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Nenhures

Nenhures

13
Out22

O Presidente Medina e a procissão dos pobrezinhos

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No próximo dia 17 de Outubro é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Nesse âmbito a Câmara Municipal de Lisboa - e, claro, o seu presidente Fernando Medina - vai organizar uma passeata de "pobres" (agora ditos "desfavorecidos") pelas ruas da capital, dizendo que tal iniciativa quer dar "visibilidade" àquele universo social, presumindo eu que tal "visibilização" seja entendida como dotada de propriedades curativas. Ou, pelo menos, paliativas...
 
A iniciativa é uma co-organização da CML com uma Associação Impossible – Passionate Happenings, que há cerca de 15 anos vem colaborando com a câmara em vários actividades (eu, ainda que não purista, torço sempre o nariz a estas organizações com nomes trendy, em língua estrangeira, mas isto deve ser defeito meu).
 
Outra questão isto me levanta: a Câmara de Medina articula-se nesta iniciativa através dos Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA), o que me deixa intuir que os "pobrezinhos" (aliás, "desfavorecidos") que serão "visibilizados" naquela passeata, deverão ser "mobilizados", arregimentados, através dessas instituições nas quais recebem apoio, o que deixará entender alguma redução do seu livre-arbítrio. Ou seja, serão induzidos, sentir-se-ão compelidos, à tal exposição pública.
 
Mas o que mais me choca nesta "procissão de pobrezinhos" é o silêncio, de facto conivente, da esquerda social-democrata, do socialismo democrático que é o núcleo histórico do PS. A actual presidência de Medina, e a anterior de Costa, fez este partido dominar a maioria da Juntas da Freguesia da capital. E onde estão agora essas estruturas partidárias, os presidentes de Junta e suas bases, refutando esta abordagem cosmética à problemática da pobreza? E - apesar de perceber o difícil equilíbrio da "coligação" geringonça que suporta o governo, e de entender os cuidados a ter com Medina, mais do que provável sucessor de Costa -, muito me surpreende o silêncio do BE e, principalmente, do PCP diante deste tipo de iniciativa, tão evidentemente poluída por uma mundividência conservadora, caritativa mesmo.
 
Enfim, espero que as próximas autárquicas tragam uma mudança em Lisboa - e entre outras coisas que promovam o afastamento a este tipo de entendimento das situações sociológicas na capital. Será muito difícil, apear um incumbente autárquico é sempre raro e ainda por cima Lisboa, capital de serviços, é sociologicamente "de esquerda", tende ao voto no partido de Medina.
 
Para que tal aconteça, e apesar de não ter qualquer militância política, desejo que centro e direita se congreguem numa candidatura sustentável, sob uma figura indiscutível e prometedora. Para isso atrevo-me a propor um nome que será surpreendente para muitos: o do actual comissário europeu Carlos Moedas. Homem muito competente, cosmopolita, e decerto que capaz de conjugar uma equipa autárquica que enfrente as questões da capital e da zona metropolitana que encabeça. E culto o suficiente para fazer a câmara afastar-se desta tralha agit-prop caritativa, acoitada pela demagogia impensante do PS.

12
Out22

Dia do Professor em Moçambique

jpt

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Hoje é o Dia do Professor em Moçambique, de todos aqueles de quem fui colega. Cá de longe a todos saúdo, tantos deles exercendo em dificílimas condições. E com saudades daqueles com quem interagi durante anos a fio. E - já que estou em dia de confissões - também com saudades de leccionar. Sei que como professor não fui um sábio (como este meu alter ego) nem um orador cativante. E nunca tentei ser um "entertainer", mandamento que aprendi de um meu docente de mestrado. E menos ainda um "gajo porreiro". Espero ter sido um tipo no pelotão - alguns terão gostado, outros abominado, outros sofrido, muitos nem lembrarão. É assim, para com os "vulgares de Lineu". E é disso que tenho saudades: um pouco daquela até utopia de transmitir o que se aprendeu. E, mais do que tudo, pois egoísta, de ter gente que me ouvisse, obrigados que estavam a aturar-me. Pois resta-me este crescente hábito de falar sozinho, pouco interessante para quem gosta de conversar com gente inteligente mas agora aprisionado neste diálogo com um alienado, o mítico "monólogo interior".

