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Nenhures

Nenhures

12
Fev22

O meu Porto-Sporting

jpt

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Um almoço com dois amigos de infância, 3 tipos da safra de 64 face a um choco frito diante do Sado, a fruir a frescura daquela aragem tão contrastante com a malvada estiagem que me assola nas colinas circundantes. Segue-se uma chinchada aos citrinos - "bio", dizem-nos os burguesotes -, uma sacada deles conquistada. Depois avanço, cruzo o Tejo na ânsia do Trancão, e culmino com uma imperial na tasca operária que bordeja o Fernando Pessoa. 

E por isto tudo só ao um quarto para as oito chego a casa, já ladeado por um outro velho amigo, este lampião - ácido, agreste, malvado, "espero que vocês percam"... "ainda que o Porto..." - e jovem "sobrinho", lagarto, algo nervoso. Ali tristonhos, pois condenados a ouvir o relato, e nesta horrorosa versão televisiva de agora. "Que se lixe", resmungo eu, de súbito em modo estroina, "um dia não são dias" e tiro quinze euros ao rancho, mais do que gasto eu em carne por semana, mais do que duas garrafas do elixir Queen Margot, cinco dias de assinatura dos canais da bola, "isch, é dia de festa!", saúda o meu amigo enquanto o puto esfrega as mãos...

Abro uma aprazível "Argus" do Lidl (como podereis ver, continuo - "como quem não quer a coisa" - sempre em busca do patrocínio desta cadeia comercial) e começa o jogo. Aos 40 e tal segundos já o árbitro dá um cartão amarelo ao nosso Matheus Reis, apenas por um viril encontrão. Clamo a consabida indecência do comportamento sexual da mãe do apitador e, reconhecido áugure que sou, faço o resumo do que acontecerá: "o gajo já perdeu o controlo do jogo". O adepto de Carnide ri-se e ao miúdo, ainda inexperiente nisto, sai-lhe um "achas?", ao que o lecciono, saber de experiência espectadora feito, "claro, quando começam assim acabam com tudo estragado".

Segue o jogo, o Porto muito melhor, pressionante, ágil, dominante, os nossos algo estuporados, atarantados, atrapalhados, "que é isto!!" vou resmungando em dialecto de caserna, pois "o Porto está como naquele jogo com o Benfica!", "a estrafegar-nos", "vamos levar uma sova". De súbito o nosso 1-0, naquele magnífico movimento - amortecimento no ar, cruzamento imediato sem deixar a bola cair no chão - de Matheus Reis ("não tem capacidade técnica para jogar no Sporting", afiançámos), cabeceamento perfeito de Paulinho ("não joga nada" dizem os intelectuais da bola).

O Porto não treme, continua, justiça lhe seja feita, a jogar mais.  E eu resmungo, constantemente, "onde está o Palhinha, falta o Palhinha, porque não joga o Palhinha, o que é que deu ao Rúben, que tirou o Palhinha, isto com o Palhinha era diferente, estão a dormir sem o Palhinha, não ganham uma bola no meio-campo sem o Palhinha, mete o Palhinha, pá!". Mas vem o nosso 2-0, excelente jogada de futebol - na qual também muito participa o tal Reis (sim, esse que não tem qualidade para jogar no Sporting). Entretanto viera um cartão amarelo mesmo despropositado para Coates. Logo repeti, porque o julguei relevante, o que sei de fonte segura sobre a indecência sexual da progenitora do árbitro bem como aludi à consabida volúpia anal que a este sempre acomete. Antes e depois dos jogos.

