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Nenhures

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(Postal para o meu mural no Facebook)
 
Isto de escrever como modesto bloguista (e sua transcrição no FB) tem aquela piada ("a" piada que vale a pena procurar) de se perceber que tipo de conversa se tem com os circundantes, pois é isso que é o relevante, não o ascender a um qualquer pacóvio púlpito.
 
Recordo isto dada a divertida converseta provocada no meu último postal, sobre o custo dos bilhetes dos Coldplay - estive agora a conhecê-los na Spotify, nada me encantaram ao fim de seis canções... Mas quero esclarecer os meus amigos-FB (os amigos reais conhecem-me, não precisam de esclarecimentos): há dias botei aqui a ligação a um postal meu sobre Salman Rushdie. Ficou um texto porreiro (sou eu que o digo). E, mais, é um texto intocável - sobre a liberdade, sobre seus inimigos, e sobre os incultos políticos pantomineiros que da "esquerda" à "direita" aqui aturamos, bem como aos seus defensores. Pouco foi lido (in-blog, no fb), nada saudado. E hoje, de diferente humor, apeteceu-me saudar o "taco" que por cá afinal abunda - e logo imensa gente amiga e amiga-FB saudou isso.
 
Ora, falando sério, o que me torna velho são os tipos (tantos aqui) que apoiam os Vitalinos Canas, as Anas Gomes, os Marcelos Sousas, e tantos outros, e todos os que acham que deve haver limites à liberdade, de pensamento e sua expressão, de blasfémia e iconoclastia se se quiser. E todos esses, e tantos outros, que arranjam maneira de "justificar", "compreender" os assassinos idólatras, sejam lá quais forem os ídolos a que esses se vergam.
 
Quanto ao resto, os Coldplay? Repito, não aprecio. Muito pouco rock ouço hoje. E o que lhes ouvi lembrou-me a geniquenta Nelly Furtado do futebol... Mas atentai, se anunciarem que estes Pearl Jam cá virão, acompanhados pelo avô do Grunge, lá me colocarei de madrugada (quando os velhos acordam) nos "sites" de bilhetes, comprarei o bilhete por 100 euros e lá irei à Coimbra que for.
 
No dia tomarei uns 3 Red Bull's com vodka (e levarei outro no cantil) - não uso drogas, aconselho até os mais novos a evitarem-nas, ainda que as ervas naturais se consumidas por adultos já maturados tenham apenas o efeito estuporante prévio à imbecilização perpétua, essa que é pandémica. Mas considero de muito mau tom o consumo de químicos, coisa barrasca própria a uma plebe deseducada e, hoje, tatuada. Enfim, tomados esses aditivos líquidos e legais, lá soltarei os ainda escrespados cabelos brancos ao vento, entrarei no estádio na senda das primeiras filas, rumo aberto pelo coro dos "deixa passar o cota", escorropicharei o último vodka. E se calhar ainda pedirei a um puto trintão ali ao lado para me deixar dar uma passa no seu charro, só pela piada...
 
E em nenhum momento, antes, durante ou depois, lamentarei os 150 ou 200 euros que não tenho e que ali gastarei. Porque há coisas que são para viver. Não são únicas na vida, esperemos que haja mais... Mas que valem, mais que não seja para aprender a não ser videirinho. E, acima de tudo, valem para estar lá.
 
"Ó amigo Teixeira, então, essa conversa? e com a sua idade?". Pois, mas "Rock and roll is here to stay / It's better to burn out / Than to fade away". E o "fade away" é ir rockar o rockin in a free world, ressacar e voltar à vidinha tecer loas aos videirinhos.

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Não é preciso afixar um retrato para comprovar a conclusão a que hoje cheguei: abandonei o estado de (mais-)velho e atingi o estatuto, frágil, de ancião.
 
Notei isso face à azáfama nacional na aquisição de bilhetes para os concertos do grupo Coldplay, que actuarão em Maio próximo em Coimbra - em espectáculos com algum apoio autárquico (ainda não especificado) -, numa hora esgotaram-se três lotações do estádio municipal  e outra se esgotou em breve, tamanho o afã de centenas de milhares de admiradores. O bilhete mais barato custa 90 euros, depois 150 e daí para cima. Demonstração de que há dinheiro na sociedade civil, algo óptimo, pois saudável.
 
Mas lembro-me, ancião ainda não totalmente desmemoriado, de uma coisa. Quando era miúdo tinha o hábito de coleccionar os bilhetes dos concertos, e de os afixar no quarto. Assim os seus detalhes acompanharam-me anos e recordo alguns: os bilhetes de rock em estádio custavam 420 escudos (Police, para exemplo de grandes "estrelas", e em organização de apenas um concerto, no topo do estádio, assim com menos audiência). Quantia que era, grosso modo, o equivalente ao preço de um LP e de um single. Já os concertos de pavilhão (principalmente no Dramático de Cascais, no Restelo ou em Alvalade, rondavam os 300 escudos - o tal LP).- Quando uma década depois (já na CEE) os Rolling Stones deram um (apenas um) espectáculo em Lisboa, na sua ansiada primeira actuação no país, o bilhete custou 5500 escudos. Era dinheiro que se visse. Mas, de facto, correspondia a um jantar bem regado num restaurante mediano no "Bairro" (esse que fomos nós que inventámos, não os d'agora).
 
