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Nenhures

Nenhures

30
Set22

A propósito da condenação de Seixas da Costa

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Seixas da Costa, à esquerda, e seu advogado no início do julgamento no Tribunal do Bolhão a 11 de março, fotografia de Artur Machado / Global Imagens

O antigo diplomata - e também bloguista - Francisco Seixas da Costa foi agora condenado por "difamação agravada" ao treinador de futebol Sérgio Conceição. É um tema interessante, que me toca bem de perto, o que me leva a este postal.  Em primeiro lugar, friso que nenhuma simpatia tenho pelo agora condenado: uma das minhas grandes amigas, hoje em dia já embaixadora, trabalhou sob a sua direcção e tece-lhe os maiores encómios, pessoais e profissionais. Mas não esqueço que ele foi um enérgico activista do socratismo, o que considero ser uma nódoa indelével na pessoa pública. Quanto ao queixoso, e por mais que me irritem os seus modos e, talvez acima de tudo, os seus sucessos, a minha costela futebolística impede-me de esquecer a enorme alegria que um dia ele me proporcionou, algo pelo qual ainda lhe estou reconhecido. Mas o que me convoca a atenção não é o que penso (ou sinto) sobre os intervenientes. É sobre o fundo da questão, e também sobre os trechos de retórica jurídica que os jornais ecoam. E pelo que me aviva a experiência própria.

Pelo que leio Seixas da Costa foi condenado por no Twitter ter chamado "javardo" a Conceição. Alguns pontos iniciais isso me levanta. Leio agora que o tribunal considera negativo que o tenha feito "não (...) durante um jogo no estádio; escreveu-a por trás de um computador, quando tinha tempo para refle[c]tir". Isto é uma extraordinária demonstração da superficialidade do pensamento dos juristas envolvidos (espero que isto não seja passível da instauração de um processo), pois significa que consideram menos gravoso o insulto público - em estádio - quantas vezes em interacção pessoal directa, e ainda mais vezes potencialmente indutor de comportamentos colectivos agressivos, verbais e até físicos, do que uma mera interjeição proferida na efectivamente vácua "nuvem" internética, desprovida de qualquer dimensão potencialmente causal. E sobre a efectiva inadmissibilidade das agressões verbais nos estádios de futebol botei eu neste meu postal "Viva o treinador adjunto de Sérgio Conceição": defendendo veementemente o treinador portista e sua equipa técnica e invectivando os "javardos" adeptos do meu Sporting. No qual disse, explicitamente, "não é legítimo (legal) ir a um local de trabalho insultar os trabalhadores. Como um campo de futebol." Parece que para os juristas do tribunal do Bolhão será...

Um segundo ponto sobre a retórica e o ponderar que foi exarado. O jornal cita "É diferente dizer que é grosseiro ou que é javardo. Podia ter dito tudo o que disse sem ter usado a expressão em causa. Aqui mostra-se a linha que não se deve ultrapassar.". Ora isto é inaceitável. Por mais que isto possa parecer adequado ao senso comum, o culto de um "bom gosto", de uma "boa educação", não é ao Estado - e ao seu sistema jurídico - que compete estipular as "fronteiras" da semântica adequada - e até um feroz estatista como o socialista Seixas da Costa concordará com isto.

Ou seja, nós podemos e até devemos ser sancionados se caluniarmos alguém, se errada ou malevolamente atribuirmos atitudes ou intenções a outrem. Mas estas reclamações jurídicas relativas a injúrias ou aquela nebulosa "difamação" são meras sobrevivências de outros tempos. Pois a proclamada "honra" (esse velho e reaccionário valor nobiliárquico) que a justiça afirma defender com estas condenações, não se coloca acima da fundamental liberdade de expressão, por formato mais deselegante que esta possa assumir - até porque, mas não só por isso, por vezes os termos mais "pesados", um léxico mais plebeu (lá está, a âncora sociológica das punições jurídicas) representam exactamente aquilo que sentimos ou pensamos. E por isso mesmo os acusados de "difamação" ou de "injúrias" que têm recursos económicos e paciência recorrem das sentenças que os vetustos tribunais portugueses exaram, vão de estrado em estrado endógeno e, depois, até Haia. E ganham. Claro que após anos a fio e, repito, de pesados encargos económicos e morais.

