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Nenhures

Nenhures

13
Mai22

Rendeiro

jpt

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Leio no Facebook várias pessoas - e até "doutores", "altos quadros" como se dizia - lamentando o destino de Rendeiro mas alinhavando que o homem pagou assim os seus crimes. Que gente hedionda, uns com Cristo na boca e nas teclas, outros sem o tal Cristo. Mas todos demoníacos. Pois Rendeiro terá sido trapaceiro, fraudulento. E decerto que arrogante e descuidado - ao sabê-lo preso em Durban logo me perguntei, sem saber dos trâmites que se seguiriam, e até julgando que seriam rápidos, "o que é que passou na cabeça ao mariola para se arriscar a ser prisioneiro na África do Sul?". Enfim, um criminoso antipático, sem sequer pitada de romantização possível, daquela com que tantos outros são aspergidos. Agora considerar que é expiação um velho enforcar-se - porventura porque "não aguento mais!" ou, e espero bem que assim fosse, um apenas "que se foda!" - depois de seis meses de inferno concentracionário?
 
Entretanto e porque já me cheira ao choradinho de que lá nas Áfricas as prisões são horríveis - e, grosso modo, são-no - quais as "selvas" dos "selvagens" que antes se diziam, recordo os dados a estes deslizes da ignorância o que se passa na pérfida Albion: o (meu) grande Boris Becker, ídolo da juventude, está preso por uma falência fraudulenta, mais um desportista campeão arruinado. Encarcerado numa prisão de Londres, onde penou Oscar Wilde, e que segue em regime qual romance de Dickens.
 
Os prisioneiros são todos iguais: nenhum deles expia crimes suicidando-se. E nenhum deles merece prisões execráveis. Das quais os "doutores" (de Cristo ou sem Cristo) só se lembram quando há um preso "notável".

12
Mai22

Ontem

jpt

 

Ontem cruzei a Vasco da Gama, entrei em Lisboa. E, entre tantas outras coisas, recordei este tempo, chamem-me Zé(zé) e temos a vida pela frente, enorme...

09
Mai22

A libertação de Mariupol

jpt

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Há algumas semanas Boaventura Sousa Santos - decerto que devido a ter sido bastante criticado pelo director do jornal "Público", no qual é colunista habitual - agregou-se a 19 indivíduos de alguma visibilidade pública. Esse grupo veio a publicar no "Expresso" uma jeremíada, clamando serem eles os indivíduos pensantes, avessos à propaganda que critica a Rússia, e queixando-se de serem perseguidos e até "criminalizados". Houve alguns resmungos diante desse peculiar documento ("carta aberta"), na imprensa e nas "redes sociais" - eu botei um postal "Da empáfia hipócrita". Recordo isto porque Sousa Santos é (ou era, há alguns anos) seguido com interesse em Moçambique, onde há apreço pelos "movimentos sociais", pela retórica "abissal" e por um conceptual "Sul" que é apresentado como virtuoso, temáticas que o mestre de Coimbra vem desenvolvendo.
 
Um dos signatários dessa "carta aberta"-queixume foi o general Cunha. O qual, afinal, não tem sido nem perseguido nem "criminalizado". Pois continua a fazer comentários televisivos sobre esta guerra na estação de serviço público RTP. Neste postal do Delito de Opinião o Pedro Correia recenseou algumas das suas recentes pérolas sobre a matéria. Entre elas escolho uma, a mais denotativa desse "pensamento" que os tais 20 magníficos reclamam: para Cunha a arrasada Mariupol foi "libertada"!
 
É um general de tropa-fandanga, mesmo! Essa, desses 20 "bem-pensantes" e de outros que tais... E seria engraçado, se não fosse pungente e doloroso, ver como a este propósito, nestes dois meses e meio de guerra tanto confluíram os comunistas (e os "alterglobalistas", se se quiser assim chamar aos velhos "esquerdistas") e os fascistas (ou salazarentos, se se preferir). E a direita dandy. Seguem "todos diferentes, todos iguais", numa reles contrafacção de um "pensamento". Publicitários, que nem a propagandistas ascendem os desta ralé.
 

