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Nenhures

Nenhures

31
Jul22

Eça e a Rússia (2)

jpt

Eça_de_Queiroz_(Álbum_das_Glórias,_n.º_9,_Julh

Há tempos citei uma das crónicas de Londres, em que Eça de Queirós se mostrava clarividente a respeito da guerra entre Rússia e Turquia (1877-8). Vários outros trechos se poderão retirar dessas crónicas para sedimentar esse olhar pertinente sobre aquela actualidade,  tanto sobre a referida guerra - que o autor termina por sumarizar como a definitiva expulsão dos muçulmanos da Europa, encetada um milénio antes na Reconquista ibérica -, como sobre outros assuntos: desenvolvimentos tecnológicos, alguma reabilitação da sua querida França após a guerra franco-prussiana, a situação italiana e o papado, etc. Eça era um homem do seu tempo - como todos o são. Nunca foi um visionário, terá sido um jovem contestatário e depois veio sendo um desiludido, mesmo sarcástico, dissecador. 

O que me é aqui interessante foram as reacções de alguns comentadores - em blog e no facebook - àquele meu postal sobre Eça e a Rússia. Logo surgiram os defensores da actual política imperialista russa - essa amálgama de monárquicos ultramontanos ("miguelistas", por assim dizer); fascistas; "frentistas" de extracção comunista - a apontarem Eça de Queirós não só a sua desatenção pelo mundo de então como a sua mediocridade intelectual. É o habitual vitupério anacrónico a la carte... O qual está imenso na moda, como bem mostra este afã na "reescrita da História" que preenche a "nova" esquerda identitarista.

Enfim, foram esses dislates dos adeptos putinófilos que me apelaram a este postal, motivo para regressar ao delicioso "Álbum de Glórias", uma preciosa colecção de perfis da Lisboa de finais de XIX, com desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro e textos de vários autores, especialmente de Guilherme Azevedo (João Rialto) e de Ramalho Ortigão (João Ribaixo). E assim aqui deixo o que sobre Eça - afinal tão medíocre, a crermos nos putinófilos de hoje - desenhou Bordalo Pinheiro e escreveu Guilherme Azevedo, seus contemporâneos:

"Quando ele, há alguns anos, soltou os primeiros vagidos nos folhetins da Gazeta de Portugal, houve antigos escritores cheios de introspecção que morreram de ataques apoplécticos! Eça de Queirós era um inspirado estranho que vinha, no concerto ameno da literatura familiar, tocar uma nota desusada e quase incompreensível para muitos espíritos educados no amor e melancolia.

Ele acabara de percorrer a Terra Santa, sentara-se a cismar no Jardim das Oliveiras, e desse jardim não trouxera simplesmente a crença que constitui o fundo único de tantas declarações românticas; do Jardim das Oliveiras arrancara uma pernada com que principiou a desancar a antiga retórica do país, destronando os velhos tropos e lançando os fundamentos daquele estilo fotográfico que é o seu grande poder e uma das suas grandes glórias.

No Oriente não viajara só. A memória de Chateaubriand acompanhara-o, e Leconte de Lisle e Charles Baudelaire, que eram então triunfadores, fizeram com ele o percurso da Terra Santa. Desta camaradagem estranha resultou a original feição que Eça de Queirós imprimiu nas figuras bíblicas tão nossas conhecidas e que então, pela primeira vez, se apresentavam diante de nós falando uma linguagem meio apocalíptica e meia humana, que estava muito longe de ser a linguagem oficial do velho cristianismo clássico. 

O destino fez dele em seguida administrador do concelho de Leiria. Assim como o Jordão lhe revelara a Antiguidade, o Lis revelara-lhe a realidade. O místico sublime morrera: principiava o autor do Crime do Padre Amaro (...). O vidente transformou-se num anatomista. Dentro da sociedade portuguesa existiam coisas de que alguns já teriam suspeitado mas que ninguém ainda trouxera claramente à superfície." (...)