Enfim, deixo saudações especiais para aqueles que, em diferentes momentos e locais, lá me desafiaram à docência: a saudosa Maria Inês Nogueira da Costa, a Terezinha Silva, o Francisco Noa, o Mário do Rosário. E ao meu magnífico "para-sempre-chefe" Alexandre Mate. 

E a todos os professores, com as dificuldades gerais e os defeitos próprios, Avante! Eu, cá de longe, assisto.

12
Out22

"Nhinguitimo", de Licínio Azevedo

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Fui ver o "Nhinguitimo" de Licínio Azevedo, curta-metragem refractando o conto de Luís Bernardo Honwana, ontem projectada no DocLisboa. Uma pequena pérola - e pequena porque são apenas 20 e tal minutos! Adoro, literalmente adoro, o conto - que, como poucos, tem a arte de em breves páginas ser uma súmula da História mas sem a isso se restringir, pois desprovida de panfletarismos. E muito gostei do filme. Vou velho, alquebrado, desprovido, notei-o com as lágrimas que me brotaram na breve cena romântica - essa que há anos, eu vigoroso, me teria feito sorrir, talvez até cáustico...
 
Mas nada desse meu encantamento me fará esquecer a dor sofrida, ali no escuro da sala da Cinemateca Nacional. Explico-me, desvendando-me, assim deixando-me nu diante dos amigos-FB. Como tantos tive os meus devaneios de vida: em miúdo sonhei-me Hector Casimiro Yazalde, o "Chirola", e logo depois Rui Manuel Trindade Jordão, eternos ídolos. Amadureci e quis-me Dexter, o Gordon, seu sax e desengonço. Mais tarde, já adulto e mais lido, ambicionei-me qual Sir Edmund, Leach esse mesmo, mente privilegiada em andanças únicas. Nada disso cumpri, e menos ainda me aproximei. Mas sobrevivi, não desiludido, fiel a um realismo realista nunca hiper, apenas convicto, resignado coriáceo na aprendizagem recebida em casa: "o mais difícil na vida é habituarmo-nos à nossa mediocridade". Restou-me, a partir dos 30 anos de homem feito, um mero sonho, o de ser cantineiro no cinema, figurante que fosse - cheguei a oferecer-me para tal a uma simpática realizadora patrícia durante uns camarões no célebre "Costa do Sol", algo recebido com evidente desprezo... Ciente desse meu (legítimo) anseio um dia uma querida amiga enviou-me um par das camisas que eu lhe dissera tanto desejar, estas de alças e rendilhadas, deixando perpassar o pelame, obrigatório adereço deste meu alter ego... Este mesmo que eu, há coisa de um ano, aqui convosco partilhei, invocando o referido "Nhinguitimo".
 
Pois hoje vi o filme. E encontrei o António Cabrita a representar o cantineiro - (e vai bem o sacana) -, roubando-me o derradeiro sonho de vida. E, talvez pior do que tudo, apresenta-se ali de camisa de linho branca, manga comprida, bem composta, e ainda por cima impoluta, sem nódoa de vinho ou de gordura e muito menos do encardido suor.
 
Enfim, não me queixo do que me decorreu neste já longo percurso, mais rico até do que terei merecido. Mas agora, depois de hoje, deste filme, deste ocaso, nenhum sonho, nenhuma ambição, me resta. Maldita camisa de linho. Imaculada, repito-o...
 
(Postal para o meu mural de Facebook)

09
Out22

No DocLisboa

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Esta semana decorrerá o festival DocLisboa. Do vasto cardápio que estará disponível aos cinéfilos e aos amadores anotei dois filmes que me compelem a ascender àquele além-Tejo. Trata-se da apresentação - estreia (?) - de "Margot", um filme de Catarina Alves Costa (2022, 72 minutos) dedicado a Margot Dias e ao seu trabalho etnográfico no norte de Moçambique, junto aos macondes (com "c" e não "k", como consta no programa digital do festival, pois - como um dia bem disse o escritor Mia Couto - nada há de mais "africano", qual "respeitoso" "multicultural", nas "k", "w" e "y" do que nas restantes 23 letras), durante os finais de 1950s e inícios de 1960s - para quem desconheça tratava-se da missão coordenada pelo antropólogo Jorge Dias, com o qual Margot Dias era casada, que originou os célebres tomos "Os Macondes de Moçambique".

