Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Nenhures

Nenhures

21
Jan22

Viver na "terceira idade" durante a era do Covid-19

jpt

angius.jpg

Fez ontem exactamente um ano que morreu Fernanda Angius, antiga leitora do Instituto Camões em Maputo durante a década de 1990, tendo então exercido na Universidade Pedagógica e no INDE, e que antes ocupara funções similares em Itália e no Zimbabwé. Octogenária, e presumo que padecendo de alguma maleita física, vivia numa residência para a terceira idade em Lisboa. Julgo, mas não o posso afiançar, que terá morrido na sequência de uma infecção com o Covid-19.
 
Não trato aqui de uma homenagem póstuma. Mas sim de partilhar um texto que Fernanda Angius publicou no seu mural de FB pouco antes de morrer, em 2.1.2021., e o qual muito me sensibilizou naquele momento - estando longe (como é óbvio) de imaginar que precedia a sua morte - e que desde então penso em abordar. Em parte porque a minha mãe, que vivera numa residência similar, ainda que felizmente recebendo um enquadramento bem mais mimoso, havia morrido há muito pouco tempo.
 
Mas não só, pois acima de tudo o que me impressionou naquele texto era a demonstração, crua, sem rodeios, de como na nossa sociedade vamos armazenando os nossos mais-velhos, transformando a sua real dependência física numa subordinação moral, esta exercida através de um paternalismo gélido. Desrespeitador. Num fluxo de relações, intergeracionais, que se terá exponenciado durante esta maldita pandemia e seus confinamentos, mas que muito mais é uma característica já pré-existente e que temo vir a enquistar-se neste futuro próximo, transformada num verdadeiro e malvado legado. Pois assume, decerto, um vigor de mundivisão dominante, e não apenas um transitório deslize promovido por práticas constrangidas pelas urgências sanitárias. Nisso tudo traduzindo-se num efectivo destratamento dos velhos.
 
Tudo isso poderá ser pressentido, intuído ou mesmo testemunhado por muitos, ou até conhecido através de queixumes daqueles nossos mais-velhos que sofrem estas rudes despersonalizações. Mas decerto que é raro encontrar alguém já do "outro lado", já "asilado", que mantenha a energia e a pertinência intelectual para nos transmitir o "como é" que vivemos. Os mais-velhos já "lá dentro" e nós, menos-velhos, ainda "cá fora". Por isso aqui partilho este texto, longo, duro de pungente, o relato que Fernanda Angius fez daquele "reveillon", afinal o seu último. Tende coragem para ler...
 
*****
 
Penso na entrada deste Ano Novo que foi, para mim, completamente oposta à entrada do ano anterior. Esperemos que o seu desenvolvimento também se oponha ao desenvolvimento de 2020.
 
A última ceia do Ano Velho foi muito triste embora alguém a tivesse declarado ser de festa. Mas foi uma festa silenciosa pois, na sala de refeições, alguns poucos e tristes balões agarrados às paredes não conseguiam transmitir a ninguém o ambiente de festa que fora anunciada; nem mesmo o pratinho de doces sortidos que, (sobre a mesa de cada residente) aguardava o pós refeição chegava para me fazer sentir a especialidade desta última refeição do ano, tomada em sepulcral silêncio, todas nas costas umas das outras, como colegiais em castigo por mau comportamento.
 
O ambiente festivo resumiu-se aos citados balões e ao pratinho que acompanhava um minúsculo cálice de licor que recebeu uma ginjinha (sem elas).
 
A estagiária que colabora com a Direcção e com a Animadora cultural fazia de ajudante no serviço de mesas e a alegria que a festa normalmente produz não se notava nos silenciosos corpos que apenas ingeriam a refeição como em Vigília fúnebre. Talvez esteja exagerando com o adjectivo, mas o meu sentimento era esse. As lágrimas subiam-me aos olhos pensando na passagem do ano anterior; e não era a saudade daquele último réveillon que me entristecia; eu estava profundamente chocada com o conceito de festa que estaria na cabeça de quem, convictamente, assim tinha classificado aquele jantar de fim de ano.
 
