de programas televisivos, nisso abrindo (publicitárias) excepções.

O MNE Silva diz que contactou a embaixada ucraniana, do modo "habitual nestes casos", como se haja "habitual" para uma situação destas. O ministro Cabrita - cujo presença no governo, e na Administração Interna ainda por cima, é, e muito para além deste caso, o sinal da total amoralidade do actual poder - diz de si próprio que é exemplar (e o ministro Silva sublinha-o). A Assembleia da República leva nove meses a convocá-lo para que fale sobre um horror destes. Nove!, decerto que com desculpas formalistas - pois diante de um escândalo destes o inenarrável Rodrigues não se importa de andar mascarado de formalista. Entretanto, a directora do SEF, Gatões, esteve oito meses calada e a primeira vez que falou - sobre um assassínio cometido em grupo pelos seus funcionários no aeroporto da Portela - usou máscara diante das cameras dos jornalistas, demonstrando total insensibilidade, até simbólica (E parece que segue para quadro diplomático bem pago, isto é um ultraje ...). E é agora demitida, nem sequer teve a dignidade de se demitir, nove meses após este horror ...

Foi então noticiado que um médico acompanhou as sevícias cometidas, na própria sala de médicos: a Ordem dos Médicos pronunciou-se? Nada, que eu saiba .... A família pagou o retorno à Ucrânia do assassinado - nem uma igreja, católica ou outra, nem uma ong, nem uma organização assistencialista, nem um filantropo, nem uma dessas "fundações" das grandes empresas ou dos grandes escritórios de advogados-comentadores televisivos, se disponibilizou para colmatar a imoralidade estatal. Mas agora, de repente, pois "investigação terminada", "botão de pânico" proposto, muitos uivam e bramem. E leio mesmo que, também, os esquerdalhos do costume invectivam o silêncio, o do "governo" (desfeita que vai a geringonça) e o da "direita". Este desgraçado caso mostra o descalabro generalizado em que seguimos.

Em início de Junho 2020 muito me irritei com a pantomina histérica, desonesta e demagógica, que correu em Portugal devido à morte de um americano em Minnesota. Abjecto desatino geral, esse de andarem por aí aos guinchos, abanando os rabos e as mamas, por causa da morte americana enquanto nada se dizia sobre o que se passara na Portela de Sacavém. Que gentalha, servos dos sôfregos demagogos socratistas, de vestes "sociais-democratas", no gargarejo da "causa" racialista. É certo que Moreira levantara o assunto em Abril. Mas sem a ênfase nem a indignação que lhe é constante aquando cheira a "raça".

Muito me irritou tudo isso e por isso escrevi sobre Ihor Homeniuk - ou seja, também o fiz apenas de modo reactivo, e como tal não sigo cidadão eticamente incólume com tudo isto. Então googlei em busca da grafia correcta do nome do assassinado. E tirando textos noticiosos daquele Março/Abril quase nada mais se encontrava. De tal forma isso me surpreendeu que fui até à página 3 da "busca google", para sedimentar a apreensão do silêncio social. Depois de eu blogar (no meu Nenhures e no colectivo Delito de Opinião) surgiram outros textos, um pouco na mesma linha (reactiva) de reflexão - um dos quais de Zita Seabra (publicado no mesmo dia), de outros autores não me recordo.  Não me venho armar em "influencer" ou em precursor ou "consciência". Sou só um bloguista desconhecido - um bocadinho lido porque publico no Delito de Opinião que ainda tem audiências. Não estou a dizer que tive qualquer primazia. O que quero assinalar é que tendo escrito no 1 de Junho um texto sobre esta situação encontrei, reflectido na internet (imprensa/redes sociais), um generalizado silêncio, quase universal, sobre este inenarrável assassinato.

Ou seja, é o ministro Cabrita execrável? É! O ministro Silva é melífluo? É! O presidente Sousa é o presidente Sousa, agora em crassa mentira? Ui, se o é! O SEF será irrecuperável? Sim. O silencioso médico que tudo testemunhou deveria ser empalado? Sim. A dra. Gatões deve ir para a prateleira e não para Londres? Óbvio. 

Mas, e sem qualquer dúvida, precisamos do agora célebre "botão de pânico". Não por causa dos tipos do SEF. Mas para nos defendermos de nós-próprios. Que gente somos!

(Marta Temido emociona-se durante discurso no aniversário do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge)

Como disse um pensador português, que aqui invoco, a humanidade está dividida em duas partes: a parte A (que diz "sim" a uma coisa destas); a parte B (que diz "não" a uma coisa destas).