Enfim, no meio daquela confusão que vai medrando, tudo cada vez mais arisco e desabrido, Pinheiro, o tal árbitro que alguém bem sabido para ali atirou, faz uma coisa raríssima em Portugal - e também "lá fora" - e muito louvável, "à râguebi". Chama os capitães da equipa e convoca uma responsabilização destes para a acalmia disciplinar. Louvo de imediato, a inusitada mas regulamentar acção. Mas logo me desato a rir. Pois o desgraçado tem aquela boa intenção mas é incapaz de afastar os outros jogadores, como é necessário nestes momentos, que em massa rodeiam aquele colóquio, entre óbvias interjeições verbais e imprecações corporais. E para cúmulo dos cúmulos, para total funeral da personalidade de Pinheiro, os dois capitães - Coates e Pepe - saem dessa conversa com o árbitro em evidente desatino mútuo. Desato-me a rir, "eu não dizia? o gajo não tem qualquer controlo dos jogadores, ninguém o respeita!", "olhem para isto!, chama os capitães e eles saem dali aos gritos e ele dá-lhes as costas".

O Porto faz 2-1, num atrapalhada jogada em que eu desespero "o meu reino por um Palhinha". Esgaio leva um amarelo antes do intervalo. Levanto-me do suplício "temos três defesas com amarelo, pelo menos um deles vai ser expulso, e deve ser o Coates". E avanço "até logo". "Onde vais?", interrogam-me. "Vou ao aeroporto, buscar a miúda, que chega agora, uma semana de férias escolares". "E ela não pode apanhar um táxi?", diz o mais-velho, pai tarimbado. "Mas tu achas que eu não vou esperar a minha princesa?", sorrio pai babado e amoroso. "Então assinaste os canais para ver o jogo e agora não vês a bola?". "Que se foda", concluo, até magnânimo "até porque vamos perder, este filhodaputa está a fazer tudo por isso".

E lá vou até ao aeroporto da Portela ("Generalíssimo Humberto Delgado", chamaram-lhe os mariolas e ignorantes que mandam no país). Há já dois meses que não ia lá. E deparo-me com o átrio das "Chegadas" apinhado e animado, como naqueles "velhos tempos" pré-pandémicos, e nisso me animo num "está visto, acabou o Covid!!", e é isso que é importante. Na desembocadura está uma multidão de negros e nisso tenho esperança que seja um avião de Maputo que esteja a chegar, se calhar até apanho caras conhecidas, quiçá um abraço ou outro, mas não, é de Bissau que aterrou um outro. Desliguei os dados móveis do telefone e folheio, distraidamente, o "de bolso" que levei.

Toca-me o telefone, julgo que é a minha filha a dizer-me "já aterrei", mas não. É o "sobrinho", lá em casa: "tinhas razão, o Coates foi expulso". Repito um palavrão, e digo-lhe "Aprende, que eu não duro para sempre".

A minha filha chegou, bem-disposta, encantando o seu pai. Abraçamo-nos. Que se lixe a taça. E toda aquela pantomina. Esta.

11
Fev22

O Voto dos Emigrados

jpt

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(Postal para o Delito de Opinião)

A Cristina Torrão já botou a sua profunda indignação com o acontecido com os votos dos emigrantes. E com ela vou solidário. Não irei repetir os seus argumentos mas julgo necessário recordar um facto: no círculo da Europa, de um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%. 47 anos depois das primeiras eleições deste regime acontece isto! E, pior, sem que haja um sobressalto cívico, uma repúdio generalizado face às elites políticas que conduziram a isto. 

Os emigrantes foram cantados na gesta antifascista e muito lamentados no gemebundismo socialista dos anos 2010s, pois ditos como se ostracizados por Passos Coelho. E são anualmente incensados no folclore do Dia das Comunidades Portuguesas - abrilhantado neste consulado com a novidade das comemorações itinerantes do 10 de Junho. Mas  neste regime o seu voto sempre foi malquisto. Por isso a sua escassa representação parlamentar. Por isso a escandalosa proibição constitucional - desenhada por ilustres constitucionalistas que desde há décadas continuam a opinar, como se democratas exemplares - do seu voto nas presidenciais, malevolência que durou duas décadas. E por isso se mantêm tantas dificuldades logísticas para o seu exercício do voto. 

