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Nenhures

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Uma prestigiada universidade lisboeta introduziu sanitários unissexo (aliás, unigénero) nas suas instalações. Ao que informa a imprensa as razões são totalmente curiais, dado que ali laboram pessoas (decerto que alunos, funcionários e professores) que "não se identificam com o género que lhes foi atribuído à nascença" - presumo que esta formulação algo excêntrica advirá de uma incompreensão do jornalista redactor, mas isso será pormenor que não apoucará a justa causa sanitária. Assim sendo, e dado o incómodo sentido por essas pessoas ao satisfazerem as suas necessidades fisiológicas, a progressista universidade encetou o processo de terminar com o apartheid fisiológico.

De facto, nada se poderá contestar face à justeza do princípio activado. Apenas um pudor culturalmente imposto nos conduz a apartar "homens" e "mulheres" (se é que estes termos ditatoriais ainda têm pertinência) nos seus momentos de micção e defecação - e é bem sabido que outras sociedades organizam de modo diferente essas práticas fisiológicas, tanto em termos de separação de "géneros" como de "gerações" (essa ditadura etária...) e mesmo de proclamação da "intimidade" requerida para os actos.

É certo que se poderá dizer que aqueles que querem recusar "o género que lhes foi (culturalmente) atribuído à nascença" (para usar a malévola construção do jornalista) também poderiam - e até mais facilmente -  apartar-se desse pudor culturalmente atribuído. Mas enfim, para quê violentar as suas sensibilidades em momentos, por vezes, tão aflitivos? Que justiça haverá em exigir-lhes ainda mais um expurgo cultural, exauridos que poderão estar dada a premente (e porventura pressionante) tarefa de se libertarem do peso cultural imposto pela genitália.

Em face do que exponho - e faço-o impregnado pelos saberes da antropologia, a qual estudei naquela mesma universidade, ainda nos tempos do apartheid sanitário - julgo assisada a decisão das autoridades académicas, e espero que num curto espaço de tempo os sanitários unigénero venham a ser norma, e não excepção, no ISCTE. E nas outras instituições nacionais de ensino superior.

Mas aduzo outra questão, correlacionada. A referente ao mobiliário sanitário que o Estado (trata-se de uma instituição de ensino público) impõe. Pois as atitudes corporais na micção e na defecação são culturalmente construídas (ou seja, ensinadas). E também nessas há o peso da construção do género, esse ferrete ditatorial imposto desde a mais tenra idade aos indivíduos. Daí a predominância do hábito dos "homens" urinarem em pé e das "mulheres" urinarem agachadas (ou sentadas) - algo que também não é universal, como saberá qualquer indivíduo mais lido. Nesse sentido, e neste passo de extirpar a ditadura do género sobre os actos fisiológicos, as novas instalações sanitárias unigénero deverão ser transformadas, conduzindo a uma homogeneidade pós-género no acto da micção. Assim deverão ser afastados os heteropatriarcais urinóis, cuja utilização demarcará uma identidade própria e denotará alguma ambição de poder, falocentrado.

Entretanto, é do conhecimento geral que os "homens" (no mero sentido de portadores de pénis mictórios) têm tendências a aspergir de urina de forma menos circunscrita as sanitas (as "retretes", como dizem os burgueses que estudam na universidade), nisso conspurcando os rebordos sanitários. Isso poderá causar desconfortos futuros às "mulheres" (no mero sentido de pessoas desprovidas de pénis mictórios), e mesmo doenças de foro infeccioso.

Assim sendo, será culturalmente libertador e sanitariamente precavido a harmonização do mobiliário destas instalações unigénero. Significa isso proceder à instalação de latrinas, refutando a referida ilegitimidade dos urinóis (pois algo descabidos às portadoras de vagina), e eliminando os perigos infecciosos das sanitas.

Um outro passo deverá ser encetado, nesta via de descondicionamento das práticas fisiológicas, refutando os valores culturalmente inculcados. Trata-se de ultrapassar o dogma da "intimidade" - o qual se afirmou na nossa sociedade mas que, também ele, inexiste noutras. Deste modo será de pensar, talvez num segundo passo ou talvez desde já, em abdicar da instalação dos cubículos destinados aos actos fisiológicos, em particular no que concerne à defecação. O "open space" é uma opção culturalmente libertadora e deve ser transmitida às novas gerações.

ADENDA: meros momentos após ter publicado este postal comecei a receber mensagens privadas apelando a uma alteração. É certo que poderão ser contributos eivados de heteropatriarcado, mas tratam-se de testemunhos de "homens" (ou seja, pessoas portadoras de pénis mictórios) que afirmam ter tido, por vários motivos, acesso a sanitários exclusivos a "mulheres" (indivíduas portadoras de vagina), os quais apresentavam vestígios de urina bem mais ala(r)gados do que o habitual nos redutos falocêntricos. Noto esse assunto pois, de facto, sublinha a minha proposta, a da colocação de latrinas unigénero, menos dadas à proliferação de dejectos líquidos. E ainda por cima evitará o que me parece óbvio dado o imediato efeito do meu modesto postal: o da eclosão de um conflito de géneros sobre os piores urinantes...

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("Goo Goo Gai Pan", 12º episódio, 16º ano de "Simpsons" - censurado na China.)