09
Mai22

Dia da Europa

jpt

europa.jpg

A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa, frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos Cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra, após um breve período em que estiveram na moda, no século XVIII. Nenhuns na América do Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter­-se-á um dos marcadores essenciais da ideia de Europa"."

(George Steiner, A Ideia da Europa)

07
Mai22

Há vida para além do défice

jpt

livros.jpg

 
Volta e meia surgem relatórios, estatísticas, ensaios sobre as "práticas culturais" dos portugueses - nesta era em que a "Educação para Cidadania" liceal impinge aos petizes o mito do "empreendedorismo" passou-se a chamar-lhes "consumo cultural". Nos cabeçalhos e nos rescaldos dessas apresentações surgem sempre quase escatológicos bramidos sobre a escassa leitura que os compatriotas praticam, que seguimos alheios aos livros. Logo vários apontam uma causa fundamental para tal "défice", o elevado preço dos livros... Pois julgo que "há vida para além do défice".
 
A semana passada fui até à capital e cruzei uma "Feira da Bagageira", realizada lá na minha freguesia. Há quem nelas queira recordar aquilo da velha Feira da Ladra, na qual vendi penduricalhos em 1980-1. Mas estas são cinzentas sequelas, sem o fervilhar até boémio e com pitadas de marginalidade daqueles tempos da Feira, na algazarra de amontoados de quase-tudo à disposição dos porta-moedas de aficionados, amadores, antiquários ou meros passeantes.
 
O que agora vi foram monótonos mostruários de um fim de era: vendedores modorrentos, encanecidos quase todos, e de ares entristecidos mostrando uns cabides de trapos de contrafacção, alguns fingindo-se "vintage" por usados que já surgem; várias resmas de LP's, esses que todos outrora acumularam e que julgam serem agora apetecíveis a uma (já extinta) febre "retro" de vinil; vasilhame variado e demais adjacentes, loiças que de típico só lhes sobra o piroso; alguns metais incógnitos - na excepção de um idoso que ainda apresentava uma fileira de velhas moedas (prenúncio de que um dia se venderão velhos cartões "multibanco" nestas feiras?). As bancas mais animadas, e nisso decerto que lucrativas, eram as dos eternos "comes e bebes", a bifana, a febra, presumo que o coirato, que esses não passam de moda, e felizmente, mais as sacrossantas "minis".
 
E no meio de tudo isto, bem visíveis pois quase banca sim, banca sim, lá estavam os caixotes de livros usados à venda. Pilhas e pilhas. Das edições populares desde os 1960s até agora mesmo. De usados mastigados até usados virginais, manuais decrépitos, banda desenhada popular, dicionários e enciclopédias agora inúteis, livros de bolso da Verbo, da RTP, do Público e tantos outros, ainda um ou outro sobrevivente do PREC - do Engels a Franco Nogueira -, cosmética e "cosmologia", tratados "ajuda-te a ti mesmo" e os de "auto-ajuda" mais recente, talvez mesmo o Dale Carnegie mas este não afianço, as "obras completas" de Júlio Dinis, Eça de Queirós, e as "incompletas" de Victor Hugo em especiosas edições de capa dura, cores berrantes e debruadas a doirado, que tão bem fica(va)m nas estantes quando estas ainda existiam, Hupert Reeves e Carl Sagan, histórias universais e locais. E continue quem quiser a dar exemplos que de tudo se poderá encontrar...
 
Tudo isto a 33 ou 50 cêntimos o livro. Alguns, repito, algo escafiados. Outros intocados, após décadas de distraídas prateleiras. Enfim, a gente não lê porque não nos apetece. E não nos chateiem por causa disso.

06
Mai22

Mário de Carvalho e o PCP

jpt

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O reconhecido escritor Mário de Carvalho acaba de publicar um texto denunciando que "não é de tolerar a sórdida campanha mercenária que se tem ultimamente - a soldo - levantado nas redes sociais contra o PCP."^, decerto aludindo ao que se tem publicado relativamente às posições que aquele partido vem tendo sobre a guerra na Ucrânia, e às declarações de seus dirigentes, militantes e simpatizantes que as acompanham.
 
Eu não tenho particular visibilidade, não sou figura pública. Mas vou escrevendo nas "redes sociais" - nas quais incluo isto do bloguismo. E por cá tenho botado alguns textos procurando zurzir essas reacções dos comunistas (12, 34,  56789, e 10). Julgo ter assim - nem que seja por critérios quantitativos - justificado a integração nessa brigada activista.
 
