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Nenhures

Nenhures

27
Out21

O Fim da Geringonça

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Parece que a "geringonça" termina. Talvez desabe agora. Ou talvez ainda sobreviva, algo desarranjada, por mais um ano, se o orçamento for aprovado in extremis. Ou, menos provável, se vier a governar sob a entidade "Duodécimos", com navegação de cabotagem feita de bolinas lei-a-lei. Mas, nesse caso, muito provavelmente não sobreviverá mais do que um ano.

Quando em 2015 o poder se estabeleceu nesta "geringonça" muitos clamaram contra, apontando a sua ilegitimidade. Porque não havia sido anunciada, porque o PS não ganhara as eleições. Ora Costa anunciara a sua disponibilidade para tal (dissera nunca aprovar um governo PSD/CDS minoritário, não ter disponibilidade para se coligar com a direita, e propunha-se como governante. Só não percebeu quem não quis. Ou quem é, apesar de ganhar a vida como comentador político, manifestamente incompetente). E, mais do que tudo, as eleições legislativas não são mais do que a constituição de um parlamento do qual deverá emanar um governo, monopartidário ou de coligação. E é até aconselhável que as coligações governamentais não sejam pré-definidas mas que nasçam de um parlamento eleito, com a correlação de forças (de número de deputados e de apoio eleitoral às propostas partidárias) estabelecidas de fresco. Ou seja, esta solução teve todo o cabimento, político e ético. Foi até uma boa lição sobre a democracia, num país onde eleitorado abúlico e imprensa distraída tendiam a pensar as eleições legislativas como um concurso para primeiro-ministro (de preferência entre comentadores televisivos mais bem-falantes e melhor apessoados).

 

 

27
Out21

Limianos

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Paulo Portas, que desta poda muito sabe, já avisara. Os deputados PSD da Madeira poderão de "modo autónomo" (ou seja, em acordo partidário esconso) viabilizar o orçamento, coisa que o seu dirigente já veio confirmar.

Convirá recordar que numa época de "vacas gordas" (apesar do então celebrizado "discurso da tanga") o PS de Guterrres fez um acordo parlamentar esconso com o CDS de Portas, através do manuseio de deputado Campelo, que aparentemente tudo trocou pelo queijo Limiano. O presidente Sampaio muito hesitou em aceitar tal solução. Os seus conselheiros dividiram-se na opinião. Mas acabou por aceitar tal opção - que de facto foi uma violação do espírito da constituição e, como tal, um perjúrio presidencial. Morreu, em paz, sem que tivesse sido efectivamente escrutinado por tal cedência.

O arranjo "limiano" - cujo vero conteúdo se comprovou, para quem pudesse ter dúvidas, quando o deputado Campelo, apesar de ter sido temporariamente sancionado pelo seu partido, veio a ser chamado para o governo quando Portas a ele acedeu - foi pestífero. Provocou um bamboleio tal que o governo caiu dois anos depois, apesar do PS ter exactamente metade dos deputados. Nesse trambolhão promoveu ao poder uma inconsequente direcção do PSD e causou uma atrapalhada sucessão no PS que desembocou numa incompetente direcção que logo se veio a desagregar, em rumo espúrio. Disto tudo brotou o longo consulado do pérfido José Sócrates - que as pessoas das lideranças políticas já bem conheciam, por mais vestais que se queiram continuar a afirmar. 

Toda aquela marosca, repito, foi no tempo "das vacas (europeístas) gordas". E teve o deletério efeito de longo prazo que teve. Agora, neste estado endividado, (quase) pós-pandémico e diante da crise internacional anunciada, não há espaço para tais artimanhas. E temos o pior presidente da república da história do regime, o mais volúvel e superficial, homem desprovido da gravitas que Sampaio tinha. Incapaz de pensar o país para além da sua vácua vaidade. Só podemos exigir a Rui Rio que não se ponha com brincadeiras destas. E a Costa que tenha tino. E vice-versa.

