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Nenhures

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Ontem houve uma manifestação em Lisboa diante da embaixada russa, convocada por seis partidos e que congregou gente variada - nisso incluindo ucranianos (e não só) residentes, que haviam estado numa outra manifestação no Terreiro do Paço.
 
Lá fui, acompanhando alguns velhos amigos - todos nós com parco historial nestas demonstrações. Ao fim de umas duas horas retirei-me, já algo exaurido com tamanha actividade física. E nessa via, ali à Rovisco Pais, na rectaguarda dos manifestantes, deparei-me com este núcleo do BE (que recordo através de foto encontrada em mural alheio), uma rapaziada de aspecto juvenil-rebelde polvilhada de um punhado de velhotes barbudos e vestes descuidadas, tal e qual eu (só que mais carecas).
 
Ao vê-los sorri, num murmurado "olha, estes afinal vieram!" - pois o BE não se associara à manifestação, porventura porque uma Mortágua já sumarizara a posição do partido: é duvidoso que o governo ucraniano tenha apoio popular, está cheio de neonazis e é corrupto, deixando assim implícito que será descabido o suporte a uma autonomia soberana que o sustente. Mas ainda assim, e pelos vistos in extremis, os activistas do BE lá avançaram, pintalgaram um pano com um símbolo do partido com as cores da bandeira dos tais neonazis, e uns dizeres alusivos.
 
Nas cercanias do tal destacamento encontrei uma queridíssima amiga, a qual não via há alguns meses (vale a pena ir às manifestações, comprovei isso). Logo ficámos de conversa, projectando o nosso futuro comum. E nesse sorridente entretanto melhor atentei nos tais dizeres bloquísticos, ali nada ondulantes na calmaria.
 
E logo me ocorreu que quando daqui a algum tempo, mais ano ou menos ano, os EUA voltarem a pôr a tropa na poça, estes hipócritas comunistóides sairão à rua, convocando eles próprias as manifestações e abancarão na primeira fila com dísticos de "abaixo o imperalismo". Sem sentirem a urgência de a este pluralizar nem de aludir a outras malevolências...

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(Postal para o És a Nossa Fé)

Não será agora o momento para muito elaborar sobre as características intrínsecas da FIFA - demonstráveis pela atribuição da organização do próximo Mundial à ditadura teocrática do Catar, ainda por cima ao invés de qualquer racionalidade desportiva. Mas a tíbia atitude face aos acontecimentos de agora, propondo-se mimetizar o comportamento do COI ao patrocinar a pantomina de uma representação russa desprovida dos seus símbolos, é o típico "nem sim, nem sopas". É inaceitável. Muito bem vão as federações da Polónia, República Checa e Suécia, que já anunciaram a sua indisponibilidade para jogarem com a selecção do país que fere deste modo a segurança mundial e que aventa, a níveis retóricos que desconhecíamos nas largas últimas décadas, a utilização de arsenal nuclear.

Face a esta mercenária atitude da direcção da FIFA será de exigir à nossa Federação que se demarque de imediato dessa via, defendendo publicamente a exclusão russa. E, se tal não acontecer, será de exigir ao nosso governo que execute todo o tipo de represálias legalmente disponíveis sobre a FPF e seus associados. Entre as quais, se tal for possível, uma simbólica: retirar-lhe a possibilidade de utilizar os símbolos nacionais.

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O futuro ao Acaso pertence, como sabem os idólatras. E como tal qualquer um - mesmo sem estar arvorado com "podcast" ou graduado em comentadeiro - pode aventar o que aí virá, e neste caso quais os objectivos da Rússia putinesca e os efeitos, em catadupa, que promoverão. Em sendo assim atrevo-me a perorar.

A resistência ucraniana à invasão russa - a "operação militar da Rússia na Ucrânia", no adoçado linguajar do partido dos tão simpáticos, e infelizmente não reeleitos, deputados João Oliveira e António Filipe, e do tão bem apessoado João Ferreira, mais da mulher até jovem que agora aparece na Assembleia - poderá ser mais ou menos longa mas não será suficiente. Talvez o país venha a ser amputado de algumas áreas ou fique com o mesmo desenho. Mas tornar-se-á noutra Bielorússia, um protectorado russo. 