Eu esperava que, a qualquer momento, aparecesse um sinal da tal festa, mas apercebi-me de que as minhas companheiras, à medida que acabavam de comer, começavam a abandonar a sala no mesmo silêncio em que tinham entrado. Então, levantei-me e perguntei às funcionárias que levantavam os pratos se a festa era aquilo. Onde estava o convívio? A música? um aparelho de televisão?...Um rádio?...Enfim, onde um só sinal do respeito pela alegria devida a um ser humano que ainda não morreu e ainda tem direito à diversão tradicional em qualquer final de ano?
 
Afinal a nossa cultura popular e tradicional de séculos é ignorada por desatenção, ou já nos consideram apenas números? Afinal onde ficaram os nossos seres pensantes com memória e lucidez normais? Nenhuma das residentes autónomas foi consultada para se estudar como proporcionar-lhes a tal festa. Não seríamos muitas, mas sei de algumas que estavam tão tristes como eu, embora todas resignadas perante a determinação superior.
Enervada, comecei a expressar o meu descontentamento e as funcionárias, stressadas ao máximo, só me diziam que tinham feito o que lhes tinha sido mandado. Eu sabia-o muito bem mas não consegui calar a minha indignação pois me senti usada como trapo velho que, junta ao facto de estar confinada no interesse da saúde pública, ainda tem de ser tratada como de menor idade, sem direito aos possíveis meios de ocupação dos seus tempos e à comunicação com terceiros.
 
Sabendo que em anos anteriores a solução fora encontrada e de maneira bem simples e racional, não compreendo que em nome de uma eventual proximidade mais arriscada, se imponha o confinamento total, dentro de um Lar de onde não se saiu, não havendo, portanto, risco de se ter apanhado o vírus.
 
De qualquer maneira, é maior o risco para a saúde mental das pessoas autónomas do que o de ser infectada. Como diz a sabedoria popular: não se morre da doença, morre-se da cura...
 
As regras impostas sem justificação são sempre o motivo próximo para a transgressão.
 
Nunca me senti tão desprezada como ser racional de pleno direito e nem nos cinco anos que vivi interna, no colégio fui tão ignorada nos meus direitos de cidadã livre que ainda não passou procuração a ninguém para pensar por ela.
 
Basta de me protegerem! Sei tomar conta de mim e não pretendo infringir regras nacionais. Mas todas as ditaduras se afirmam ser tal em favor dos submetidos a elas. E eu começo a temer que a pandemia dê razão para se inculcarem em certas instituições um paternalismo bacoco que é só garantia de menos preocupação para quem tem de tomar decisões. Guiar um rebanho de ovelhas e mais fácil do que um de cabras. E eu sinto-me mais cabra montês do que carneirinho de Parnúggio.
 
Para culminar um ano que só nos trouxe desgraça, não precisávamos de colocar a cereja no topo do bolo...
 
Mas hoje já passou o primeiro dia do ano; e eu já consegui falar com alguns amigos que me deixaram luz na alma e coragem para afrontar o que mais nos trará este Novo Ano.
 
(Fernanda Angius, 2 de Janeiro de 2021)

20
Jan22

Astérix e o Grifo

jpt

grifo.jpg

Nós, os apaixonados de Astérix, somos muito ingratos com Uderzo, pois muito desta paixão nos vem do seu grafismo, e ele era um desenhador excepcional a quem acabamos por pouco louvar exactamente devido aos seus argumentos (cerca de uma dezena de álbuns e uma série de subprodutos). Isto porque Goscinny era um verdadeiro génio, no Astérix e em tantas outras obras. E a sua morte, com apenas 51 anos e o tom trágico de muito se ter devido a incúria médica, foi mesmo uma tragédia literária, deixando-nos verdadeiramente órfãos.