 

25
Out21

A peanha de Gagarin em Oeiras

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Vai polémica com este monumento aos 60 anos de Yuri Gagarin no espaço, colocado num jardim de Oeiras. O representante do Taguspark responde, decerto que algo enfastiado, que o monumento se insere num museu que se quer "disruptivo" e instalado num "ecossistema com empresas dedicadas à aeronáutica". Eu resmungo com esta "apropriação cultural" do termo "ecossistema" pois se é certo que não é uma total incorrecção - em última análise as empresas de facto pertencem ao tal ecossistema -, a utilização do conceito é uma analogia típica do economês obscurantista. Quanto ao resto, se o Taguspark fosse um "ecossistema" integrando empresas cinematográfricas colocaria no seu "disruptivo" museu um monumento a Leni Riefenstahl, em cima de uma peanha decorada com a bandeira do III Reich? Ou, sendo menos radical, será que neste tétrico actual ambiente "woke" onde tantos intelectuais e docentes, para além dos jornalistas a la "Público", clamam a necessidade de retirar ou "contextualizar" obras de autores como Mark Twain, Eça de Queirós, Goscinny, entre tantos outros, devido às malevolências ideológicas que terão propagandeado ao longos das suas ocidentais (e portanto pérfidas) obras, neste ambiente, dizia, não será de exigir uma "contextualização" ao lado daquele monumento, explicitando aos incautos passantes o que foi a URSS e o movimento comunista em XX? Ou será que as pessoas se tornam traficantes de escravos, frades inquisitoriais e genocidas das alteridades ao cruzarem o pequeno mamarracho feito a António Vieira, lerem o "O Escudo de Arverne" ou o "Huck Finn", mas nada são influenciados quando lhes espetam no parque onde vão namorar, piquenicar ou fumar uns charros, a bandeira do feroz regime soviético?

 

 

24
Out21

Azulejos Pretos, de Pedro Bidarra

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(Pedro Bidarra, Azulejos Pretos, Guerra &  Paz, 2020)

Publicado em finais de 2020 este "Azulejos Pretos" parece adequado a este covidoceno, pois a sua acção decorre confinada nuns sanitários - uma latrina com águas correntes, comummente dita sanita ou, em português aburguesado,"retrete" ainda que nada retirada pois metida dentro de casa, tema esse abordado pelo autor com notória pertinência mas alguma incompletude -, à excepção de breves passeios higiénicos à sala feita pista de dança de um longa e sempre-a-mesma festa. A qual vem decorrendo desde a descolonização sita nos Olivais e que ressoa agora num presumível centro da Lisboa algo finória, onde se meneiam aos sons mais ou menos em voga sucessivas gerações de convidados.

Apenas lamento que o livro tenha sido apresentado pelo próprio editor (também) como um "roman à clef " (a descodificar), e ainda dito por crítico como peça de escrita "gonzo", aquela onde autor e protagonista (quantas vezes narrador) se mesclam, coisa não tão rara pelo que talvez desnecessária referência. Pois, entre tantos outros, já Flaubert reclamava ser ele próprio a senhora Bovary, ainda que se diga, história talvez apócrifa mas "bem encontrada", ter ele, nas vascas da sua agonia, resmungado com a ira que lhe restava que a puta ficaria por cá enquanto ele se ia desta para uma pior... Lamento  essas pistas de leitura pois temo que, devido a elas, muitos leitores tenham partido do conhecimento que terão do autor - um publicitário lisboeta afamado -, no intuito (se) reconhecerem entre o ror muitissimo mais vasto e espesso de afinal meros "símios" que naquele seu "colóquio" se agitam em poses culturais e vã verve. 

As 170 páginas são um carrocel de abúlicos - ainda que alguns camuflados de histriónicos -, um vasto rol de falsos e veros homossexuais, bebés de mamas firmes e outras já avoengas, dealers, padres na moda, obesos, poetas e artistas variados, modelos, até influenciadores e quejandos. Todos visitam o protagonista, aboletado nos sanitários nos quais distribui com prodigalidade doses de cocaína, enquanto monologa consigo mesmo, com acertada e acerada verrina, sobre o triste estado das artes, letras e gentes circundantes. Poder-se-ia dizer que parte a loiça toda. Ou, talvez melhor, parte os azulejos todos. Não que se projecte o protagonista num qualquer pedestal de "crítico", intelectual ou coisa que o valha. Pois segue amarfanhado pela "decadência biográfica", angustiado na sua "tonsura santantoninha", consciente até que desliza para a "cara de parvo", pequenas degenerescências que são até suaves avatares da sua condição de "ferreiro deformado e manco", um pobre Hefesto de trazer por casa, tudo nisso  prenunciando um final que só será oxímoro a quem acompanhou o livro como se ensaio moral fosse.