Esta notícia tocou-me pessoalmente pois há algum tempo fui alvo de um processo similar instaurado por um correligionário de Seixas da Costa. Ao tomar conhecimento do processo fiquei estupefacto. A minha advogada disse-me ali ter encontrado apenas "liberdade de expressão" mas logo me avisou ser evidente que eu iria ser acusado e condenado. E que poderia recorrer, processo que levaria anos em curso. Aconselhando-me a aceitar a culpabilidade. Assim, desprovido de recursos económicos para sustentar assistência jurídica e - confesso a custo - de coragem moral para enfrentar anos de embate jurídico, ainda por cima face a um dos próceres do regime socialista, anuí (lembro que com ridículas lágrimas de raiva nos olhos) a uma suspensão do processo, em troca de um pagamento, que foi ponderado em 200 euros a doar a uma instituição à escolha do tribunal.

A causa dessa punção que sofri foi este meu postal. Aceito, um texto algo desabrido, com termos ríspidos desnecessários - até porque significaram que "dei o flanco". Mas também por outra razão, pessoal - há alguns anos a minha filha, então ainda adolescente, coligou-se com a minha irmã, exigindo-me a depuração lexical no bloguismo, e disse-me com uma total pertinência: "ó pai, um cavalheiro não fala assim!". Haverá melhor argumento censor do que esta filial imagem do seu pai? É certo que há termos que ajudam a resumir o que pensamos, que bem substituem um parágrafo inteiro. E como me dizem palavroso - e ainda agora vizinhos me disseram isso a propósito de um texto sobre o café do bairro - muitas vezes tendo a socorrer-me dessa bengala sulfurosa. Mas convém utilizá-la com parcimónia e, acima de tudo, "cautela e caldos de galinha" enquanto a Justiça portuguesa não se actualizar. Ou seja, continuo a dizer que quem exerce funções governativas com impertinência, quem no parlamento confunde artistas com terroristas assassinos, e quem é solidário até à última instância com o problemático José Sócrates, não é agregável ao topo da hierarquia jurídica nacional. Mas, e repito-me mais uma vez (palavroso, dizem-me), face às concepções vigentes na Justiça nacional há que doirar a pílula verbal, evitar a tal adjectivação ácida.

Finalmente, e em suma, algo concordo com Seixas da Costa (malgré tout): às vezes pedir desculpas é demais. Chapeau...

29
Set22

Com o Irão?

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Há dias aqui deixei ligação à minha análise do Chéquia-Portugal (0-4): na qual me limitei a expressar a minha estupefacção pela ausência de uma acção simbólica dos jogadores em solidariedade para com Mahsa Amini, a iraniana assassinada pela polícia por não cobrir devidamente os cabelos, e para com os inúmeros iranianos entretanto assassinados nos protestos subsequentes. Tal como referi algum espanto pelo silêncio do jornal da SONAE, carregado de identitaristas activistas, bem como dos sempre tão solidários em causas anti-americanas BE e LIVRE, que não se aprestaram à mobilização de arruadas contra estes factos. Em parte é compreensível, consabida que é a soez hipocrisia destes esquerdistas de "campus" e avenças... Mas o mesmo não se esperaria dos nossos jogadores, lestos a ajoelhar-se por uma morte masculina americana, mas agora prontos a encolher os ombros diante de inúmeras mortes iranianas. Por isso titulei o postal com um "O Futebol Não É Para Mulheres!".
 
Fica agora a notícia que os jogadores da selecção do Irão têm a coragem de afrontar a sua vil ditadura, simbolicamente usando casacos negros sobre o equipamento. Está dado o mote - não a@s esquerdalh@s lus@s, que continuam algo silenciosos face a estas ocorrências, encerrados na sua vilania de prosápia identitarista. Mas sim aos jogadores da bola... 

28
Set22

Honoris Causa a Schwalbach

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João Schwalbach receberá o doutoramento honoris causa na Universidade do Porto (sessão na Aula Magna da Faculdade de Medicina, às 17 horas de depois de amanhã, 30 de Setembro).
 
