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Nenhures

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A recente morte de Isabel II, pela dimensão simbólica da longeva soberana e também pela cuidadosa e complexa ritualização das suas exéquias, promoveram não só o reforço do apreço generalizado pela defunta como também uma vaga de simpatia para com a envolvente monárquica.
 
Por isso, e agora que já passado o período de nojo, impôs-se uma verdadeira comemoração do dia da República, qual "cerrar fileiras" à ordem de uma "primeira forma" adequada. Com esse intuito o rancho deste 5 de Outubro foi condignamente celebratório. O saudável, e genuinamente selvagem, contingente de massacotes - já em tirocínio para besugos - fora arregimentado no vizinho mercado ribeirinho, ao qual aportara nessa mesma alvorada. Por conselho de verdadeiro arrais de mesa foi evitada a parafernália da assadura e tratou-se da sua fritura, apesar dos preconceitos discriminatórios que vão atingindo esta manobra. A guarnição apresentou-se em formato de arroz pátrio (carolino, pois então) de feijão, debruado de pimento vermelho e em estado algo malandrete, tudo isto orlado com uma muito saudável salada aspergida de uma balançadíssimo vinagrete.
 
Encetado o repasto o debate incidiu sobre as dificuldades dos cozinheiros surdos (ou mesmo dos moucos). Pois, frisou o mestre e chefe de mesa, são vincadas as exigências auriculares da correcta fritura do peixe, aquela que produz - como ali recebíamos, em comovente comemoração da res publica e da privada também - uma pele qual crocante mas preservando a frescura e sabor da carne piscícola. Algo apenas alcançável, diz quem o sabe, se captado o momento, sonoro, da inflexão do crepitar no frigir.
 
Enfim, depois a conversa versou outros temas, generalistas. Este cidadão, republicano q.b. e mouco em demasia, permitiu-se ao trio de massacotes. Esplêndidos. Viva a República!!!

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(Postal para o Delito de Opinião)

Sempre fui fraco leitor de revistas, generalistas, especializadas ou mesmo profissionais - excepto das de banda desenhada, que tanto me moldaram gosto e ser. Razões para tal nem as tenho claras, pois de algumas delas até gosto, será mesmo um qualquer infundamentado desconforto com o molde, uma parva embirração. Mas de uma coisa gosto, isto de folhear as revistas antigas que se amontoaram em casa, as herdadas e as que fui comprando - tantas destas para apenas as entreabrir, até com fastio, apesar do interesse imediato ao vê-las, feito compulsão compradora (quando dessa maleita podia sofrer) -, soslaios que permitem um sorridente aquilatar da realidade das "novidades" ou "dramas" que foram apregoados, com mais ou menos veemência...

Neste Verão já findo recebi os dois últimos caixotes de livros (e revistas) vindos da minha mãe, as partilhas familiares da pequena biblioteca que a acompanhou nos últimos anos na "residência" (o lar de terceira idade). Nesse conjunto vieram mais algumas revistas, das que restaram, "sobreviventes" à habitual partilha deste tipo de leituras. E que me fazem, saudoso, lembrar de quando após um almoço familiar levámos a nossa mãe (e avó) à papelaria vizinha, a qual abastecia diariamente a residência do inevitável duo Correio da Manhã e Público. E do (genuíno) encanto da proprietária diante daquela já nonagenária ainda arguta e, ainda por cima, francófona e anglófona. E logo ali se combinou que providenciasse ela a entrega diária de revistas e jornais que julgasse apropriadas ao gosto e interesses da minha mãe, que a gente pagaria mensalmente... Para alguns meses depois resmungar eu - já então a sopesar os custos do rancho e a racionar o Amber Leaf e o Queen Margot - a "conta calada" daquilo tudo, que do "Paris-Match" e "Hola!" britânica até à "Magazine Littéraire" tudo lhe ia chegando, e do meu murmurado e miserável ataque de sovinice, eu leitor diário do "Record" a criticar "raisparta, a mãe nunca leu estas tralhas ao longo da vida, para quê comprá-las agora?", as revistas "sociais", entenda-se, como se matar o tempo não fosse o fundamental, não seja o fundamental, antes da morte que se nos aproxima...

Enfim, divago, pois o que queria trazer a este postal é esta revista "Estante" que algum de nós lhe levou e que me chegou agora. De 2018, o número 17 desta simpática iniciativa - uma revista literária bem conseguida, no grafismo e no conteúdo, num registo adequadamente "leve" mas não superficial. 10 000 exemplares distribuídos gratuitamente pelos clientes da FNAC - e serve agora para memória (talvez surpreendente para as gerações mais novas) de uma longínqua época em que a cadeia FNAC vendia livros, uma era já finda na história económica.

E o que me apelou a recuperar este exemplar é um dos seus artigos, no qual os jornalistas Carolina Morais e Tiago Matos indagaram a sete escritores e editores "quem merecia o Nobel da Literatura de 2018?", pergunta bem adequada a este tipo de revista, muito mais tendente à divulgação literária do que a  uma reflexão crítica sobre pertinência das premiações e dos seus critérios e, ainda menos, às dinâmicas estruturantes do(s) "campo(s) literário(s)". E ler o resultado dessa demanda promove agora um sorriso, algo entristecido. Pois Ana Teresa Pereira, Carlos Vaz Marques, Francisco Vale, Hélia Correia, Isabel Lucas, Manuel Alberto Valente e Pedro Mexia (o grupo inquirido) deram, obviamente, várias pistas. Mas no final o escritor que sobressaiu como desejável premiado em 2018 foi Javier Marías. Pois, a Academia Sueca atrasou-se, irremediavelmente...

(Nem de propósito, eu a esquiçar este postal e a encontrar o Pedro Correia a inaugurar uma, ambiciosa, série...).

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