Os tais sanitários - de loiça, soalho e paredes negros - são-nos apresentados como uma nave espacial, a possível, que o protagonista elaborou para defender os restos da civilização, os "valores da urbanidade" através do exercício da "complexa mecânica da equidistância", tarefa que persegue com evidente frenesim, na sua constante disponibilidade para ofertar as por todos desejadas doses de cocaína, num fazer o bem sem olhar a quem, assim um exercício cristão e também civilizador. Mas (sacra) equidistância essa, como o comprovará o infausto final, que é impossibilitada pela fateixa nasal a que está obrigado, e que o consigna ao pântano nada oceânico deste todo vácuo, de poses e anseios.

Ou seja, não há saída. Nem possibilidades.

Azulejos Pretos é um belo livro. Que todos estes símios deveriam ler.

 

23
Out21

Operação Outono

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Vi agora na televisão este "Operação Outono", filme de 2012 realizado por Bruno de Almeida. Já lera sobre o realizador, e em termos elogiosos, e isso acicatou-me a curiosidade assim orientando-me no demorado zapping entre canais por cabo. Até porque desconhecia o filme, não tinha qualquer memória de sobre ele ter ouvido falar. Nele se trata da operação da PIDE em que Humberto Delgado foi assassinado e do posterior julgamento dos seus autores,  materiais e morais. O seu argumento baseia-se, soube ao ver o genérico, na biografia do célebre general feita pelo seu neto, o antropólogo Frederico Delgado Rosa (um intelectual de grande gabarito), a qual nunca li.

Como é óbvio não me vou por a perorar sobre a tese reconstrutora do assassinato, nada li de substancial sobre isso e tenho apenas uma vaga memória do julgamento. Mas lembro-me de já na altura os meus mais-velhos explicitarem que se tratava de uma espécie de "limpeza de arquivo", descarregando o ónus do crime político sobre um "bode expiatório", o mero agente "de base" Casimiro Monteiro.

Mas passados 60 anos pouco importa isso. O interessante será a sensação sobre o filme, principalmente para quem nunca o viu. Não é uma peça inolvidável mas é um produto visível, mediano na imensidão da actual oferta fílmica internacional. Será até talvez menos apetecível para portugueses, dado que nós - pelo domínio da língua - poderemos melhor perceber algumas interpretações um pouco menos conseguidas. Ainda assim foi uma boa surpresa, e recomendo-o aos espectadores do canal HBO, no qual ele está disponível.

Tenho uma ressalva, que pode parecer uma minudência mal-disposta mas a qual refiro pois julgo que denota características descuidadas de produção cinematográfica que já não seriam de esperar em produtos recentes. A cena final demonstra o assassinato - numa analepse, sinalizada pelo recurso a preto-e-branco que senti como opção estilística descabida -, com o autor material relembrando o episódio. Passa-se já no final dos anos 1970, anunciada como na África do Sul, para onde ele se teria refugiado, escapado à punição devida. Ao que li essa cena (como muitas outras) terá sido filmada na Companhia das Lezírias. Ora na breve cena mostra-se uma pobre fazenda sul-africana, com Casimiro Monteiro abrindo o porta-bagagens do seu automóvel, um velho e descuidado Ford. Com o volante à esquerda...