Mas agora não se trata só de isso. Mas sim do devastado estado do Estado. No Inverno de 2021 durante algum tempo Portugal foi o pior país do mundo, em termos absolutos, quanto ao impacto do Covid-19. Nesse período foram organizadas umas eleições presidenciais. Tendo sido aventada a hipótese do seu breve adiamento, para que se esperasse o alijar os efeitos da invernia no impacto da pandemia, foi-nos comunicado que ministério da tutela e assembleia da república tinham deixado passar os prazos legais para se poder propor tal medida. Nestas recentes eleições legislativas, com o país fustigado pela disseminação da variante Ômicron, debateu-se a questão da votação dos infectados e dos colocados em isolamento profiláctico. Foi notório o atrapalhamento das autoridades, mais uma vez acima de tudo devido a uma incúria legislativa.

Agora surgem estas notícias sobre o voto dos emigrantes. Mais de 80% de votos inutilizados no círculo da Europa (não tenho dados sobre o "fora da Europa"). Devido a uma trapalhada legal e correlativa desorganização processual. Tudo isto bem demonstra a irresponsável incompetência com que as eleições são enquadradas pela nossa actual "elite" política.

E sobre essa perversa realidade é importante ouvir esta entrevista do cabeça de lista do PS no círculo "Europa", Paulo Pisco: diz que tinham conhecimento dos defeitos da lei, mas escuda-se no facto de ter havido uma antecipação das eleições para se desculpar pela incorrecta lei. "Até já se tinha constituído um grupo de trabalho", deixa cair. Ou seja, há uma lei eleitoral que é consabidamente prejudicial ao exercício do voto dos nossos compatriotas emigrados. E durante dois anos a Assembleia da República limita-se a constituir um "grupo de trabalho". E face à convocação de eleições antecipadas é apanhada com "as urnas na mão".

E convirá perceber que este homem, que tanto se lamenta por ter(em) sido surpreendido(s) pela antecipação eleitoral, acaba de ser eleito para a sua... 6ª legislatura, como deputado da emigração! Convirá também perceber que Augusto Santos Silva, que tem duas décadas de exercício ministerial, foi não só ministro dos Negócios Estrangeiros - com a tutela das formalmente sacrossantas "Comunidades Portuguesas" - nos últimos 6 anos, como também encabeçou a lista do seu partido no círculo "Fora da Europa". Mas, ao que parece, também nada sabia sobre esta situação, e nada fez para a resolver.

No final de tudo isto é interessante perceber o que os dois partidos estruturantes do regime, e que sempre dividem os meros 4 deputados da "emigração", fazem: o PSD agarra num patético, anacrónico e, provavelmente, ilegal procedimento eleitoral e provoca este rombo democrático que é a anulação de 80% dos votos expressos. Mas não teve tempo nem oportunidade para propor uma alteração legislativa ou uma organização dos procedimentos eleitorais. E o PS, também distraído destas coisas, não contestará esta anulação. Pois, como vergonhosamente diz este veterano deputado Pisco, "como os resultados não se alteram não vale a pena". Ou seja para este Pisco não vale a pena contabilizar, considerar, respeitar, 157 205 decisões dos seus compatriotas! Desde que o (já aquecido) lugarzito lhe esteja garantido. É esta a sua mentalidade. É este o tipo de "democrata" que o parlamento alberga.

Entretanto, acabou-se o dia. E nem Sua Excelência o ministro dos Negócios Estrangeiros em exercício, o deputado eleito pelo círculo "Fora da Europa", prof. Augusto Santos Silva, nem Sua Excelência o Presidente da República, o loquaz prof. Marcelo Rebelo de Sousa, se pronunciaram sobre esta vergonha. Da qual são profundamente responsáveis. Silva seguirá sibilino, no Rilvas ou em São Bento. E Sousa tirará auto-retratos enquanto perora inanidades sobre a heróica "identidade nacional". 

Ao menos Rio asneira(va) em alemão...

