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Há alguns meses entrei num grupo-FB, o Mostra o que estás a ler..., alguém me terá convidado para isso. Fui ver. Uma cena bem porreira, despretensiosa. A ideia é simples: botar o que se está a ler, sem mais ademanes... Quando entrei o grupo tinha 20 e picos mil inscritos! Agora tem... 40 e tal mil!! (Duplo ponto de exclamação, para ira dos blasés, que há alguns anos clamavam contra esta pontuação, julgo que por causa do MEC ter botado sobre isso - não leram o Céline e querem ser "intelectuais" controleiros, é uma chatice...).
Enfim, o que é interessante naquele grupo é o que se pode apreender sobre os actuais hábitos de leitura. Até porque é uma boa amostra (os tais 40 e tal mil inscritos), e há um frenesim de publicações. A maioria lê narrativa ficcional - e muitos escritores portugueses actuais -, com gostos heterogéneos (do "romance histórico lite" a Proust, para falar do que vi hoje). Escasseia (até inexiste) a poesia, há pouquíssimas notas sobre ensaios e nunca vi referências a literatura científica. E - como sempre - ninguém refere revistas.
O grupo tem também uma outra dimensão, deliciosa, até cómica. É que no meio da enorme mole a mostrar, "na boa", o que vai lendo, o que comprou, o que amontoou, há sempre uns patuscos que sobem ao estrado e fazem prelecções sobre o "dever ser", o que se "deve ler", o que é a "boa literatura", criticando os hábitos alheios, "populares". São os "doutores" - a capacidade das pessoas serem ridículas é quase infinita. E é bom ver isso, para que um tipo não se esqueça que também a tem, a essa ridiculite, e se tente controlar...
Enfim, vem isto a propósito de eu partilhar aqui o postal que lá deixei, sobre as minhas leituras actuais:
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Em Agosto terei (maiores) responsabilidades paternais. Por isso fui às estantes e trouxe para esta casa um punhado de receituários que me apoiem, dada a minha inaptidão ao fogão. Eu cozinho ladeado por tutoriais - sou aficionado do “Sabor Intenso” de Neuza Costa, minha líder nestas lides, e tenho o Necas de Valadares como alter ego. Visito respeitosamente os programas de Sá Pessoa e de Clara de Sousa. Mas o que alimenta as minhas frágeis tentativas culinárias é a panóplia de livros de cozinha - e aos grandes tratados prefiro estes pequenos ”de bolso”, pejados de receitas simples (e baratas). Os quais polvilho de post-its, marcando as receitas ”para mais tarde recordar”. Para este veraneio abasteci-me de uns 15, centrado em sopas, saladas e um ou outro arroz com o peixe a que possa aceder, que o fresco está pela hora da morte...
Para me dar um ar mais “culto”, de “Leitor”, acompanhei-os do delicioso ”A Viagem Dos Sabores” de Rui Rocha, uma excursão pelas mesclas gastronómicas promovidas pelas navegações portuguesas. Não cozinharei por ele mas folheá-lo-ei com deleite…
Aos membros deste grupo desejo um bom Agosto, boas férias se for o caso. Boas leituras. E, acima de tudo, bom apetite.
(Estendo aqui os votos aos visitantes deste blog)
Na Grã-Bretanha Kevin Spacey foi agora ilibado das acusações de crimes sexuais, que quatro candidatos a indemnizações lhe tinham levantado. Em Outubro passado também fora ilibado de acusações nos Estados Unidos.
O processo que lhe foi feito, nas suas múltiplas vertentes, foi horrível - e sim, daqui a uns anos haverá um filme de "Hollywood" mostrando-o como vítima e todos o considerarão como tal. Mas durante estes últimos seis anos fizeram-no passar um verdadeiro Calvário. Não apenas no ponto pessoal - vasculhado, enxovalhado, julgado, ostracizado. Mas também arrombando-o profissionalmente: despedido, apeado, censurado - chegou-se ao ponto de retirar as suas cenas num filme e atribuir o seu papel ao velho Christopher Plummer, o qual teve o desplante de, antes de morrer, aceitar essa função.
Em Dezembro de 2017 aqui deixei o postal "Viva Spacey", enjoado com a perseguição que lhe faziam e notando o perverso cariz político de todo este processo. Recupero algumas palavras, para quem não tenha paciência para ir ler o texto todo:
Enfim, deixo votos que o extraordinário actor possa recuperar a paz de espírito, e nisso a sua vida afectiva e sexual. E também o estatuto profissional que tanto merece, com o seu enorme talento.
