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Nenhures

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Acerquei-me deste fim-de-semana prenhe de boas crenças para o jogo em Arouca - "positivismo", como agora sói dizer-se -, e mesmo antevi o sucesso do Sporting acoplado ao empertigar do açoriano Santa Clara face ao campeão Porto e à reprise da recente bem sucedida incursão flaviense à capital, neste caso anseio avivado pelo apreço por aqueles transmontanos, herança dos meus ancestrais matrilineares vindos dali entre Gimonde e Mogadouro, mas também devido às memórias daquela era, que para eles será até lendária, das suas andanças sob o coriáceo Raul Águas e o magnífico Radi Zdravkov. 

O estágio que antecedeu o embate foi culminado com este muitíssimo recomendável pato confitado pré-fabricado, apresentado sob a patente "Patos da Quinta da Marinha", que para o efeito fora adquirido, ao que constou, na "grande superfície" Pingo Doce. Notável produto, e não só pelo seu preço muito acessível, pois suculento e pródigo. O quarteto à mesa acompanhou-o com um arroz (carolino) frito, um bom esparregado de espinafres caseiro, cujo fautor conduziu sob apreciável conservadorismo culinário, promovendo-lhe uma recomendável consistência e apurado (e avinagrado) sabor. Tudo isto foi vagarosamente deglutido na companhia de uma diversificada conversa debruçada sobre as múltiplas coisas do mundo e por uma garrafa de um bebível San Felipe tinto, feito na Argentina no ano passado. Entretanto, abandonada na sala, a televisão muda transmitia o jogo do Sporting.

Já preparava eu a máquina da loiça, após a talhada de marmelada caseira amancebada ao naco de queijo de Marinhas,  quando da sala ouvi o provocatório e jocoso "golo do Arouca!", o qual me convocou ao habitual sofá das lamentações. Lá se ligou o som à tv e dediquei um pouco de atenção aos rumos da bola, tendo estranhado alguns dos nossos jogadores que ali a pontapeavam. Tanto assim que enquanto o guarda-redes safava o Sporting de ser atingido por mais um ou dois golos fui ao telefone ver o rol ali titular, para logo constatar que se apresentara uma equipa típica da Taça da Liga. A mente benfiquista que ali comigo ombreava, solidária de décadas de amizade, confortou-me num "ainda marcam dois, vais ver...", o que teve a gentileza de repetir, a espaços, por mais duas ou três vezes. Mas eu, veterano deste sofá (e de tantos outros), vendo ali o meu Sporting num amansado desatino tornei-me marxista, rematando "nada, o homem aburguesou-se, abandonou o "jogo a jogo", não há nada a fazer!". E aduzi-lhe, "nem hoje nem daqui para a frente!". E assim foi, com uma equipa sportinguista a fazer-nos regressar a tempos que julgara, utópico, já idos, aquilo mesmo do "não há nada a fazer".

Enfim, meia hora depois, com mais um ou outro pontapé para a frente, mais um ou outro cruzamento para trás, mais umas substituições ("tardias, bolas", contive-me eu, dada a senhora na sala e a minha filha também), regressei à marmelada, a uma breve fatia, orleia-a com uma noz de queijo de Castelo de Vide. Despedi-me, simpático, e paternalmente amoroso. E fui para a cama, ler uns pdfs.

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Há um mês aqui dei nota da minha surpresa devido a não terem os jogadores da nossa selecção de futebol expressado simbolicamente a sua solidariedade com os protestos iranianos subsequentes ao assassinato de Mahsa Amini, cometido pela polícia daquele país devido a não ter aquela cidadã os cabelos totalmente cobertos. Logo de seguida ecoei a notícia de que os jogadores de futebol iranianos estavam a ter atitudes simbólicas, solidarizando-se com a família da assassinada e com os manifestantes - entre os quais haverá já centenas de assassinados. E será de lembrar que um desses futebolistas internacionais é o nosso conhecido Taremi, avançado do Porto - tendo sido até noticiado que um jogo deste clube na Liga dos Campeões foi censurado na televisão iraniana devido a esse facto. Mas nem isso serviu para convocar o companheirismo dos seus colegas portugueses - nem dos de outros portugueses, pois as manifestações públicas face a estes acontecimentos naquele país não só tardaram como têm sido bastante modestas, se comparadas com o acontecido noutras ocasiões.

