Ontem avancei até ao mar, ali ao novo Algarve, este que olha a Arrábida. Acobertado por um dia soalheiro, acolhido por areal deserto e águas azulíssimas. Aportado à praia do Carvalhal lá ouvi um bar veraneante, típico: caro será ao que me dizem, que nem entrei pois tão estridente era a banda sonora. Escutar o mar?, coisa em desuso para aqueles tardo-adolescentes já quarentões que povoavam a esplanada.
Impulsionados pela minha companheira de andanças, a melhor companhia a que poderei almejar, avançámos areias afora, bordejando a maré enchente, até à do Pego, um bom trajecto para um sedentário quase sexagenário, e nele a encher-me de ânimo, este advindo do Sol, maresia e companhia. Depois retornámos via estrada, uns 5 kms, do "Pego ao Carvalhal" trauteei eu... Um belo passeio logo tornado visita de estudo, a descobrir o que não imaginava, o como está tudo aquilo - obras constantes, todos os talhões remanescentes a serem construídos, casas térreas (vá lá...) a germinarem, num afã do aglomerado, como se num culto do atravancado, dito "urbanização". Ainda vislumbrei alguns habitantes, os pobres, claro, ainda ali "resilientes" mas que decerto em breve partirão. De resto ninguém, ainda a "vilória fantasma" do turismo. "Daqui a uns anos passarás por aqui, se calhar até com os teus filhos...", "e lembrar-te-ás deste nosso passeio, e contarás, repetir-te-ás, como eu, com as minhas histórias sempre as mesmas": "um dia vim aqui com o meu pai e não havia nada disto, era completamente diferente", culminei eu, já diante do carro, anunciando-lhe a algarviada mansa que ali virão a chamar cidade.
Esfaimados parámos no Carvalhal, a aldeia mesmo. Abancámos num pequeno café-restaurante. Nas minhas costas o dono assomou à esplanada e falou com a outra parca clientela. Logo reconhecemos o sotaque. Não resisti e perguntei-lhe de onde vinha, "lisboeta" disse-se... Mas na hora de pagar insisti, num "você vem de onde mesmo?, não leve a mal mas é o seu sotaque...". E o mais-novo, simpático risonho, diz-me "da Ilha de Moçambique, vim em 1974". "Claro!!", clamei, rindo-me/nos, e cinco décadas passadas não lhe fizeram perder o sotaque ganho em criança, e tão suave, afável, ele é...
"Então é por isso mesmo", completei, "que as chamuças são tão boas"!, "receita de lá, com condimentos especiais" logo afiançou o patrão. E isso posso eu comprovar, chamucista encartado que sou: as chamuças do Pica peixe são mesmo muito boas. Por elas se justifica ir ao Carvalhal... antes da tal cidade que aí vem.