Quanto a esta continuidade, ao Astérix pós-Uderzo, sob texto de Jean-Yves Ferri e desenho de Didier Conrad? Eu torço o nariz a algumas das sequelas vigentes na banda desenhada, de obras que são muito pessoais - o Spirit era (de) Eisner, ainda que a este não esgotasse nem de perto nem de longe, e Corto foi o alter ego do Pratt - e sobre elas se poderá aplicar o célebre dito de "Madame Bovary sou eu" que Flaubert não terá dito nem sequer pensado, mas que fica sempre bem invocar, até porque Hergé isso reclamou do Tintin...

Mas em relação a várias outras séries nem tanto o reclamo. Até porque estas continuidades post-mortem dos respectivos criadores é uma longa tradição da banda desenhada, o que os puristas quase sempre fazem por esquecer. E pelos efeitos benéficos que realmente têm. Pois se a BD europeia muito terá mudado nas últimas décadas - e, logo à partida no que respeita ao público receptor, tornado quarentão e cinquentão -, ela está vibrante e diversificada, sendo economicamente catapultada pelas vendas das sequelas das personagens históricas. Como bem exemplificam as enormes tiragens dos Astérix das últimas décadas, muito superiores às dos magníficos álbuns iniciais, como bem mostra a monstruosa quantia de 5 milhões de exemplares logo publicados deste último "Astérix e o Grifo". Por isso aceito muitas destas sequelas, mais ou menos literais consoante os casos - e se me desagrada o último Corto Maltese, pois graficamente é outra coisa, outro mundo, por gostável que possa ser não é "Corto", ao mesmo tempo também sinto como monumental a entrada de Schuitten no Blake & Mortimore.

E assim esta sequela do Astérix não vai mal. Até porque sucede aos argumentos do Uderzo, penosos, com os quais estes já cinco álbuns sob este duo de autores ficam a ganhar na comparação - julgo que o "Astérix Entre os Pictos" é mesmo um bom livro, tal como o "Transitálica" é mau, perdido numa mera colecção de gags. E o desenho é muito bem conseguido, num fidelíssimo mimetismo ao de Uderzo, algo que nesta série seria obrigatório - ainda que me pareça faltar-lhe um "je ne sais quoi", e neste último livro noto-o até imperceptivelmente, nalgum desajuste das amazonas omnipresentes e até em alguns momentos menos conseguidos (a segunda vinheta da página 37 é desengonçada, coisa inaudita no velho Uderzo), apesar de um ambiente bem conseguido, um "eastern" como os autores afirmam ter sido o seu objectivo.

O argumento será já sabido por todos. Ao saber da sinopse deste "Astérix e o Grifo" logo franzi o cenho, é certo que ao 39º álbum será difícil conseguir alguma originalidade na série mas sempre me irritou a deriva para a utilização de criaturas fantásticas que Uderzo adoptou, que julgo empobrecedora das tramas - e nisso é necessário lembrar que a poção mágica não é um recurso "fantástico", como o "Astérix nos Jogos Olímpicos" bem explicitou. Mas este álbum não tem essa deriva pois o grifo, esse item do bestiário que nos foi recorrentemente apresentado como meio leão e meio águia (o que fará os lisboetas particularmente receptivos ao livro), surge apenas como um fito, um horizonte. De facto a história é a de uma expedição científica (tal e qual as oitocentistas, também apropriadora), nisso constrangida por uma conflitual liderança militar sempre pronta a contrariar as intenções da ciência, ali a cargo do geógrafo romano Terra Incógnita [Terinconus] - que surge com os traços fisionómicos de Michel Houellebecq, numa das habituais piscadelas de olho em que Goscinny era fértil (há outras neste livro), um destaque que poderá ter algum sentido político em França, dado a polémica identitária que a obra de Houellebecq convoca no país. E tudo decorre no imaginário país dos ou, melhor dizendo, das Sármatas, num regresso ao mito das amazonas, esse avatar que a matrilinearidade convoca há milénios e, assim, um apropriado sorriso face ao actual ambiente cultural, onde o mítico matriarcado serve de alimento a alguns nichos políticos radicais embrenhados nas questões ditas de "género". 