Ok, algum mais acérrimo defensor das opções do filme poderá argumentar que se está ali a deixar implícito que Monteiro - e seu carro - teriam ali chegado nas caravanas automobilizadas partidas de Angola durante a transição para a independência, e que teria ainda transposto a Namíbia até ali aportar, talvez nisso tudo sinalizando a relativa pobreza a que estava consignado. Mas nenhum outro indício no filme aponta para isso. Fica assim apenas a ideia de um anacronismo, em plena cenal final e sumamente elucidativa. Ou seja, se não era fácil à produção arranjar um carro de volante à direita mais valeria ter filmado o carro de outro ângulo, elidindo o volante. Evitando este desnecessário incómodo àqueles que aceitam o pacto do consumidor, isto de crermos na verdade real do que estamos a ver. Ainda por cima mesmo no final.

 

 

20
Out21

O Prémio Camões vai para Moçambique

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Alguns patrícios perguntam-me a opinião sobre o Prémio Camões atribuído hoje à moçambicana Paulina Chiziane. Repito-lhes aquilo que sempre digo sobre este prémio:
 
1) trata-se de um produto político, que procura através da premiação anual sedimentar uma comunidade internacional assente na partilha linguística. Não vem grande mal ao mundo por isso, mas subalterniza critérios literários;
 
2) o costume de alternar a premiação entre Portugal e Brasil - polvilhando o ritmo com algumas atribuições a escritores africanos - sublinha essa secundarização de considerações literárias (porque não sucessivos prémios dados a escritores da mesma nacionalidade, por exemplo?).
 
Para além disso há as minhas inclinações pessoais:
 
3) Desde que em 2010 Ruy Duarte de Carvalho morreu sem que lhe tivesse sido atribuído o Camões - e ainda por cima depois de já 2 angolanos terem sido premiados sob o molde "redistributivo" que referi - deixei de dar relevo às premiações. Autor de uma obra ímpar, excêntrica, vasta e plural, nisso nada canónica, tanto em formato como em densidade do aludido e refractado, o "esquecimento" que os júris lhe votaram, e isso enquanto também consagram ensaístas, desvaneceu-me expectativas. É certo que ao longo dos anos por vezes surgem polémicas sobre os premiados (lembro Aguiar e Silva, Alegre, Queiroz, isto para além da inaudita agressividade do ministro fascista brasileiro contra o grande Nassar) mas essas provieram de motivos ideológicos - realçando o cariz político do Camões. Mas no caso de Ruy Duarte os motivos foram alheios a tais ponderações, tendo(-me) restado apenas a estupefacção diante do evitamento académico de que ele foi alvo.
 
4. Este prémio de 2021 chama a atenção sobre a literatura moçambicana, e isso é bom. É aliás para isso que servem os prémios, para atrair leitores. Sou um mero leitor e estou desactualizado. Sei que há algumas edições recentes que são apetecíveis: hoje em Maputo o Francisco Noa apresentou "No Verso da Cicatriz" de Bento Baloi - que também tem edição portuguesa (Aletheia) -, e que ele recomenda. Há dias o António Cabrita anunciava-me jovens escritores de que ele, sempre infatigável, prepara edições. Mas nestes últimos anos perdi o fio à meada da literatura moçambicana. Ainda assim, e porque hoje me perguntam opiniões sobre o assunto, sumarizo o que ao longo de anos bloguei descomprometidamente - como o tal mero leitor - no blog ma-schamba, nada mais do que as minhas preferências :
 
5. Recomendo imenso a leitura de João Paulo Borges Coelho, do qual estou a ler o seu recente "Museu da Revolução". Sou "fan" da sua obra, o seu "As Duas Sombras do Rio" é até um dos livros da minha vida. E como "fan" não tenho rodeios para o dizer o maior escritor em português em África. E, nem que seja por causa da vigência deste molde "redistributivo" de premiação, se (muitas) outras razões intelectuais não houvesse, há muito tempo que já devia ter sido galardoado com o Camões. O que lhe traria... leitores. Francamente incompreendo este processo.
 
6. Ungulani Ba Ka Khosa é um belíssimo escritor, carregado de verve e garra. E que teve um enorme impacto na ficção nacional, quase (re)fundacional - o que também, num dia como este, deixa a pergunta: "para quando o Camões ao Ungulani?". No seu rumo, sinuoso como o de tantos grandes escritores, o Khosa não dá nada de "curio" nem de afago ao putativo leitor. Com verrina e inultrapassável pertinência disseca a sua sociedade como ninguém o fez antes dele. Se há heroísmo nas letras isso encontra-se nele.
 