A oposição "ocidental" compôs-se de alarido e sanções económicas. Estas são relativamente irrelevantes para a economia russa, dado que nem sequer terão um conteúdo maximalista, vedado devido à profunda imbricação das economias europeias com a economia russa, em particular as de alguns países muito industrializados (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália), os quais se opõem a uma radicalização das medidas. Este processo de coalizão económica evidencia algo bem contrastante com a propaganda russófila, mostrando que o "motor da história" não é o "complexo da indústria de armamento" norte-americano - ainda que seja sabida a extrema influência que este tem na política americana, até visível se atentamente interpretado o rescaldo bem crítico que o presidente Bush fez do desempenho do presidente W. Bush. Pois, de facto, o que tem movido as relações do Ocidente europeu com a vizinha Rússia é uma crescente - e tendencialmente pacificadora - coligação económica, inscrita no "espectro da globalização".

Este titubear, de cariz economicista, dos países europeus terá um efeito interno interno: as políticas económicas que vêm sendo seguidas vêm agora destapada a sua imprudência estratégica, até incompetente. E assim é muito provável que se reforcem em diversos países movimentos políticos soberanistas, por mais mítico que possa ser o nacionalismo económico na actualidade. E também terá um outro efeito: os países do Leste europeu - entretanto agregados à União Europeia - decerto que sentem este evidente expansionismo russo com maior angústia, e por isso maior desilusão terão com a fragilidade da UE. Isso, para além dos crescentes nacionalismos (de mística autárcica, porventura), imprimirá maiores dissensões na União, e a sua crescente fragilização.

Isso leva-me ao verdadeiro - pois articulado - objectivo russo. É evidente - e anunciado (como na declaração de ontem "proibindo" os países escandinavos de integrarem a NATO) - que a Rússia quer manter uma "zona tampão" ocidental face aos militares norte-americanos. E parece explícito que quer recuperar o velho mapa, imperial, da URSS, nessa flutuação constante que a história dos Estados da Europa Central e Oriental. Seja em termos absolutos, seja em termos de disseminação de protectorados - e, agora ainda mais, do Báltico ao Cáspio não se deve pensar noutra coisa.

Mas parece-me notório que o desígnio de evitar a expansão da NATO a Leste é siamês de um outro, o de retroverter a expansão da União Europeia, tanto nas suas características de integração económica como, e até mais, de comunhão político-ideológica. Esta demonstração da (esperada) incúria e tibieza que vem impedindo o estabelecimento de uma verdadeira autonomia estratégica promoverá maiores dissensões e a concomitante fragilização da UE. O que alimenta o desígnio russo, o estabelecimento de um novo COMECON a oeste. Uma crescente área de influência política, económica e  militar. E que será um extraordinário reforço para enfrentar não a máquina bélica norte-americana mas sim a vigorosa extroversão chinesa, cuja tenaz na "Rússia" asiática aparece agora imparável. 

Se Putin, com o seu nacionalismo radical e até messiânico, sobreviver politicamente e se viver ainda mais um punhado de anos - e se legar o poder a sucessores competentes - será isso que nos espera.

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Putin ontem chamou "drogados" aos dirigentes ucranianos. O que me fez lembrar dois factos: um, recente, o daqueles políticos ucranianos que foram efectivamente drogados (entenda-se, envenenados).
 
O outro é bem mais antigo. Recordo-o pois os mais-velhos não se lembrarão do detalhe e os mais-novos nem o conhecerão, e ele é muito denotativo da mundividência do chefe russo. Mas sobre esta deixo um preâmbulo, mais dirigido aos putinescos: há dias um antigo embaixador norte-americano em Moçambique, Jett, deixou considerações sobre o estado actual do país. Logo vi resposta, num texto que convoca a sua condição de "antigo operacional da CIA" - a qual não posso afiançar mas que nada me custa a crer - como factor inibidor da justeza das suas opiniões. O que é interessante é ver que nesse eixo de locução putinesco (ou anti-americano, se se preferir) se o passado de agente da CIA é inibidor o mesmo não surge com o passado KGB de Putin... Ou seja, o molde dos serviços secretos comporta defeitos para uns e virtudes para outros.
 
Mas quanto à segunda recordação, a mais antiga, que a invectiva de Putin me promoveu: nos finais dos 80s, quando o esfacelamento do comunismo europeu se tornava óbvio, os comunistas começaram a ecoar o dito - obviamente propagandístico - de que habitantes do Leste queriam transitar para o Ocidente para se virem drogar. A ocidentalização era assim anunciada como uma alienação também no sentido de drogadição - e para quem duvide disto que digo lembro que o meu pai lia "O Diário", o oficioso do PCP d' "A verdade a que temos direito", no qual todas estas pérolas eram reproduzidas (às vezes até para incómodo dele, naquele seu encolher de ombros do "tem de ser"...).
 
E este vetusto, e patético, argumento propagandístico do estertor do comunismo, o tal da ocidentalização como drogradição, é o que Putin recupera. Como agente da KGB, que nada mais é do que isso.
 
