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Ontem cruzei a Vasco da Gama, entrei em Lisboa. E, entre tantas outras coisas, recordei este tempo, chamem-me Zé(zé) e temos a vida pela frente, enorme...
“A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa, frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos Cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra, após um breve período em que estiveram na moda, no século XVIII. Nenhuns na América do Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ideia de Europa"."
(George Steiner, A Ideia da Europa)
(No metro, rumo ao Marquês, noite do título 2020/21)
(Postal no meu mural do Facebook)
Leio por aqui que Zyuganov, secretário-geral do PC russo, terá dito que os ucranianos já são piores do que a Alemanha hitleriana (ou coisa parecida): e encontro um renomado historiador comunista louvando-o. Leio por aqui que Silva, candidato presidencial brasileiro, terá dito que Zelensky e Putin têm iguais responsabilidades na guerra: e encontro um activo opinador "um pouco à direita", que passou anos a causticar PT's e similares, a louvá-lo. Leio por aqui que as tropas russas (re)erguem estátuas de Lenine nas povoações ucranianas que ocupam: e dou de caras com um extremo-conservador, um "miguelista" direi eu, a louvar tais tarefas. Escrevo aqui que vim a Lisboa, ao dentista, a ver da minha "Ucrânia": as notícias não são louváveis
(Postal para o Delito de Opinião)
Por motivos comensais tornei a cruzar o rio, assomando à capital. Encetei o roteiro num jantar de "até já", congregado ali um grupo de amizades feitas em Maputo pois o casal anfitrião, meus compadres direi, que assim nos viemos a fazer, e também uma bela e muito querida amiga estão mais uma vez de partida, para longas missões em diferentes continentes, rumo que lhes é vida. O que deixa este vizinho um pouco mais sozinho do que aquilo de que vou fazendo alarde, e tartamudeando promessas que nunca cumprirei de futuras visitas a essas paragens americanas e africanas. Enfim, sufragados foram os nossos votos de felicidades e sucessos para os que agora partem. E afiançadas as juras de que aqui estaremos nos seus regressos, acolhendo-os como se nunca se tivessem ausentado, naquilo do que é a amizade, o recomeçar a conversa como se a tivessemos interrompido na véspera.
Depois, e após um breve intervalo, dediquei-me a almoçar, um convívio entre dois casais e este condenado à galé do celibato perpétuo, assim sempre a descompor o equilíbrio protocolar das mesas. Em torno do nosso bacalhau, que percorremos com afã, e das adendas prévias e posteriores, concertava-me ali com duas finíssimas e assertivas senhoras, as quais se deixam ombrear, respectivamente, por um velho amigo meu, com o qual joguei à bola no tempo do bibe e que depois algo tutelou as minhas iniciais investidas na boémia, e um outro mais recente, antigo conhecimento que animámos em Moçambique. Nesta intimidade o roteiro da conversa foi amplo, até algo aquecido - apenas por mim falo, claro está - pela excelência da aguardente reserva que se veio aliar à visão do soalheiro Tejo, até inebriante de onírico naquela varanda esplanada da zona antiga, esta antes dita "cidade branca".
Num pequeno rodapé desse animado colóquio uma das convivas, que foi afamada autora na "idade de ouro" bloguística, a dos afadigados sitemeter e technorati, questionou-me sobre a actual pertinência desta minha mania blogal. A pergunta adviera de ter eu comentado, sarcástico, um anúncio que vira nas "redes sociais" sobre um curso de "técnicas de expressão oral" adequadas à realização de "podcasts" e similares... "Há gente que de tudo consegue fazer dinheiro", clamara eu, prenhe de inveja, é certo, mas também piedosamente solidário com os pobres que irão pagar tais coisas sonhando assim pavimentar veredas de sucesso "influencial".
Algo encabulado pela acerada inquirição - pois, de facto, o que é que um tipo ganha em blogar? - defendi-me, com o argumento de isto ser um vício ("adição" como dizem os rústicos que não completaram a aritmética da escola primária), uma mania de "dar à tecla" tal qual a daquelas velhas vizinhas do folclore, viciosas no "dar à língua" maledicente e mesmo malicioso. Perguntou-me então a "cunhada" se ainda há leitores de blogs, questão recorrente dada a ideia, vigente há mais de uma década, do estertor blogal ou, na versão burguesota, de que "os blogs passaram de moda". Lá lhe respondi, em reflexo de antigo professor, de que quando blogo no meu pequeno Nenhures desperto a paciência de gente que encheria um anfiteatro universitário - um verdadeiro sucesso para quem não ambiciona mais do que uma conversa animada em mesa de esplanada. Mas mais lhe disse, e nisso algo ufano, discorrendo sobre os números médios das leituras do Delito de Opinião (e do És a Nossa Fé!, no qual escrevi até há pouco). "Mas isso é como em 2004, 2005!!!", ripostou, verdadeiramente espantada, lembrando as audiências - então muito catapultadas pelas constantes interacções de blogs, os afamados e tão desejados "links", agora quase inexistentes - daquela "idade de ouro" bloguística. E a conversa seguiu, saltitando para outros temas, tendo eu ficado na esperança de ter assim numericamente justificado ao auditório este meu aparente "pequeno mal" blogal.
