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Nenhures

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Viva o 25 de Abril! Viva o povo de Lisboa! E o português! Viva a democracia!
  1. Nota de rodapé dedicada a mais novos: a imagem é de arruada lisboeta bem anterior a 25 de Novembro de 1975. Avessa a grappistas, brigadistas, grupelhos maoístas e enverhoxistas, utópicos boumedianos, barbudos guevaristas, ciosos brejnevistas, intelectuais titistas, ignaros polpotistas. Havia sido convocada pelo então PS.
  2. Nota de rodapé 2, dedicada aos mais-velhos: nunca mais falarei de política com o meu íntimo amigo que se filiou nos queques da IL. Até saíres desse grupelho, Pedro. De gente infrequentável!

 

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Ontem foi o Dia Mundial do Livro, mais uma dessas tão irritantes lérias do calendário hagiológico actual. De aparência laica, mas alimentando superstições. Como esta, a da idolatria do livro. Nisso incréu sigo.
 
Pois abri ontem uma gaveta mais esconsa. Ali clandestino mais um grupo destes agentes. Encabeçados por três volumes desta "Géometrie dans l'enseignement primaire supérieur" (Paris, Armand Colin, 1909), adquirido pelo meu avô materno Arthur José Taveira Pereira em Bragança a 24 de Janeiro de 1910. Ombreados por uma "Grammatica Franceza" de meados de XIX, e secundados por um "La Femme Chrétienne: le Marriage Sanctifié", impresso em Limoges em data indita mas reclamado pela minha avó paterna, Claudina Copeiro, em 17 de Julho de 1921. E seguem-se-lhes outros do mesmo quilate. Já para não pensar noutras gavetas similares. E no que se atafulha nas estantes da arrecadação.
 
Cá de casa já despachei dezenas de caixotes, dezenas de metros cúbicos, empilhados ou lineares, carregados de livros e revistas ancestrais, agora imprestáveis. E agora aturo os sacerdotes, sacristões, beatos, praticantes de fim-de-semana e até os apenas de festas sazonais, tecerem loas à livralhada. Convocando-me para que a toda esta tralha, pó, traças, despojos, junte os seus sucessores actuais, agora de capa mole e cores berrantes, assuntos irrelevantes, pertinências impertinentes, talentos escassos, tais como os desse longo antes.
 
Enfim, anseio pelas fogueiras camarárias. Para os livros, entenda-se, não para estes putativos doutos, que idolatram o Dia Mundial do Livro, que a tanto não me chega a irritação. Mas quase.

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(Postal para o És a Nossa Fé)
 
Diante do há anos esperado anúncio da Liga Europeia de Clubes: está no momento de regressar a Marx, àquilo da concorrência e concentração do capital.
 
Quanto ao resto, e à aparente surpresa de tantos com tudo isto: 1) não é nada mais do que a réplica da NBA, que tantos acompanham; 2) nos últimos anos a mariolagem da bola nacional, apoiada por adeptos portistas e benfiquistas - tantos dos quais querem ganhar a todo custo, mesmo que "lhimpinho" - tudo tem feito para ascender a este comboio, na angústia de só haver um lugar para o futebol português. Entre outras coisas chama-se a isso falsificação de apostas desportivas. É crime. E há milhões de compatriotas ("bons pais de família") que defendem isso, ululando semanas após semanas, ao longo de anos! E até votam em gente dessa: para presidentes da câmara (ver o que se passa na Invicta, por exemplo), para o parlamento, etc.

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Artur Portela (durante décadas conhecido como Portela Filho) morreu há pouco. Das minhas estantes paternas recuperei-lhe alguns livros, em particular estas colectâneas "A Funda", belo mostruário da década de 1970. Deste quarto volume (Editora Arcádia, 1974) retiro este texto, de Janeiro de 1974, um elogio a Marcelo Rebelo de Sousa. Será interessante 47 anos depois não só ler a memória daquele final do Estado Novo, mas também observar o actual presidente a partir deste texto :

O "babygro" político

Era o filho pródigo do Regime. / Fizera, no Direito, a ideologia, a família moral, o destino histórico. / Estava talhado, calibrado, destinado. / Não era um acidente - era uma raça. / Tinha, sobre a cabeça, a estrela. Na fronte, o halo. No olhar, a certeza. No sorriso, a sorte.

E quando passava, nos corredores pombalinos do poder, soltando a sua risada aguda, o seu gesto largo, todos os barões, acercando, cochichadamente, as cabeças, o seguiam com um olhar terno. / Era Marcello. / Era Rebello. / Era De Souza. / E, excessivamente, Nuno.

Foi o escândalo. / Foi o escândalo quando ele, recusando sob Martinez, a reprise, rechaçando, sob Dias Rosas, a tarimba, apareceu por sobre o ombro Pestana & Brito de Francismo Balsemão, a espreitar. / Era a fronda do Expresso. / Não quiseram crer. 

