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Nenhures

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Foi agora a morte que me trouxe de Nenhures até este Algures, capital, vindo para ombrear com quem perdeu pessoa muito querida, dia acolhido com pesar mas sem drama, num adeus a anciã partida na paz do seu sono e sem padecimentos. Estremunhados haviam sido com a notícia, insones anuíram a que mestres do ofício a evacuassem do internato onde findou, poupando aquela classe de idade à comoção do que lhes é iminente. Ficou-lhes ela assim resguardada mas também vedada até ao dia que se seguiu, regras, disseram-lhes, desde o último idos de Março. Depois, já no feriado da Imaculada Conceição - esse sempre dia da Mãe para a minha mãe Marília como o fora para as minhas avós Teolinda e Claudina - congregaram-se para a última despedida. Fizeram-no na escassez deste recolher obrigatório, reforçada pelo discreto encanto burguês, avesso ao sonoro. Tiveram então nem uma meia hora diante daquela que partira, em reconfortos mútuos esgarçados pelos medos actuais. Cinco minutos, gentis e apressados, de um padre católico, apenas colhendo um balbuciado eco face a uma dúzia de descrentes no futuro de paz e luz que - dever do seu ofício - tem que augurar. Ali, algo distante, a urna fechada, que a ninguém é possível um último olhar, um beijo até ou afago, o mero perfilar sentido, pois temidos são os sempiternos fantasmáticos miasmas, e é isso possível neste absurdo hoje ... No chão relvado, abandonados à chuva, alguns desolados ramos de flores, também ele afastados do último trajecto, pois decerto que imaginados como estufas desses tais miasmas. Depois, lestos, funcionários levam o caixão para a cremação, agora também católica, passo último também barrado aos presentes parentes.

Retorno na manhã seguinte, hoje mesmo, sentindo-me obrigado - mesmo que ateu todo materialista - à derradeira homenagem, verdadeiro fim de despedida. Sob a chuva miudinha, este frio enublado lisboeta a que fugi durante décadas, entro no cemitério que me é vizinho. E reencontro o cendrário - essa semiológica camuflagem - onde há anos deixei o pó que restou do que foi o meu pai. Estupefacto fico, até fotografo pois irado, e antevejo a minha oposição para o que ali se vai seguir, enceno-a mesmo. Mas afinal deixo-a cair, não só porque benjamim mas muito mais porque desvalido sigo, e sei-o, assim acabrunhado, deficitário de atitude. Há quase duas semanas visitara a minha mãe e a última coisa que então me disse foi "és tão bonito!", coisa tão óbvia de mãe coruja que a acolhi com sorriso (e arremedo de lágrimas, confesso-o agora), ficção que ninguém me conta há décadas - se é que alguém o fez ... -, e nunca mais alguém o fará. Enquanto me lembro disso, com a papaia a assomar na garganta, o funcionário, educado e eficiente, abre o boião e despeja as cinzas da minha mãe. E eu, que a todo este disparate anuí, pois sem forças, até isto aceito. Aceito, ali, sem uma palavra, sem um gesto, que alguém deite o pó do que foi a minha mãe no caminho do mictório.

Isto é o meu país, é a minha era, é a minha cidade. É o meu povo. E, muito mais do que tudo, sou eu. Hoje, muito mais do que em todo o antes, fui eu. Deixei que largassem o pó da minha mãe no anunciado caminho do WC.  E disto, estou certo, nunca passarei. Não sou, mãe, nada bonito.

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Tenho alguns amigos simpatizantes, e até militantes, do CDS. Este postal é para lhes expressar solidariedade. A ligação é para um filme de 1 minuto, a reportagem da visita do presidente do CDS, Santos, aos grevistas de fome do sector de restauração. O comportamento dele é pungente, a coisa mais lamentável que já vi. Nem convoco a memória dos grandes políticos portugueses de antes, como Soares, Eanes, Sá Carneiro, Cunhal, Zenha. Nem a dos grandes vultos do CDS, Amaro da Costa, Adriano Moreira, Lucas Pires. Ou do habilíssimo Portas e do em tempos popular Freitas do Amaral. Pois não é preciso esse tipo de comparações para se aquilatar o que agora ali se passou, seria até cruel ... Um rapazola, apatetado, ali completamente humilhado, sem qualquer noção de si mesmo, do seu papel (para o qual concorreu). Sem qualquer auto-respeito e pelo que aparenta representar. Seria ridículo se não desse dó.

Este breve minuto televisivo seria, noutras eras, o fim de uma carreira política. Hoje em dia se calhar até não o será. O que é o pior de tudo, já ninguém liga ...
 
Mas que vergonha horrível. Uma vergonha pelo alheio.

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Faz hoje 17 anos que comecei a blogar, então abrindo o blog ma-schamba. Algo que se tornou hábito, mesmo verborreia: o ma-schamba, que veio a tornar-se colectivo, durou até 2015. Depois botei no Courelas, com os amigos AL e mfv. Depois no O Flávio, sozinho. Escrevera no Olivesaria, um colectivo sobre o bairro Olivais. Entretanto passei a blogar nos colectivos organizados pelo Pedro Correia, o Delito de Opinião e o sportinguista És a Nossa Fé.

Mas então, naquele 3 de Dezembro de 2003, iniciei com uma citação do grande Ruy Duarte de Carvalho. Premonitória, não o poderia adivinhar. O destroncar continua-me, courelas itinerantes, colheitas frágeis e parcas.

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A dra. Gomes vacinou-se por motu próprio. E disso se gabou, em molde crítico. Mas não insurreccional, note-se. Acontece que nisso cometeu uma ilegalidade, o que em muitos outros países seria virótico, até letal, para uma candidatura presidencial. Talvez não para a sua pois, antes de zarpar para as imediações do Bugio, sossegou os apoiantes invocando o seu "desconhecimento da lei" - o qual, como bem se sabe, no direito português inocenta qualquer prevaricador.

Muitos dirão que é coisa pouca para que seja ela criticada. Pois as preocupações com a saúde, acrescidas nesta era de "epidemia" (PCP, 2020), sobressaem face a minudências legais. Não os contestarei. Pois diante deste episódio só questiono: quem quererá como Presidente da República uma mulher que escreve desta maneira?

(Já sigo com saudades da dra. Roseira, a tão popular Maria de Belém ...)

 

Miguel_de_Vasconcellos_(Diario_Illustrado,_1890).png

Cumprem-se hoje 380 anos do assassinato do primeiro-ministro (e antigo ministro das Finanças) Miguel de Vasconcellos e Brito. Afincado europeísta, foi vítima de uma revolta de cariz soberanista (nacionalista, em linguagem actual) - propagandeando uma conservadora ideologia lusófona -, catapultada por uma profunda crise económica que impusera uma política austeritária e concomitante carga fiscal. 

Passaram quase quatro séculos de poderes políticos, de poderes académicos. E não há, que eu saiba, um mero monumento que o recorde com a dignidade devida. Procuro e nem uma biografia, um estudo compreensivo ... Nada, apenas a continuidade de uma memória vilipendiada, a do "defenestrado". E a dos "gloriosos capitães conjurados".

Enfim, é o que é, somos o que somos ... Fiquemos com os feriados, que é o que se aproveita.
 

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