Enfim, tudo isto do Astérix é-me um velho e enorme Amor. E neste novo encontro não saí desiludido. A paixão dos bons velhos tempos feneceu, e jamais a reencontrarei em novos encontros. Mas recordei-a com este álbum. E, noto, no final Assurancetourix continuou amordaçado, na aldeia irredutível não há cedências à modernidade, aquela harmonia pastoral mantém-se, sinalizada na platónica recusa da poesia e da (desafinada) inovação musical que ali continua um irredentismo. Ou seja, pelo menos entre eles, entre nós "gauleses", há ordem no mundo.

20
Jan22

Cá se fazem, cá se pagam,

jpt

rui tavares.jpg

será o mandamento do partido LIVRE. Há coisa de um ano ficou célebre um despique acontecido num dos inúmeros painéis de comentário político radiotelevisivo. Nele o socialista Sérgio Sousa Pinto (que quando jovem foi o dr. Frankenstein desta voga das "causas fracturantes") deu uma gigantesca arrochada em Rui Tavares, lembrando-lhe de como este se associara politicamente, em posição subordinada, a um anterior membro da STASI, a nada simpática polícia política da RDA. Tudo teve então mais eco não só pela veemência de Sousa Pinto como, e acima de tudo, pela ar encabulado e até apardalado com que Tavares ficou - o delicioso filme do momento entretanto deixou de estar acessível, privando o povo de repetir as inúmeras gargalhadas então dadas.
 
Hoje Tavares foi entrevistado no programa de Araújo Pereira. À pergunta de "para quê votar no LIVRE?" respondeu que os eleitores lisboetas assim poderão deixar de votar na lista do PS "onde está Sérgio Sousa Pinto" e votar nele próprio.
 
É difícil encontrar por cá maior exemplo de nanismo político...
 
Adenda: um leitor teve a amabilidade de me informar, em comentário, onde ainda se pode encontrar o filme desse debate.

 

(Intervenção de Sérgio Sousa Pinto no "Grande Debate", 17.11.2020, RTP)

(Intervenção de Sérgio Sousa Pinto no "Grande Debate", 17.11.2020, RTP)

19
Jan22

O Segredo de Justiça e a CMTV

jpt

20220118_023901_HDR.jpg

(Ante)Ontem, já noite adulta, fui ver em diferido o grande colóquio eleitoral ("a nove"). Nessa rota cruzei a CMTV onde reinava um painel de futebol e vi um sumarento rodapé sobre o "Cartão Vermelho", um processo de investigações judiciais sobre o Benfica que está em voga. Prossegui na demanda da cidadania eleitora mas resguardei a apetência clubística para ali regressar. 

Do debate retirei dois galardoados: a medalha de prata foi para João Cotrim de Figureiredo (IL). Talvez devido a algum viés meu, mas quero crer que não só por isso. Pois o candidato foi esclarecedor na sua apresentação e incisivo nas suas críticas, sublinhadas por uma saudável rusticidade na forma como afrontou o incumbente António Costa. Mas o grande vencedor, arrecadando a medalha de ouro da noite, foi Rui Tavares (LIVRE), de longe aquele que mais terá sossegado os seus eleitores e até a outros atraído. Pois Figueiredo havia, nas suas duas primeiras intervenções, utilizado uma sarcástica confrontação com Costa, ao solidarizar-se com o moderador Daniel, dado não se ter dignado o primeiro-ministro a responder-lhe às perguntas que este lhe colocara. E logo de imediato Tavares, assumindo sem rodeios as presumíveis dores de Costa, contra-atacou o dirigente da IL utilizando a mesma formulação, assim esvaziando-lhe a eficácia de qualquer continuidade estilística. Demonstrando assim a todo o país e, em especial, ao seu putativo eleitorado a sua disponibilidade para ombrear com o PS e também a sua competência e o seu afã como guarda-costa retórico, e assim político, do secretário-geral socialista.