E, no entanto, era bem ele, a vivacidade Tim-Tim, a barba Trotsky, o olhar Harold Loyd. / E o riso fácil, a voz estaladamente metálica, a inteligência extravasante, o brilho incontrolado. / O próprio excesso. / O Regime empalideceu. / A Esquerda riu. E a 3ª Força, ela mesmo, sentiu, naquele Gotha revoltado, naquela lei de  Mendel às avessas, naquela Divisão Azul, um compromisso, uma má consciência, um lastro, uma trela. / Um chumaço. / Uma bala de madeira. / Uma injustiça.

Esperava-se uma imoderação. / Foi uma táctica. / O Regime habituou-se àquela perda. A Esquerda, um momento desperta, mergulhou na sonolência da sua dor. / E os próprios Liberais, por instantes irritados com o metal daquela voz, com a velocidade daquela análise, com a fome daquela super-alimentação política, soltaram, de alívio, um suspiro quando ele se sentou, Z. Zagallo, atrás de Francisco Balsemão.

De resto, que podia Marcello Nuno perante as figuras colossais dos campeões liberais? / Do Norte, chegava, moralmente gigantesco, Sá Carneiro. Do Sul, assomava, consciência viva da Universidade, Miller Guerra. João Salgueiro lançava, para a mesa, na sua luva, o peso inteiro da Sedes, Magalhães Motta movia todo um Congresso. Xavier Pintado desembaciava, do bafo do poder, as suas lentes poderosas. E Francisco Balsemão, de uma rotativa renitentemente Lopes do Souto, arrancava esse "tour de force" que eram 70 000 cópias do "Expresso".

E quando, de trás, da sombra, Marcello Nuno, lápis trémulo, soerguia uma qualquer sugestão, corria, em redor da mesa, um sorriso paternal. / Parecia ser o fim das mais belas esperanças. / O Regime enxugou, por ele, a sua última lágrima. / Fora o príncipe - era o pobre.

Como foi que aconteceu - sabem-no poucos. / Os Liberais, por instantes sob o fogo dos projectores, apagam-se. Um a um. Como lâmpadas de uma peça proibida. / Sá Carneiro é já um bronze a si próprio. A Sedes converte-se num Rotary de quadros. Magalhães Motta está pulindo, inutilmente, a tabuleta de advogado. Xavier Pintado perde o fôlego. E Francisco Balsemão faz Porsche.

Vai-se a ver - e quem está? / Está - quem o diria? - Marcello Nuno. / Só ele se move. Só ele existe. Só ele manobra. / Ele é, nas eleições, a única carta nova dos liberais. O seu único talento. A sua única voz forte e original. A sua única manobra. 

A 2ª página do "Expresso" é ele. A 3ª página do "Expresso" é ele. É ele que flirta com  a Oposição. É ele que desmantela aquele barão A. N. P. / Os títulos são ele. / Os itálicos são ele. / A manobra é ele. / Sá Carneiro faz grandeza. Miller Guerra faz pitoresco. Francisco Balsemão faz charme. / Marcello Nuno faz política.

Há, em tudo isto, a inteligência descompassad da imaturidade? / Há. / Há, em tudo isto, o intelectualismo, a abstracção, o jogo, o luxo, o revanchismo, o edipismo? / Há. / Há, em tudo isto, Freud e Júlio Verne, Luís XIV quando jovem e Douglas Fairbanks Júnior, José António Primo de Rivera e Mickey Rooney? / Há. 

Mas como é possível que a 3ª Força não tenha envergadura para absorver esta descarga eléctrica, para sublimar este escândalo de qualidade, para disciplinar este brilhantismo avulso e lúdico? / Não tem ela a sua disciplina ideológica, a sua hierarquia moral, a sua separação de poderes, o seu ministério sombra, a sua escrita em dia, a sua poeira assente, o seu espírito de seriedade, a sua mochila, o seu colete, o seu polimento? / O seu primeiro jovem turco vai logo a Ataturk? / Que é isto - uma força ou um terreno vago?

Os Liberais acabaram? / Não necessariamente. Mas já fizeram a sua adolescência histórica. / E ainda não sairam dela. / Isto que prova? / Prova que a 3ª Força é a impaciência da 1ª Força. / Prova que a política não é apenas uma generosidade mas também uma hereditariedade. / Prova que a vida política portuguesa se conta pelos dedos - e que a 3ª Força tem o seu Pulgarzinho. / Acontece com Marcello Nuno esta coisa cara aos monárquicos - a vocação política como bem moral de raiz. 

O pai Miller Guerra ofereceu ao filho Miller Guerra, talvez, um estetoscópio de brinquedo. / O pai Sá Carneiro ofereceu ao filho Sá Carneiro, talvez, uma toga de ganga. / O tio Balsemão ofereceu ao sobrinho Balsemão, talvez, uma rotativa de latão. / A Marcello Nuno deram, talvez, 99 000 quilómetros quadrados de esperança e dez milhões de bonecos de pasta. / É o que se chama - um "Babygro" político. 

Tem ainda outra vantagem. / Decisiva, essa. / O ser meu amigo. / E, claro, meu adversário.

Nota: Troquei os parágrafos utilizados pelo autor pela barra ("/") apenas para tornar o texto menos longo no suporte de blog.

 

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