Agora, e face ao que expõe o ilustre Mário de Carvalho - cujo estatuto decerto lhe impede de escrever opiniões desprovidas de veracidade -, venho aqui perguntar se alguém sabe para onde ou para quem deverei enviar a conta, pois ainda não fui pago pelos tais textos. Muito agradecerei qualquer informação que me providenciarem (preferencialmente por mensagem privada).

06
Mai22

Confluências engraçadas

jpt

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(Postal no meu mural do Facebook)

Leio por aqui que Zyuganov, secretário-geral do PC russo, terá dito que os ucranianos já são piores do que a Alemanha hitleriana (ou coisa parecida): e encontro um renomado historiador comunista louvando-o. Leio por aqui que Silva, candidato presidencial brasileiro, terá dito que Zelensky e Putin têm iguais responsabilidades na guerra: e encontro um activo opinador "um pouco à direita", que passou anos a causticar PT's e similares, a louvá-lo. Leio por aqui que as tropas russas (re)erguem estátuas de Lenine nas povoações ucranianas que ocupam: e dou de caras com um extremo-conservador, um "miguelista" direi eu, a louvar tais tarefas. Escrevo aqui que vim a Lisboa, ao dentista, a ver da minha "Ucrânia": as notícias não são louváveis

04
Mai22

O Eurocentrismo

jpt

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Já 70 dias de guerra na Ucrânia. Logo de início germinou um amplo perorar de gente mais ou menos simpática à causa russa de combater um poder de "nazis e drogados" - argumento que foi algo depurado, pois a "droga" foi algo esquecida. Mas o "nazismo" ucraniano vem continuando a ser agitado, e também o seu judaísmo (argumento nada contraditório pois ao que diz o Ministro dos Negócios Estrangeiros da segunda potência nuclear do mundo o próprio Hitler era judeu).
 
Muitos desses russófilos eram (e são) austrais. Entre eles logo brotou a crítica ao "eurocentrismo" dos que se preocupavam com esta guerra. Tal como os pachecos pereiras portugueses, apuparam os europeus por preferirem os "louros e de olhos azuis" sem atentarem nos conflitos em outras paragens. Que nos tivéssemos sobressaltado com o ressurgir da prática de conflito entre grandes blocos, o regresso da guerra internacional na Europa em larga escala, com o ressuscitar do pesadelo da guerra atómica? Mero eurocentrismo, típico dos verdadeiros racistas insensíveis a outros sofrimentos - todos eles, diga-se, causados por nós brancos ocidentais, que ocupamos agora nos discursos legitimadores austrais o papel de alteridade satânica que outros, em particular os judeus, foram ocupando ao longo da história, e até recente... Sobre essa retórica invectiva ao "eurocentrismo" dos intelectuais de um certo "Sul" bem instalado botei então um postal, "Do barómetro moral do Sul"
 
Enfim, passaram 70 dias de guerra. As autoridades russas já ameaçaram atacar vários países, pelo menos a Bósnia-Herzegovina, a Finlândia, a Suécia, a Alemanha e a Moldova. Figuras públicas ligadas ao poder já ameaçaram o Cazaquistão. Os seus aviões já violaram o espaço aéreo de vários países. A televisão russa faz programas populares propagandeando a guerra nuclear e explicando o quão rápida será a destruição das capitais europeias. Uma conhecida publicista do regime já proclamou em directo um "Viva la muerte!", típica do ideário fascista. Os russos já perderam mais homens em 70 dias do que em 10 anos na terrível guerra do Afeganistão, que tanto abanou a então URSS, e os ucranianos terão perdido ainda mais, um verdadeiro morticínio. Até ontem 5,6 milhões de refugiados ucranianos saíram do país, para além de vários milhões deslocados internos - a maior vaga de refugiados europeus desde a II Guerra Mundial. E, em termos de refugiados no exterior, a segunda maior vaga actual - por enquanto menos um milhão do que o acontecido na Síria, ao fim uma década de guerra. E, como cereja em cima do bolo "eurocêntrico", foi estreado o registo de combates no interior de centrais atómicas...
 