Médico moçambicano, especialista de saúde pública, foi durante longo período director da Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane. Um até lendário director, direi, tal a forma como marcou a instituição e a fez cruzar tantas e tamanhas dificuldades. Mas, e até mais do que isso, Schwalbach tem décadas de múltiplas tarefas, nesse âmbito das inclementes condições da saúde pública moçambicana. E cumpriu-as sempre sendo um elevado exemplo do "serviço público", esse verdadeiro ideário de extrema disponibilidade para o colectivo, até dadivoso.
 
E, ainda por cima, é um homem gentilíssimo, dono de uma leve verrina deliciosa e de um forte riso encantador. Ou seja, a ver se arranjo uma boleia para ir ao Porto, nem que seja para lhe acenar de longe.

26
Set22

Chéquia - Portugal (0-4): o futebol não é para mulheres

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Anteontem assisti ao Chéquia-Portugal, jogo não só importante para a qualificação à fase final da secundária Liga das Nações mas também muito relevante para se aquilatar das capacidades da "equipa de todos nós", quando se apresta a cumprir o Mundial, ao qual já há meses o seleccionador Fernando Santos se apresentou como candidato à vitória.

Fiquei verdadeiramente surpreendido. Pois, ao invés do que se tornara hábito, antes do apito inicial os jogadores não se ajoelharam em gesto solidário. Como não o tinham feito durante a execução do hino nacional ou mesmo na realização do fotografia protocolar. Nenhuma atitude simbólica.

Ora há dias a iraniana Mahsa Amini foi assassinada pela polícia iraniana, devido a ter sido considerado incorrecta a forma como expôs os cabelos. Tal atitude das autoridades estatais provocou manifestações de repúdio naquele país, e até ao dia deste nosso jogo de futebol já haviam sido mortos pelo menos 36 pessoas pela polícia iraniana. E os nossos jogadores, que se vinham habituando a usar os jogos da selecção para saudavelmente exprimirem opiniões políticas de solidariedade internacional, deixaram-se mudos e quedos. Não há qualquer dúvida do sentido daquilo que os nossos campeões quiseram significar: "o futebol não é para mulheres!".

De qualquer forma, logo nesse início do jogo, fiquei mais capaz de compreender outras posições semelhantes. Pois ficara surprendido com a ausência de manifestações solidárias com Mahsa Amini, sua família e sua "comunidade", convocadas por instituições mais tendentes a estas causas solidárias, como os partidos LIVRE e BE. Tal como, talvez distraído e nisso relapso no folhear, notara a inexistência de textos veementes, e apelando à mobilização geral para esta "causa", publicados no jornal do grupo SONAE, este muito vinculado ao sempre solidário Bloco de Esquerda. E ainda me surpreendera por não ter visto ecos nas redes sociais - às quais ando um pouco alheado, dado um incómodo ciático que me acometeu e que tanto me impacienta - das habituais geniquentas feministas, da abissal Coimbra e não só, sempre lestas a contestar o heteropatriarcado normativo do explorador capitalismo ocidental. Enfim, de tudo isto retiro a confirmação da tal velha máxima: "o futebol não é para mulheres!".

Enfim, após aquela reflexão sobre questões de "género", lá vi os seguintes 89 minutos (+ tempo de compensação) do jogo da selecção. Esta está bem e recomenda-se. Espero que assim se mantenha, feita de homens talentosos, de barba rija e de máscula organização.

21
Set22

Pastelaria Nova Arcadas

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Ficou célebre a definição que é descrição feita por George Steiner, que hoje ainda mais actual surge: “A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa, frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos Cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da Ásia. Poucos em Inglaterra, após um breve período em que estiveram na moda, no século XVIII. Nenhuns na América do Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães. Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter­-se-á um dos marcadores essenciais da ideia de Europa”. Atrevo-me a deixar adenda ao dito do sábio, é esta "civilização" Europa - esse eixo de Lisboa a Odessa, da Sicília a Copenhaga - o local dos cafés individuais, cada um com seu dono, configuração única, estilo próprio e clientela particular, assim conteúdo específico, "personalidade" por assim dizer, e não dessas cadeias americanófilas, Starbucks ou quejandas "padarias portuguesas"...
 
