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Nós, os apaixonados de Astérix, somos muito ingratos com Uderzo, pois muito desta paixão nos vem do seu grafismo, e ele era um desenhador excepcional a quem acabamos por pouco louvar exactamente devido aos seus argumentos (cerca de uma dezena de álbuns e uma série de subprodutos). Isto porque Goscinny era um verdadeiro génio, no Astérix e em tantas outras obras. E a sua morte, com apenas 51 anos e o tom trágico de muito se ter devido a incúria médica, foi mesmo uma tragédia literária, deixando-nos verdadeiramente órfãos.
Quanto a esta continuidade, ao Astérix pós-Uderzo, sob texto de Jean-Yves Ferri e desenho de Didier Conrad? Eu torço o nariz a algumas das sequelas vigentes na banda desenhada, de obras que são muito pessoais - o Spirit era (de) Eisner, ainda que a este não esgotasse nem de perto nem de longe, e Corto foi o alter ego do Pratt - e sobre elas se poderá aplicar o célebre dito de "Madame Bovary sou eu" que Flaubert não terá dito nem sequer pensado, mas que fica sempre bem invocar, até porque Hergé isso reclamou do Tintin...
Mas em relação a várias outras séries nem tanto o reclamo. Até porque estas continuidades post-mortem dos respectivos criadores é uma longa tradição da banda desenhada, o que os puristas quase sempre fazem por esquecer. E pelos efeitos benéficos que realmente têm. Pois se a BD europeia muito terá mudado nas últimas décadas - e, logo à partida no que respeita ao público receptor, tornado quarentão e cinquentão -, ela está vibrante e diversificada, sendo economicamente catapultada pelas vendas das sequelas das personagens históricas. Como bem exemplificam as enormes tiragens dos Astérix das últimas décadas, muito superiores às dos magníficos álbuns iniciais, como bem mostra a monstruosa quantia de 5 milhões de exemplares logo publicados deste último "Astérix e o Grifo". Por isso aceito muitas destas sequelas, mais ou menos literais consoante os casos - e se me desagrada o último Corto Maltese, pois graficamente é outra coisa, outro mundo, por gostável que possa ser não é "Corto", ao mesmo tempo também sinto como monumental a entrada de Schuitten no Blake & Mortimore.
E assim esta sequela do Astérix não vai mal. Até porque sucede aos argumentos do Uderzo, penosos, com os quais estes já cinco álbuns sob este duo de autores ficam a ganhar na comparação - julgo que o "Astérix Entre os Pictos" é mesmo um bom livro, tal como o "Transitálica" é mau, perdido numa mera colecção de gags. E o desenho é muito bem conseguido, num fidelíssimo mimetismo ao de Uderzo, algo que nesta série seria obrigatório - ainda que me pareça faltar-lhe um "je ne sais quoi", e neste último livro noto-o até imperceptivelmente, nalgum desajuste das amazonas omnipresentes e até em alguns momentos menos conseguidos (a segunda vinheta da página 37 é desengonçada, coisa inaudita no velho Uderzo), apesar de um ambiente bem conseguido, um "eastern" como os autores afirmam ter sido o seu objectivo.
O argumento será já sabido por todos. Ao saber da sinopse deste "Astérix e o Grifo" logo franzi o cenho, é certo que ao 39º álbum será difícil conseguir alguma originalidade na série mas sempre me irritou a deriva para a utilização de criaturas fantásticas que Uderzo adoptou, que julgo empobrecedora das tramas - e nisso é necessário lembrar que a poção mágica não é um recurso "fantástico", como o "Astérix nos Jogos Olímpicos" bem explicitou. Mas este álbum não tem essa deriva pois o grifo, esse item do bestiário que nos foi recorrentemente apresentado como meio leão e meio águia (o que fará os lisboetas particularmente receptivos ao livro), surge apenas como um fito, um horizonte. De facto a história é a de uma expedição científica (tal e qual as oitocentistas, também apropriadora), nisso constrangida por uma conflitual liderança militar sempre pronta a contrariar as intenções da ciência, ali a cargo do geógrafo romano Terra Incógnita [Terinconus] - que surge com os traços fisionómicos de Michel Houellebecq, numa das habituais piscadelas de olho em que Goscinny era fértil (há outras neste livro), um destaque que poderá ter algum sentido político em França, dado a polémica identitária que a obra de Houellebecq convoca no país. E tudo decorre no imaginário país dos ou, melhor dizendo, das Sármatas, num regresso ao mito das amazonas, esse avatar que a matrilinearidade convoca há milénios e, assim, um apropriado sorriso face ao actual ambiente cultural, onde o mítico matriarcado serve de alimento a alguns nichos políticos radicais embrenhados nas questões ditas de "género".