E agora a lotação de 4 estádios com bilhetes de 90 euros para cima, esgotados numa manhã? A economia do rock mudou muito. E eu, ancião, congratulo-me. Finalmente o meu país está na "Europa", os patrícios abonados. Enfim, vou ali ao parque jogar dominó....

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Há um mês uma actriz de telenovelas entrançou o cabelo e logo se desencadeou a polémica - a qual não se deveu à sempre aludida "estação parva" mas sim à evidente "era tonta" à qual alguns nos querem vincular. Entre académicos e activistas lá se fizeram ouvir os argumentos do costume, e mesmo "autocríticas públicas" até pungentes - e as declarações do músico Agir disso foram um caso paradigmático. E nessa mostra o músico, e os tantos que com ele concordam, a involução intelectual sofrida no país. Desde que alguém perguntou "Pode alguém ser quem não é" e à questão lhe juntou "A corda d'um outro serve-me no pé / Nos dois punhos, nas mãos, no pescoço," até este actual patético exemplo de contrição por "apropriação cultural" feito por um músico de ascendência portuguesa que se tatua e faz jazz. E que pode ir actuar à Festa do "Avante" sem ali aventar a impertinência das "opções de classe" do doutor Álvaro Cunhal ou do engenheiro Carlos Carvalhas, entre tantos outros - tema, de facto, similar e que há algumas décadas era brandido por estupores similares aos de hoje.

("Not appropriate": Boris Johnson recites Kipling poem in Myanmar temple)

Enfim, a nossa historieta do final de Julho fez-me lembrar Kipling. Sei que brandir o "campeão literário" do colonialismo britânico é, hoje em dia, algo desconfortável - e ao ver-me com o livro que abaixo citarei a minha filha deu-me, com bonomia, a conhecer este delicioso episódio de Boris Johnson em visita à Birmânia em 2017, citando o clássico colonial Mandalay , algo "not appropriate" diz-lhe, com a fleuma possível neste pós-império, o embaixador britânico.

Mas ainda assim recupero Kipling, a entrada do pequeno conto "Para lá da cerca", um passeio sobre os males da interracialidade, a bárbara crueldade oriental e a imoralidade ocidental desencadeadas pelo "pular da cerca", pela "incorrecção" dir-se-ia hoje, do inglês Cristopher (claro) Trejago: 

"Haja o que houver um homem deve manter-se fiel à sua casta, raça e credo. Que o branco continue a ser branco e o preto, preto. Assim, o que quer que ocorra de mal faz parte do curso natural das coisas - não é repentino, nem estranho, nem inesperado." ("Para lá da cerca", Três Contos da Índia, 2008, p. 11. Tradução de José Luís Luna). 

Ou seja, e para estes muitos d'agora, Kipling afinal é "much appropriate"...

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Sei que esta é uma informação totalmente irrelevante para todos que a lerem, verdadeira "poluição comunicacional". Ainda assim aqui deixo nota que ontem me banhei, longamente, mesmo defronte àquele rochedo ilhota, em águas aprazíveis e, para minha surpresa, não gélidas. Há quase três anos, desde Aracajú, que não calcava a areia litoral. E há mais de uma década que não mergulhava no Atlântico luso, sempre a isso renitente devido às cálidas e sempre saudosas memórias austrais. Nisso, nesse ontem, assim rejuvenesci, rejuvenesço.

Depois fez-se jantar na noite longa, uma esplêndida garoupa a saciar seis adultos, em assombrosa varanda ali entre a frondosa serra, seu convento e o mar, debruado (afinal!) com a costa do Alentejo à vista. Recanto refúgio de querida amiga - de há já três décadas (pois agora elas se cumprem desde que começámos o mestrado), também actual veterana de Moçambique, tema que reinou à mesa, ainda que sem monopólio -, e da sua simpaticíssima família, que ali conheci. Mais rejuvenesci, mais rejuvenesço, esboroando este cultivado ensimesmamento.

Acordo agora e compreendo, ali ao convento terão descoberto o tal elixir alquímico, o da eterna juventude. E dele aspergiram as redondezas. Assim sendo, mais que não seja por isso, logo regressarei.

Obrigado Ana.

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Medram, já viçosos, os suculentos rebentos da figueira mais vizinha...

E "A velhice tem outro predicado (tem vários, olá se tem!): (...) estarmos a ver um jogo de futebol, sabendo vagamente quais são os times, assistirmos impávidos a puxões e caneladas, termos a visão para ir comer uma sandes de presunto e, entretanto, o resultado passou de 0-0 para 3-0, o que também não tem importância nenhuma, porque todos andamos cá para perder e ganhar. (...)

A velhice, ainda, é o repouso sábio e diletante. Começamos a ler se nos dá para isso, a sociologia e o badminton, a história do azulejo ou da ervanária, anúncios de vendas de casas que nem queremos nem podemos comprar, prospectos que nos enfiam na caixa de correio e observações económicas de cabeças financeiras: "Isto é que são milhões, rapaziada." (...)

Envelhecer, enfim, é como o título de uma fita que não me lembro se vi: situação desesperada mas não grave." (Dinis Machado, "Situação desesperada mas não grave", A Liberdade do Drible, Quetzal, 2015, p.84).

Medram, já viçosos, os suculentos rebentos da figueira mais vizinha...

(Nota: quem quiser uma análise mais detalhada do jogo de ontem entre Porto e Sporting pode aqui encontrar a minha abordagem especializada).

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