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Há um mês uma actriz de telenovelas entrançou o cabelo e logo se desencadeou a polémica - a qual não se deveu à sempre aludida "estação parva" mas sim à evidente "era tonta" à qual alguns nos querem vincular. Entre académicos e activistas lá se fizeram ouvir os argumentos do costume, e mesmo "autocríticas públicas" até pungentes - e as declarações do músico Agir disso foram um caso paradigmático. E nessa mostra o músico, e os tantos que com ele concordam, a involução intelectual sofrida no país. Desde que alguém perguntou "Pode alguém ser quem não é" e à questão lhe juntou "A corda d'um outro serve-me no pé / Nos dois punhos, nas mãos, no pescoço," até este actual patético exemplo de contrição por "apropriação cultural" feito por um músico de ascendência portuguesa que se tatua e faz jazz. E que pode ir actuar à Festa do "Avante" sem ali aventar a impertinência das "opções de classe" do doutor Álvaro Cunhal ou do engenheiro Carlos Carvalhas, entre tantos outros - tema, de facto, similar e que há algumas décadas era brandido por estupores similares aos de hoje.
("Not appropriate": Boris Johnson recites Kipling poem in Myanmar temple)
Enfim, a nossa historieta do final de Julho fez-me lembrar Kipling. Sei que brandir o "campeão literário" do colonialismo britânico é, hoje em dia, algo desconfortável - e ao ver-me com o livro que abaixo citarei a minha filha deu-me, com bonomia, a conhecer este delicioso episódio de Boris Johnson em visita à Birmânia em 2017, citando o clássico colonial Mandalay , algo "not appropriate" diz-lhe, com a fleuma possível neste pós-império, o embaixador britânico.
Mas ainda assim recupero Kipling, a entrada do pequeno conto "Para lá da cerca", um passeio sobre os males da interracialidade, a bárbara crueldade oriental e a imoralidade ocidental desencadeadas pelo "pular da cerca", pela "incorrecção" dir-se-ia hoje, do inglês Cristopher (claro) Trejago:
"Haja o que houver um homem deve manter-se fiel à sua casta, raça e credo. Que o branco continue a ser branco e o preto, preto. Assim, o que quer que ocorra de mal faz parte do curso natural das coisas - não é repentino, nem estranho, nem inesperado." ("Para lá da cerca", Três Contos da Índia, 2008, p. 11. Tradução de José Luís Luna).
Ou seja, e para estes muitos d'agora, Kipling afinal é "much appropriate"...
Sei que esta é uma informação totalmente irrelevante para todos que a lerem, verdadeira "poluição comunicacional". Ainda assim aqui deixo nota que ontem me banhei, longamente, mesmo defronte àquele rochedo ilhota, em águas aprazíveis e, para minha surpresa, não gélidas. Há quase três anos, desde Aracajú, que não calcava a areia litoral. E há mais de uma década que não mergulhava no Atlântico luso, sempre a isso renitente devido às cálidas e sempre saudosas memórias austrais. Nisso, nesse ontem, assim rejuvenesci, rejuvenesço.
Depois fez-se jantar na noite longa, uma esplêndida garoupa a saciar seis adultos, em assombrosa varanda ali entre a frondosa serra, seu convento e o mar, debruado (afinal!) com a costa do Alentejo à vista. Recanto refúgio de querida amiga - de há já três décadas (pois agora elas se cumprem desde que começámos o mestrado), também actual veterana de Moçambique, tema que reinou à mesa, ainda que sem monopólio -, e da sua simpaticíssima família, que ali conheci. Mais rejuvenesci, mais rejuvenesço, esboroando este cultivado ensimesmamento.
Acordo agora e compreendo, ali ao convento terão descoberto o tal elixir alquímico, o da eterna juventude. E dele aspergiram as redondezas. Assim sendo, mais que não seja por isso, logo regressarei.
Obrigado Ana.
Medram, já viçosos, os suculentos rebentos da figueira mais vizinha...
E "A velhice tem outro predicado (tem vários, olá se tem!): (...) estarmos a ver um jogo de futebol, sabendo vagamente quais são os times, assistirmos impávidos a puxões e caneladas, termos a visão para ir comer uma sandes de presunto e, entretanto, o resultado passou de 0-0 para 3-0, o que também não tem importância nenhuma, porque todos andamos cá para perder e ganhar. (...)
A velhice, ainda, é o repouso sábio e diletante. Começamos a ler se nos dá para isso, a sociologia e o badminton, a história do azulejo ou da ervanária, anúncios de vendas de casas que nem queremos nem podemos comprar, prospectos que nos enfiam na caixa de correio e observações económicas de cabeças financeiras: "Isto é que são milhões, rapaziada." (...)
Envelhecer, enfim, é como o título de uma fita que não me lembro se vi: situação desesperada mas não grave." (Dinis Machado, "Situação desesperada mas não grave", A Liberdade do Drible, Quetzal, 2015, p.84).
Medram, já viçosos, os suculentos rebentos da figueira mais vizinha...
(Nota: quem quiser uma análise mais detalhada do jogo de ontem entre Porto e Sporting pode aqui encontrar a minha abordagem especializada).
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