Enfim, tudo isto do Astérix é-me um velho e enorme Amor. E neste novo encontro não saí desiludido. A paixão dos bons velhos tempos feneceu, e jamais a reencontrarei em novos encontros. Mas recordei-a com este álbum. E, noto, no final Assurancetourix continuou amordaçado, na aldeia irredutível não há cedências à modernidade, aquela harmonia pastoral mantém-se, sinalizada na platónica recusa da poesia e da (desafinada) inovação musical que ali continua um irredentismo. Ou seja, pelo menos entre eles, entre nós "gauleses", há ordem no mundo.
(Intervenção de Sérgio Sousa Pinto no "Grande Debate", 17.11.2020, RTP)
(Intervenção de Sérgio Sousa Pinto no "Grande Debate", 17.11.2020, RTP)
(Ante)Ontem, já noite adulta, fui ver em diferido o grande colóquio eleitoral ("a nove"). Nessa rota cruzei a CMTV onde reinava um painel de futebol e vi um sumarento rodapé sobre o "Cartão Vermelho", um processo de investigações judiciais sobre o Benfica que está em voga. Prossegui na demanda da cidadania eleitora mas resguardei a apetência clubística para ali regressar.
Do debate retirei dois galardoados: a medalha de prata foi para João Cotrim de Figureiredo (IL). Talvez devido a algum viés meu, mas quero crer que não só por isso. Pois o candidato foi esclarecedor na sua apresentação e incisivo nas suas críticas, sublinhadas por uma saudável rusticidade na forma como afrontou o incumbente António Costa. Mas o grande vencedor, arrecadando a medalha de ouro da noite, foi Rui Tavares (LIVRE), de longe aquele que mais terá sossegado os seus eleitores e até a outros atraído. Pois Figueiredo havia, nas suas duas primeiras intervenções, utilizado uma sarcástica confrontação com Costa, ao solidarizar-se com o moderador Daniel, dado não se ter dignado o primeiro-ministro a responder-lhe às perguntas que este lhe colocara. E logo de imediato Tavares, assumindo sem rodeios as presumíveis dores de Costa, contra-atacou o dirigente da IL utilizando a mesma formulação, assim esvaziando-lhe a eficácia de qualquer continuidade estilística. Demonstrando assim a todo o país e, em especial, ao seu putativo eleitorado a sua disponibilidade para ombrear com o PS e também a sua competência e o seu afã como guarda-costa retórico, e assim político, do secretário-geral socialista.
Ainda assim, mesmo que amputado dessa sua específica artimanha, Figueiredo logrou outro sucesso ao aflorar o tópico da "maioria absoluta" como garante da almejada, porque sacrossanta, "estabilidade". Costa havia invocado o presidente Sousa como caução de futuras boas práticas socialistas se vier a conseguir esse objectivo eleitoral (o qual julgo muito plausível). Nesta sua investida o representante da IL lembrou, implicitamente, que a degenerescência da ideia de "maioria absoluta" nos foi legada pelo consulado de José Sócrates. E explicitou que no final desse período - sob a tal maculada maioria absoluta, prenhe de más condutas pessoais, arrombamentos do sistema financeiro, afrontas à liberdade de imprensa, tenazes sobre o poder judicial e, talvez acima de tudo, um enorme desplante colectivo -, exactamente nas vésperas do início de processo de "ajustamento estrutural "(sob instruções conjuntas de Bretton Woods e de Bruxelas), aconteceu o 16º congresso do PS. No qual triunfou a moção encabeçada por Sócrates, a qual fora delineada e capitaneada por António Costa. Assim lembrou aos eleitores o quão falsária é a "narrativa" vigente, a de que já in illo tempore Costa se havia apartado do socratismo, ao exilar-se nos Paços do Concelho lisboeta. O que de facto não acontecera, tal como o seu partido não o fizera, como o comprovam os resultados daquele congresso - em que Sócrates foi reconduzido por uns esmagadores 93,3% dos delegados -, e é escarrapachado no montante de membros de governo e seus assessores dos últimos seis anos, bem como de actuais (euro)deputados, que foram fiéis agentes do poder socratista.
