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Nenhures

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O "affaire Coimbra" já se disseminou na imprensa e no binómio FB-Twitter. Uma colega pela qual tenho simpatia e (muito) respeito - tanto que até ambiciono que tal seja recíproco - recomendara-me há dias: "não te metas nesse lamaçal". Mas a vertigem foi mais forte do que eu próprio, e deixei-me botar um texto - ao dia ainda um bocado elíptico - encimado pela imagem do grande Jason Robards, dando conta da minha diversão... Como nesse postal assumo "sou muito pior do que gostaria", e daí o meu ricto bem-disposto. As razões para tal eram pessoais mas agora, dada a panóplia de reacções, são mais diversificadas, assim mais... divertidas.

Enfrentam (a instituição coimbrã e alguns dos seus funcionários) um texto carregado de insinuações. Talvez sejam fundamentadas, talvez não. Mas são máculas prejudiciais às respectivas reputações - e por isso prefiro que o (decerto enorme) desconforto que agora sentem se deva a acusações infundamentadas, pois mais me deliciará que sintam o ferrete da injustiça e não o chamboco punitivo. Pois é gente que não se coíbe de fazer o mesmo (ou compactuar - como referi no tal postal anterior), insinuações - até se perversas e descabidas -, seja para se engrandecerem ou justificarem ou, pura e simplesmente, por desfastio. "Quem semeia ventos colhe tempestades", anda dito pela Bíblia ou outro qualquer clássico, "cá se fazem, cá se pagam" traduz o povo, esse que tudo sabe...

Há um quarto de século os meus amigos Gil e Cristina casaram. Ainda que convidado não fui à boda, tinha seguido há pouco para Maputo. Nesse sábado festivo, durante a tarde, recebi um telefonema de um grupo de velhos amigos, ali congregados - e já um pouco "acelerados", como era usual nessas ocasiões. A pergunta inicial, em verdadeiro coro, foi "Zezé, o que é que tu fizeste ao Boaventura?" e isto vindo de gente que nada tinha a ver com as ciências sociais nem nunca o lera... Pois na véspera o ilustre alterglobalista publicara uma página inteira na "Visão" a pontapear a minha instituição em Moçambique e a mim próprio - sem ter qualquer razão, como bem o sabia. Dir-se-á que ter uma página de revista com um célebre académico a dizer-me incompetente e relapso é menos grave do que levar no ocaso da carreira com uma onda de apupos por acusações de más práticas relacionais. Garanto que para um puto de 32 anos que se despediu para seguir para um bom emprego no estrangeiro tal não será evidente, e tudo aquilo se me afigurou letal. Daí a rajada de palavrões com que respondi aos meus amigos. Os quais logo terão seguido para mais umas rodadas e, depois, para alongadas danças. E eu terei ido até ao "Piripiri" ou à então "Bússola" beber um uísque e resmungar a vida e pensar como iria regressar à Pátria (António Hespanha tinha-me dito que eu poderia sempre voltar caso corresse mal... mas seria um grande "flop" pessoal). O texto doutoral, um chorrilho auto-laudatório e de imprecações descabidas, em particular sobre o meu chefe de então e sobre mim, chamava-se, nunca o esqueci, "Diplomortos e Etnocêntricos" - "etnocêntrico!?" resmungava eu, antropólogo. Sim, sei que todos somos etnocêntricos, condição inesgotável mas burilável - mas ser assim dito por quem acredita em "lusofonias" e "colonialismo de cama"? E terei bebido mais um uísque debruçado sobre essa temática... Depois disso nem um pedido de desculpa privado. Nem um ressarcir público.

Leio agora as reacções dos "insinuados" coimbrões - um joga a "carta racial", dizendo-se racializado vitimizado. O outro, veterano, conclui que a difamação que sofre se deve ao "neoliberalismo" que polui as solidariedades interpessoais. Isto é engraçado pois dá para perceber como estes "trunfos" são constantemente jogados, a despropósito, e vão sendo aceites pelos "bem-pensantes". Voltando atrás, àqueles tempos, presumo que tenha sido o "neoliberalismo" que levou Sousa Santos a usar as teclas viperinas contra um grupo de funcionários que, com todos os defeitos que poderiam ter, apenas não prejudicaram outros funcionários em deslocação de trabalho para o beneficiar a ele e aos seus coadjuvantes, fazendo-o poupar uns tantos dólares em quartos de hotel (despesas de projecto de investigação, que não do bolso pessoal, entenda-se bem...).

Mas voltando ao agora fervilhante e ao coro dos que assumem como verídicas as insinuações - acabo de ler a partilha de um texto de alguém que desconheço que, enquanto convoca Bourdieu (é alguém das disciplinas), considera que quem põe em dúvida o insinuado no texto é "positivista", saudoso da era em que "mandavam as estatísticas e os homens" (não se refere aos "brancos" mas isso deve ter sido esquecimento) e avesso às "prespectivas (sic, apesar do Bourdieu) feministas". Em mural muito respeitável leio um lamento que "os homens de esquerda" tenham estas práticas - deixando implícito que os homens de centro ou direita terão, por defeito, tais tendências. E as deixarão correr, até desabridas. Entretanto, à "direita" e ao "centro" é um festim, por evidentes razões ideológicas, tendo-se no entanto a infeliz tendência redutora para associar BSS ao BE - de facto esquecem-se que o académico divergiu e tornou-se também notório apoiante e até mandatário do MES, perdão, do LIVRE. E à "esquerda" afiam-se as cimitarras, impiedosas (aliás, lendo as redes sociais mais parece um confronto entre grupelhos m-l, a la PREC).

Há (mais) uma evidência que me faz sorrir. É que não vejo (se é que há) indivíduos a convocarem o direito à presunção de inocência. Eu continuo na minha, nada me obriga a seguir esse princípio. Aliás, a ética convoca-me (e talvez até a lei) a prescindir dele - morto e enterrado o malvado ditado "entre marido e mulher não se mete a colher" se eu vir constantes equimoses na vizinha devo seguir a presunção de culpabilidade do seu marido e avisar as autoridades. Não era assim quando eu era mais novo... A presunção da inocência é um princípio para as instituições, seu funcionamento, salvaguardando direitos fundamentais dos acusados. Ora essa destrinça, que deveria ser evidente, é muito esquecida.

E por isso me surpreende (minto, não me surpreende, apenas noto) a desfaçatez de vários locutores (académicos ou outros) que estão agora a saltar em cima dos "presumíveis inocentes", aludidos num artigo que é... muito fluido, de facto não passando de um diz-que-diz, por mais cativante que seja. Quando esses mesmos justiceiros passaram anos a defender - em jornais, rádio, televisão, blogs (os "jugulares" por exemplo) e mesmo inserindo-se em candidaturas partidárias - Sócrates. Sempre recusando a pertinência de "alusões" - imensamente documentadas, já agora -, sempre clamando, até mesmo após o estertor da proto-candidatura presidencial do prócere socialista, o direito à presunção da inocência do consabido presumível réu.

Enfim, para estes socratistas (socialistas, bloquistas, livristas) é mais imediata e necessária a punição sobre uns quaisquer que façam assédio sexual e moral do que sobre uns tipos que rebentem o país.

Deve ser isto o conteúdo profundo destas posições avessas ao "positivismo" e concordantes com as tais "prespectivas (sic) feministas". Salvem-se o feminismo e as ciências sociais de tamanhas atoardas e seus locutores.

Em suma, sou mesmo muito pior do que gostaria de ser - mas isso já é consabido pelos meus amigos, os visitantes do blog e os meus amigos-FB.

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