Enfim, tudo isto, o pesadelo que de imediato a tantos nos sobressaltou, não passa para os tais "intelectuais" austrais do tal "eurocentrismo" "racista", do apego aos "brancos", em particular "louros e de olhos azuis". Alguns repetem o digitar da tecla da função "anti-EUA", outros serão mais loquazes e continuarão indignados com a Baía dos Porcos, a doutrina Monroe e quejandas actualidades. Mas o argumento fundamental será o da insistência na nossa branca hipocrisia eurocêntrica.
 
Tenho passado os olhos pela imprensa austral e a alguns amigos perguntado do que nessa se vai falando. E tenho visto o que o Algoritmo do FB e o do Twitter me mostra dos dizeres dos "doutores do Sul". Que fique explícito: nem pelo Brasil, sempre em busca da sua ancestral africanidade, nem pela África Austral em língua portuguesa há grande interesse (notícias e debates ou pulsões da "cidadania digital") pelos conflitos e pelos refugiados em África. Ou seja, nós os horríveis ocidentais somos eurocêntricos porque nos preocupamos (até demasiado) com o que por aqui se vai passando. E eles, os bons austrais são porreiros e não se preocupam com o que por lá se vai passando. Não são "acêntricos", são zerocêntricos.
 
É óbvio que a característica do "eurocentrismo" foi marcante na construção dos saberes científicos, filosóficos e nas expressões artísticas canónicas - e se vem sendo depurado essa será, para sempre, matéria inconcluída. E também é certo que as populações europeias se preocupam mais com os assuntos da Europa, o que é normal. Mas este paleio que proclama "eurocentrismo" e "racismo" a torto e a direito é apenas uma retórica - e os discursos face a esta guerra russo-ucraniana são um episódio que bem o mostra: de facto, a redução do exercício da cidadania na Europa ao "eurocentrismo", e a associada "judaização" dos brancos ocidentais quais causa de todos os males, é apenas o discurso legitimador dos poderes austrais actuais, efectuado pelos seus "intelectuais orgânicos". E pelos "idiotas úteis" setentrionais, que assim se julgam compagnons de route...
 
E para quem pense que estou a exagerar aqui deixo duas ligações a temáticas bem actuais e relevantes: "Os conflitos africanos em 2022", "As dez maiores crises de refugiados actuais". E investigue se os detractores do nosso "eurocentrismo" "racista" e "lourófilo" a elas se têm dedicado, com algum arreganho - pelo menos durante estes 70 dias, para justificarem as investidas contra o Grande Satã Europeu, que antes era bem tonitruante o seu silêncio. Se encontrarem robustos ecos desse actual grande sobressalto "afrocentrista" então venham chamar-me "branco", como o sacaninha do meu ex-amigo se atreveu há 62 dias! Mas se não encontrarem mais do que suaves rumores entre esses "doutores" então metam lá a léria do "eurocentrismo" no saco. E a da "lourofilia" também...

02
Mai22

Têm os anónimos mães?

jpt

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(Postal para o Delito de Opinião)

Por motivos comensais tornei a cruzar o rio, assomando à capital. Encetei o roteiro num jantar de "até já", congregado ali um grupo de amizades feitas em Maputo pois o casal anfitrião, meus compadres direi, que assim nos viemos a fazer, e também uma bela e muito querida amiga estão mais uma vez de partida, para longas missões em diferentes continentes, rumo que lhes é vida. O que deixa este vizinho um pouco mais sozinho do que aquilo de que vou fazendo alarde, e tartamudeando promessas que nunca cumprirei de futuras visitas a essas paragens americanas e africanas. Enfim, sufragados foram os nossos votos de felicidades e sucessos para os que agora partem. E afiançadas as juras de que aqui estaremos nos seus regressos, acolhendo-os como se nunca se tivessem ausentado, naquilo do que é a amizade, o recomeçar a conversa como se a tivessemos interrompido na véspera.