E se isso é para Lisboa, cuja biografia pode ser traçada em levas de "cafés", "leitarias" e "tascas", com suas nomenklaturas e seu lumpen, por maioria de razão o digo para os Olivais, esse meu bairro onde cresci e, agora, me aquiesço nas vésperas do forno. Uma grande extensão construída nos 1960s, abarcando a anterior Encarnação, orlada pelo vetusto Olivais Velhos, costas viradas ao Tejo, tornou-se o bairro "a maior freguesia da Europa", gabávamo-nos sem preocupações de rigor, povoada por casais jovens carregados de filhos, como era então costume. Uma enorme população, que Salazar mandara ser multiclassista, nisso saudavelmente desprovida de "condomínios" securitários e fronteiras finórias. População essa, a juvenil e respectivas parentelas, que se associava em torno dos cafés pelos quais cada grupo optava, por motivos de vizinhança, classe, estrato, estilo ou consumos... Do "Gordo" ao "Modesto", do "Tosta" à "Nanu", entre tantos e tantos outros - de tal forma que décadas depois ao conhecer-se alguém que tenha crescido nos Olivais logo se impõe a sacramental pergunta "onde é que paravas?", como quem pergunta "quem és tu?".
 
Eu "era" do "Tó" - na Cidade do Lobito -, nome que marcava o estabelecimento do (óbvio) Senhor António, que o deteve durante décadas, pastelaria com ares de "classe média" (como então não se dizia), algo excêntrica no tal caldeirão interclassista da azáfama do bairro. As décadas passaram, eu parti (tal como quase todos os do bairro), o "Tó" foi trespassado, assumiu o nome "Arcadas" e foi prosseguido em boas mãos conjugais, o sempre "Senhor" João e a "Dona" Júlia , a propiciarem o bom ambiente necessário.
 
Nestas décadas as formas de convívio muito foram mudando. Nesse entretanto o bairro envelheceu, e nisso empobreceu. Os indígenas partiram, em múltiplas direcções. Novas levas de habitantes foram chegando, muito menos atreitas ao "estarmos juntos" e encapsuladas pelos efeitos do paradigma "centro comercial" que se instalou. Como é óbvio, o espectro de "cafés" foi-se atrofiando e os ambientes respectivos unificaram-se, no primado de uma rudeza vigente, atrofiadora de qualquer vislumbre de tertúlia.
 
A tudo isso foi resistindo o "Arcadas", como o comprovei quando regressei aos Olivais, 25 anos depois de ter partido. Ainda albergando a terceira idade original e, mais do que tudo, ponto de encontro da nossa "Velha Guarda" quando em visita ao bairro. Ali havia uma boa "imperial". E um bom ambiente: gente educada e gentil no serviço - uma tradição de décadas que unia as gerências que lhe conheci -, que assim moldava (e filtrava) a clientela. E onde encontrava eu amigos e (ex-)vizinhos que vêm da primária, do liceu, da adolescência. E também da juventude adulta. E até, imagine-se, feitos nesta era cinquentenária. Ali se falava de quase tudo: talvez não de Kierkegaard mas decerto que de Babel ou Steiner... De trabalho, do ânimo - nosso e dos outros-, de política, de futebol, da saúde própria e alheia, do rame-rame, dos nossos queridos, de gastronomia e culinária, de livros, das memórias e até ainda dos anseios, e (hélas, já não) de mulheres. E durante tudo isso bebia-se..
 
Há dois anos o casal proprietário entendeu, merecidamente, ter chegado o momento da reforma e trespassou o café. Passado a uma dessas "cadeias". O descalabro foi imediato. E ficou o bairro completamente desprovido de uma esplanada com um mínimo de elegância, nisso indutora de convívio apetecível, de ponto de encontro.
 