Ainda assim, mesmo que amputado dessa sua específica artimanha,  Figueiredo logrou outro sucesso ao aflorar o tópico da "maioria absoluta" como garante da almejada, porque sacrossanta, "estabilidade". Costa havia invocado o presidente Sousa como caução de futuras boas práticas socialistas se vier a conseguir esse objectivo eleitoral (o qual julgo muito plausível). Nesta sua investida o representante da IL lembrou, implicitamente, que a degenerescência da ideia de "maioria absoluta" nos foi legada pelo consulado de José Sócrates. E explicitou que no final desse período - sob a tal maculada maioria absoluta, prenhe de más condutas pessoais, arrombamentos do sistema financeiro, afrontas à liberdade de imprensa, tenazes sobre o poder judicial e, talvez acima de tudo, um enorme desplante colectivo -, exactamente nas vésperas do início de processo de "ajustamento estrutural "(sob instruções conjuntas de Bretton Woods e de Bruxelas), aconteceu o 16º congresso do PS. No qual triunfou a moção encabeçada por Sócrates, a qual fora delineada e capitaneada por António Costa. Assim lembrou aos eleitores o quão falsária é a "narrativa" vigente, a de que já in illo tempore Costa se havia apartado do socratismo, ao exilar-se nos Paços do Concelho lisboeta. O que de facto não acontecera, tal como o seu partido não o fizera, como o comprovam os resultados daquele congresso - em que Sócrates foi reconduzido por uns esmagadores 93,3% dos delegados -, e é escarrapachado no montante de membros de governo e seus assessores dos últimos seis anos, bem como de actuais (euro)deputados, que foram fiéis agentes do poder socratista.

Recordo tudo isto porque me lembro não só das incontáveis negações das evidentes aleivosias socialistas daquele período, então produzidas por políticos e fazedores de opinião, estes quantas vezes atribuindo tais indignações dos cidadãos a "ressabiamento" da "direita" (termo que nesse recente então era entendido como sinónimo de "extrema-direita", aliás "fascismo") e a "campanhas" (até "cabalas") urdidas por esconsos interesses malevolentes. Mas memória ainda mais interessante é a do acontecido após a explosão do processo judicial intentado contra Sócrates. Face ao transbordo, de facto civicamente inaceitável, das transcrições de escutas telefónicas para as páginas dos jornais - estes assim dolosamente tornados em receptadores de bens roubados - houve um demorado e veemente coro de reclamações socialistas, indignados com a violação do "segredo de justiça", exigindo até uma luta contra alguma volúpia dita populista, adepta da "república de juízes".

Enfim, enquanto me deixei eu vogar nestas tão recentes memórias, acabou-se o debate entre os nove dirigentes partidários. Fui então ao diferido da CMTV, onde vigorava o painel futebolístico - composto por uma moderadora que julgo filha do grande Rui Águas, pelo antigo jogador José Calado, por um painelista de agressivo ímpeto e carregado sotaque portuense e pelo deputado socialista Pinotes Batista. O debate era interessante, pois demonstrativo da estratégia comercial da estação para potenciar as audiências: durante o longo programa foram sendo enunciados nacos das transcrições das escutas telefónicas a dirigentes do Benfica. E cada revelação era acompanhada do anúncio de que outra viria a ser apresentada durante aquele programa, tendo o último desses três episódios sido acompanhado com a primeira página do jornal "Correio da Manhã" do dia seguinte, ali publicitado como contendo todo o conteúdo das conversas telefónicas que se referiram àquele último assunto. 

Concordando eu com escutas telefónicas como auxiliares de investigações judiciais, interrogo-me sobre a pertinência da gravação de conversas excêntricas às matérias em causa e, ainda mais, à transcrição destas. E é evidente que há crime no seu transbordo para fora do âmbito judicial e dolo na sua utilização comercial. Neste âmbito sempre se defende a imprensa - e assim o fez no "caso Sócrates" - invocando um superior "interesse público", que justificará a violação do basilar "segredo de justiça". Ainda assim tenho algumas dúvidas sobre se o tal "interesse público" nacional inclui saber-se se um funcionário do Benfica chama a outro "bufo do balneário", se um antigo  presidente do Benfica trata um futuro funcionário do clube como "artista" ou se um vice-presidente do clube discorda da contratação de um jogador de futebol antes de lhe serem feitos exaustivos exames médicos. Enfim, ainda que leigo em matérias de ciências jurídicas, parece-me que isto é uma escandalosa violação do "segredo de justiça" com meros intuitos comerciais e totalmente desprovida de qualquer "interesse público".

