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Nenhures

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Passam vinte anos sobre o atentado que começou o século. Muitos recuam e narram como viveram o dia. O mal disto de um tipo blogar há já 18 anos é que já vasculhou todas as memórias. E assim há já muito tempo que botei como em Maputo vivi o meu 11 de Setembro de 2001: está aqui, no velho blog ma-schamba. Deixo a ligação para se algum dos parcos visitantes deste Nenhures ainda tenha curiosidade sobre isso.

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(Hilário, Chissano, Sampaio, ColunaAcúrsio, Eusébio, Vicente, Maputo, Abril 1997, fotografia de Jorge Brilhante)

[Postal para o És a Nossa Fé:]

Em 1997 o Presidente Jorge Sampaio visitou Moçambique, fazendo-se acompanhar de uma grande comitiva. A viagem foi uma assinalável sucesso, muito potenciando as relações entre os dois países, então ainda algo maceradas pelo processo de descolonização e pelos constrangimentos do subsequente processo político moçambicano. Nessa comitiva presidencial iam 4 futebolistas nascidos em Moçambique - também servindo de representantes simbólicos dos "4 grandes" clubes: Hilário, Acúrsio, Eusébio, Vicente. E, claro, logo se lhes juntou Mário Coluna, o "Monstro Sagrado" - então presidente da Federação Moçambicana de Futebol. 

Nesse momento tive o privilégio de acompanhar esse magnífico Quinteto. E desde então não só reencontrei algumas vezes o nosso Hilário e o "King", Eusébio, como tive o privilégio de criar amizade, não íntima mas bastante convivencial, com o "Monstro", Coluna. Conheci-os num almoço na popular cervejaria Piripiri, prévia a uma passeata pela Baixa da cidade na qual acompanharam o presidente Sampaio. Pude então perceber algumas das características do político: eu já vira Soares em Luanda, num notável desempenho patenteando uma extroversão verdadeiramente carismática. E viria a ver Cavaco Silva em Moçambique, num perfil público muito mais rígido, o qual sempre me pareceu muito mais o de um homem em luta com a sua timidez do que efeitos de uma concepção hierática da sua função. Sampaio era diferente, não exactamente um homem de rua ou de palco, pois não um carismático. Mas apresentando uma bonomia tão explícita que era recebida pela população como uma simpatia natural, à flor da pele. Assim encarnando a confiança.

Voltou a Maputo em 2001 para uma das cimeiras da CPLP, numa era em que estas congregavam mesmo os chefes de Estado. No nosso caso numa chefia bicéfala, pois para o efeito agregávamos o PR e o PM, naquele tempo Guterres. (Re)Vi Sampaio numa recepção à comunidade portuguesa, à qual acorreram cerca de 3000 pessoas. Enquanto ele circulava entre nós fui rodeado por vários compatriotas. Ocorrera-lhes que seria aquele o bom momento para fazer chegar ao presidente um ror de preocupações que tinham - impostos aos emigrantes, taxas de importação de veículos, apoios à comunidade, etc. E passara-lhes pela cabeça que seria eu um bom porta-voz para as colocar, dado que conhecia algumas das pessoas que ali o circundavam. Resisti, num "era só o que me faltava...", insistindo que "isso são coisas para colocar aos deputados, ao secretário de estado, ao cônsul..." mas não os consegui desiludir, insistentes num "vá lá, Zé Teixeira" e sem de mim se apartarem.

Passado algum tempo, mantendo-me eu de copo de vinho na mão e tasquinhando o queijo da serra e o presunto gentilmente disponibilizados, o Presidente Sampaio foi-se aproximando da nossa zona. Recrudesceram os patrícios nos seus incentivos à minha capacidade reivindicativa. Assim sendo, e ao estar aquele Grande Sportinguista já à distância de apenas duas braçadas roguei-lhe "dá-me licença?, Senhor Presidente, posso-lhe fazer um pedido?", ao que ele, arvorado com um sorriso aberto, logo ripostou "claro, em que lhe posso ser útil?".