E agora, século e meio, no afã de defenderem o indefensável, assomam os remanescentes desses patéticos românticos, hiper-reaccionários, no saudosismo da pretérita "Nação" que imaginam ter existido e/ou da épica "Revolução" pela qual anseiam, sebásticos, e brandem a "linguagem oficial" de hoje, esta do vil anacronismo punitivo. Eça ainda os incomoda. Que melhor elogio se pode dar a um legado literário e intelectual?

 

30
Jul22

Sporting 2022/23

jpt

sport5ing.jpg

Para os sportinguistas os dois últimos anos foram óptimos. O clube acalmado, bem gerido. Inúmeros títulos nas "modalidades". E, acima de tudo, o futebol sénior a correr bem. O título tão ambicionado na penúltima época. E no ano transacto uma bela época, excelente presença na Liga dos Campeões, belo campeonato, bom futebol. Nisso tudo o dedo mágico de Rúben Amorim, e uma direcção a contratar bem e a ceder quem tem de ceder. A deixar medrar boas, até excelentes, expectativas para este ano. 

Mas... Olho, descorçoado, para esta  pré-época. Transferido o trinco titular, João Palhinha, haveria espaço para maior afirmação do talentoso Daniel Bragança, para isso contando com os dotes tácticos do treinador. Mas lesionou-se com gravidade. O reforço ansiado para o centro da defesa, St. Juste, lesionou-se e não fez a pré-época, o que terá custos físicos e no arranjo táctico inicial.  E agora lesiona-se o guarda-redes, parece que ficando impossibilitado para os dois primeiros meses - pior ainda pois numa época de concentração de jogos antes do Mundial. Assim, não só defesa e meio-campo não estarão muito reforçados como a baliza ficará entregue neste início de época a um jovem guarda-redes sem qualquer experiência de futebol de primeira - nem sequer de "banco", como o actual jovem guarda-redes do Porto já tinha quando ascendeu à titularidade. 

Ou seja, parece-me que por efeitos da fúria divina, fustigando o clube, este ano será para baixar as expectativas. Principalmente num campeonato tão desequilibrado como o português, onde uma ou duas escorregadelas (como no ano passado) logo custam os títulos. Uma pena. Mas será de recordar este contexto inicial quando, lá mais para o meio da época, começarem as críticas ao presidente, à direcção. E, decerto, ao treinador. Pois este ano, assim, só restará "correr por fora...". E tudo o que vier será lucro. Até inesperado.

30
Jul22

A censura no Facebook

jpt

F-fb.jpg

 
Leio o João Gonçalves (agora também João S. Gonçalves) desde os tempos do seu blog Portugal dos Pequeninos. Verve cáustica, mente inquieta e, acima de tudo, imensa verrina. Concordando ou não - até porque ele estará duas ou três braçadas à minha direita -, gostando ou desatinando, o certo é que nestas quase duas décadas o homem tornou-se item da minha paisagem.
 
Após a "intervenção militar" russa na Ucrânia o João Gonçalves embicou, e com afã, contra as posições europeias e um (aparente, digo eu) unanimismo ucranófilo. No início, uma ou duas vezes lá terei resmungado em comentários - julgo que aquela posição é um erro de compreensão - mas depois desisti. Pois às minhas atoardas guardo-as para o meu mural (e blogs), para quê chatear os outros em sua "casa"? Ora, e até porque o seu mural é muito activo (imensos "gostadores", múltiplos comentários), o "Algoritmo" mostrava-me os seus vários postais diários e a azáfama dialogante que lá sempre acontece. Também por isso um dia irritei-me com aquilo e cortei a ligação, num "quando acabar a guerra pedir-lhe-ei "amizade" outra vez"..." em busca das (outras) caneladas que ele vai distribuindo a eito. Passados uns tempos ele criou um outro perfil (João S. Gonçalves) e reestabeleceu a ligação e eu, que estaria em dia menos zelenskiano, acolhi-a sem mais.
 