O outro filme que me convoca à incursão na capital é "Nhinguitimo", curta- metragem (23 minutos, 2021) do realizador moçambicano-brasileiro Licínio de Azevedo, que bem anseio - não só mas também porque baseada no conto homónimo de Luís Bernardo Honwana incluído no seu célebre "Nós Matámos o Cão-Tinhoso"(e até porque andei anos a botar uma coluna chamada Ao Balcão da Cantina, que juntei aqui, e até usei o mesmo nome para um outro conjunto de crónicas, exactamente por influência desse magnífico conto). Para além disso o novo "Nhinguitimo" será acompanhado da projecção do "A Colheita do Diabo", filme de Licínio de Azevedo e Brigitte Bagnol (1987, 54 minutos) que é agora uma raridade. Ou seja, uma sessão imperdível.

A dupla "Nhinguitimo"/"A Colheita do Diabo" será projectada numa única sessão, terça-feira, 11 de Outubro, às 19 horas, na Sala Félix Ribeiro da Cinemateca Portuguesa.

O "Margot" terá uma dupla projecção: também na terça-feira, 11 de Outubro, às 19 horas, no Auditório Emílio Rui Vilar, Culturgest. E no domingo, 16 de Outubro, no Pequeno Auditório da Culturgest, às 22 horas - um tardio horário presumo que destinado a  punir os desprovidos do dom da ubiquidade.

08
Out22

Tornado, de Teresa Noronha

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Há algum tempo a Teresa Noronha publicou este Tornado. Disseram-mo muito interessante. E vi resumirem-no como um rescaldo sofrido, autobiográfico, da perda de um irmão suicida. Ou também um outro rescaldo sofrido, até jeremiada, sobre o processo nacional moçambicano. Fui ler. Percebi outra coisa, que é um texto sobre buya nwana, esse "buya nwana" que é "tudo o que está para lá ou para cá das palavras e que repousa nos olhos e no colo" (p. 76)... de alguém, digo eu. E de como a autora, a Teresa, vive(u) isso, esse magma, e o decidiu narrar.
 
Acabo de saber que lhe foi atribuído o Prémio PEN Club Português 2022 para Narrativa. Motivo que será suficiente para que quem não tenha lido o livro o procure e, pelo menos, o folheie. Ou mesmo o compre e leia, que bem se justifica...

07
Out22

O Nobel para Annie Ernaux

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Fraco leitor de ficção - e ainda pior de poesia -, e cada vez mais enredado em releituras, privilégio da idade, não me surpreende nada ter lido da agora premiada com o Nobel da especialidade, a francesa Annie Ernaux, mas já algo me espanta nunca ter ouvido falar da escritora, sinal de estar ainda mais alheado do que pensava do que se vai escrevendo e lendo.

Entretanto fazem-me chegar a um texto que a "explica", anunciando-a grande leitora de Bourdieu, e de o célebre antropossociólogo lhe ter sido uma grande (determinante?) influência na escrita. É-me isso muito interessante, pois Bourdieu foi-me muito importante quando jovem estudante - é certo que ao fim de alguns livros comecei a resmungar que o homem tinha a deficiência de "tudo explicar", ancorado no que me parecia ser uma sua crença num "homo strategicus". Não sei se estava eu certo nesse meu incómodo, tinha eu 20 e tal anos e depois pouco voltei a lê-lo com verdadeira intensidade, mas foi a ideia que dele me ficou: um bisturi agudíssimo mas demasiado convicto.

Pouco importa, ao anúncio desse laço entre a laureada e o "maître à penser" logo me lembrei de uma deliciosa saída deste último, que me acompanha constantemente, e cito de memória: os sociólogos (entenda-se, os tipos das ciências sociais) têm uma tendência para serem sociólogos dos outros e ideólogos de si mesmos. É uma maravilha, para uso quotidiano, constante... até porque constantemente demonstrada.

Enfim, ainda irei ler Ernaux (é para isso que servem os prémios, são chamadas de atenção). Só espero, mesmo, que seja de escrita menos fastidiosa do que a do velho mestre. Que era, há que dizê-lo, um chato do caraças. 

06
Out22

O Bispo Linda

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Estas declarações do bispo do Porto, Linda (um tipo que, pelos vistos, não faz jus ao nome), são absolutamente execráveis. Deste Linda só conhecia a alarvidade que botara há alguns anos quando, a propósito de um sanguinolento atentado em França, veio acusar os europeus "desrespeitadores" da religião de serem a causa do terrorismo islâmico. Mas agora o tipo vai mais longe, bastante mais longe, na ignomínia...
 