"- Ó Senhor Presidente, por favor, use a sua influência para fazer as pazes entre o dr. Roquette e o dr. Luís Duque" (então desavindos na nossa Direcção). Riu-se, abertamente, elevando as mãos em sinal de impotência e ripostou "Ó Homem, isso está bem acima dos meus poderes...". E deixou-nos uma dúzia de palavras de circunstância, logo seguindo na sua ronda entre nós, aqueles milhares de convivas.

Os meus vizinhos, enfim, resmungaram um bocado comigo...

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[Fotografia de Jorge Brilhante]

Votei três vezes em Jorge Sampaio, uma para presidente de Lisboa e duas para presidente de Portugal. E pude assistir à sua visita a Moçambique em Abril de 1997, e aqui o recordo nessa época, muito justificadamente condecorando a tão saudosa Maria Inês Nogueira da Costa, excepcional directora do Arquivo Histórico de Moçambique, na presença do embaixador Ruy Brito e Cunha (encoberto) e do então jovem Mia Couto, ladeando pinturas de Malangatana e Noel Langa.
 
Essa visita foi um verdadeiro sucesso, promovendo um efectivo "degelo" nas relações entre os dois países. Algo que, como é evidente, correspondeu à postura de Chissano. Mas também muito se deveu a ele próprio, pelo empenho e cuidada afabilidade e também pela excelente equipa de assessores que organizara em Belém, a qual muito bem soube gizar o que então era fundamental. Sampaio voltaria a Maputo em 2001, então para uma cimeira da CPLP, um cenário multilateral que lhe dava uma agenda menos pressionante sendo então óbvio que ali se sentia imensamente bem, num afectivo "em casa".
 
Morreu ontem, aos 81 anos. Quaisquer críticas a algumas das suas decisões políticas suspendem-se agora. Que é o curial quando morre um homem probo.
 

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Como é sabido Paulo Rangel - estando a ser alvo de uma campanha na imprensa com alusões à sua vida privada - enunciou publicamente a sua homossexualidade. À esquerda criticam-no. Acusam-no de duas coisas: de preparar uma recandidatura à presidência do seu partido. E de não ter participado há uma década na luta por alteração legislativa favorecedora de aspirações do movimento homossexual, como tal não tendo cumprido preceitos considerados necessários à dita "identidade". Sonantes nisso são vários membros da "identidade" socratista, esses que na referida época tudo faziam para defender o poder PS das acusações da evidente roubalheira que acontecia, o enorme ataque às instituições democráticas e seus gigantescos efeitos nas finanças públicas e na economia nacional. Essa gente - entre a qual muito soa o velho eixo do blog "Jugular" e seus sequazes - tem essa "incoerência" e "hipocrisia". Pois dizem-se de "identidade" democrática mas foram (e decerto que o são) cúmplices ou coniventes com a corrupção, integrando a evidente "identidade" ladroagem. Ou seja, em termos de "coerência" com os preceitos de alguma identidade é caso para sobre eles clamar agora "dizem os rotos ao nu". E é lamentável que gente dessa laia seja presença habitual como "comentadores" na imprensa estatal e ocupe postos públicos de incidência política.

Ainda mais denotativo do ambiente intelectual dessa abjecta mole é a reacção às inaceitáveis declarações de ontem do deputado socialista José Magalhães. Autor da recente Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital foi então basto criticado. Mas logo sufragado pela imprensa do Estado, através de um inenarrável servilismo da apresentadora Cautela, em programa em horário nobre, que culminou com ela roçando-se no veterano político. Mas mais o defenderam e, entre outros apoios, recordo que no muito activo mural de FB de um ex-bloguista surgiu o deputado Sérgio Sousa Pinto - antigo inventor do mote "causas fracturantes" e mudo durante a década de paixão socratista mas que, por estuporada amnésia colectiva, se tornou agora o xuxu do centro-direita porque faz algumas "críticas" ao PS - afirmando-o "grande deputado", elevando-o acima das fundamentadíssimas críticas a uma lei excessiva. Nesse fluxo Magalhães, e a sua iniciativa legislativa, saiu reforçado aos olhos da plácida opinião pública. 

