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Nenhures

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Um homem não deve ligar às imbecilidades que vai lendo na imprensa, em particular aquelas imbecilmente partilhadas nas redes sociais. Mas há tardes…

Há anos o “Público” publicou uma série de entrevistas pindéricas sobre o racismo - julgo que vieram passar a livro. Um afamado antropólogo socratista, entusiasmado, veio a escrever no mesmo jornal que elas “provavam” a existência local do fenómeno - uma deriva “positivista” que às vezes dá jeito, possibilitando que este tipo de gente publique no mesmo boletim que “vivemos num apartheid”. Li algumas dessas peças - e lembro a conversa com uma das entrevistadas, cientista social estrangeira que bem acima está desta tralha, que me contava dos rumos entrevistadores. Explícitos para aqueles, como ela (e até eu) sabem da gigantesca diferença (intelectual, moral, deontológica) entre pôr o informante/entrevistado a falar do que queremos ou a dizer o que queremos. Enfim, almoçávamos nós em esplanada lisboeta e perguntou-me ela se eu lera as entrevistas. Respondi eu que vira algumas, com menosprezo, lembrando que uma delas clamava o racismo português, tamanho que não havia negros nas telenovelas e nos frascos de shampoo… E que a vítima entrevistada não suportava tal coisa, a “invisibilidade” racista, tão letal que partira ela, artista, para a ecuménica Berlim. Rimo-nos, apesar de não estarmos em dias e eras de grandes boas disposições.

Mas este gemebundismo vingou. Há pouco tempo o esquerdalhismo orgasmou-se com as tranças rastafari de um apresentador de telejornais, dando-lhes estatuto fundacional. Depois outra apresentadora de notícias, dotada de cuidado e vasto cabelo “afro”, chorava a morte do norte-americano Floyd enquanto esquecia as mortes contemporâneas, às mãos de similares polícias, de indo-descendente na Beira e de eslavo no aeroporto de Lisboa. A tal “invisibilidade” “racista” reduzia-se… e não só assim.

Há algum tempo entrei na loja da Vodafone do Vasco da Gama. Notei que estava decorada com vários cartazes de risonhos clientes da empresa, na sua maioria negros - o trabalho que as grandes empresas dão a modelos, profissionais ou amadores, é uma forma de luta contra a “invisibilidade” “racista”. Presumo que nas telenovelas aconteça o mesmo. Sorri e comentei o facto com a minha companhia, a melhor que poderia querer. Para seu incómodo, que notar estas coisas pode parecer mal, “racismo” até…

Regresso ao início. Vejo no FB partilhas de um texto jornalístico de um consabido demagogo comunista, que ali chega por via de alguém que há décadas embrulha o seu vil otelismo assassino com berloques da “capela do Rato”. Somos agora racistas, diz esta gente, porque a PSP fez um anúncio para candidaturas usando a fotografia de um agente negro...

Há pessoas que aplaudem, “partilham”, “gostam” deste lixo. De gente. Eu nada digo. As minhas amadas filha e irmã proíbem-me de explicitar o que penso.

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Há tempos aqui falei do café do meu bairro, meu poiso durante décadas, desde petiz: o "Arcadas". Então saudava a sua reabertura sob a antiga e prestigiada gerência. Mas foi curto o regresso à actividade, passados alguns meses os proprietários regressaram à merecida reforma, ao remanso dos seus "anos doirados". Ficou encerrado o café, sito na loja do prédio, como tantos outros exemplos aconteceram nos Olivais, característica da urbanização daquela década de 1960s a induzir o pequeno comércio local. A clientela, envelhecida e cada vez mais esparsa, esperando um trespasse que mantivesse um mais ou menos "como sempre" na sua vida de vizinhança...