Morreu ontem Eduardo Pitta, poeta, ficcionista, crítico literário. E também bloguista. Encetado em 2005 o seu Da Literatura era um dos blogs relevantes na época vibrante da "blogosfera" e Pitta manteve-o activo até recentemente - infelizmente retirou dos arquivos a primeira década do blog. Nele compôs uma mescla de atenção a factos culturais com uma intervenção política. Nascido em 1949 na então Lourenço Marques, Pitta tinha interesse pelos processos moçambicanos. Foi isso que o fez conhecer o meu ma-schamba, que fora o primeiro blog em português escrito no país e que quando ele começou a blogar era ainda um dos poucos ali existentes. Foi afável comigo, num companheirismo bloguístico então comum, e estabeleceu até uma correspondência - lembro que teve a gentileza de me enviar por via postal o seu ensaio "Fractura : a condição homossexual na literatura portuguesa contemporânea". E explicou-me também as razões, mais do que curiais e sem qualquer acinte, que o haviam conduzido a recusar a proposta feita por intelectuais moçambicanos para o inserir no cânone do historial da literatura daquele país - não estou a ser indiscreto, desvendando correspondência privada, pois lembro-me de ter lido declarações suas sobre o assunto. Era essa, apesar do prazer havido com a atenção recebida, uma opção que fundava em termos de identidade pessoal e não de postura político-ideológica.
Depois vieram os anos da crescente degenerescência socratista. No seu blog Pitta foi um dos muitos que manteve não só o proselitismo socialista como a defesa arreigada do então primeiro-ministro. O Da Literatura continuava interessante, elegante e informativo - principalmente para quem estava fora do país. Mas, exasperado com o "estado da nação" e com a cumplicidade de um largo sector da intelectualidade portuguesa com aqueles desmandos antidesenvolvimentistas - a qual raiava o absurdo na "blogosfera" -, deixei de acompanhar a sua actividade. Como a de vários outros desse eixo político, habitualmente bem menos interessantes.
As notícias de ontem e hoje sobre a morte de Pitta sublinham a sua importância no âmbito de uma literatura homossexual portuguesa - estatuto que ele próprio acarinhava, explicitando a necessidade de afirmação literária dessa temática. Eu sou pouco sensível a essa catalogação. E insisto naquilo que lhe disse e escrevi em pequeno postal, em texto que julgo lhe terá agradado, ainda que seja uma leitura arredia dessa peculiar atenção identitária que lhe dão: o seu breve "Persona" é o grande texto literário português sobre o final do regime colonial em Moçambique - e se calhar até mais do que isso (o meu texto sobre o "Persona" está aqui). E, mais uma vez, proponho a leitura desse belo livro.
(Adenda: estou grato à plataforma SAPO pelo destaque dado a este postal.)
É fácil cair numa visão escatológica do poder, aquilo do isto estar pior do que nunca... Pois a realidade sempre parece dura, também devido à memória selectiva que nos faz matizar as agruras passadas. E sempre surgem problemas na governação. Tudo isso sublinhado pelo democrático escrutínio feito pela imprensa.
As actuais interrogações na Defesa, por hábito sector secundário para a opinião pública, são exemplo de tudo isto. Mas este mero fotograma enfrenta esse decadentismo espontâneo. Pois o ombrear dos dois últimos ministros da Defesa obriga a lembrar aquele que os antecedeu, Azeredo Lopes. O do episódio mais pungente deste regime, quando se defendeu em tribunal afirmando-se intelectualmente incapaz de compreender os relatórios sobre os assuntos que tutelava. Goste-se ou não dos seguintes, Cravinho e Carreiras, não é crível que estes venham a descer a tamanha indignidade. Ou seja, por este lado se deduz que nem tudo está a resvalar para o Apocalipse!
Mais importante para se ultrapassar o tal decadentismo é perceber que não é muito fiável o fluxo informativo crítico do rumo nacional. Não por acinte ideológico ou interesses esconsos das empresas da imprensa e seus trabalhadores. Mas devido à sua incultura incompetente, que lhes impede a compreensão do real. E assim lhes inviabiliza qualquer análise fidedigna. Também disso esta imagem é exemplo maior. No rodapé (aquilo a que os básicos chamam agora "oráculo", algo que os torna credores de péssimos, até mortais, augúrios) a SIC anuncia que "(o ministro) Cravinho foi novamente no Parlamento". Este linguajar boçal é uma empresarial onamatopeia intelectual. Algo recorrente, ali e alhures, mas raramente tão gutural. Entenda-se, esta gente que forma a opinião pública não tem os instrumentos básicos (léxico, sintaxe, quejandos) para pensar com discernimento. Por isso quando com afã professam o tal decadentismo convém recordar que nem sabem falar. Sendo assim, ao invés do que tantos propalam, não estamos a resvalar para o Apocalipse. Ou seja, há futuro...!
(Postal para o Delito de Opinião, como "Pensamento da Semana")
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