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(Postal para o És a Nossa Fé)
Não será agora o momento para muito elaborar sobre as características intrínsecas da FIFA - demonstráveis pela atribuição da organização do próximo Mundial à ditadura teocrática do Catar, ainda por cima ao invés de qualquer racionalidade desportiva. Mas a tíbia atitude face aos acontecimentos de agora, propondo-se mimetizar o comportamento do COI ao patrocinar a pantomina de uma representação russa desprovida dos seus símbolos, é o típico "nem sim, nem sopas". É inaceitável. Muito bem vão as federações da Polónia, República Checa e Suécia, que já anunciaram a sua indisponibilidade para jogarem com a selecção do país que fere deste modo a segurança mundial e que aventa, a níveis retóricos que desconhecíamos nas largas últimas décadas, a utilização de arsenal nuclear.
Face a esta mercenária atitude da direcção da FIFA será de exigir à nossa Federação que se demarque de imediato dessa via, defendendo publicamente a exclusão russa. E, se tal não acontecer, será de exigir ao nosso governo que execute todo o tipo de represálias legalmente disponíveis sobre a FPF e seus associados. Entre as quais, se tal for possível, uma simbólica: retirar-lhe a possibilidade de utilizar os símbolos nacionais.
O futuro ao Acaso pertence, como sabem os idólatras. E como tal qualquer um - mesmo sem estar arvorado com "podcast" ou graduado em comentadeiro - pode aventar o que aí virá, e neste caso quais os objectivos da Rússia putinesca e os efeitos, em catadupa, que promoverão. Em sendo assim atrevo-me a perorar.
A resistência ucraniana à invasão russa - a "operação militar da Rússia na Ucrânia", no adoçado linguajar do partido dos tão simpáticos, e infelizmente não reeleitos, deputados João Oliveira e António Filipe, e do tão bem apessoado João Ferreira, mais da mulher até jovem que agora aparece na Assembleia - poderá ser mais ou menos longa mas não será suficiente. Talvez o país venha a ser amputado de algumas áreas ou fique com o mesmo desenho. Mas tornar-se-á noutra Bielorússia, um protectorado russo.
A oposição "ocidental" compôs-se de alarido e sanções económicas. Estas são relativamente irrelevantes para a economia russa, dado que nem sequer terão um conteúdo maximalista, vedado devido à profunda imbricação das economias europeias com a economia russa, em particular as de alguns países muito industrializados (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália), os quais se opõem a uma radicalização das medidas. Este processo de coalizão económica evidencia algo bem contrastante com a propaganda russófila, mostrando que o "motor da história" não é o "complexo da indústria de armamento" norte-americano - ainda que seja sabida a extrema influência que este tem na política americana, até visível se atentamente interpretado o rescaldo bem crítico que o presidente Bush fez do desempenho do presidente W. Bush. Pois, de facto, o que tem movido as relações do Ocidente europeu com a vizinha Rússia é uma crescente - e tendencialmente pacificadora - coligação económica, inscrita no "espectro da globalização".
Este titubear, de cariz economicista, dos países europeus terá um efeito interno interno: as políticas económicas que vêm sendo seguidas vêm agora destapada a sua imprudência estratégica, até incompetente. E assim é muito provável que se reforcem em diversos países movimentos políticos soberanistas, por mais mítico que possa ser o nacionalismo económico na actualidade. E também terá um outro efeito: os países do Leste europeu - entretanto agregados à União Europeia - decerto que sentem este evidente expansionismo russo com maior angústia, e por isso maior desilusão terão com a fragilidade da UE. Isso, para além dos crescentes nacionalismos (de mística autárcica, porventura), imprimirá maiores dissensões na União, e a sua crescente fragilização.
Isso leva-me ao verdadeiro - pois articulado - objectivo russo. É evidente - e anunciado (como na declaração de ontem "proibindo" os países escandinavos de integrarem a NATO) - que a Rússia quer manter uma "zona tampão" ocidental face aos militares norte-americanos. E parece explícito que quer recuperar o velho mapa, imperial, da URSS, nessa flutuação constante que a história dos Estados da Europa Central e Oriental. Seja em termos absolutos, seja em termos de disseminação de protectorados - e, agora ainda mais, do Báltico ao Cáspio não se deve pensar noutra coisa.
Mas parece-me notório que o desígnio de evitar a expansão da NATO a Leste é siamês de um outro, o de retroverter a expansão da União Europeia, tanto nas suas características de integração económica como, e até mais, de comunhão político-ideológica. Esta demonstração da (esperada) incúria e tibieza que vem impedindo o estabelecimento de uma verdadeira autonomia estratégica promoverá maiores dissensões e a concomitante fragilização da UE. O que alimenta o desígnio russo, o estabelecimento de um novo COMECON a oeste. Uma crescente área de influência política, económica e militar. E que será um extraordinário reforço para enfrentar não a máquina bélica norte-americana mas sim a vigorosa extroversão chinesa, cuja tenaz na "Rússia" asiática aparece agora imparável.
Se Putin, com o seu nacionalismo radical e até messiânico, sobreviver politicamente e se viver ainda mais um punhado de anos - e se legar o poder a sucessores competentes - será isso que nos espera.
(The Lives of Others | Official Trailer 2006)
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