7. Aldino Muianga é um escritor interessantíssimo. De ínicio com um estilo menos afoito do que o do Khosa, e menos burilado do que o do Borges Coelho, é evidente que se foi complexificando ao longo da sua já vasta obra, e nisso apresenta-nos um olhar muito completo - e crescentemente ácido - sobre o país, colonial e nacional. Talvez os seus livros sejam mais apelativos a quem conhece o país, na forma como nos ilumina os processos colectivos e mentais que foram decorrendo e que culminam neste hoje.
 
8. Há um livro que é obrigatório para quem tenha interesse na literatura moçambicana (e não só, já agora) e nunca o tenha lido. Pode começar por ele. Trata-se do "Nós Matámos o Cão-Tinhoso", de Luís Bernardo Honwana (de 1964), uma excepcional colecção de contos. Foi já tão recenseado e analisado que não vou perorar sobre ele. Apenas lembro que durante anos escrevi num jornal em Moçambique, nele tinha uma coluna a que chamei "Ao Balcão da Cantina" (título que depois usei para as minhas memórias em Moçambique). Era essa "cantina" a do magnífico conto "Nhinguitimo", uma muda homenagem a um texto que tanto me marcara, a um escritor e homem de grande valor. E a uma literatura nacional que tanto aprecio. E que está hoje em festa! Ainda bem.

 

20
Out21

Após a vitória do Sporting na Turquia

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[Postal para o És a Nossa Fé]

A bela vitória de ontem na Turquia é muito importante, em termos desportivos e morais - para além dos financeiros e dos sempre necessários pontos para o "ranking" europeu, os quais necessários serão para futuros sorteios -, potenciando o ambiente de maturação da equipa e de vários dos seus jogadores, e sendo decerto factor de sua galvanização. Tudo isto é crucial, mas o impulso moral - e até acalmia após o rombo Ajax - é precioso. Pois mostra algo: a época está a correr bem. E isso é fundamental num clube que não ganha um bicampeonato há 70 anos, longuíssimo período durante o qual os raros títulos nacionais têm sido sucedidos por épocas deslustrantes. Ou seja, onde a continuidade no sucesso (relativo, que seja) é um bem raríssimo, esquecido.

Nada do que se tem passado nesta época é gravoso: a equipa joga melhor do que o ano passado - quando foi campeã com justiça, mas também é justo dizer que tudo o que podia ter corrido bem correu... bem. Até agora (e longe vá o agoiro) nada piorou em termos de resultados: no campeonato tudo igual ao que se passou na época transacta, e a um ponto do líder. Na Europa um mau jogo inicial - tal como o ano transacto -, com alguma nervoseira e algum azar (que faz parte do jogo), contra um poderoso adversário, recente semi-finalista da Liga dos Campeões. E com esta vitória o percurso europeu associa-se, quantitivamente falando, às duas últimas participações nesta Liga (16/17, 17/18) - as quais foram muito boas, pois jogou-se contra colossos (Juventus, Barcelona [o verdadeiro], Real Madrid, Dortmund) e jogou-se muitíssimo bem, memória que aliás poderia servir para reduzir o actual e anacrónico afã crítico sobre o antigo treinador Jesus, que então comandou grandes campanhas futebolísticas tendo sossobrado pois diante de clubes extraordinariamente poderosos. E é isso a Liga dos Campeões. Insisto, ainda que seja algo lateral ao tema do postal: continuar a criticar Jesus é fazer por esquecer o excelente futebol com que o Sporting então se apresentou no grande palco europeu. É apoucar o recente historial do clube.

Entretanto, neste ano já tivemos lesões algo demoradas de jogadores titulares, felizmente recuperados. Outras virão, decerto, tal como alguns castigos. Entretanto o defeso correra bem, em termos financeiros e desportivos. E jogadores vão-se afirmando: Matheus Nunes comprovou e "pegou de estaca", Saravia é craque, Bragança acalenta a crença. E de outros espera-se, neste ainda primeiro quarto de época, que se venham a impor, consoante o espaço que venham a ter: por exemplo, Ugarte e Vinagre, para além de um ou outro miúdo que a maioria de nós desconheça que se possa impor no plantel, tal como vem sendo costume época a época (como Inácio, Mendes, Nunes, ou TT no último ano).