É então interessante que nenhum dos próceres socialistas nem algum dos seus correligionários opinadores surja agora discordando destas violações. Mas ainda mais interessante é assistir-se - em pleno período de eleitoral - a um deputado socialista totalmente embrenhado nisto. Pois Pinotes Batista - que presumo ser remunerado nesta sua actividade, ainda que aceite a hipótese de que cumpra em regime pro bono essa tarefa a tempo parcial de comentador futebolístico em estação televisiva comercial - comenta todas aquelas violações do "segredo de justiça" com enfático entusiasmo e minucioso detalhe. E nada se ouve sobre esta mais-do-que-aparente contradição política e moral entre a postura de cidadania exigível a um deputado e o rasteiro e imoral atropelo das regras legais e do sentir democrático. Nem do seu secretário-geral, nem do presidente ou de algum órgão disciplinar (ou "deontológico") do seu partido. Pois decerto que aceitarão como relevante o facto do homem ser "anunciado na tv", os ganhos de visibilidade nisto de ser comentadeiro da bola. Note-se mesmo, nem a secretária-geral adjunta do PS, que encabeça a lista por Setúbal na qual Pinotes Batista consta em lugar certamente elegível, se incomoda com um dislate destes.

Porque é este o pessoal político do PS, entre o qual predomina este "vale (quase) tudo" desde que dê "jeito". E o qual se prepara para vencer com uma enorme maioria, talvez até absoluta. E que neste seu "jeito" governará. Olhando para o passado recente, recordo que João Galamba, apenas conhecido pelo seu veemente afã no negacionismo das aleivosias socratistas, ascendeu à tutela estatal das concessões mineiras. E sob esse paradigma nada me surpreenderei se ainda viermos a ver este Pinotes Batista no Ministério da Justiça... 

Temos uma vantagem. É que já estamos habituados, e pelos vistos satisfeitos, com esta cepa torta.

17
Jan22

O preço do pão

jpt

lidl.jpg

Permito-me incomodar os meus "amigos-FB" com uma matéria literalmente comezinha. Pois hoje fui até ao simpático estabelecimento "Lidl" da minha vizinhança, ao qual não acorrera nos últimos dias. E reparei que o pão básico ("bola de mistura") teve um aumento de.... 25% (de 12 para 15 cêntimos). Lembrei-me da velha máxima (também por vezes dita "lei") de Economia: quanto mais caro o pão, mais este se vende (qu'a gente fica sem dinheiro para o resto).

Enfim: 25% de aumento! Deve ser isto o "novo normal" de que se falava. Temo, sinceramente, que um dia destes aumentem o Queen Margot.

16
Jan22

O Gotejar da Luz

jpt

(O Gotejar da Luz, realização de Fernando Vendrell, 2001)

Leio que morreu Luís Sarmento, muito amigo de vários dos meus amigos, e sobre quem muitos elogios fui ouvindo, mas ao qual nunca conheci. Recordo este "O Gotejar da Luz" (2001), um bom filme de Fernando Vendrell, com base num conto de Leite de Vasconcelos, no qual Luís Sarmento actuou, com indiscutível mérito.
Aqui fica, em versão completa, para quem quiser (re)ver. Com os meus sentimentos para os seus inúmeros amigos.

15
Jan22

A incompetência de António Costa

jpt

Lopes.png

Estamos a quinze dias das eleições, em plena campanha eleitoral. Nos últimos dias o ex-ministro da Administração Interna, Cabrita, é constituído arguido naquele processo de atropelamento, no qual teve, pelo menos, uma prática discursiva patética (o que será uma avaliação universal, independente das simpatias políticas de cada um), para além de uma atitude moralmente condenável (o que já dependerá do ponto de vista de cada um. Mas, caramba, é preciso ser muito faccioso para não lhe apontar o dedo...). E agora o tribunal absolve o ex-ministro da Defesa, Lopes no grave caso do roubo de armamento militar, por o considerar incompetente para o exercício de funções governamentais (e já nem falo da atitude do ex-ministro ao aceitar essa argumentação para se libertar do processo que lhe fora colocado, uma evidente falta de auto-respeito). Ou seja, ao absolver Lopes o tribunal exara uma clamorosa censura a quem o escolheu para ministro, António Costa.
 