10
Fev22

A extrema-direita liberal

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Com a conquista eleitoral segue o PS viçoso, dir-se-ia que até rejuvenescido, nesta sua condição maioritária. Mas, avisado, nisso não facilita, desde já preparando a maratona dos 4 longos anos. Olha à sua esquerda e, algo clemente, poupa invectivas (e até já preparará a protocolar eulogia) ao exaurido PCP, agora cadáver (menos) adiado. Tal como ao "cadáver esquisito" Bloco de Esquerda, que deixa entregue às irregulares inconsequências que lhe são essência, até porque entretanto este segue entretido nas discussões públicas das suas catedráticas "eminências pardas". Olímpico é também o silêncio que dedica aos afinal inúteis PAN, já entregue à co-incineração que nos foi legada pela tutela do incansável José Sócrates, e LIVRE, o qual ruma atarefado na contratação de um ror de assessores que "não advêm do marxismo", decerto que forma de combater a precaridade que aflige os investigadores científicos.

Assim algo descansado - ainda que nunca relaxado - pois "nada se passa na frente esquerda", o PS observa atentamente as movimentações das forças regulares alojadas à sua direita. Estando o CDS entregue aos intensivistas, os quais mantêm "prognóstico reservado" sobre o paciente - ainda que conste terem estes já, em privado, desiludido a família próxima -, a situação clínica do PSD é encarada com plácida solidariedade humana. Na crença de que a convalescença, a ser bem sucedida - o que não se toma como garantido -, será bem longa, e exigirá duro e enfraquecedor tratamento. Quanto ao pós-neófito CHEGA a estratégia está já delineada: sobre ele cairá algum fogo regular, a hora certa, para manter aquela força irregular em estado de exaltação. O qual será propício à sua emissão de disparates, dada a profusão de locutores encartados que agora nela se impuseram, lestos que assim serão eles a demonstrar a horda irreflectida que constituem, desde vereadoras a traficarem lixo, senadores a clamarem dislates desproporcionados até a anacrónicos "intelectuais orgânicos" a louvaminharem o Estado Novo.

Resta assim, nesses invasores redutos da direita, a pequena força da Iniciativa Liberal. E para não amansar as tropas, nisso relaxando-as, foi este o alvo escolhido pelo PS para pequenas investidas cirúrgicas, por enquanto conduzidas por batedores, rudes e tarimbados, irregulares locutores excêntricos à hierarquia. Acções essas que assim, se violando as tréguas pós-eleitorais, serão ditas como alheias aos ditames da hierarquia. De facto, o intuito deste pequena e marginal campanha é o de manter mobilizada a população na retaguarda, nisso despertada e mui atenta na luta contra o fascismo, o desses hunos que não só cruzaram as fronteiras da república como, ao que consta, investem já contra a paliçada do regime.

De facto, as novas dessas incursões vão promovendo o júbilo entre o povo cristão, aquando congregado em bazares, adros e rossios. Nelas é proclamada a tal Iniciativa Liberal como a verdadeira extrema-direita, o mais perigoso dos arietes fascistas, o satânico inimigo do bem-estar comum, os adoradores do anti-cristo "social". Consta isso nas páginas do boletim "Expresso", partilhado nas homilias e nos pregões. Clamam-no, nos seus palanques, alguns vultos sábios, como Maria José Marques (que eu desconheço) ou a célebre mestra Estrela Serrano, dita a Socratista. E há agora novidades de uma nova investida, particularmente bem sucedida: pois, ainda que já jubilado da sua carreira profissional de sobrinho, o veterano Alfredo Barroso regressou às lides demonstrando ser a tal Iniciativa (Neo)Liberal a reencarnação lusa de Augusto Pinochet, assim augurando-nos - se nos distrairmos - o destino de sermos encerrados em campos de futebol, e neles exterminados, por desígnios do perverso Cotrim.