Algum tempo decorrido despedimo-nos e segui até aos arredores do Trancão, reunindo-me a vizinhança muito amiga, para perseguir outros intuitos comensais. Foi mais um convívio basto agradável - que já aqui aflorei - fruição potenciada por uma mescla memorialista. Pois estar em "festas populares" no bairro dos Olivais, onde cresci, é coisa que não fazia há quase 40 anos, e assim "vieram-me à memória tantas frases batidas", para além de comparações nada negativas sobre o "estado da arte" local actual. E, ainda por cima, porque ali me deparei com um saboroso (e gentil) indutor de memórias do Moçambique onde fiz vida. Tudo isto rodeado de amigos queridos, solidários na gula pelos "comes e bebes" e na apetência pelo discorrer descomprometido. Que mais pode querer um proto-sexagenário?
Enfim, o domingo chegou - nisso o Dia do Colaborador (antigamente dito Trabalhador) e também este ano o Dia (Laico) da Mãe, coincidência que deve ter encantado as mais ríspidas das militantes feministas. Percorri algumas dezenas de quilómetros, na rota do Sul, acorrendo a uma outra convocatória comensal, um desafio face a uma saborosíssima feijoada à brasileira, produzida por aprimoradas mãos lusas.
Antes, na tardia alvorada, dera vazão à minha já aludida "mania" blogal. O tal postal diarístico, - completamente alheio a qualquer verrina, sem resmungos com os possidentes socialistas, a rusticidade comunista, os fraco-atiradores sociais-democratas, os arrivistas venturianos, os engraçadismos liberais, os estertores centristas, as hipocrisias bloquistas, as malevolências futebolísticas, as incúrias jornalísticas, e aquele enorme etc. de dislates, lusos e alheios, que vou tentando lapidar desta minha peanha teclística, em evidente encenação da excelência própria. Pois, de facto, naquele breve e sorridente postal apenas ecoei a minha boa disposição, mesmo "joie de vivre", por seguir em tão boas companhias, até imerecidas se me atrevesse a dissecar-me moralmente.
Ao final da tarde dominical, após a referida feijoada, orlada que fora por chamuças remanescentes, das quais me aviara na Encarnação olivalense, deixei-me lânguido no sofá, de tabuleta no colo, para saber das notícias do futebol e outras minudências mundiais. Passei pelos blogs. Nesse meu postal risonho sobre chamuças, bebinca e aludindo a (minhas) memórias de Moçambique e de juventude olivalense, alheio a qualquer polémica, entrara um desses tão habituais comentários anónimos no Delito de Opinião, carregados de um azedume energúmeno, até vil. Pois se o Delito de Opinião tem, como acima referi, muitos leitores não tem assim tantos comentadores - o que é normal. Mas entre estes há uma percentagem tristemente elevada de anónimos que aqui vêm exsudar o seu fel, disparatado, e sobre os quais sempre me interrogo da justeza do seu convívio. Neste caso tratava-se de um verme que aqui se vem apresentando como "assim assim", e que ali deixara um javardo dizer visceralmente racista. Constato o meu espanto - o racismo é sempre enjoativo, mas a que corresponde a sua locução a propósito de um texto tão plácido, que degenerescência impulsiona tal coisa?
Aquilo não é apenas ignorância, irracionalidade, sujidade ou imoralidade. É criminalidade. A lei da nossa república quase nunca é clara (o que se deve ou à incompetência dos juristas [assessorando] legisladores ou, o que é mais provável, a uma mariolagem corporativa para potenciar a necessidade dos "serviços jurídicos"). Algo que é bem visível ao ler o Artigo 240º do Código Penal, sobre "Discriminação e incitamento ao ódio e à violência". Mas está lá no ponto 2 b) o que parece ser (salvo eficaz, de contrastante, interpretação de profissional avençado ou assalariado) a condenação de alguém que se dedique a "Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica".
Ora é inadmissível alguém ter o desplante de surgir em local alheio proferindo ilegalidades, ainda para mais em registo anónimo, tendencialmente irresponsabilizável. Enfim, enojado e surpreendido, apaguei o comentário. E segui a leitura do nosso blog, deparando-me com o postal da tão simpática série diária que a Maria Dulce Fernandes vem fazendo, ali aludindo ao tal Dia (Laico) da Mãe. E, imagine-se, nele encontrei o mesmo "assim assim" comentando, com desfaçatez aproveitando para louvar a sua mãe (ao que diz já morta há 54 anos). Estive para ali responder mas contive-me: não conheço pessoalmente Maria Dulce Fernandes mas é-me óbvio, ao lê-la, ser ela uma Senhora educada, gentil e sensível. Por isso me coíbi de polemizar num postal da sua autoria.
E por essa razão, mas também para evitar culminar o fim-de-semana sob a protecção da Rennie ou do Eno, decido-me a blogar o assunto, trazendo para aqui a questão que se me surgiu, e assim mais explicando o motivo que comanda o meu bloguismo, isto de extirpar a azia face aos males vizinhos: tem um racista imundo como este anónimo "assim assim" mãe para louvar? Decerto que não, terá havido, claro, um útero no qual foi gerado, uma singela mãe biológica. Mas é óbvio que um racista imundo como este medrou sem valores. E como nem tem nome para apresentar torna-se claro que se trata de um "espírito santo", um enjeitado na roda, ali largado à nascença por uma desgraçada, miserável e explorada trabalhadora do sexo. E daí o seu pungente azedume racista, o de ancião enjeitado. Sem mãe. Sem nada. E que aqui se vem ficcionar como se gente de família fosse. Como se tivesse nome.
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