Ambos os ex-ministros foram muito criticados por parte da opinião pública e por alguma imprensa. Mas foram também veementemente defendidos pelos "fazedores de opinião" (comentadores, jornalistas) e pelo PS. E, acima de tudo, pelo Primeiro-Ministro Costa, que os sustentou até ao limite do politicamente possível.
 
Se o primeiro governo de Costa foi muito criticado pela sua "endogamia" (até literal), pelo seu ensimesmamento em torno de um pequeno núcleo socialista, este segundo que agora terminou tentou limpar-se dessa imagem, pelo menos abdicando de integrar relações familiares. E as opções de Costa deram nisto: para pastas fundamentais teve uma confiança total num mero "passageiro" que acaba arguido, imoralizado num acidente mortal decorrido em matéria da sua tutela; uma confiança total num juridicamente considerado inimputável, por incompetência intelectual, para exercer a tutela sobre as matérias que lhe competiam.
 
E é absolutamente inenarrável que a mole de apoiantes do PS, militantes, simpatizantes, avençados, meros eleitores flutuantes, face a isto tudo não encarem Costa com, pelo menos, uma estupefacta suspeição sobre a sua competência para chefiar governos. Ainda por cima, repito, porque estamos a apenas quinze dias de eleições.
 
(Mas, estou certo, muitos deles andarão para aí a botar a conversa sobre a competência e legitimidade do P-M da longínqua e pérfida Albion que deixa o seu gabinete fazer festas durante o Covid. Às vezes é uma desgraça ser... compatriota desta gente).

15
Jan22

Ídasse

jpt

idasse.jpg

"O artista pode funcionar como um farol, um vidente", muito bem diz o Ídasse. Ele faz-me o enorme favor de ser meu amigo, mesmo amigo! Do qual eu sofro saudades, dos dias no seu bairro do Jardim ou das nossas caminhadas Maputo afora. É o meu artista moçambicano preferido, aquele de quem tenho mais obras, das afinal poucas que acumulei. E é um amigo preferido, "mano" se se quiser, querido como eu prefiro dizer. Talentoso é-o. Mas é também sábio. De uma sageza ponderada, recatada, embrulhada no seu maravilhoso riso, aquele gargalhar tantas vezes irónico e sempre sagaz. E é também, anuncio-o, o único homem que me apazigua - "porra, Idasse, tu dás-me paz", disse-lhe há já tantos anos, num dia que eu em polvorosa me esvaziei diante dele, de uma 2M e de uma mera tosta mista, verdadeiramente espantado com o seu efeito em mim, coisa estranha em homens da minha lavra que, quanto muito, só se apaziguam diante de uma ou (vá lá) outra amada mulher.

Não sei, honestamente, se estas palavras conseguem transmitir o respeito, imenso, que tenho por ele, por aquilo que ele sabe transmitir, grafica, intelectual e sentimentalmente. Para os menos sensíveis, daqueles que precisam de factos, traduzo-me: quem entra em minha casa tem logo uma mulher escarificada e um passo à frente uma curandeira a parir. E diante da minha cama, onde as visitas não entram, está um dançarino flutuante daquela maravilhosa série de 1998. Cá longe, sigo com Idasse.

Que as pessoas em Maputo o procurem. Não o incomodem. Mas tentem fruí-lo, aquilo que possam. E, entretanto, que leiam esta sua recente entrevista ao jornal "O País", onde para além de abordar o seu percurso repisa questões prementes no sector cultural do país. As quais, infelizmente, são sistematicamente esquecidas.