E há os outros, nós, não-putinescos. Que em vez de crer nas lérias podemos olhar para o fim daquele horrível comunismo dos KGBs através de outros olhos. Sem drogas. Como neste filme, uma boa opção para este fim-de-semana. Que nos aparta, e muito, dos tais putinescos. Boçais.
 

(The Lives of Others | Official Trailer 2006)

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Enquanto a tropa russa alastra na Ucrânia as nossas reacções avulsas de populares opinativos serão pouco relevantes. Mas ainda assim elaboro sobre parte do que ontem vi nas  minhas contas nas redes sociais (FB, twitter):
 
1 - vigora o argumento de que a responsabilidade (dolosa) é dos norte-americanos, dado o seu desígnio de alargar a NATO, com conúbio da União Europeia. Vi isto, viçoso, por cá e entre moçambicanos.
 
Entre estes últimos reconheço os locutores como gente ligada, ideológica e/ou afectivamente, ao Frelimo da I República, associável (na sua complexidade) ao movimento comunista internacional e vinculada ao anti-colonialismo. Entre os portugueses percebo (ainda que tenham ditos mais heterogéneos) simpatizantes dos dois partidos comunistas tradicionais ou do recente dito pós-marxista.
 
Nestes é interessante a noção que aceita como justificável e legitimada uma invasão militar devido às políticas de relacionamento diplomático de um país vizinho. O que é - neste caso totalmente explícito - uma afirmação de uma soberania menorizada, o primado de uma tutela regional internacional, a qual se diria imperial. Isto é particularmente estranho entre moçambicanos, que têm recente experiência própria disso mas que agora surgem defendendo que se faça o mesmo alhures. Mas não têm qualquer rebuço, entenda-se vergonha, em acorrer aos teclados para perorar tal simpatia pelo efectivo colonialismo alhures - o que não é totalmente surpreendente, e recordo que em trinta anos a ler sobre Moçambique nunca vi um intelectual ou político desse país botar sobre a ocupação colonial do Tibete por mais vozeares revolucionários-progressistas anti-coloniais que emitam. Mas, claro, não se pode ter tudo...
 
2 - um outro traço do "opinativismo" pró-russo (de facto, um mero anti-americanismo) é que ninguém alude à participação da Bielorússia, da qual partiram tropas russas nesta invasão. Um país que é um verdadeiro protectorado russo, com um regime imposto por Moscovo, numa verdadeira lógica imperial (ou colonial, para usar uma linguagem mais austral).
 
Ora como nestes núcleos locutores - particularmente os portugueses - há imensa gente muito loquaz sobre a questão dos "refugiados", não deixa de ser interessante este "esquecimento". Pois é bem sabida a desumana política de Minsk para os refugiados. Mas nem isso chama a atenção ou corrói o simpático silêncio destes opinadores. E já nem aludo sobre o que essa efectiva tutela de Moscovo sobre a Bielorrússia (bem como outras regiões) significa sobre o verdadeiro desígnio de Putin...
 
3. Para percebermos o seguidismo, avulso mas também institucional, destes núcleos políticos convirá ler o que disse ontem na Assembleia de República o deputado comunista João Oliveira - esse mesmo, que tantos democratas louvaram lamentando não ter sido reeleito. Seguindo os argumentos do presidente Putin, até mesmo a ladainha dos "nazis ucranianos" - tal como há anos aqui o publicista do activismo anti-discriminações étnicas e raciais, o célebre dr. Ba, clamava "vêm aí os nazis ucranianos" aquando de um jogo da bola. Pois a cartilha comum destes núcleos políticos já tem historial...
 
4. Enfim, para todos estes "camaradas, companheiros, amigos", austrais e setentrionais, mais ou menos vinculados, ideologica ou afectivamente, ao "espectro do comunismo" (Marx, Engels, 1848), deixo aqui ligação ao comunicado oficial do Partido Comunista de Espanha sobre a invasão russa da Ucrânia. E, chamo a atenção dos menos lidos, trata-se de um texto num país com uma relação histórica com a NATO muitíssimo mais problemática do que Portugal. Também por isso é um texto muito relevante. Pela diferença que tem face ao mero bolçar dos pró-putinescos.
 
5. Claro que nada disto reduzirá o desprezo, mesmo ódio, pelo "Ocidente" e pela democracia, que vigora entre estes locutores. Excepto, friso, quando é para nele e sob ela se viver. E para morrer (e esta última meia-palavra é mais do que suficiente para qualquer bom entendedor).

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