Enfim, agora, dois anos depois, hoje mesmo, o (Senhor) João e a (Dona) Júlia reabrem o café, a por tantos de nós, habitantes e ex-habitantes, ansiada Pastelaria "Nova Arcadas". De lá um amigo logo me enviou um efusivo "Já abriu!!!" com esta fotografia. Eu estou alhures, em nenhures. Mas exulto, e amanhã aproximar-me-ei do Trancão, irei ali à cidade do Lobito, para um imperial ou até mais. Espero uma mesa composta. Apaziguada até, pela felicidade de nos podermos encontrar no nosso sítio. Aprazível. E com aquele leve travo, tão precioso, da alguma elegância. Apenas a q.b., sem ademanes. Como sempre ali foi.

21
Set22

Os Esquerdalhos

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No mural de Facebook do escritor moçambicano Pedro Pereira Lopes encontro esta fotografia, acompanhada de um irónico texto aludindo às vestes do deputado irlandês do Parlamento Europeu Michael Wallace (assinalado na fotografia), durante a recente visita à Assembleia da República de Moçambique de uma delegação de eurodeputados da subcomissão de Segurança e Defesa do Parlamento Europeu - incluindo a portuguesa Isabel Santos -, deslocados àquele país para avaliarem o trabalho da missão de formação da União Europeia (EUTM) no âmbito da cooperação UE-Moçambique em segurança e defesa. O texto de Pereira Lopes foi bastante comentado e partilhado, surgindo opiniões de sentido diverso mas entre as quais - como é recorrente no país - logo surgem interpretações remetendo a situação da indumentária do irlandês para o racismo colonialista dos "brancos", desrespeitador dos africanos e suas instituições.

O pequeno episódio logo me lembrou uma bem-humorada troca digital de opiniões, acontecida há poucos dias, que tive com um antigo (excelente) professor cooperante português em Moçambique, sobre o conteúdo que atribuo ao termo "esquerdalho". Pois melhor exemplo não haverá - até porque evita invectivas dentro do universo português, sempre apoucáveis como "clubistas" - para ilustrar o pejorativo que implica tal categorização. Que associo ao primado da atitude face ao conteúdo, raiz (e não mero sintoma) da desonestidade intelectual e da malevolência política.

Para quem esteja minimamente familiarizado com o protocolo indito dos políticos europeus (e não só) a fotografia é elucidativa. Nela dois dignitários moçambicanos recebem na sua sede uma missão visitante a quem reconhecem/atribuem a relevância de pares. A maioria dos membros da delegação dos sete eurodeputados simboliza nas suas vestes a dimensão de "visita de trabalho" ("de campo"), aligeirando a formalidade das vestes, estas com contornos utilitários - as duas senhoras de sapato raso, uma de vestido simples outra de calça e blusa; e quanto aos homens apenas um está de fato-e-gravata (e surge algo desarranjado), um outro de gravata mas de casaco e calça, outros dois desengravatados nos seus "blazers". Em suma, um "business casual" simbolizando uma deferência para os anfitriões e o carácter "on the road" da missão, apelando a alguma informalidade do contacto (o fundamental da mensagem implícita) e ao conforto nas andanças. O irlandês opta por outro registo, extremando a informalidade, através da combinação de pólo, sandálias e calções - ou seja, não está em diálogo com as contrapartes (a moçambicana, os membros da missão da cooperação europeia no terreno), está em monólogo, a afirmar a sua posição. Toma uma atitude e proclama-a, "je m'en fous". Um je-m'en-foutisme relativo aos interlocutores directos e também - como se comprova pelos ecos locais a que acima aludo - pelas formas como a sua postura será interpretada num universo que o desconhece, apreendendo-o apenas por aquilo que ele representa, o parceiro União Europeia, seu Parlamento e mesmo, por arrasto, as sociedades europeias. Nada nesse diálogo implícito conta para o irlandês Wallace, apenas cioso da sua "atitude" para consigo próprio - e para os seus eleitores, lá no seu pequeno círculo, decerto que saudando entre Guiness e Jameson a postura do "nosso Mike" lá pelas "Áfricas" overseas.