Adenda: como as ligações às páginas informáticas dos jornais são muito perecíveis, e também porque a página de "O País" é de acesso algo irregular, aqui deixo esta edição de "O País.pdf"para consulta desta entrevista, agradecendo à leitora que me enviou o documento.

14
Jan22

A Consagração Mundial da Alheira

jpt

alheira.jpg

O prestigiado TasteAtlas (para quem não conheça aqui deixo a sua apresentação) acaba de anunciar as escolhas para os melhores das várias categorias da gastronomia mundial. Na categoria global "Salsichas" de Todo o Mundo concedeu o primado à Alheira pátria. E esmiuçou o primeiro lugar, atribuindo o topo da salsicharia global à Alheira de Vinhais.

negrais.jpg

Para possível avaliação da pertinência desta nomeação aqui deixo o rol de 79 salsichas mundiais que foram analisadas para esta deliberação, e que inclui ainda mais algumas dezenas de salsichas que foram, este ano, deixadas fora de concurso.

E, decerto que para gáudio dos visitantes, deixo ainda a ligação para o precioso painel dos 100 Melhores Pratos Tradicionais Mundiais de 2021, associado à indicação dos 5 Melhores Pratos Mundiais em 25 Categorias Culinárias

(Adenda: Adenda: que esta minha divulgação não seja entendida como uma mera actividade de "influencer" cultural. Trata-se também de um acto de cidadania, político assim, celebrando tradicionais práticas alimentares que muito sofrem com a campanha que lhes é avessa executada dos agentes do totalitarismo sanitário, quantas vezes em conúbio com as grandes empresas de distribuição alimentar - as quais, tantas vezes, até detêm meios de comunicação social, como em Portugal acontece.)

 

14
Jan22

Costa vs Rio

jpt

costario.jpg

1. O debate acaba com o secretário-geral do PS a chamar "malandro" (ou seja, homem que diz "malandrices") ao presidente do PSD, enquanto nos acena com umas fotocópias encadernadas a argolas, diante do ar macambúzio de Rio, privado de lhe responder à aleivosia apesar de ter falado menos um minuto, segundo os democráticos cronómetros.
 
2. Sei bem que a minha visão do PCP foi construída e continua preenchida com a minha relação com o meu pai, o camarada Pimentel. E nisso sei bem que o "partido" não foi (nem será hoje) a cáfila de dementes sanguinários tal como o foram os avatares brotados do movimento comunista internacional em XX. Mas não é essa minha simpatia, que cruza o meu repúdio ideológico, que me faz dizer isto: o único vencedor desta ronda de debates entre "líderes" (chefes, em bom português) partidários foi o PCP. Ao recusar-se a participar em debates em canais televisivos que não são acessíveis a todos os portugueses - nesta vergonhosa deriva que é a "empresarialização" do debate político eleitoral, particularmente relevante nestas eleições sob Covid, com reduzidas acções públicas. Ainda por cima porque há dois canais públicos, a todos acessíveis, que poderiam acolher todos os debates.
 
Este modelo está a ser um atentado à equidade, que é o cerne do sistema democrático. E o que aconteceu hoje, com estes dois tipos a terem um debate comum, com participantes de todas as tão-poderosas estações, com imensa publicidade (diga-se bem, propaganda) e com muitíssimo mais tempo para se apresentarem e com uma até kitsch, tal a pretensão faustosa, encenação, foi uma vergonha. Uma espécie de "golpe de Estado", nesta era comunicacional.
 
Enfim, apesar de tudo não votarei no PCP, por razões ideológicas e, também, por caturrice. Mas até me apetece, devido a isto. Mas desabafo, diante dos meus "amigos-FB" e interlocutores blogais: não votemos nestes dois gajos, armados em "donos da bola" e nisso contentes. Pois do CHEGA (não sei se o PNR vai a votos) até ao BE (ou ao PCTP-MRRP, se se preferir) há muitas outras opções. Evitemos estes filhos da mãe, arrogantes do caraças... Malandros, estes sim.

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Contador

Em destaque no SAPO Blogs
pub