(excerto da entrevista à RTP3 de José Rodrigues dos Santos, publicitando o seu livro O Mágico de Auschwitz)

 
Não que eu sacralize/absolutize o Shoah. Horrores feitos pelos maoísmo chinês e cambodjano (nunca vituperados pelos nossos actuais sociais-democratas, já agora) ou pelos ruandeses (fruto - como dizem os nossos interseccionais "não vindos do marxismo" - dos brancos alemães e belgas, que por lá passaram décadas antes mas que eram, como já disse, "brancos" e ainda por cima "ocidentais", e por isso culpados do que o futuro traz) tiveram intensidades e perversões similares. Mas estes ditos do locutor José Rodrigues dos Santos mostram duas coisas: que o homem ou é parvo ou se faz de parvo; que o serviço público de televisão, que dá publicidade extensa (que ficcionista tem ao seu dispor 23 minutos de divulgação de um novo livro?) a esta abjecção intelectual, tem que acabar.
 
*****
 
Tendo colocado este postal no meu mural de FB uma boa amiga diz-me que estou (como tantos outros) a deturpar as palavras do escritor. Respondi em modo coloquial, que não emendarei. E transcrevo essa minha resposta, sem grandes retoques formais:
 
Sei - e já o botei ene vezes ao longo dos blogo-anos - que as citações são apropriações, assim podendo ser truncagens manipulatórias. E sei que JRS é alvo a abater no rossio doutoral lisboeta - não tanto por vender muito mas acima de tudo por não ser "camarada e amigo". Por isso contextualizo esta minha reacção (apropriação! Talvez deturpação ...):
 
1. Eu não venho com o preconceito blasé contra o escritor JRS. Nunca li as suas ficções - leio muito pouca literatura portuguesa actual. (Porque dedicado a Moçambiqeu deveria ter lido "O Anjo Branco",  está nos meus preguiçosos planos, mas ainda não o fiz). E abomino a estuporada posição "não li e não gosto" - muito típica dos doutores de Lisboa, recorrente nos direitolas quando falam de Saramago.
 
2. O que vejo nesta entrevista, e em particular neste trecho, é um tom coloquial, melhor dizendo, um acto coloquial. Não é uma derrapagem, não é alguém a expressar-me com menos ponderação, expressando-me menos acertadamente, a não dizer com exactidão o que quer dizer, devido a uma qualquer incompreensão ou mau manuseio do meio que está a utilizar. Pois este homem há 30 anos que apresenta o telejornal, dominará como poucos as estratégias comunicativas na tv, de aproximação com os ouvintes, de condensação de mensagens. Isto não é uma crítica velada, é uma mera constatação do seu estatuto profissional. Ou seja, não só está totalmente à vontade como sabe imensamente bem como as suas palavras são acolhidas pela sua imensa mole leitora. Que é constituída, na sua maioria, por leitores populares, não exactamente por clones de Carlos Vaz Marques (jornalista que divulgou este excerto) nas suas qualidades e defeitos, nem mesmo por aqueles literatos sub-medianos que dizem serem grandes escritores alguns jornalistas como Lucas Coelho e Araújo Pereira, e que desprezam os leitores de JRS. Sem rebuço, sabe que na sua maioria quem o aprende - e aqui estou a ser assumidamente arrogante, cagão mesmo - é gente menos empenhada nas interpretações textuais.
 
3. Antes de eu partilhar este trecho li o que JRS respondeu a esta polémica: que a culpa é das "redes sociais". Ou seja, nós-cloaca. E nisso segue pensadores como Sousa Tavares ou Pacheco Pereira, vai bem acompanhado ... Reclama que para se avaliar o que ele pensa e quer dizer sobre o Shoah se deverão ler dois dos seus livros - e aqui tem meia-razão. Pois, de facto, em termos absolutos sim. Mas também se pode avaliar o que alguém diz sobre o que escreve. Principalmente quando se trata de alguém que é peixe graúdo no mar em que fala.
 
Há vários textos publicados nesta verdadeira polémica e ele respondeu-lhes. Não vou condensá-los aqui. Mas a minha opinião sobre JRS (escritor) impõe-se como quadro de interpretação. Não pelo que escreve (que não li) mas pelo muito que diz sobre o que escreve. Acho que disse há tempos "sou um divulgador" mas de facto é um simplificador, um simplismo constante sobre temas "polémicos". Foi-o quando entendeu postular (para gáudio de tanta direitalha lusa) que o fascismo vinha do comunismo (ou do socialismo). O que é uma pantomina - caramba, eu não sou um "ilustre lente" mas li alguma coisa na vida, nem me vou por a discutir tamanha simplificação de processos intelectuais, político-sociais, que merecem e exigem muito mais do que esta fast-food. Exactamente tal como agora usa Arendt e a sua "banalização do mal" - que, aliás, tanta ofensa causou quando ela publicou o livro sobre Eichmann, por incompreensão de leitura. A mesma incompreensão feita de leituras lineares que são o objectivo mas também o método de JRS.
 