Os pequenos cafés e restaurantes (as tascas, casas de pasto, etc.) serão um modelo de negócio urbano algo condenado. Os hábitos de consumo mudaram, pelo envelhecimento da população - e em alguns nichos pelos devastadores efeitos na saúde física e mental que a pandemia de Covid-19 teve; pelas sucessivas crises económicas, a retrair hábitos tornados "despesistas". Na redução da procura de alguns produtos típicos, a "bica" substituída pelas máquinas domésticas, o bitoque ou a tosta mista trocados pela entrega de fast-food (e não só) ao domicílio, a desnecessidade de ir comprar (ou ler) o jornal, dada a profusão televisiva e digital. E o convívio migrado para as redes sociais e os telefonemas tendencialmente gratuitos. Tudo sublinhado pela concentração de clientela causada pela construção de enormes "grandes superfícies" - patadas urbanísticas advindas na incultura estuporada do período cavaquista. Por outro lado, o pequeno negócio - quantas vezes familiar, concentrado em torno de um casal, coadjuvado pela prole ou parentela - deixou de ser um factor de mobilidade, social e geográfica, com mais atractivas hipóteses laborais para uma população já urbanizada, e que assim se escapa à sobrecarga horária que esta actividade implica. E está sobrecarregado de taxas e regulamentos, numa sociedade e economia estatistas, escorada numa fiscalização digitalizada implacável face às pequenas empresas, e que veicula uma ignara visão do que é higiene, consignando-a à utilização de "detergentes certificados" ou quejandos detalhes.

Enfim, tudo isso é o pano de fundo mas o libreto depende de cada lugar... Tenho andado longe do meu velho bairro. Nisso do convívio com os vizinhos olivalenses, entre os quais me restam um punhado de velhos amigos. Na expectativa de que o "Arcadas" reabrisse, pretexto para lá ir, rever gente, retomar conversas. Há dias um amigo enviou-me esta fotografia, sublinhando o fim de uma era. No final do beco ermo surge agora um restaurante chinês... Nada tenho contra imigrantes e imigrações - ainda que sempre me interrogue sobre a particularidade do modelo migratório chinês, mas isso é outra conversa. Nem contra a pluralidade de oferta gastronómica, em especial os já tradicionais "restaurantes chineses", cuja disseminação por cá até terá sido pioneira - e sempre lembro as juvenis patuscadas num chinês barato na Duque de Loulé, desde as quais neles como sempre o mesmo (os eternos crepes, chop suey e porco doce, cardápio que presumo inexistente na própria China).

Mas, raisparta, ao ver (mais) um restaurante chinês alojado na loja do (meu) "Arcadas", lá no fim do ermo beco, lembro-me do final de recente leitura, pois é exactamente assim que me sinto. O então afamado escritor e cronista Júlio César Machado foi viajar uns meses por Itália na década de 1860, lá palmilhou o Norte, conviveu com Milão, calcorreou Veneza - sob o pérfido domínio austríaco -, isto, dizia, numa época em que "os portugueses não viajam". Dessas andanças deixou um livro interessante, "Do Chiado a Veneza". E a narrativa dessas até aventuras termina assim, explicitando o que realmente importante retirava da sua passeata pela bela Itália, berço da nossa cultura, onde não podia sair à rua sem se deparar com o monumental legado de História e Arte:

"Ao voltar porém daquela formosa Itália, que é a pátria das artes, da graça, da benevolência, do bem-estar e das doçuras da poesia, vim encontrar em Lisboa um grande acontecimento, que durante a minha ausência tivera lugar aqui:

Fechara o Marrare!...

Ora, devo dizer-lhes, Portugal é Lisboa, Lisboa é o Chiado, e o Chiado era o Marrare. O Marrare não era o primeiro nem o melhor botequim, era o único botequim. (...) Era a casa das noites e das manhãs: de tarde, ninguém; à hora em que nos outros botequins não havia mãos a medir para atender aos fregueses, que iam tomar café, a essa hora os fregueses do Marrare estavam a vestir-se para ir jantar. Mas pela noite adiante, que agitação, que vozearia, que teorias transcendentais acerca da arte, que discussões políticas, que dissertações com respeito à música (...)

Conquanto nos últimos anos houvesse perdido alguma coisa do esplendor antigo, e cada dia lhe fosse deixando um vácuo que o dia de amanhã não preenchia, o Marrare era ainda nos últimos tempos um dos lugares mais curiosos de Lisboa. Conservava-se ali a tradição; ali morava o Entrudo; vivia já de recordações, mas vivia; era um veterano a contar as campanhas!

Palavra de honra! Quando cheguei e vi no Marrare aquela loja de sapateiro que lá está agora, percebi que há uma cidade mais devastada ainda do que Veneza... é Lisboa!"