Ou seja, não há qualquer razão objectiva para a verdadeira histeria crítica que grassou entre os adeptos. E que não emana apenas dos pequenos núcleos ditos "brunistas", se é que o termo ainda tem significado, ressentidos com as alterações na economia política do clube que em muito os terão prejudicado. Essa excitação - de facto, verdadeiramente acrítica, pois infundamentada - percebe-se nos tópicos (entenda-se: nos assuntos recorrentes) que dão azo às críticas maledicentes entre sportinguistas. Porventura no estádio durante os jogos, decerto que nas tertúlias, evidentemente nos espaços sportinguistas na internet, e nestes de forma constante e abrasiva.

A única razão para tal fluxo resmungão é a vontade de botar faladura, a triste crença do "critico, logo existo".  A qual neste caso é mesmo apenas um "resmungo ex nihilo", desde o nada. Não quero dizer que não se critique a equipa, que não se avaliem os indivíduos e o colectivo, não se converse, aplauda ou arrepenhe os cabelos, isso faz parte do futebol e do adeptismo. Mas isto que se vem passando no início da época é diferente, são feixes da massa adepta tornados exasperados na volúpia da crítica, da maledicência descabida, recorrendo para isso apenas aos tais tópicos, às ideias mais ou menos difusas que vão vingando na "nuvem" (como agora se diz) da opinião pública.  E este frenesim afecta o ambiente do Universo Sporting, fragilizando um pouco o adeptismo. E é possível até que conspurque o ambiente moral da equipa, jogadores e circundantes. É certo que não presumo estarem eles mergulhados no mundo blogal, das páginas FB dos sportinguistas e  o dos comentários dos jornais desportivos. Mas algo sempre ressalta para dentro do "grupo de trabalho", nem que seja o obrigar ao dispêndio de energia extra na "estrutura" para blindar psicologicamente os jogadores diante de tal desvario adepto.

Um exemplo maior desta verborreia paranóica é que se vem dizendo de Paulinho. A mim não me interessa se ele tem a qualidade do recém-falecido "bombardeiro" Gerd Muller. Ou se se equivale aos actuais Benzema ou Luiz Suarez. O que me interessa é que é um bom avançado, joga que se farta, e a isso nunca se nega (essa qualidade dadivosa, voluntariosa, que dantes alegrava "molduras humanas" menos burguesotas e dadas à opinião na internet). Mais, joga que se farta e faz jogar. E com ele - e isto é o fundamental - a equipa tem ganho, tem tido sucessos. Eu recordo algo que tantos parecem ter esquecido: o Sporting não era campeão há duas décadas, período no qual cruzou sucessivas crises, dissipou o seu imenso património fundiário, acumulou uma quase incomensurável dívida. Depois, recentemente, sofreu a maior crise de sempre, um verdadeiro caos, e uma lamentável sangria dos quadros futebolísticos. E agora, inopinadamente, conquistou uma série de títulos de futebol sénior, e até o tão almejado título nacional. Para além de dominar - como nunca ao que me lembre - o eclético espectro das modalidades, no qual abundam títulos nacionais e europeus. Ninguém poderia esperar isto há dois anos! E de que falam tantos adeptos? De que o avançado-centro, este avançado-centro, não é bom, falha, "não tem golo"... Isto é exasperante. É um canibalismo autofágico, demencial.

Ontem, na longínqua Turquia, contra uma equipa de qualidade e tarimbada nas competições europeias, o Sporting teve a maior vitória como forasteiro na Liga dos Campeões. O que prenuncia a continuidade nas competições europeias e alumia até a esperança, ténue que seja, de passagem à fase de eliminatórias na Liga. Ou seja, como acima disse, a recuperação de rumos positivos nas competições europeias que vinham escasseando nos últimos anos. Neste jogo crucial Paulinho fez um passe para golo, demonstrando competência em jogada de laboratório (diz-se, inteligência e labor). Enviou duas bolas à barra, em jogadas corridas em que teve evidente mérito. E marcou um golão, daqueles de "bandeira". E mesmo assim, aqui no blog e alhures, emergiram adeptos - e não apenas os ditos "brunistas", sempre avessos a qualquer bem actual - a protestar com o jogador.