Percebi agora que as suas duas contas foram "canceladas" durante um mês. Não sei exactamente porquê. Talvez por motivos lexicais, não me surpreenderá - um amigo co-bloguista acaba de me avisar que ele próprio está suspenso do Facebook porque utilizou um substantivo abstracto derivado da célebre "Mariquinhas" (!!), e eu já fui informado que, e apenas por ter comentado alhures interrogando se tal substantivo era "ilegal", seria suspenso se repetisse tamanha agressão a uns inditos "valores comunitários". Ou então foi barrado devido às suas posições políticas.
 
Independentemente da razão isto é inaceitável. Há no Facebook um controlo global (robótico, dizia-se) iconográfico, algo atrapalhado - o episódio da censura ao "A Origem do Mundo" de Courbet foi um risonho exemplo, tornado ainda mais anacrónico face à recente pornografia via vídeos "reels" divulgados nesta rede - mas que se poderá justificar, pois avesso à transformação da plataforma num avatar dos porn hubs. Mas o controlo lexical é patético, não só por questões de princípios mas também pela polissemia dos termos que se querem barrar - as "mensagens odiosas" de que a empresa Meta se quer expurgar dependem da sintaxe e não do léxico.
 
E há, acima de tudo - e este caso deve depender disso -, o controlo censório avulso. Executado pelos pobres avençados da empresa e, muito, pelos inúmeros utilizadores "denunciantes". Que "denunciam" através do "barrar" de outrem, dando sinal ao sistema que essoutro tem más práticas, algo cujo somatório provoca sanções - já me aconteceu um punhado de vezes, até com gente que conheço, antigas visitas de casa, recentemente um antigo aluno a quem cortei a ligação devido ao seu desbragado putinismo e que assim se "vingou", colegas antropólogos por razões que desconheço -, ou mesmo "denunciam" postais com os quais não concordam.
 
Ou seja, a coberto de uma aparente "cidadania", de uma defesa dos tais "valores comunitários" (quais?, qual "comunidade"?), o que grassa é a vil bufaria, a da maledicência frustrada, ciosa da sua mediocridade. No fundo, bem no fundo, apenas gente dessas "coitadinhas", furiosas diante da "Pretendida, desejada / Altiva como as rainhas / Ri das muitas, coitadinhas / Que a censuram rudemente / Por verem cheia de gente / A casa da Mariquinhas".
 

Alfredo Marceneiro - Casa da Mariquinhas

29
Jul22

Annie Leibovitz

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Quando a célebre - e engajada nas "causas" actuais - Annie Leibovitz fotografava Obama, e sua família, para a Vanity Fair (e para retratos oficiais) a "esquerda" europeia, encantada com a tez daquele bom aluno da escola de pregadores, não protestava. Nem com a fotógrafa, nem com o estilo, nem com o tipo de revista.
 
Não há dúvida, mais vale ser irlandês do que ucraniano...

29
Jul22

O Prémio Pessoa

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Não deixa de me provocar um sorriso, isto do jornal "Expresso" (imprensa dita "de referência") e do banco público Caixa Geral de Depósitos, patrocinarem um prémio - dito como destinado a personalidades de grande relevo artístico, cultural ou científico - atribuível a um tipo que não só clama pela necessidade de mais exorcistas como protege pedófilos.

Isto, em termos empresariais, seria uma catástrofe. Se não fosse em Portugal.