Mas o relevante é o efeito que estas iniciais investidas estão a ter nas escassas forças liberais. Com efeito, chegam notícias que estas procuram deslocar-se, intentando assentar arraiais no planalto central da frente da batalha. Presumo que nisso procurando camuflar-se, salvaguardando-se de um ataque global, que julgam iminente, às forças do CHEGA - sitas num promontório vizinho - pois temendo com elas serem confundidas.

Não deixo de sorrir, diante destas frustres manobras dos jovens capitães liberais. Lembrando-me que desde há 47 anos as forças do PSD e do PS têm acampamentos limítrofes, nisso se ladeando. E que ninguém os confunde por isso - a vox populi até lhes exagera as diferenças. Não haja dúvida, estes recém-chegados têm ainda muitos montes e vales (de lágrimas) para percorrer. E muita saraivada para receber.

09
Fev22

Assessoria de Vereação

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To Whom It May Concern:
 
Licenciado em ciência social e pós-graduado em matérias de desenvolvimento local; praticante da língua francesa e da inglesa; conhecimentos de Word e de comunicação nas redes sociais; forte sentido de empreendedorismo; espírito abnegado e voluntarioso, dotado de grande motivação; capacidade de integração em diversos contextos; fácil inserção em grupos de trabalho; jovialidade e franqueza como características pessoais fundamentais; adequado guarda-roupa e bons modos à mesa.
 
Procuro posto de assessor de vereador municipal (com ou sem pelouro atribuído), remuneração e horário a combinar. De preferência na Câmara Municipal de Nenhures ou suas cercanias, mas disponível para qualquer distrito de Portugal Continental e Ilhas Adjacentes, digo, Regiões Autónomas...
 
Contacto por mensagem privada, sff.

08
Fev22

A Avaria da Vodafone

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Ouço na rádio que a empresa Vodafone é, desde ontem, vítima de um ataque malicioso, que muito tem prejudicado as comunicações proporcionadas pelos seus serviços. E registo que, apesar da minha conta telefónica ser na Vodafone, não me apercebi desta ocorrência.

Há alguns anos, tendo mudado de número de telefone, criei um "perfil" para acompanhar a nova conta, também utilizável na entretanto disseminada rede tendencialmente gratuita Whatsapp. Nesse incluí, como seria de esperar, o meu nome. E, por proposta do sistema, a minha fotografia - tendo escolhido esta, em tempos feita pelo meu querido Gemuce. E um "estado", que presumi poder ser ou um resumo biográfico ou uma "disposição" comunicacional. Ali coloquei, e ainda está, o meu resumo biográfico, com travo literato: "Ninguém telefona ao furriel".

Julgo que após esta avaria que me passou despercebida os meus amigos e conhecidos, que têm o meu número telefónico, poderão perceber do quão certeiro é o meu "estado" afixado

08
Fev22

As raças do CHEGA

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Leio que o novo deputado Pacheco de Amorim foi à tv reafirmar a pertinência da categoria "raça" (vá lá, ao menos não lhe chamou "etnia" como tantos dos bem-pensantes de hoje em dia). E proclamar, como se salvaguardando-a, a originária "branquitude" lusitana, à qual atribui significado politicamente relevante. Consta que o seu líder, o prof. Ventura, já saiu a terreiro atribuindo-lhe boa nota no exame oral.
 
Sei, por experiência própria, que é algo espúrio tentar convencer adultos racialistas (crentes nas "raças") da inadequação de tal crença. Pois as pessoas mais limitadas (o que é muito diferente de "incultas") vêm, à vista desarmada, que as populações têm cores de pele diferente e disso sentem como necessário corolário a existência de diferenças, em termos de lhes graduar habilidades físicas e/ou intelectuais. E mesmo morais (ou contextuais, no caso dos actuais missionários esquerdistas), do "malandros" ao "coitadinhos". Já para não falar de que julgam que tais cores, "rácicas", lhes atribui habitats apropriados, qual "cada macaco no seu galho". Ou seja, a operação intelectual - aparentemente simples - de retirar qualquer importância - biológica, cultural, política, intelectual - à cor da pele dos indivíduos é, afinal, coisa demasiada para as capacidades dos morcões.
 