Recordo tudo isto porque me lembro não só das incontáveis negações das evidentes aleivosias socialistas daquele período, então produzidas por políticos e fazedores de opinião, estes quantas vezes atribuindo tais indignações dos cidadãos a "ressabiamento" da "direita" (termo que nesse recente então era entendido como sinónimo de "extrema-direita", aliás "fascismo") e a "campanhas" (até "cabalas") urdidas por esconsos interesses malevolentes. Mas memória ainda mais interessante é a do acontecido após a explosão do processo judicial intentado contra Sócrates. Face ao transbordo, de facto civicamente inaceitável, das transcrições de escutas telefónicas para as páginas dos jornais - estes assim dolosamente tornados em receptadores de bens roubados - houve um demorado e veemente coro de reclamações socialistas, indignados com a violação do "segredo de justiça", exigindo até uma luta contra alguma volúpia dita populista, adepta da "república de juízes".
Enfim, enquanto me deixei eu vogar nestas tão recentes memórias, acabou-se o debate entre os nove dirigentes partidários. Fui então ao diferido da CMTV, onde vigorava o painel futebolístico - composto por uma moderadora que julgo filha do grande Rui Águas, pelo antigo jogador José Calado, por um painelista de agressivo ímpeto e carregado sotaque portuense e pelo deputado socialista Pinotes Batista. O debate era interessante, pois demonstrativo da estratégia comercial da estação para potenciar as audiências: durante o longo programa foram sendo enunciados nacos das transcrições das escutas telefónicas a dirigentes do Benfica. E cada revelação era acompanhada do anúncio de que outra viria a ser apresentada durante aquele programa, tendo o último desses três episódios sido acompanhado com a primeira página do jornal "Correio da Manhã" do dia seguinte, ali publicitado como contendo todo o conteúdo das conversas telefónicas que se referiram àquele último assunto.
Concordando eu com escutas telefónicas como auxiliares de investigações judiciais, interrogo-me sobre a pertinência da gravação de conversas excêntricas às matérias em causa e, ainda mais, à transcrição destas. E é evidente que há crime no seu transbordo para fora do âmbito judicial e dolo na sua utilização comercial. Neste âmbito sempre se defende a imprensa - e assim o fez no "caso Sócrates" - invocando um superior "interesse público", que justificará a violação do basilar "segredo de justiça". Ainda assim tenho algumas dúvidas sobre se o tal "interesse público" nacional inclui saber-se se um funcionário do Benfica chama a outro "bufo do balneário", se um antigo presidente do Benfica trata um futuro funcionário do clube como "artista" ou se um vice-presidente do clube discorda da contratação de um jogador de futebol antes de lhe serem feitos exaustivos exames médicos. Enfim, ainda que leigo em matérias de ciências jurídicas, parece-me que isto é uma escandalosa violação do "segredo de justiça" com meros intuitos comerciais e totalmente desprovida de qualquer "interesse público".
É então interessante que nenhum dos próceres socialistas nem algum dos seus correligionários opinadores surja agora discordando destas violações. Mas ainda mais interessante é assistir-se - em pleno período de eleitoral - a um deputado socialista totalmente embrenhado nisto. Pois Pinotes Batista - que presumo ser remunerado nesta sua actividade, ainda que aceite a hipótese de que cumpra em regime pro bono essa tarefa a tempo parcial de comentador futebolístico em estação televisiva comercial - comenta todas aquelas violações do "segredo de justiça" com enfático entusiasmo e minucioso detalhe. E nada se ouve sobre esta mais-do-que-aparente contradição política e moral entre a postura de cidadania exigível a um deputado e o rasteiro e imoral atropelo das regras legais e do sentir democrático. Nem do seu secretário-geral, nem do presidente ou de algum órgão disciplinar (ou "deontológico") do seu partido. Pois decerto que aceitarão como relevante o facto do homem ser "anunciado na tv", os ganhos de visibilidade nisto de ser comentadeiro da bola. Note-se mesmo, nem a secretária-geral adjunta do PS, que encabeça a lista por Setúbal na qual Pinotes Batista consta em lugar certamente elegível, se incomoda com um dislate destes.
Porque é este o pessoal político do PS, entre o qual predomina este "vale (quase) tudo" desde que dê "jeito". E o qual se prepara para vencer com uma enorme maioria, talvez até absoluta. E que neste seu "jeito" governará. Olhando para o passado recente, recordo que João Galamba, apenas conhecido pelo seu veemente afã no negacionismo das aleivosias socratistas, ascendeu à tutela estatal das concessões mineiras. E sob esse paradigma nada me surpreenderei se ainda viermos a ver este Pinotes Batista no Ministério da Justiça...