Isto é só futebol, é só uma festa! Mas porque querem estragá-la, rebentar com o ambiente, agravar os actores da festa? Porque saem aos teclados para descarregar este fétido fel? Como disse Borbón "porque no te callas?". Não querem estar? Vão para casa. Apareçam para o ano.

20
Out21

Não é Mário Soares quem o quer ser

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Consta que o presidente da câmara de Sintra, o candidato do Partido Socialista Basílio Horta - e antigo presidente do AICEP durante o consulado de José Sócrates - está muito incomodado com um recente oponente eleitoral, Ricardo Baptista Leite, tendo-se agora recusado a cumprimentá-lo numa sessão pública, alegando algumas deselegâncias que aquele terá proferido a seu respeito durante a última campanha autárquica. 

(Basílio Horta vs Mário Soares, arquivo RTP, 4'46'') (Debate completo I, II)

A cena, até patusca, foi filmada e corre na imprensa. E tamanha reacção ofendida devida a ataques políticos logo me fez lembrar uma antiga campanha presidencial, ocorrida no milénio passado. Então o candidato presidencial do Centro Democrático Social, Basílio Horta de seu nome, disse do seu oponente e então presidente Mário Soares pior do que aquilo que os talibãs afegãos dizem das mulheres que estudam. A cena ofendeu Soares e terá originado um corte de relações, o qual - ao que lembro de ter lido na imprensa - veio a ser ultrapassado anos depois, através de benemérita intervenção conjugal.

Agora, 30 anos depois, e seja lá qual for a memória que se tenha daqueles algo desbragados tempos da integração europeia, do cavaquismo e administração soarista de Macau, ocorre-me um até nostálgico "não é Mário Soares quem o quer ser". Principalmente, muito principalmente, quem cruza a vida em tamanhas piruetas políticas.

19
Out21

Efemérides Sangrentas

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Dia de efemérides. Passam hoje 35 anos sobre o incidente de Mbuzini, no qual morreu o presidente Machel e quase toda a sua comitiva. Vários amigos e conhecidos moçambicanos assinalam o facto nos seus murais - alguns usando imagens do impressionante monumento idealizado pelo arquitecto José Forjaz para colocação no fatídico local. Acidente ou atentado?, continuam as dúvidas, as versões, as crenças, num processo de interpretação da história algo similar ao acontecido com a morte de Sá Carneiro e comitiva.
 
Por cá cumpre-se hoje o centenário do assassinato do primeiro-ministro António Granjo e de vários vultos da instauração da República, a dita "Noite Sangrenta", um dos momentos maiores do terrorismo político durante a I República, perpetrado pelo que se poderá dizer, sob anacronismo limitado, a "extrema-esquerda" terrorista de então. O Pedro Correia no Delito de Opinião convoca o assunto.
 
O resto da sociedade, a corporação historiadora, os colunistas avençados, os "quadros" da função pública? Seguem fiéis militantes da higienização da I República, da produção da "amnésia organizada" sobre esse directo ascendente (republicano e maçónico) do poder socialista de hoje.
 
Nisso não só vigora o silêncio na imprensa. Mas também o popular, pois poucos (se alguns) se lembram de convocar o assunto nos seus murais. Há que preservar o mito da I República benfazeja. E para isso que faz o Estado, os seus oficiais mais importantes? Usa o dia do centenário deste brutal e tão significativo episódio para se congregar, sob o datado e anacrónico molde panteónico, em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, morto há 67 anos, nascido a 19 de Julho e falecido a 3 de Abril. Ou seja, nem sequer há um qualquer vínculo simbólico quase inultrapassável para que a cerimónia decorra hoje.
 