Diante desta patetice energúmena fui ver quem é o óbvio esquerdalho. E bate tudo certo, qual "chapa 5". Mike Wallace pertence ao Independents 4 Change, e inscrito no Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde. É uma personalidade excêntrica que foi catapultada pelo espectáculo político televisivo irlandês, e vem fazendo um histriónico e egocêntrico exercício parlamentar, - fazendo-me nisso lembrar aquela nossa deputada radical que se alcandorava a figura bíblica num "eu sou o incómodo". Nisso vem sendo um paladino das virtudes do regime chinês e do Partido Comunista Chinês (ainda que este não seja completamente perfeito, permite-se dizer), que permitem uma melhor vida e mais direitos aos seus cidadãos do que os regimes capitalistas europeus. Nega também a relevância da política chinesa de repressão sobre os uigures. E, claro, louva os regimes da Venezuela, Rússia, Bielorrússia e quaisquer outros que entenda avessos à pérfida Europa e seu "neoliberalismo", independentemente de hipotéticos méritos ou defeitos que tenham. Etc, pois o rol de dislates está bem composto.

Ou seja, o que é um esquerdalho? É isto, a redução à atitude, à profusão de "bocas". Grassam por aí e também por aqui esquerdalhos destes. E mais me chateia ver como esta gente, este tipo, armado(s) ao pingarelho ainda convoca(m) os eternos discursos racialistas lá na "Pérola do Índico". Por causa das sandálias e do chulé. Intelectual...

21
Set22

A Coelha Acácia

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Longe vão os tempos em que quis usar blogs (ou "redes") para questiúnculas políticas, acima de tudo devido a, então quarentão, me ter deparado com a conivência e cumplicidade dos letrados lisboetas com o tétrico socratismo. Sigo agora neste aqui digital, já proto-sexagenário, entre algumas comezainas, um ou outro livro para o qual ainda me consigo concentrar, o meu Sporting, qualquer novidade moçambicana (lá de onde ficou o que de mim terá prestado). E, é certo, o revisitar da filmografia da Julia Roberts.
 
Ainda assim hoje atrevo-me a ir à política, mas agora sem acinte, pois na sageza etária resumo-me a que que cada um tenha as suas opiniões e as defenda com lisura. Mas, raisparta, tenho de me solidarizar com todos aqueles que anseiam por um líder coriáceo, até mesmo qual "capo", que venha a reengrandecer o Portugal pátrio, firme expurgando-o das aleivosias e estranhezas. E depois sai-lhes este tipo, a lamuriar-se em público, e mesmo num "até sempre", com a morte de um coelho! Isto só visto, pois tamanho cúmulo de ridículo se apenas contado ninguém acreditaria.

19
Set22

O Funeral da Rainha e o Futuro

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Sentei-me a ver o funeral "da" rainha. Zapping - estações árabes (Aljazeera), "europeias" (Euronews), espanholas, francesas, britânicas (claro), norte-americanas, alemãs, portuguesas, italianas e decerto que tantas outras, às quais não tenho acesso, mundo afora a transmitirem o funeral em directo. Quando a rainha nasceu a Grã-Bretanha era o maior império do mundo e quase ainda se poderia dizer a "Rule Britannia, (Royal Navy) rule the waves". Não é o caso agora, o país e sua "armada" algo secundários - mas menos do que poderá parecer aos distraídos, mostra-o o espantoso impacto mundial do dia de hoje.
 
Impressiona-me a enormidade e o rigor de todo este aparato mortuário, uma riqueza simbólica cuja miríade de detalhes, decerto que desejavelmente significantes, me escapam. Uma monumentalidade faraónica, exclamo sem o mínimo menosprezo, nesta atenção longamente planeada pela transição para um Além. Um Além que é, crenças religiosas à parte, o Futuro, este pensado como corolário de uma continuidade, transportada em marcha lenta mas nunca imóvel.
 
Quem se recusa a entender isto, entrincheirado em questões de "regime" ou em atoardas politiqueiras, nada entende de política. E de cidadania. Li há dias que um pobre "mestre de pensamento" português, de extracção enverhoxista ou quejanda, clamou ser ter sido mais influente e frutífero Godard do que Isabel II. Como é que há gente que ainda lê e ouve este tipo de argumentação? Somos nós filhos/netos de Darwin, Dickens, Stuart Mill, Turner ou de Vitória? Isto será questão a colocar por quem pense política, História ou, pura e simplesmente, a vida? Então para quê aturar esta encenação? Não a da realeza. Mas sim a pobre encenação de um pensamento crítico...