(Júlio César Machado, Do Chiado a Veneza, Tinta da China, 217-218)

Volta e meia leio algo publicado no "Público" - o "boletim da SONAE", como digo em dias mais mal-humorados, nos quais me interrogo, sem me dar resposta, sobre que interesse(s) terá aquele grupo económico para estas décadas de financiamento a um jornal com tamanho, e progressivo, viés político.  O apoio aos "poderes fácticos" (o PS, entenda-se) - sob o sempre reclamado cognome "jornalismo de referência" - é compreensível economicamente. E o acolitar do bloquismo terá tido causas também sociológicas, dada a atrapalhada adesão à coalizão m-l de feixes de uma geração letrada lisboeta pequeno-burguesa. Mas o mais recente coito dado aos constantes dislates do marxismo racializado, ecoando esta incessante tralha "decolonial" avessa à "branquitude" e papagueada entre nichos académicos desnorteados (sem Norte e nisso julgando-se pró-"Sul"), sitos nos eixos Campo Grande-Campolide e "do Choupal até à Lapa", será menos compreensível, advirá mesmo de causas internas à empresa, de um enquistamento ideológico na sua redacção. 

Muitos, crentes nessa tal entidade benfazeja "jornalismo de referência", negam tal viés. E escudam-se no pluralismo presente no jornal, lembrando ocasionais investidas sobre derivas mais esconsas nos poderes instalados e, acima de tudo, a presença recorrente de colunistas menos geringôncicos, dos quais o exemplo mais referido é João Miguel Tavares. Nisso não faltam à verdade, aquele ramalhete opinativo é orlado desse e de alguns outros nomes, constantes ou episódicos. Mas isso não obsta ao frenesim esquerdista encapsulado pela agenda socialista que comanda o jornal.

Enfim, avante. O viés do "Público" é notório e não justifica o tal epíteto "de referência". Não porque uma linha editorial política não se possa articular com qualidade. Mas porque o estratégico servilismo face ao poder político é o avesso dessa propalada valorização. Exemplo radical dessa agenda político-ideológica é o noticiar do processo grego. É certo que os directores do jornal vão mudando. E é também certo que há alguma diferença entre o contexto actual neste 2023 e o vigente em 2015, então ressaca da crise do final da década transacta e das políticas de austeridade que provocou. Ainda assim, muito se denota a essência do "Público" na comparação entre o relevo dado aos resultados das eleições legislativas gregas do passado domingo - enorme vitória do centro-direita - e o atribuído aos resultados de 2015. Quando o Syriza ganhou, Tsipras foi para o poder (cumprir as políticas europeias...), António Costa rejubilou, Varoufakis se catapultou como sex-symbol académico e best-seller e best-speaker.

Para quem ache que eu estou a exagerar deixo as capas dos dias subsequentes às duas eleições. E  nem faço análise aos conteúdos do que o "Público" foi noticiando sobre os dois processos eleitorais. Pois bastam estas duas imagens para demarcar mesmo o que é o tal "boletim da SONAE".

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(26 de Junho de 2023)

(26 Janeiro 2015)

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Vim ao Porto. O motivo oficial para isso foi um outro, mas o verdadeiro era uma pesquisa. Pois o blog Gastronautas publicara há pouco tempo um Manifesto apologético das bifanas da consagrada Cervejaria "O Astro", sita ali mesmo em Campanhã. Acorri logo que chegado, mas para enfrentar a desilusão do "estabelecimento encerrado para férias do pessoal", hiato anunciado até 25, o domingo de ontem. Eu regressaria à moirama na sexta-feira seguinte, tombei cabisbaixo.

Os dias passaram. Neste Porto, que em eras antigas justificou o cognome "Invicta", a derrota é agora iminente, ainda que prossigam ferozes combates rua a rua, casa a casa, homem a homem. Mas se às forças locais, traídas pelo generalato nacional, ainda assiste alma, escasseiam já os recursos, desabam as trincheiras. Sobre os escombros de Porto Cale chorei diante de viçosos "pizzaria - sushi", "wine bar", "hamburgarias" e, até, "empanadas argentinas"... 

Por tudo isto, em assomo patriótico prolonguei por uns dias a minha estada a Norte de Gaia. E hoje mesmo, atrevendo-me entre a artilharia de kebabs, cariladas, goulash, spare ribs, chinoiseries e japonices, regressei a Campanhã, fiel seguidor dos Gastronautas. E confirmo, a bifana da "O Astro" é Invicta.

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