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Hoje é o Dia do Professor em Moçambique, de todos aqueles de quem fui colega. Cá de longe a todos saúdo, tantos deles exercendo em dificílimas condições. E com saudades daqueles com quem interagi durante anos a fio. E - já que estou em dia de confissões - também com saudades de leccionar. Sei que como professor não fui um sábio (como este meu alter ego) nem um orador cativante. E nunca tentei ser um "entertainer", mandamento que aprendi de um meu docente de mestrado. E menos ainda um "gajo porreiro". Espero ter sido um tipo no pelotão - alguns terão gostado, outros abominado, outros sofrido, muitos nem lembrarão. É assim, para com os "vulgares de Lineu". E é disso que tenho saudades: um pouco daquela até utopia de transmitir o que se aprendeu. E, mais do que tudo, pois egoísta, de ter gente que me ouvisse, obrigados que estavam a aturar-me. Pois resta-me este crescente hábito de falar sozinho, pouco interessante para quem gosta de conversar com gente inteligente mas agora aprisionado neste diálogo com um alienado, o mítico "monólogo interior".
Enfim, deixo saudações especiais para aqueles que, em diferentes momentos e locais, lá me desafiaram à docência: a saudosa Maria Inês Nogueira da Costa, a Terezinha Silva, o Francisco Noa, o Mário do Rosário. E ao meu magnífico "para-sempre-chefe" Alexandre Mate.
E a todos os professores, com as dificuldades gerais e os defeitos próprios, Avante! Eu, cá de longe, assisto.
Esta semana decorrerá o festival DocLisboa. Do vasto cardápio que estará disponível aos cinéfilos e aos amadores anotei dois filmes que me compelem a ascender àquele além-Tejo. Trata-se da apresentação - estreia (?) - de "Margot", um filme de Catarina Alves Costa (2022, 72 minutos) dedicado a Margot Dias e ao seu trabalho etnográfico no norte de Moçambique, junto aos macondes (com "c" e não "k", como consta no programa digital do festival, pois - como um dia bem disse o escritor Mia Couto - nada há de mais "africano", qual "respeitoso" "multicultural", nas "k", "w" e "y" do que nas restantes 23 letras), durante os finais de 1950s e inícios de 1960s - para quem desconheça tratava-se da missão coordenada pelo antropólogo Jorge Dias, com o qual Margot Dias era casada, que originou os célebres tomos "Os Macondes de Moçambique".
O outro filme que me convoca à incursão na capital é "Nhinguitimo", curta- metragem (23 minutos, 2021) do realizador moçambicano-brasileiro Licínio de Azevedo, que bem anseio - não só mas também porque baseada no conto homónimo de Luís Bernardo Honwana incluído no seu célebre "Nós Matámos o Cão-Tinhoso"(e até porque andei anos a botar uma coluna chamada Ao Balcão da Cantina, que juntei aqui, e até usei o mesmo nome para um outro conjunto de crónicas, exactamente por influência desse magnífico conto). Para além disso o novo "Nhinguitimo" será acompanhado da projecção do "A Colheita do Diabo", filme de Licínio de Azevedo e Brigitte Bagnol (1987, 54 minutos) que é agora uma raridade. Ou seja, uma sessão imperdível.
A dupla "Nhinguitimo"/"A Colheita do Diabo" será projectada numa única sessão, terça-feira, 11 de Outubro, às 19 horas, na Sala Félix Ribeiro da Cinemateca Portuguesa.
O "Margot" terá uma dupla projecção: também na terça-feira, 11 de Outubro, às 19 horas, no Auditório Emílio Rui Vilar, Culturgest. E no domingo, 16 de Outubro, no Pequeno Auditório da Culturgest, às 22 horas - um tardio horário presumo que destinado a punir os desprovidos do dom da ubiquidade.
Fraco leitor de ficção - e ainda pior de poesia -, e cada vez mais enredado em releituras, privilégio da idade, não me surpreende nada ter lido da agora premiada com o Nobel da especialidade, a francesa Annie Ernaux, mas já algo me espanta nunca ter ouvido falar da escritora, sinal de estar ainda mais alheado do que pensava do que se vai escrevendo e lendo.
Entretanto fazem-me chegar a um texto que a "explica", anunciando-a grande leitora de Bourdieu, e de o célebre antropossociólogo lhe ter sido uma grande (determinante?) influência na escrita. É-me isso muito interessante, pois Bourdieu foi-me muito importante quando jovem estudante - é certo que ao fim de alguns livros comecei a resmungar que o homem tinha a deficiência de "tudo explicar", ancorado no que me parecia ser uma sua crença num "homo strategicus". Não sei se estava eu certo nesse meu incómodo, tinha eu 20 e tal anos e depois pouco voltei a lê-lo com verdadeira intensidade, mas foi a ideia que dele me ficou: um bisturi agudíssimo mas demasiado convicto.