19
Set22

Gastronomia Blogal

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Tenho deixado no Facebook, e por vezes aqui no blog, alguns ecos de passeatas gastronómicas que me acontecem. E, com franqueza, até me surpreende o apreço com que são recebidos esses postais, muito maior do que que quando me ponho a perorar sobre assuntos sobre os quais julgo ("presunção e água benta...") ter muito mais pertinência. Pois nada sou especialista na matéria. Não só sou frugal nos "comes" (nos "bebes" por vezes alonga-se-me o apetite), até avesso às comezainas, como - e isso é que é o fundamental - não sou "gourmet" pois demasiado distraído (entenda-se, inculto) para aquilatar das verdadeiras qualidades do que vou comendo, da miríade dos seus condimentos, dos modos da sua maturação e das genealogias do que enfrento. Enfim, aprecio o convívio à mesa, mesmo que este apenas comigo mesmo quando sigo algo andarilho, e é apenas disso que por vezes falo, da comida como pretexto...
 
Algo muito diferente, sabedor e refinado, é o que se passa neste belíssimo blog Gastronautas. Feito a meias por Filipe Gill-Pedro (que se apresenta no seu inglês natal) e por Luís Neves (que segue lusófono). Textos concisos e bem escritos - o que implica que ali não se emulam os mestres Alfredo Saramago ou José Quitério, como ainda é tão cansativo hábito nas páginas sobre estas matérias -, e com bonita apresentação.
 
No Gastronautas discorre-se sobre os modos típicos da cozinha portuguesa - para inglês ver, literalmente falando, mas que muito faz falta aos nacionais vítimas da cozinha globalizada. Surgem textos sobre alimentos, recônditos e até excêntricos aos urbanos. Fala-se de alguns restaurantes e seus cozinheiros, sem a prosápia de distribuir estrelas, pneus ou consagrar os gentrificados "chefs". Desvendam-se daqueles agricultores que renovam o cardápio dos condimentos a que temos acesso, ou mesmo os ressuscitam. Em tudo isso, e mais, fala-se acima de tudo do manuseio do tempo, no civilizado primado do devagar.
 
Ide espreitar, sff. Espero que possais desfrutar tanto estas leituras como eu o tenho feito...

19
Set22

O canal Eleven

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Estive a ver o Atletico-Real, o derby de Madrid. Interroguei-me como foi possível que o moçambicano Reinildo tenha jogado durante anos no Benfica B e naquilo dito BSAD, praticamente incógnito, e seja agora titular do poderoso Atlético. Alguém esteve a dormir nos clubes nacionais. E na imprensa "desportiva"...
 
Mas o que me traz aqui ao Muro dos Resmungos é coisa bem diferente. Os jogos espanhóis - e de outros campeonatos - são transmitidos por um canal televisivo chamado "Eleven" (não percebo porque se dá alvará a canais com nomes estrangeiros, deve ser efeito da pandemia de pirosice que grassa). A locução dos jogos neste canal é penosa, pois intercalada com mensagens que os espectadores vão enviando ao canal. Ou seja, está o Modric a ultapassar o Koke e a lançar o Rodrigo e vem o desengraçado locutor anunciar que "A Carolina diz que hoje o Vinicius vai marcar um golo". E se o arisco Correa se enche de brios a fazer o que o flácido João Felix nem imagina somos informados de que "o Marco aposta que hoje alguém será expulso"...
 
Mau feitio, o meu? Pois então tomai nota, e vede se de mim discordais: 38 minutos, andava o Federico Valverde a por a cabeça em água aos "colchoneros" - registai, que o rapaz se prepara para fazer o mesmo à delegação portuguesa ao Catar, coordenada pelo engenheiro Fernando Santos. E diz o locutor, no intervalo da leitura dos "tweets" que vai recebendo: "Valverde vai de vento em pompa"...
 
É isto mesmo, tuítes, elevens e ventos em pompas... E o canal paga-se.

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Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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