O que de abjecto diz o melífluo bispo é incomportável - mentiras, comparações falsárias (o energúmeno chega a comparar violação de menores a assédio sexual a jogadoras de futebol). E, ainda pior do que tudo, desculpas literais à enorme escumalha clériga: "não podemos julgar os actos do passado com os valores de hoje", atreve-se o bispo, como se seviciar rapazinhos (às vezes também rapariguinhas mas os padres tendem, sabemos, a serem invertidos, porventura por isso aprenderem nos seminários, tal como o sotaque ciciado) fosse uma coisa aceitável nos finais de XX e agora não. Filho de uma dema, este Linda, está visto.
 
Mas há algo evidente: ter um bispo como este, ainda para mais no contexto actual, conspurca toda a gente da igreja católica. Desde logo aqueloutro bispo, Ornelas, de Leiria, que vem em socorro do colega ceceante, alvitrando ter este tido apenas um "lapso de linguagem", outro da mesma laia, é evidente. E também o de Lisboa, esse Prémio Pessoa que é mobilizador de vocações de exorcistas, ele próprio agora atrapalhado com os silêncios que são, sem dúvida, efectiva cumplicidade. Mas não só a hierarquia. Todos os da igreja, crentes praticantes - deixemo-nos de rodeios, eu nem baptizado sou, à igreja só fui a festas e finais de vida, e mesmo assim, nesta distância toda, desde jovem que ouço alusões a histórias de padres sequiosos de rapazinhos. E se assim é não as ouviram e ouvem os crentes praticantes, das beatas que levam netos e sobrinhos-netos ao colo dos curas, aos doutores de missa ao domingo, partido político cristão e que julgam que os padrecas só enrabam os putos pobres?
 
Deixemo-nos de coisas: se há alguma "ideologia de género" vigente é mesmo esta, a de se pensar que os padres são um "género" específico, com características próprias, direitos particulares e sob leis "inclusivas". Tem sido assim. E continua assim, algo comprovado pela mísera tralha de bispos portugueses vigentes. Exorcizem-nos. E exorcizem os crentes que os têm aceitado, uma cáfila de gente que nem a rebanho ascende.
 
(E como vem a propósito lembro uma dos meus primeiros postais de blog, em inícios de 2004, dedicado a um destes panascas, que conheci em Moçambique: é este "Numa Missão").

06
Out22

Após o Benfica-PSG

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Bela jogatana do Benfica contra o potentado franco-catari - esse milionário instrumento de "relações internacionais" daquela dúbia monarquia ditatorial. 
 
Entretanto deu para ver que o miúdo de quem se fala, António Silva, nos seus 18 aninhos, não engana mesmo: é um prodígio. E do outro lado, vê-se o também puto Vitinha a "pegar de estaca" naquele petroplantel.
 
E dá para gemer: com um outro seleccionador que selecção nacional haveria...

05
Out22

Viva a República

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A recente morte de Isabel II, pela dimensão simbólica da longeva soberana e também pela cuidadosa e complexa ritualização das suas exéquias, promoveram não só o reforço do apreço generalizado pela defunta como também uma vaga de simpatia para com a envolvente monárquica.
 
Por isso, e agora que já passado o período de nojo, impôs-se uma verdadeira comemoração do dia da República, qual "cerrar fileiras" à ordem de uma "primeira forma" adequada. Com esse intuito o rancho deste 5 de Outubro foi condignamente celebratório. O saudável, e genuinamente selvagem, contingente de massacotes - já em tirocínio para besugos - fora arregimentado no vizinho mercado ribeirinho, ao qual aportara nessa mesma alvorada. Por conselho de verdadeiro arrais de mesa foi evitada a parafernália da assadura e tratou-se da sua fritura, apesar dos preconceitos discriminatórios que vão atingindo esta manobra. A guarnição apresentou-se em formato de arroz pátrio (carolino, pois então) de feijão, debruado de pimento vermelho e em estado algo malandrete, tudo isto orlado com uma muito saudável salada aspergida de uma balançadíssimo vinagrete.
 
Encetado o repasto o debate incidiu sobre as dificuldades dos cozinheiros surdos (ou mesmo dos moucos). Pois, frisou o mestre e chefe de mesa, são vincadas as exigências auriculares da correcta fritura do peixe, aquela que produz - como ali recebíamos, em comovente comemoração da res publica e da privada também - uma pele qual crocante mas preservando a frescura e sabor da carne piscícola. Algo apenas alcançável, diz quem o sabe, se captado o momento, sonoro, da inflexão do crepitar no frigir.
 