Há 33 anos o massacre em Pequim... No dia seguinte ao início da mortandade este episódio:

É sabido o "cancelamento" deste episódio. Não só a ditadura chinesa o apaga da história - chegando a censurar o episódio dos "Simpsons" que a ele alude. Mas também a ele pouco ou nada se alude no imensa produção cultural internacional "empenhada", anti-capitalista, alter-globalista. De facto, no seio da "esquerda" "cosmopolita" este "Homem do Tanque" não ascendeu a ícone, não foi aposto à fileira desde o "No pasáran!" e por aí afora, não desce a Avenida em Abril, nenhum dos que se tatuam com o guerreiro Guevara lhe associam este incógnito no outro peito ou braço, barriga da perna que seja, não há t-shirts nem grafitis emporcalhando paredes, não abundam trinados da "música popular brasileira" em sua memória ou qualquer poemaço exaltado, até transposto a faduncho. Todos os anos alguns "reaccionários", gente da "direita" malvada, o lembram por este Junho, e nisso colhem, quanto muito, uns "decoloniais" comentários, quais "o cabrão do chinoca tinha tomates, lá isso é verdade". E lá seguem os "democratas" no seu rosário de "boas causas", ufanos... 
 
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Nisso, bem especioso veio o PCP, que em 2011 achou necessário avisar os militantes que isso de Tiananmen "foi uma farsa" - os detalhes pouco importam que, como bem é sabido pelo povo camarada, com a verdade me enganas. Seguindo o tal partido sempre ciente de que urge lembrar as massas de estar a vil imprensa ocidental (pior ainda a que se diz de "esquerda") em permanente campanha de difamação das democracias socialistas... Nesse inabalável rumo mostrando bem que o PCP não muda. Nós é que, às vezes e por mera preguiçosa distracção, nos surpreendemos.

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A escandalosa violência armada nos Estados Unidos é algo com que convivemos, recebendo-a amansada pela indústria de entretenimento cinematográfico e televisivo. Ainda assim custa a perceber a placidez daquele país com os constantes massacres civis, em particular nas escolas. Agora aconteceu mais um. Tétrico. E mais uma vez as notícias falam da problemática liberalidade na aquisição de armas nos EUA, rigidamente defendida por sectores políticos predominantemente do partido Republicano. Não vou repegar na questão, que é ciclicamente abordada. Apenas frisar o meu espanto face a esta desregulação, lá naquele país, que provoca tamanhas desgraças.

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Cartão de Boas Festas, Natal de 2021, do congressista republicano Thomas Massie (Kentucky).

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Cartão de Boas Festas, Natal de 2021, da congressista republicana Lauren Boebert (Colorado).

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Cartão de Boas Festas, Natal de 2021, do senador republicano  Rick Brattin (Missouri).

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Cartão de Boas Festas, Natal de 2015, da deputada estadual republicana Michele Fiore (Nevada).

Felizmente estas temáticas são-nos estranhas, pois seguimos país com baixo nível de criminalidade e sendo esta também pouco violenta. Mas há uma ponte para o ambiente daqui. Pois desde a década inicial de XXI, com o advento do bloguismo e depois das redes sociais, que pude constatar o assumir em Portugal da dicotomia "direita"/"esquerda" como mimetizando o embate "republicanos"/"democratas" nos EUA. E nisso havia um frenesim de uma certa direita (e muito de uma "jovem direita", quais jovens turcos) - que então até se apresentava como "liberal" (que eu conheci nos blogs Blasfémias e Portugal Contemporâneo, para falar apenas naqueles que ainda seguem) - em se assumir como "republicana". Isso via-se com a adesão acrítica a Bush filho, à raiva contra Obama (que aparecia como um perigoso esquerdista....). E depois com um progressivo encanto, implícito ou explícito, com a "alt-right" e com o Tea Party. Daí ao apreço ao boçal Trump - cujo mercantilismo era surpreendentemente amado pelos tais "liberais" -, ainda que este tenha um conteúdo político algo diferente, foi um pequeno passo nas teclas.

É certo que isso mostra um enviesar destro na política europeia, a desagregação das "esquerdas" (tantas delas verdadeiramente sinistras) nestas duas últimas décadas. O qual abre espaço para que europeus (e do Sul, ainda para mais) possam pensar como "esquerda" o anafado Partido Democrata norte-americano, e usem o espectro político dos EUA como analogia para debater o processo político nacional (ou europeu). Mas muito mais do que isso permite perceber que estes (portugueses) adeptos "republicanos" não percebem - nem querem perceber - quem apoiam ou, pelo menos, em quem se revêem. Há década e meia poderiam rir-se um pouco dos dislates da candidata Sarah Palin, mas pouco mais criticariam. 

De facto esta "alt-right", boçal, violenta, ignorante, não se reduz a uns "ressentidos" com a "globalização", o velho operariado do "midwest", o sempre referido "lixo branco". Pois é também a expressão política (e cultural, naquele patético "criacionismo", um fundamentalismo cristão que a nossa tradição católica despreza há... séculos) de enormes interesses de elites económicas, amplamente cosmopolitas. Que inclui, mas nele não se esgota, o comércio interno armamentista. E expressa-se através deste tipo de políticos, que se ilustram deste modo. 

Como é que há gente que aqui no rincão sai à rua (às teclas) defendendo este tipo de gente, priorizando-os como aliados, e até condutores, é coisa compreensível. Mas inaceitável.

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Há alguns dias aqui referi a relevância da excelência nas chamuças, um verdadeiro desígnio. Por isso tanto saúdo a realização, já neste próximo sábado, de uma Oficina de Chamuças. Será uma sessão única, de aprendizagem seguida de manducar, na Galeria Anagrama, nos Olivais (Lisboa) - a qual muito recomendo. Afianço que se trata de uma bela proposta.
 
(Os contactos para a inscrição estão no cartaz - ou através da ligação à página da Galeria).

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