Julgo que nunca tinha assistido a tão descarada manipulação da história política portuguesa. Agora venham-me dizer que é preciso derrubar a estátua do João Gonçalves Zarco. E fazer "introduções contextualizadoras" ao Frei João dos Santos...

 

19
Out21

Ali ao PSD,

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Paulo Bento treinou o Sporting durante 4 anos e meio, lugar a que ascendeu após conquistar dois títulos juniores, sempre queridos num clube que muito se identifica com o ecletismo desportivo e a ênfase no desporto jovem ("formação", passou a dizer-se). Os 4 primeiros anos na equipa sénior foram bons, com alguns títulos e, acima de tudo, qualificações sucessivas para a apetecida Liga dos Campões, fundamental para as finanças dos clubes de topo. Para além de apadrinhar jovens jogadores, a desejável marca d'água do clube. Faltou o título nacional, usual pecha no clube - numa das épocas em particular por razões um pouco alheias ao estrito futebol (um pouco à imagem do que terá acontecido nas últimas eleições em Campo de Ourique nas quais, ao que li, parece que a equipa da casa terá ganho com um golo fora-de-jogo e sem que tivesse sido apontado um penalti a favor dos forasteiros).

Depois Paulo Bento passou a seleccionador nacional durante 4 anos. No Europeu de 2012 levou a equipa até às meias-finais e perdeu no desempate por grandes penalidades com a Espanha, a grande selecção do futebol mundial nas últimas décadas e que então foi sucessivamente campeã mundial e bi-campeã europeia. Serve para comparar com a idolatria à selecção de 2016 que ganhou o Europeu, também com desempate por penalidades e jogando muito pior. Diferença vinda da "lotaria dos penalties". Após esse torneio Bento liderou a campanha ao Mundial de 2014, um falhanço rotundo no qual foi público o mal-estar de vários jogadores. Depois continuou o seu rumo com garbo: foi campeão grego, esteve na "árvore das patacas" do futebol chinês e há anos que exerce o prestigiado cargo de seleccionador sul-coreano.

É interessante que após este belo percurso profissional nem sportinguistas nem adeptos da selecção tenham particulares saudades de Paulo Bento, e sobre ele escasseiam as evocações, inexistem as invocações, até resistem algumas imprecações. Certo, muito disso porque faltou o título nacional no clube e o europeu na selecção. E é evidente que o homem não tem "boa imprensa". Mas esse afastamento, até amnésico, funda-se numa imagem pública, talvez um pouco injusta mas... real pois existente. A de uma personalidade algo desabrida, pouco dialogante, confundindo convicção com inflexibilidade e nisso desperdiçando recursos e opções, e potenciando conflitos improdutivos. Por isso, e apesar dos seus resultados terem sido excelentes (não óptimos mas excelentes), nem o ansiamos nem resta grande admiração. E ficou até algum azedume. Eu, sportinguista, julgo isso muito injusto. Mas é o que é.

Sei que as analogias tendem a ser empobrecedoras. E as em futebolês ainda mais o são. Mas isto que se passa no PSD - partido do qual sou apenas muito ocasional eleitor - faz-me lembrar Paulo Bento. É possível que Rui Rio tenha sido bom treinador da Câmara do Porto (não sei, não vivia no país e não acompanhei). E talvez seja bom seleccionador do PSD (duvido muito mas não é o meu "país", não acompanho os meandros "técnico-tácticos", desconheço o "grupo de trabalho"). Pode até ser que o seu modelo táctico seja apropriado, mesmo que aparentemente algo desactualizado. Enfim, é possível que o homem tenha qualidades. Mas, de facto, eu não conheço ninguém que goste dele, mesmo aqueles que me são próximos e que simpatizam com aquele partido não o expressam. Ao longo destes anos nunca alguém me falou, escreveu ou "mensajou" - nem vi nas minhas redes sociais - algo de entusiasmado com suas declarações, propostas, iniciativas. E assim não tenho qualquer dúvida: quando Rio deixar a presidência do seu partido poucos o lembrarão. E muito poucos dele terão saudades. 

Ou seja, para ganhar o próximo título? Arranjai um "engenheiro" (oops, não é obrigatoriamente de Moedas que falo, é a Fernando Santos que aludo).

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