Por exemplo, se não estou em erro - li aquilo há imenso tempo - Arendt escreveu que muitos judeus (responsáveis) cooperaram com os nazis e foi lido e vituperada como se estivesse a dizer que "colaboraram" com os nazis, e a semântica é tudo nestes casos. É um pouco o mesmo, em sentido inverso, - salvaguardadas as diferenças intelectuais entre o monstro intelectual que Arendt foi e este nosso locutor - como quando JRS anuncia, oralmente, que escreve sobre como os judeus se "adaptaram". Ora que muitos, aqueles a quem foi possível tentá-lo, "estrategizaram" para sobreviver nos campos é muito verdadeiro (basta regressar ás leituras de juventude, Levi ou Wiesel, ou ao magnífico "Maus" de Spiegelman). Mas é isso "adaptação"?
 
4. Sei que há uma espécie de censura moral para quem ofenda uma forma específica de falar do Shoah. Que parece ser uma menorização daquele horror quando se belisca a especificidade, o "único" que aquilo foi como expressão do mal. Isso é muito produto do seu eco cultural, literatura, cinema e historiografia dedicada. E foi isso o que, em modo "lite", resmunguei no postalito, acima. Claro que aquela monstruosidade foi específica (um cume no antisemitismo euro-cristão de séculos. E que tanto sobrevive em muito da arabofilia actual do pós-marxismo. Temos, aliás, a candidata Gomes como referência disso).
 
Trata-se da necessidade, qual mandamento moral, de olharmos Shoah como único, exemplo-mor, e o povo judeu como "Escolhido" pois mártir. Algo que se torna uma censora da forma como daquilo se fala (até Arendt veio a sofrer disso, repito-me). E implica silêncios - sobre o genocídio cigano, dele contemporâneo. Ou, ainda mais silencioso, o facto de 3 décadas antes os alemães pré-nazis terem feito um "holocausto" na Namíbia, em modalidade pré-industrial. Ou o imediatamente posterior massacre chinês no Tibete sobre o qual ninguém perguntará ao candidato Ferreira (nem a punhados de sociais-democratas matisianos). Mas, caramba, reduzir essa especificidade, esse Demo-Único, ao nazismo e ao holocausto judeu, afrontar a "maneira correcta" sobre como ele falar, não é nestes termos mariolas do JRS - "li a transcrição de um documento que augurava ser mais humano matar por gás do que deixar morrer à fome" e isso é algo estruturante da "solução final" industrializada. Isto é demais, é um abastardamento do intelecto. Não sou contra a literatura "lite" (eu vejo séries de tv, e como todos que as vêm não posso negar o apreço pelo registo "lite"). Mas contra este abastardamento sou.

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Período de nojo (2): estive alguns dias alheado das notícias. Agora, vindo ao rossio deparo-me com algumas pérolas. Não haja dúvidas, o real luso é fervilhante ...

Leio o recente artigo "Mil e uma noites sem Marielle" [Franco], da autoria da social-democrata Joana Mortágua, evocando o assassinato da autarca brasileira: "Vereadora eleita pelo PSOL, negra, lésbica, (...), Marielle exerceu o seu mandato (...) No dia 14 de março de 2018 foi assassinada a tiro e imediatamente o mundo soube que o seu silenciamento teve motivações políticas." Uma justa evocação da assassinada, um acerado abordar do contexto político que a vitimou. 

Mas há mais, para mim: na esquerda (e nalgum centrismo) comunitarista - em particular nas secções feministas e racialistas - muito se contesta a existência de uma qualquer "ideologia de género". Dizem-nos, a nós que a reconhecemos, que somos do piorio. Mas é nestas coisas, nestas amputações cirúrgicas, que ela é tão reconhecível. Ao ler o texto (justo, sublinho) logo me lembrei deste meu texto de blog (Março de 2018): "Sopesar os pesares". No qual abordei esta óbvia deriva da ideologia de género: como a elite política portuguesa se mostrou pesarosa diante do assassinato de uma vereadora de um município do Rio de Janeiro mas sem qualquer pesar pelo assassinato do presidente do município de Nampula. Face ao então invocado, tal como agora, a única diferença que se podia e pode encontrar é esta: a assassinada era negra e homossexual; o assassinado era negro e heterossexual. 

E por isso mesmo, três anos depois, nenhum social-democrata português publica uma invocação de Mahamudo Amurane, presidente do conselho municipal de Nampula, assassinado no dia da Paz (4 de Outubro) de 2017.

(E ainda me irão chamar reaccionário, homofóbico, misógino e outras coisas que tais, por um textinho destes. É a social-democracia que temos ...)

marisa matias.jpg

Período de nojo (1): estive alguns dias alheado das notícias. Agora, vindo ao rossio deparo-me com algumas novidades. Não haja dúvidas, o real luso é fervilhante ...:

Vejo que a candidata social-democrata do BE foi entrevistada na TV.
E vejo que o candidato social-democrata do BES anunciou a sua candidatura.

 

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