Depois, e após um breve intervalo, dediquei-me a almoçar, um convívio entre dois casais e este condenado à galé do celibato perpétuo, assim sempre a descompor o equilíbrio protocolar das mesas. Em torno do nosso bacalhau, que percorremos com afã, e das adendas prévias e posteriores, concertava-me ali com duas finíssimas e assertivas senhoras, as quais se deixam ombrear, respectivamente, por um velho amigo meu, com o qual joguei à bola no tempo do bibe e que depois algo tutelou as minhas iniciais investidas na boémia, e um outro mais recente, antigo conhecimento que animámos em Moçambique. Nesta intimidade o roteiro da conversa foi amplo, até algo aquecido - apenas por mim falo, claro está - pela excelência da aguardente reserva que se veio aliar à visão do soalheiro Tejo, até inebriante de onírico naquela varanda esplanada da zona antiga, esta antes dita "cidade branca". 

Num pequeno rodapé desse animado colóquio uma das convivas, que foi afamada autora na "idade de ouro" bloguística, a dos afadigados sitemetertechnorati, questionou-me sobre a actual pertinência desta minha mania blogal. A pergunta adviera de ter eu comentado, sarcástico, um anúncio que vira nas "redes sociais" sobre um curso de "técnicas de expressão oral" adequadas à realização de "podcasts" e similares... "Há gente que de tudo consegue fazer dinheiro", clamara eu, prenhe de inveja, é certo, mas também piedosamente solidário com os pobres que irão pagar tais coisas sonhando assim pavimentar veredas de sucesso "influencial".

Algo encabulado pela acerada inquirição - pois, de facto, o que é que um tipo ganha em blogar? - defendi-me, com o argumento de isto ser um vício ("adição" como dizem os rústicos que não completaram a aritmética da escola primária), uma mania de "dar à tecla" tal qual a daquelas velhas vizinhas do folclore, viciosas no "dar à língua" maledicente e mesmo malicioso. Perguntou-me então a "cunhada" se ainda há leitores de blogs, questão recorrente dada a ideia, vigente há mais de uma década, do estertor blogal ou, na versão burguesota, de que "os blogs passaram de moda". Lá lhe respondi, em reflexo de antigo professor, de que quando blogo no meu pequeno Nenhures desperto a paciência de gente que encheria um anfiteatro universitário - um verdadeiro sucesso para quem não ambiciona mais do que uma conversa animada em mesa de esplanada. Mas mais lhe disse, e nisso algo ufano, discorrendo sobre os números médios das leituras do Delito de Opinião (e do És a Nossa Fé!, no qual escrevi até há pouco). "Mas isso é como em 2004, 2005!!!", ripostou, verdadeiramente espantada, lembrando as audiências - então muito catapultadas pelas constantes interacções de blogs, os afamados e tão desejados "links", agora quase inexistentes - daquela "idade de ouro" bloguística. E a conversa seguiu, saltitando para outros temas, tendo eu ficado na esperança de ter assim numericamente justificado ao auditório este meu aparente "pequeno mal" blogal.

Algum tempo decorrido despedimo-nos e segui até aos arredores do Trancão, reunindo-me a vizinhança muito amiga, para perseguir outros intuitos comensais. Foi mais um convívio basto agradável - que já aqui aflorei - fruição potenciada por uma mescla memorialista. Pois estar em "festas populares" no bairro dos Olivais, onde cresci, é coisa que não fazia há quase 40 anos, e assim "vieram-me à memória tantas frases batidas", para além de comparações nada negativas sobre o "estado da arte" local actual. E, ainda por cima, porque ali me deparei com um saboroso (e gentil) indutor de memórias do Moçambique onde fiz vida. Tudo isto rodeado de amigos queridos, solidários na gula pelos "comes e bebes" e na apetência pelo discorrer descomprometido. Que mais pode querer um proto-sexagenário?

Enfim, o domingo chegou - nisso o Dia do Colaborador (antigamente dito Trabalhador) e também este ano o Dia (Laico) da Mãe, coincidência que deve ter encantado as mais ríspidas das militantes feministas. Percorri algumas dezenas de quilómetros, na rota do Sul, acorrendo a uma outra convocatória comensal, um desafio face a uma saborosíssima feijoada à brasileira, produzida por aprimoradas mãos lusas.