Pouco importa, ao anúncio desse laço entre a laureada e o "maître à penser" logo me lembrei de uma deliciosa saída deste último, que me acompanha constantemente, e cito de memória: os sociólogos (entenda-se, os tipos das ciências sociais) têm uma tendência para serem sociólogos dos outros e ideólogos de si mesmos. É uma maravilha, para uso quotidiano, constante... até porque constantemente demonstrada.
Enfim, ainda irei ler Ernaux (é para isso que servem os prémios, são chamadas de atenção). Só espero, mesmo, que seja de escrita menos fastidiosa do que a do velho mestre. Que era, há que dizê-lo, um chato do caraças.
(Postal para o Delito de Opinião)
Sempre fui fraco leitor de revistas, generalistas, especializadas ou mesmo profissionais - excepto das de banda desenhada, que tanto me moldaram gosto e ser. Razões para tal nem as tenho claras, pois de algumas delas até gosto, será mesmo um qualquer infundamentado desconforto com o molde, uma parva embirração. Mas de uma coisa gosto, isto de folhear as revistas antigas que se amontoaram em casa, as herdadas e as que fui comprando - tantas destas para apenas as entreabrir, até com fastio, apesar do interesse imediato ao vê-las, feito compulsão compradora (quando dessa maleita podia sofrer) -, soslaios que permitem um sorridente aquilatar da realidade das "novidades" ou "dramas" que foram apregoados, com mais ou menos veemência...
Neste Verão já findo recebi os dois últimos caixotes de livros (e revistas) vindos da minha mãe, as partilhas familiares da pequena biblioteca que a acompanhou nos últimos anos na "residência" (o lar de terceira idade). Nesse conjunto vieram mais algumas revistas, das que restaram, "sobreviventes" à habitual partilha deste tipo de leituras. E que me fazem, saudoso, lembrar de quando após um almoço familiar levámos a nossa mãe (e avó) à papelaria vizinha, a qual abastecia diariamente a residência do inevitável duo Correio da Manhã e Público. E do (genuíno) encanto da proprietária diante daquela já nonagenária ainda arguta e, ainda por cima, francófona e anglófona. E logo ali se combinou que providenciasse ela a entrega diária de revistas e jornais que julgasse apropriadas ao gosto e interesses da minha mãe, que a gente pagaria mensalmente... Para alguns meses depois resmungar eu - já então a sopesar os custos do rancho e a racionar o Amber Leaf e o Queen Margot - a "conta calada" daquilo tudo, que do "Paris-Match" e "Hola!" britânica até à "Magazine Littéraire" tudo lhe ia chegando, e do meu murmurado e miserável ataque de sovinice, eu leitor diário do "Record" a criticar "raisparta, a mãe nunca leu estas tralhas ao longo da vida, para quê comprá-las agora?", as revistas "sociais", entenda-se, como se matar o tempo não fosse o fundamental, não seja o fundamental, antes da morte que se nos aproxima...
Enfim, divago, pois o que queria trazer a este postal é esta revista "Estante" que algum de nós lhe levou e que me chegou agora. De 2018, o número 17 desta simpática iniciativa - uma revista literária bem conseguida, no grafismo e no conteúdo, num registo adequadamente "leve" mas não superficial. 10 000 exemplares distribuídos gratuitamente pelos clientes da FNAC - e serve agora para memória (talvez surpreendente para as gerações mais novas) de uma longínqua época em que a cadeia FNAC vendia livros, uma era já finda na história económica.
E o que me apelou a recuperar este exemplar é um dos seus artigos, no qual os jornalistas Carolina Morais e Tiago Matos indagaram a sete escritores e editores "quem merecia o Nobel da Literatura de 2018?", pergunta bem adequada a este tipo de revista, muito mais tendente à divulgação literária do que a uma reflexão crítica sobre pertinência das premiações e dos seus critérios e, ainda menos, às dinâmicas estruturantes do(s) "campo(s) literário(s)". E ler o resultado dessa demanda promove agora um sorriso, algo entristecido. Pois Ana Teresa Pereira, Carlos Vaz Marques, Francisco Vale, Hélia Correia, Isabel Lucas, Manuel Alberto Valente e Pedro Mexia (o grupo inquirido) deram, obviamente, várias pistas. Mas no final o escritor que sobressaiu como desejável premiado em 2018 foi Javier Marías. Pois, a Academia Sueca atrasou-se, irremediavelmente...
(Nem de propósito, eu a esquiçar este postal e a encontrar o Pedro Correia a inaugurar uma, ambiciosa, série...).
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