Pouco depois o deputado solidarizou-se com um autarca do PCP que propunha o espancamento dos militantes e simpatizantes do PSD do seu concelho. E aconselhou, explicitamente, o uso de armas para esse efeito. A amálgama de identitaristas calou-se diante do despautério. E agora Magalhães atinge o "grau zero", fazendo insinuações sobre a vida sexual de Paulo Rangel, atingindo - que me lembre - o ponto mais baixo da refrega política em Portugal. De novo se calam os identitaristas, paladinos do movimento homossexual. Silêncio também nas lideranças do PS: nem o seu presidente, nem o seu líder parlamentar, nem o seu secretário-geral falam, distanciando-se desse modus operandi político. Nem a sua secretária-geral adjunta, de quem até por razões pessoais se poderia esperar mais atenção a este tipo de argumentação. Pois é - ou foi - casada com Paulo Pedroso, também ele em tempos alvo de acusações por práticas sexuais. Já agora também este ex-ministro socialista, ainda que tendo sido lesto a criticar Rangel pela sua ausência na luta pelos "direitos dos homossexuais" não encontrou vagar ou motivo para se distanciar da aleivosia de Magalhães. Como também o presidente da Assembleia da República não o fez, nem o grupo de eurodeputados do PS. Nada, o silêncio total das estruturas partidárias do PS diante desta execrável atitude José Magalhães. O javardo. No fundo mostrando que eles partilham, de facto, uma identidade: esse javardismo.

Certo, haverá quem diga que muitos se calam por receio da influência maçónica de Magalhães. É possível. Serão então javardos medrosos.

Termino  com uma proposta para os tempos de lazer. Vejam (ou revejam) a série "Billions". Poderão perceber melhor este javardismo. E constatar que, por si só, não tem grande sucesso.

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Desde há cerca de um ano que aprendi a ter algum apreço pelo eurodeputado Paulo Rangel. Pois considero que no Parlamento Europeu teve posições muito ponderadas relativamente à situação do Cabo Delgado (e sobre isso aqui botei). Terão sido algo tardias. Mas o que é certo que os outros agentes políticos meus compatriotas (e não só) não foram mais céleres. Nem tão eficientes.

Enfim, por outras razões desde há algum tempo Rangel foi alvo de ataques soezes. Na imprensa instituída e nesta imprensa popular que são as "redes sociais". Senti-me solidário com o político, não só pela crença na necessidade de manter a distinção entre o "público" e o "privado". Mas também por um empatia enfatizada, dado que partilho algumas das características biográficas de Rangel que então foram propaladas. E aviltadas. E digo-o sem qualquer "drunk pride", mas apenas assumindo que também já me aconteceu perder a capacidade de traçar azimutes.

Rangel veio agora confirmar algumas dessas suas características. Imediatamente lhe soam em cima os urros de trabalhadores intelectuais - leio um feixe de sociólogos, historiadores, antropólogos, políticos, etc. - e letrados (pois dispõem bem as letras, mesmo no gutural twiterismo) que o acusam de hipocrisia. E assim consideram um homem "como ele" hipócrita pois, dizem-no, tem "ambições". Algo que qualquer bom católico do Antigo Regime (não do "anterior" mas do "Antigo", sublinho) considerará um pecado... pois violando a ordem natural das coisas, a ordenação divina. E nisso dizem-no também "incoerente", dado não partilhar as opiniões políticas que esses intelectuais/letrados têm. As quais consideram obrigatórias para determinadas "espécies".

De facto, essas pessoas - alguns conhecidos académicos, políticos, no activo ou retirados, jornalistas - reagem a la Fernando Rosas, quando veio gozar o político do CDS que "assumiu" (esse termo semanticamente tétrico) alguns traços da sua personalidade. Todos eles, repito, apoucam, repudiam, até insultam, a "incoerência", a "hipocrisia" de Rangel.

Enfim, pouco haverá para dizer. Apenas que é preciso ser mesmo muito ordinário para um tipo se dizer de esquerda e apoiar um bandalho que denuncia os activistas pró-palestianos à Embaixada de Israel. E depois vir - como se nada fosse - clamar contra a hipocrisia e a incoerência alheia. Sobre este tipo de gente quando eu era jovem usava-se um expressão: "dão o cu e cinco tostões". Para proteger o partido que lhes dá acesso aos tais "cinco tostões". E não têm pingo de vergonha.

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