Quanto à nossa - abençoada, é sempre bom lembrá-lo - branquitude lembro este episódio (memória que vai dedicada aos morcões racialistas a la CHEGA e aos outros morcões que não são CHEGA).
 
Tinha a minha filha Carolina apenas 7 anos e fotografou-me assim, decerto uma experiência que lhe foi traumática. Dizia-me eu, aquando nestes propósitos capilares (que foram breves), que estava "fazendo jus aos antepassados". Vendo a fotografia poder-se-ão retirar algumas conclusões individuais: um idiota em modo carnavalesco, um idiota tout court, um promíscuo homossexual dos anos 80s, um treinador de futebol das "distritais". Ou em termos colectivos, "raciais", um mero semita, qual "seu Nacib" da TV Globo, ou mesmo até um degenerado half-breed (melhor dizer assim, pois linguajar com pedigree de Ivy League, precioso para os esquerdalhos anti-americanos actuais).
 
Enfim, era eu mais ou menos assim (mas decerto que sem bigode), e um dia fui com dois colegas amigos, mais-novos antropólogos, petiscar almoço à "barraca" da Lenine onde o Eduardo White tinha então poiso certo. Quando entrámos ele ainda não chegara mas quem estava era um outro antropólogo, um ainda jovem norte-americano que fizera doutoramento sobre Moçambique. Juntámo-nos e lá vieram as moelas e as 2M, que se acumularam dada a boa conversa que foi decorrendo.
 
Aquele nosso competente colega é um louro (e talvez bem apessoado, ainda que as mulheres tendam a não concordar com os meus raros juízos nessa matéria). Mas não exactamente WASP, que o apelido lhe anuncia ancestrais mais euro-orientais. Porventura acalentado pelo incessante fluxo das garrafas, deixou-se contar a história da sua formação. Nesse rumo botou uma interessantíssima consideração - que eu logo fixei, pois similar ao que ouvira várias vezes de vários mais-velhos moçambicanos, como ao Monstro Sagrado Mário Coluna, ao Zé Craveirinha ou (talvez, não posso afiançar) ao Kalungano, como exemplos. Haviam-me estes contado do seu espanto quando conheceram Lisboa - ou Luanda, onde o paquete fazia escala - e viram pela primeira vez brancos a fazerem trabalhos braçais, como "almeidas" ou engraxadores...
 
Pois, para meu gáudio, o nosso colega narrou o mesmo. Californiano do sul, licenciara-se numa universidade dali mesmo. Depois, ainda muito jovem, partira para Londres para o seu mestrado. E naquela urbe espantara-se porque.... pela primeira vez via brancos na recolha do lixo e outros trabalhos braçais. E ao tal ouvir espantei-me eu também, num imediato "então? mas na tua terra quem é que faz tudo isso?". Ao que ele me disse "os latinos". E logo o interroguei "bem, então eu não sou branco!". Ao que ele, de súbito num ricto deveras atrapalhado mas... já não tinha volta a dar-lhe, sussurrou "não."
 
E todos nós-outros à mesa, que não ele, pois ali a sentir-se com as mãos pelos pés, nos rimos, eu num até desalentado "porra, que já nem branco sou". E os meus amigos num gargalhado "mais-velho, por esta não estavas tu à espera...".
 
E meter o que isto significa nas cabeças das pessoas é muito difícil. Quando as cabeças são fracas. E as pessoas estúpidas.