27
Jul22

Com "Os Cossacos"

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(Postal para o meu mural de Facebook)

Viajar o mais barato possível é assim: após um dia shakespeariano, pois calcorreando a pequena Warwick, faço uma directa devido a uma escala no aeroporto da cidade de Hume. Avanço bastante neste "Cossacos" de Tolstoi, bem apropriado para os tempos de hoje. Mas os cafés não inibem todo o sono e a edição de bolso - que agrega ainda "Sevastopol Stories" e "Hadji Murat" - é um compacto, letra pequena e pouco espaçada, o cansaço leitor chega-se-me... E busco uma pausa no FB, que logo me atira de volta ao constante espanto do "algo está podre neste reino": pois de imediato apanho uma senhora louvando, de modo grandiloquente, Saraiva de Carvalho - que morreu fez ontem um ano - independentemente dos seus "erros e exageros"!....
 
As FP-25 mataram pelo menos 13 pessoas, atormentando a democracia portuguesa durante mais de meia década. Mais de uma dúzia de assassinatos comandados pelo tal de "Otelo"! O que se diz a quem isso reduz a "erros", "exageros"? Convoca-se-lhe "tino", "pudor"? Para quê se diante de uma septuagenária, que já maturou o que poderia ter feito? E deseja-se-lhe "saúde", para ela e os seus queridos, a alguém que reduz a "erros" e "exageros" o assassinato de meros cidadãos? Merece? Ou vota-se-lhe a praga, desejando que "erros" e "exageros" caiam sobre os seus? Baixo a tanto?
 
Não sei. Opto por ir saber se o CR7 ficará em Manchester. Também ainda não se sabe. Desisto, volto ao texto denso das aventuras de Olenin. Que me sejam biombo, agora, hoje, desta gente horrorosa, seus "erros" e "exageros". Pelo menos até daqui a umas horas, ao regresso. A um medronho ainda matinal, a uma conversa amiga, a um peixe almoçado. À prova provada que o meu país não é só esta mulher nem os tantos que como ela seguem. Abjectos na hipocrisia dos "erros" e "exageros". Do raivoso apreço pelo terror, na perversa vontade que lhes vinguem as frustrações.

24
Jul22

Faro

jpt

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Totalmente inaceitável! Chego ao aeroporto de Faro, agora dito Gago Coutinho. Domingo, fim de Julho, apinhado dos turistas que enchem o distrito. Entro, percorro-o, cruzo os serviços, administrativos, comerciais e mesmo os do assunto central, viagem. Tudo simpático, rápido, eficiente.

Repito, inaceitável. Para quê gastar dinheiro se não se conseguem motivos para uma indignação? Noutra igual não me apanham!!!!

24
Jul22

Chega

jpt

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André Ventura "é o único que lhes diz as verdades", a "eles", e por isso tanto o censuram, temem-no. E isto de virem estrangeiros, a dizerem-se "refugiados", e aos quais até damos a nacionalidade, tem mesmo de acabar!

23
Jul22

Cancro da Mama

jpt

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Chamam-me a a atenção para um texto no Expresso e vou ler o jornal, o que me é raro. E noto outra notícia... Estamos em 2022 mas ainda assim apenas 19% das mulheres fazem o rastreio do cancro da mama.
 
Eu não sou de intimismos aqui (ou alhures). Mas faço um agora, troco-o pela esperança de que pelo menos um(a) leitor(a) se sinta com isto: bem amei (ou, melhor dizendo, amo, pois o amor não morre com o fim dos namoros, ao contrário do que reza a vigente concepção patrimonial dos afectos) uma belíssima mulher que fora abalroada por tamanho cancro. Está aí, bela e viçosa..., felizmente.
 
Não é uma exclusividade feminina: o melhor homem que conheci, o intelecto mais seguro, a elegância mais sincera, a pertinência mais sopesada, um "príncipe da República", morreu, tão novo, disto. Mas é-nos, aos homens, muito mais raro.
 
Não sei como é connosco, nisto da prevenção. Mas com as senhoras? Se está(s) a ler isto, a ver este jpt a entreabrir o âmago, seus amores, respeitos e saudades? Vá(ai) fazer o rastreio. E leve/a as amigas.
 
(E connosco, como é?)

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Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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