Surge hoje a notícia de que Ali Daei, o mítico antigo jogador iraniano, até há pouco o maior goleador das selecções nacionais - muito evocado ao ter sido ultrapassado pelo nosso Cristiano Ronaldo nesse topo - foi agora preso devido ao seu apoio à oposição ao actual poder iraniano e à repressão que este vem realizando diante da vaga de protestos em curso.

Estou convencido que nem isso servirá para que os jogadores do campeonato português se lembrem, a partir de amanhã, de se solidarizar com o povo iraniano e seus jogadores de futebol. Apesar da tradição de intervenção política a que aderiram há pouco tempo, prestando-se a participarem, regularmente, nessa campanha "anti-racismo" internacional, que não só mimetiza uma imagem da sociedade norte-americana como a quer fazer parecer paradigmática do estado do mundo. Mas seria importante que actuassem agora, não só pela virtude de ombrear com a população iraniana, seu anseio de liberdade e de activação dos direitos das mulheres. Pois também por ser forma de se mostrarem autónomos em relação aos núcleos identitaristas americanos, por cá divulgados e acolitados por nichos universitários e pela pequena-intelectualidade sediada na imprensa da situação. Mas duvido que o venham a fazer, jovens desportistas, algo inconscientes das coisas do mundo e embrulhados no manto demagógico do anti-americanismo pós-comunista europeu.

Mas há um ponto que é relevante recordar. Os profissionais dos clubes respondem aos associados - e, em alguns casos, aos proprietários - dos clubes, e será a estes que cumprirá aquilatar da pertinência de serem os clubes usados para agendas políticas. Mas a situação muda nas selecções de futebol. Estas dependem da FPF, instituição de utilidade pública que funciona num regime jurídico muito próprio mas sob tutela estatal. E não é aceitável que uma organização tutelada pelo Estado, que tem uma enorme visibilidade e que muito estrategiza para assumir uma dimensão de representação do país, sirva para divulgar agendas políticas externas muito cirúrgicas nos seus objectivos, neste caso o de atacar um Estado democrático aliado enquanto se silenciam as insanas medidas de um Estado não-amigo ditatorial. Ou seja, são os jogadores da bola livres de balbuciarem, ajoelhados, a propaganda de nichos identitaristas norte-americanos, da Ivy League e quejandos? São, se assim o quiserem. É o doutor Fernando Gomes, presidente da FPF, livre de usar as prerrogativas que lhe são atribuídas pelo Estado para fazer deslocar grupos de desportistas que usam a bandeira portuguesa (e isso bem reclamam e capitalizam), assim divulgando a agenda do esquerdismo comunista identitarista e do jornal da SONAE? Não. E isso deve-lhe ser cobrado, de antemão.

Enfim, é simples, se os rapazolas endinheirados se estão nas tintas para as mulheres no Irão e para os iranianos em geral, é lá com eles. Mas se assim é então também não há mais espaço para os ademanes ajoelhados contra o "racismo" nos EUA. Nem para um mariola usar a selecção "nacional" para apelar ao "Poder Negro", nestes 2020s. E quem não compreender isso não vai ao Catar. Pois chega de pantominas.

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Acabo de conhecer este episódio parlamentar. É o da "Ana dos Olivais" - uma historieta sobre uma imaginada "Ana de 25 anos" do meu bairro lisboeta, narrada como se exemplar por um deputado do PSD, Alexandre Poço, que assim a quis projéctil endereçado ao primeiro-ministro António Costa.
 