08
Fev22

Um Fotógrafo em Abril , de Sebastião Salgado

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Apesar de ter uma Bertrand à porta de casa tornou-se-me raro entrar em livrarias. Não compro livros, atafulhadas que me estão as estantes e desatafulhada que está a carteira. E, também, porque perdi o hábito de me demorar a cobiçar capas, coisa até malquista durante aquele doentio período de racionamento de clientes, entradas contabilizadas com gente até impaciente à espera da sua vez. Mas há dias passei por um escaparate e lá vi uma recente edição do "Cristo com Carabina ao Ombro" de Ryszard Kapuscinski, autor muito louvado, do qual li vários livros com algum agrado mas que, ainda assim, sempre me parece um pouco sobrevalorizado (botei mais ou menos isso aqui). Ainda assim folheei o livro - penso que já se pode, terá deixado de ser considerada uma acção voluntária de disseminação viral -, uma colectânea que ecoa andanças do autor repórter por paragens em momentos revolucionários. E notei que o final é um curto capítulo dedicado a Moçambique, notas da época da independência. Li-as ali mesmo, em apressada diagonal. Poderão ter interesse para quem nada saiba daquele período no país mas são, em si mesmas, algo desinteressantes.

Mas ainda a devolver o livro ao escaparate uma qualquer associação de ideias recordou-me um livro de Sebastião Salgado, o qual, na sua tamanha diferença, algo se assemelha com aquele. Trata-se de um opúsculo, quase "de bolso", o Um Fotógrafo de Abril”. Foi uma publicação da Caminho, integrando uma interessante colecção de pequenos livros que a editora realizou em 1999, destinada às comemorações do quarto de século do 25 de Abril. O livro tem exactamente 25 fotografias - algumas algo prejudicadas pelo pequeno suporte, pois apresentadas em dupla página e algo coarctadas pela dobra (como uma magnífica imagem de militares manifestando-se no Porto em Setembro de 1975, que merecia melhor apresentação).

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14 dessas fotografias foram feitas em Portugal, após a revolução de 1974, incidindo sobre manifestações políticas, festas religiosas e a reforma agrária. Deixo aqui duas, excelentes e imensamente significativas da complexidade do país (e muito prejudicadas pela reprodução que delas faço): dois militantes na sede do PCP em Aljustrel, e um casal em peregrinação em Lamego, ambas de Setembro de 1975. 

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Outras quatro foram feitas em Angola entre Julho e Novembro de 1975. E, lá está a razão da tal associação de ideias, tem ainda sete fotografias feitas em Moçambique ainda em 1974, com a retirada de militares portugueses no Cabo Delgado, a chegada de guerrilheiros da Frelimo a Lourenço Marques, e termina com a tomada de posse de Joaquim Chissano como primeiro-ministro do governo de transição, ladeado por Mariano Matsinhe (se não estou errado), à esquerda, e Óscar Monteiro.

Enfim, o livro é uma pequena pérola. Deixo ainda mais uma (pobre) reprodução: "Retornados das colónias no aeroporto de Lisboa, Outubro de 1975". Talvez agora possamos regressar a ela e perceber o seu sub-texto. Salgado é um homem de ideologia arreigada mas é, acima de tudo, um grande olhar de fotógrafo. E foi que este funcionou, encontrando naquela amálgama de refugiados esta imagem que nos poderá denotar não só a pluralidade do universo que então se acoitava na então já não Metrópole, como também a complexidade dos processos históricos que o haviam constituído. Mas a miopia maximalista logo tudo reduziu aos tais "retornados". Nisso alisando-os, descontextualizando-os, desproblematizando-os. Desumanizando-os. Para sossego do Portugal de então. E do actual, no qual ainda reina esse preguiçoso, de culposo pois culpabilizador, olhar "distraído".

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07
Fev22

Ngungunyane, vassalo ou aliado

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Em 2021 morreram vários amigos e conhecidos, foi mesmo um ano tétrico. Em meados de Dezembro juntei-me às minhas estantes e nos tempos seguintes reli vários livros que alguns deles deixaram, não por saudosismo mas como forma de avivar a memória que deles guardarei. Um deles foi Gerhard Liesegang - que recordei aqui, aquando da sua morte -, historiador alemão com largas décadas de investigação e docência em Moçambique. 