Antes, na tardia alvorada, dera vazão à minha já aludida "mania" blogal. O tal postal diarístico, - completamente alheio a qualquer verrina, sem resmungos com os possidentes socialistas, a rusticidade comunista, os fraco-atiradores sociais-democratas, os arrivistas venturianos, os engraçadismos liberais, os estertores centristas, as hipocrisias bloquistas, as malevolências futebolísticas, as incúrias jornalísticas, e aquele enorme etc. de dislates, lusos e alheios, que vou tentando lapidar desta minha peanha teclística, em evidente encenação da excelência própria. Pois, de facto, naquele breve e sorridente postal apenas ecoei a minha boa disposição, mesmo "joie de vivre", por seguir em tão boas companhias, até imerecidas se me atrevesse a dissecar-me moralmente.

Ao final da tarde dominical, após a referida feijoada, orlada que fora por chamuças remanescentes, das quais me aviara na Encarnação olivalense, deixei-me lânguido no sofá, de tabuleta no colo, para saber das notícias do futebol e outras minudências mundiais. Passei pelos blogs. Nesse meu postal risonho sobre chamuças, bebinca e aludindo a (minhas) memórias de Moçambique e de juventude olivalense, alheio a qualquer polémica, entrara um desses tão habituais comentários anónimos no Delito de Opinião, carregados de um azedume energúmeno, até vil. Pois se o Delito de Opinião tem, como acima referi, muitos leitores não tem assim tantos comentadores - o que é normal. Mas entre estes há uma percentagem tristemente elevada de anónimos que aqui vêm exsudar o seu fel, disparatado, e sobre os quais sempre me interrogo da justeza do seu convívio. Neste caso tratava-se de um verme que aqui se vem apresentando como "assim assim", e que ali deixara um javardo dizer visceralmente racista. Constato o meu espanto - o racismo é sempre enjoativo, mas a que corresponde a sua locução a propósito de um texto tão plácido, que degenerescência impulsiona tal coisa?

Aquilo não é apenas ignorância, irracionalidade, sujidade ou imoralidade. É criminalidade. A lei da nossa república quase nunca é clara (o que se deve ou à incompetência dos juristas [assessorando] legisladores ou, o que é mais provável, a uma mariolagem corporativa para potenciar a necessidade dos "serviços jurídicos"). Algo que é bem visível ao ler o  Artigo 240º do Código Penal, sobre "Discriminação e incitamento ao ódio e à violência". Mas está lá no ponto 2 b) o que parece ser (salvo eficaz, de contrastante, interpretação de profissional avençado ou assalariado) a condenação de alguém que se dedique a "Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica".

Ora é inadmissível alguém ter o desplante de surgir em local alheio proferindo ilegalidades, ainda para mais em registo anónimo, tendencialmente irresponsabilizável. Enfim, enojado e surpreendido, apaguei o comentário. E segui a leitura do nosso blog, deparando-me com o postal da tão simpática série diária que a Maria Dulce Fernandes vem fazendo, ali aludindo ao tal Dia (Laico) da Mãe. E, imagine-se, nele encontrei o mesmo "assim assim" comentando, com desfaçatez aproveitando para louvar a sua mãe (ao que diz já morta há 54 anos). Estive para ali responder mas contive-me: não conheço pessoalmente Maria Dulce Fernandes mas é-me óbvio, ao lê-la, ser ela uma Senhora educada, gentil e sensível. Por isso me coíbi de polemizar num postal da sua autoria.

E por essa razão, mas também para evitar culminar o fim-de-semana sob a protecção da Rennie ou do Eno, decido-me a blogar o assunto, trazendo para aqui a questão que se me surgiu, e assim mais explicando o motivo que comanda o meu bloguismo, isto de extirpar a azia face aos males vizinhos: tem um racista imundo como este anónimo "assim assim" mãe para louvar? Decerto que não, terá havido, claro, um útero no qual foi gerado, uma singela mãe biológica. Mas é óbvio que um racista imundo como este medrou sem valores. E como nem tem nome para apresentar torna-se claro que se trata de um "espírito santo", um enjeitado na roda, ali largado à nascença por uma desgraçada, miserável e explorada trabalhadora do sexo. E daí o seu pungente azedume racista, o de ancião enjeitado. Sem mãe. Sem nada. E que aqui se vem ficcionar como se gente de família fosse. Como se tivesse nome.

Bloguista

Livro Torna-Viagem

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