O breve episódio (na ligação estão as duas curtas intervenções) causa-me duas constatações: 1) Alexandre Poço, um ex-jotinha PSD agora já adulto deputado, e que foi conhecido por nós-vulgo através de uma fruste candidatura autárquica que quis "engraçadista", nem televisão vê. Pois se o fizesse em qualquer "filme de tribunal" americano teria aprendido o célebre mandamento: nunca fazer perguntas para as quais não se está preparado para a resposta. E como tal foi-se ele à bancada fazer uma pirueta retórica - um ademane engraçadista -, e em resposta levou "pela medida grande". Para melhor me fazer entender direi que Poço, a putativa "jovem estrela PSD", esteve para Costa como há dois dias Flávio Nazinho esteve para Harry Kane... Encomende-se o rapazola ao VAR ou ao gongo, a ver se safa nos seus próximos atrevimentos no hemiciclo que, pelos vistos, imagina qual campo da bola ou ringue.
 
2) O episódio chamou-me a atenção por ter sido invocado o meu bairro. No qual cresci até aos 25 anos, ao qual voltei aos 50. Conheço alguma coisa do que se passa. Várias vezes botei sobre os Olivais: notando os maus efeitos de uma atrapalhada, pois voluntarista, reforma da administração autárquica; notando a ausência de políticas de "reanimação" urbana; vendo a predomínio de uma visão assistencialista de paternalismo clientelar; clamando contra o - de facto - boçalismo das lideranças que o PS implantou numa freguesia central da capital (com 32 mil eleitores, repito-me até à exaustão). E sublinhando, com a ênfase que me foi possível, que só aquilo que o PS perdeu nos Olivais nas últimas autárquicas foi suficiente para derrotar Medina (malvada a Sorte, pois a este lhe serviu para chegar a ministro, e sorridente como se vê nestas gravações...).
 
Mas notei também, e botei-o, a total irrelevância, a candura ignorante, das restantes candidaturas autárquicas, das atenções partidárias, sobre este meu bairro (o tal dos 32 mil eleitores sitos no centro da capital). Nem à esquerda, nem à direita, nem ao centro, nada foi proposto, nada foi pensado e discursado, um vácuo completo. Mais surpreendente ainda num partido com traquejo, experiência de poder nacional e autárquico, como o é o PSD e que tinha uma candidatura municipal pujante. Nada mesmo, apenas umas candidaturas fundidas, uns candidatos mudos e quedos.
 
Avançaram alguma coisa no último ano? Ouviram o real, pensaram-no, projectaram algo? Que se saiba nada disso aconteceu, nada disso foi divulgado. Resta apenas este jotinha engraçadista, qual um galamba psd, a invocar o bairro e seu universo num destemperada patetice... Convirá perceber que não há pior, não há rumo mais eunuco, do que o engraçadismo (o que serve para o PSD deste jotinha e também para a IL, a qual, ou muito me engano, ou com Rui Rocha ainda mais perseguirá esse aparente trunfo). E, acima de tudo, convirá que o PSD (e não só) perceba que "o que é preciso é pensar a malta". Não é animá-la...
 
Enfim, sou "o José dos Olivais, tenho 58 anos e já fui emigrante...". E não tenho paciência para estes jotinhas. Vácuos.

Champions League: Tottenham/Sporting (1-1), resumo

 
 

Apesar de ter uma licenciatura em Antropologia Social (disciplina que, ao que me vêm dizendo, é especializada nestas matérias) tive de chegar aos 58 anos para perceber - ontem - o que é "cisgénero", termo que se vai disseminando e que, ao que vou lendo nos autores das wikipédias, significa ser portador da doença ("condição", diz-se) de se nascer homem - com pénis e respectivos adjacentes - e de se passar a vida a julgar-se homem.

Percebi-o durante o que foi gravado e está resumido neste filme. Lá para o fim do evento eu estava já longe da televisão que o transmitia em directo, escondido na cozinha - desarrumando pratos, deitando os restos dos acepipes no chão vizinho ao caixote do lixo, pondo copos lavados na máquina de lavar, resmungando o destino que é sempre o mesmo, feito de desilusões e amarguras, a vida que , diga-se o que se disser, não vale a pena ser vivida, toda esta filosofia condensada no mandamento "isto é sempre a mesma merda!" e seu consabido corolário "vamos levar um golo mesmo no fim!"... Quando da sala veio a exclamação, o evidente e tão previsto "golo do Tottenham!" (aos 3,10 minutos deste filme).