Parte substancial do seu trabalho foi escrito em alemão. E deixou vários artigos em português e inglês publicados em revistas, e ainda alguns inéditos (e até algo formalmente dessarumados) que estão na sua página na rede academia.edu. E nisto o único livro exclusivamente seu que tenho nas minhas estantes é este Vassalagem ou Tratado de Amizade? História do Acto de Vassalagem de Ngungunyane nas Relações Externas de Gaza, publicado pelo Arquivo Histórico de Moçambique em 1986. Trata-se de um opúsculo com 36 páginas, muito provavelmente uma condensação de um excerto do seu trabalho de doutoramento. Apesar da curta dimensão é precioso, e não sei - apesar de  naquela época as tiragens dos livros terem sido muito elevadas - se ainda estará disponível no mercado livreiro.

O tema é aliciante, uma resenha das relações diplomáticas entre Gaza e Portugal, grosso modo entre 1860 e 1890, mostrando as negociações e as diferentes leituras que aconteceram nos dois lados sobre o conteúdo dos acordos instituídos. O autor recorda o acordo (ténue, direi eu) de 1861 entre a Gaza do recém-empossado Muzila e o reino português na transição entre Pedro V e Luís I, no qual aquele - imerso na guerra sucessória - acolheu apoio do poder de fogo dos caçadores de elefantes portugueses (entre os quais o célebre Diocleciano Fernandes das Neves), em troca de direitos de caça. E ainda da concessão de terra nas cercanias da então Lourenço Marques, a sul do rio Incomati. E Liesengang deixa indícios da dupla interpretação que esse inicial acordo já levantara, com os portugueses a considerarem que esse acordo indicava ter Gaza aceite uma subalternidade (como "régulo tributário"), enquanto os changanas entenderam que essa concessão de direitos de exploração fundiária implicaria uma subalternidade do entreposto de Lourenço Marques. 

Nas duas décadas seguintes as dinâmicas promovidas pelo acordo de 1861 foram-se desvanecendo. E entretanto as relações diplomáticas de Gaza foram-se pluralizando, com delegações enviadas a vários estados africanos, à novel república dos africanderes e até à Grã-Bretanha. E com a ascensão de Ngungunyane em 1884 outro acordo foi feito. O qual, como o autor demonstra, teve não só uma dupla interpretação, em Gaza e em Portugal, como mesmo uma dupla formulação. Ou seja, na corte de Mossurize o acordo estipulava uma aliança, pela qual era aceite um representante residente português, como se um embaixador, encarregue da intermediação dos assuntos com Portugal - que foi de início José Casaleiro Rodrigues, um veterano na região que fora o negociador deste acordo. Enquanto na corte de Lisboa foi consagrado outro texto - e outra percepção do seu conteúdo -, que afirmava ter o reino de Gaza aceite um estatuto de vassalagem.

Ou seja, o livro são 36 páginas interessantíssimas para entender as relações entre Portugal e as entidades políticas locais antes da "ocupação efectiva". E são, evidentemente, matéria-prima mais do que suficiente para enfrentar os mitógrafos, portugueses e moçambicanos, que continuam a propalar a léria dos "quinhentos anos de colonialismo".

07
Fev22

Insónia

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Termino o fim-de-semana verdadeiramente insone, de tão desnorteado estou. Pois hoje assisti a um pouco da final do Campeonato Africano de futebol (CAN). O locutor várias vezes referiu o "orgulho em ser português" devido à vitória da selecção do futsal no campeonato europeu. Entretanto por inúmeras vezes louvou o treinador do Egipto, ali finalista do tal CAN, exactamente por ser português. Mas no final este perdeu o título (nos sempre irritantes penalties).

Com isto angustio-me. Pois deverei ir dormir, e amanhã encetar a nova semana, com "vergonha de ser português" por Carlos Queirós não ser campeão africano? Ou devo adormecer "mais ou menos por ser português" por a selecção nacional de ràguebi ter empatado na Geórgia (um bom resultado, ainda assim)? Sim, o tenista Sousa ganhou um torneio nas índias, mas será isso suficiente para acalmar esta vertigem?

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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