Temos uma vantagem. É que já estamos habituados, e pelos vistos satisfeitos, com esta cepa torta.
Permito-me incomodar os meus "amigos-FB" com uma matéria literalmente comezinha. Pois hoje fui até ao simpático estabelecimento "Lidl" da minha vizinhança, ao qual não acorrera nos últimos dias. E reparei que o pão básico ("bola de mistura") teve um aumento de.... 25% (de 12 para 15 cêntimos). Lembrei-me da velha máxima (também por vezes dita "lei") de Economia: quanto mais caro o pão, mais este se vende (qu'a gente fica sem dinheiro para o resto).
Enfim: 25% de aumento! Deve ser isto o "novo normal" de que se falava. Temo, sinceramente, que um dia destes aumentem o Queen Margot.
(O Gotejar da Luz, realização de Fernando Vendrell, 2001)
"O artista pode funcionar como um farol, um vidente", muito bem diz o Ídasse. Ele faz-me o enorme favor de ser meu amigo, mesmo amigo! Do qual eu sofro saudades, dos dias no seu bairro do Jardim ou das nossas caminhadas Maputo afora. É o meu artista moçambicano preferido, aquele de quem tenho mais obras, das afinal poucas que acumulei. E é um amigo preferido, "mano" se se quiser, querido como eu prefiro dizer. Talentoso é-o. Mas é também sábio. De uma sageza ponderada, recatada, embrulhada no seu maravilhoso riso, aquele gargalhar tantas vezes irónico e sempre sagaz. E é também, anuncio-o, o único homem que me apazigua - "porra, Idasse, tu dás-me paz", disse-lhe há já tantos anos, num dia que eu em polvorosa me esvaziei diante dele, de uma 2M e de uma mera tosta mista, verdadeiramente espantado com o seu efeito em mim, coisa estranha em homens da minha lavra que, quanto muito, só se apaziguam diante de uma ou (vá lá) outra amada mulher.
Não sei, honestamente, se estas palavras conseguem transmitir o respeito, imenso, que tenho por ele, por aquilo que ele sabe transmitir, grafica, intelectual e sentimentalmente. Para os menos sensíveis, daqueles que precisam de factos, traduzo-me: quem entra em minha casa tem logo uma mulher escarificada e um passo à frente uma curandeira a parir. E diante da minha cama, onde as visitas não entram, está um dançarino flutuante daquela maravilhosa série de 1998. Cá longe, sigo com Idasse.
Que as pessoas em Maputo o procurem. Não o incomodem. Mas tentem fruí-lo, aquilo que possam. E, entretanto, que leiam esta sua recente entrevista ao jornal "O País", onde para além de abordar o seu percurso repisa questões prementes no sector cultural do país. As quais, infelizmente, são sistematicamente esquecidas.
Adenda: como as ligações às páginas informáticas dos jornais são muito perecíveis, e também porque a página de "O País" é de acesso algo irregular, aqui deixo esta edição de "O País.pdf", para consulta desta entrevista, agradecendo à leitora que me enviou o documento.
O prestigiado TasteAtlas (para quem não conheça aqui deixo a sua apresentação) acaba de anunciar as escolhas para os melhores das várias categorias da gastronomia mundial. Na categoria global "Salsichas" de Todo o Mundo concedeu o primado à Alheira pátria. E esmiuçou o primeiro lugar, atribuindo o topo da salsicharia global à Alheira de Vinhais.
Para possível avaliação da pertinência desta nomeação aqui deixo o rol de 79 salsichas mundiais que foram analisadas para esta deliberação, e que inclui ainda mais algumas dezenas de salsichas que foram, este ano, deixadas fora de concurso.
E, decerto que para gáudio dos visitantes, deixo ainda a ligação para o precioso painel dos 100 Melhores Pratos Tradicionais Mundiais de 2021, associado à indicação dos 5 Melhores Pratos Mundiais em 25 Categorias Culinárias.
(Adenda: Adenda: que esta minha divulgação não seja entendida como uma mera actividade de "influencer" cultural. Trata-se também de um acto de cidadania, político assim, celebrando tradicionais práticas alimentares que muito sofrem com a campanha que lhes é avessa executada dos agentes do totalitarismo sanitário, quantas vezes em conúbio com as grandes empresas de distribuição alimentar - as quais, tantas vezes, até detêm meios de comunicação social, como em Portugal acontece.)
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