Para lá voei, plantando-me diante do ecrã, rugindo um infindável feixe de impropérios, peludos e espessos, prenhes de corrimentos e miasmas, que envergonhariam um coriáceo taxista, nisso sinalizando o meu desespero existencial.

Depois, algo depois, percebi então o que é aquilo do "cisgénero". É que um tipo, mesmo que durante estas epifânias abissais, só fala assim entre outros "cisgéneros" - naquele caso os da sub-espécie "benfiquista".

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Há um bom par de anos que chamei a este facebook a "likeland", a terra onde partilhamos aprazíveis "gostares", uma verdadeira "utopia" de bem-estar moral. Não é um defeito, é uma saudável panaceia que nos intervala os males do mundo. Cada vez isso mais me é visível, pelo menos no nicho das interacções que o algoritmo anima entre as minhas milhares de ligações - os "amigos-FB" com os quais interajo, neste "comércio" mais ou menos frequente de "sorrisos", "anuências" e "saudações", os "likes" (e "comentários"), que (n)os vão fazendo verdadeiros vizinhos, pois nomes que se me vão tornando conhecidos mesmo que nos desconheçamos na vida real, essa incómoda "real land", tópica.
 
Mais percebo isso pois as nossas características, as desta minha "comunidade" de entreajuda moral, a dos envolvidos neste nosso (quase)diário "estamos juntos", que se quer avessa à solidão - mesmo que enfrente apenas o "sozinhismo" -, implica que me acolhem com ruído prazeroso e solidário, e assim basto "gostável", as novas e notas da minha vida: uns dizeres sobre o meu Sporting, ecos de uma patuscada entre amigos reais, um resmungo com a minha ciática que afinal também é gota mas esta, afinal e vá lá, é apenas um entorse, ainda que bastante incomodativo, um sucesso da minha (magnífica) filha, um livrito para o qual me consegui concentrar, uma memória do "meu" Moçambique, uma nota sobre um bom filme visto na TV ou sobre uma tasca que descobri, uma piada menos brejeira que recebi no Whatsapp. E algum, escasso, etc.
 
Já algo oposta é a reacção se me ponho a opinar, ou a ecoar opiniões alheias, sobre os "males do mundo", os da tal "real land". As quais vou percebendo como uma violação do protocolo que nos une aqui, neste espaço de suspensão das preocupações e querelas, essas que preenchem a vida e, também, os dizeres nas "rádio, tv, disco e cassete pirata" que nos inundam o quotidiano. Que colhem um silêncio que não será exactamente uma discordância comigo ou com a minha forma - pois para isso há o "desamigar", o neologismo daqui - mas muito mais um até mudo "ó amigo/vizinho Teixeira, deixe-se disso, quer falar de coisas sérias, incómodas? Guarde isso para os blogs, homem...". Ou, até, "para si...", num "já viu como está a sua vida? Estivesse estado você calado...!", que é coisa que não é raro dizerem-me os da "vida real".
 
Enfim, resta-me anuir a este nosso protocolo (numa concordância ao velho mandamento "se está mal mude-se"). Aceitar esta nossa prazerosa "likeland" tal qual ela é - ainda que consciente e convicto de que esta terra não é a Cocanha.
 
Mas ainda assim deixo, pois renitente, uma citação que Paulo Sousa colocou agora no Delito De Opinião, sobre esta nossa terra Portugal. Um excerto de um texto que não é de um furioso esquerdista nem de um paladino do professor Ventura, nem de um publicista da sempre pérfida "oposição". É de Ricardo Costa, director do tão institucional de alinhado "Expresso" e também irmão do nosso primeiro-ministro desde 2015. Deixo-a aqui, à transcrição, sabendo que poucos "gostarão" dela. E que, pior ainda, poucos nela atentarão. Pois afronta o sossego identitário de tantos dos "vizinhos":
 

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