Enfim, depois a conversa versou outros temas, generalistas. Este cidadão, republicano q.b. e mouco em demasia, permitiu-se ao trio de massacotes. Esplêndidos. Viva a República!!!

05
Out22

Velhas revistas

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(Postal para o Delito de Opinião)

Sempre fui fraco leitor de revistas, generalistas, especializadas ou mesmo profissionais - excepto das de banda desenhada, que tanto me moldaram gosto e ser. Razões para tal nem as tenho claras, pois de algumas delas até gosto, será mesmo um qualquer infundamentado desconforto com o molde, uma parva embirração. Mas de uma coisa gosto, isto de folhear as revistas antigas que se amontoaram em casa, as herdadas e as que fui comprando - tantas destas para apenas as entreabrir, até com fastio, apesar do interesse imediato ao vê-las, feito compulsão compradora (quando dessa maleita podia sofrer) -, soslaios que permitem um sorridente aquilatar da realidade das "novidades" ou "dramas" que foram apregoados, com mais ou menos veemência...

Neste Verão já findo recebi os dois últimos caixotes de livros (e revistas) vindos da minha mãe, as partilhas familiares da pequena biblioteca que a acompanhou nos últimos anos na "residência" (o lar de terceira idade). Nesse conjunto vieram mais algumas revistas, das que restaram, "sobreviventes" à habitual partilha deste tipo de leituras. E que me fazem, saudoso, lembrar de quando após um almoço familiar levámos a nossa mãe (e avó) à papelaria vizinha, a qual abastecia diariamente a residência do inevitável duo Correio da Manhã e Público. E do (genuíno) encanto da proprietária diante daquela já nonagenária ainda arguta e, ainda por cima, francófona e anglófona. E logo ali se combinou que providenciasse ela a entrega diária de revistas e jornais que julgasse apropriadas ao gosto e interesses da minha mãe, que a gente pagaria mensalmente... Para alguns meses depois resmungar eu - já então a sopesar os custos do rancho e a racionar o Amber Leaf e o Queen Margot - a "conta calada" daquilo tudo, que do "Paris-Match" e "Hola!" britânica até à "Magazine Littéraire" tudo lhe ia chegando, e do meu murmurado e miserável ataque de sovinice, eu leitor diário do "Record" a criticar "raisparta, a mãe nunca leu estas tralhas ao longo da vida, para quê comprá-las agora?", as revistas "sociais", entenda-se, como se matar o tempo não fosse o fundamental, não seja o fundamental, antes da morte que se nos aproxima...

Enfim, divago, pois o que queria trazer a este postal é esta revista "Estante" que algum de nós lhe levou e que me chegou agora. De 2018, o número 17 desta simpática iniciativa - uma revista literária bem conseguida, no grafismo e no conteúdo, num registo adequadamente "leve" mas não superficial. 10 000 exemplares distribuídos gratuitamente pelos clientes da FNAC - e serve agora para memória (talvez surpreendente para as gerações mais novas) de uma longínqua época em que a cadeia FNAC vendia livros, uma era já finda na história económica.

E o que me apelou a recuperar este exemplar é um dos seus artigos, no qual os jornalistas Carolina Morais e Tiago Matos indagaram a sete escritores e editores "quem merecia o Nobel da Literatura de 2018?", pergunta bem adequada a este tipo de revista, muito mais tendente à divulgação literária do que a  uma reflexão crítica sobre pertinência das premiações e dos seus critérios e, ainda menos, às dinâmicas estruturantes do(s) "campo(s) literário(s)". E ler o resultado dessa demanda promove agora um sorriso, algo entristecido. Pois Ana Teresa Pereira, Carlos Vaz Marques, Francisco Vale, Hélia Correia, Isabel Lucas, Manuel Alberto Valente e Pedro Mexia (o grupo inquirido) deram, obviamente, várias pistas. Mas no final o escritor que sobressaiu como desejável premiado em 2018 foi Javier Marías. Pois, a Academia Sueca atrasou-se, irremediavelmente...

(Nem de propósito, eu a esquiçar este postal e a encontrar o Pedro Correia a inaugurar uma, ambiciosa, série...).

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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