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Nenhures

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(Postal para o grupo no Facebook  Mostra o que estás a ler...)
 
Como muitos aqui falam de estantes ontem, enquanto deixava uma nota sobre Joyce, aludi à forma como arrumo as minhas, uma ordem alfabética temática - explicitando que cá em casa na fiada de "literatura estrangeira" a seguir ao homem do "Ulysses" vem o grande Ernst Junger. Num coincidência total hoje um dos sistemas informáticos lembra-me esta efeméride iconográfica, pois estão as fotografias digitais (e as digitalizadas) datadas. E não resisto a partilhá-la.
 
Há 24 anos, numa volta de um mês de Sul a Norte, de Leste a Oeste, em Moçambique, tivemos um furo cerca de Inhaminga, Sofala,. Naquele meio do "mato" (como se teima em dizer) a terra batida da estrada era demasiado granulosa, o macaco afundava, inexistiam ramos suficientes para alavancar o carro. Ao fim de um bom bocado optámos por esta modalidade: uma pilha dos livros que nos acompanhavam nessa (magnífica) viagem serviu de base para se içar o então ainda novo Ssangyong Musso. Agora, ao olhar, tão saudoso que saudosista, para a fotografia noto que lá o está o Junger ("O Problema de Aladino", que não é uma obra magna), e o genial Conrad (o fundamental "Under Western Eyes). E também o Handke, no seu "A Tarde de Um Escritor" - leituras algo excêntricas para aquele maravilhoso e intrépido mês, noto hoje.
 
Sorrio. E nesta Tarde de Um Leitor releio esse "A Tarde de Um Escritor", uma pequena pérola. Enquanto remoo um uísque lembrando a felicidade dos tempos em que empilhava livros para içar rodas dos 4X4...
 
E espero que esta memória não incomode em demasia algumas sensibilidades bibliófilas ("livrófilas", como também há quem diga).

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Apenas partilho informação, durante este meu intervalo junto à varanda para um cigarrito. O canal televisivo FOX Movies tem disponíveis esta semana uma série de filmes de Chaplin (eu já arrolei 8 ou 9) - e também de Buster Keaton... Estou agora a ver o seu antepenúltimo, "Luzes na Ribalta" (1952), o seu último nos EUA. Não o via há 40 e tal anos! E assim estou a descobri-lo. Um filme sentimental - sentimentalão, dirão alguns mais coriáceos. Talvez por isso já vou eu no meu 2º Amber Leaf durante este (meu) intervalo. Pois é uma verdadeira maravilha.
 
Até porque também me vou lembrando das minhas memórias de Chaplin. Muito puto em casa da minha irmã, na qual o meu cunhado tinha um projector (de filmes em bobinas) e exibia os filmes mudos do Chaplin, para meu encanto. Ou do meu pai lembrando que no Porto, na sua adolescência, em pleno Carnaval uma turba festiva lotou um cinema para ver o "Quimera de Ouro". E que passado pouco tempo toda a plateia estava muda, avassalada com o afinal nada cómico filme. Ou das histórias em Moçambique - onde um querido amigo, que também é "amigo-FB", me contava do projecto pós-independência de mostrar cinema no interior de Cabo Delgado (no "mato", como se diz), em locais sem electricidade, nos quais o cinema era completamente inédito e desconhecido. E optaram por mostrar aos aldeões o Chaplin mudo (claro, dizia eu, tanto pela cinefilia daquela geração como pelo conteúdo, pela mundivisão transmitida), procurando "animar" o povo através do humor. E da até surpresa, vendo a recepção, nada risonha, silenciosa e até aflita de comovida e solidária para com o "Charlot", cruzando tamanhas diferenças "culturais".
 
Enrolo o terceiro Amber Leaf, fumá-lo-ei antes de voltar à sala, para diante da televisão. Prometo-me que não me comoverei demasiado com o velho Calvero e a sua sageza. E resmungo aqui. Somos as últimas gerações que veremos Chaplin (o mudo, o teatral, o clownesco, o sentimental). Que puto do instagram, da marvel ou do tik tok terá sinapses ainda receptivas àquilo? Ou seja, saí daqui e acorrei à FOX Movies. Ao Chaplin. E ao Buster Keaton...

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Hoje quinta-feira, 31 de Agosto, à tarde, acontecerá a apresentação deste livro sobre a história do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, o local crucial nas ciências sociais em Moçambique.
 
Ao longo dos anos já alguns escreveram sobre o percurso do CEA. E há 10 anos Carlos Fernandes realizou o seu doutoramento sobre o seu período inicial - o da I República (1975-1990). Agora este livro vem credor de todo o interesse. Organizado por Colin Darch, um veterano investigador sobre o / no país, Teresa Cruz e Silva, historiadora e antiga responsável pelo CEA, e pela Amélia Neves de Souto, historiadora investigadora do Centro que morreu tão recentemente. Quanto à sua apresentação basta olhar para os nomes em cartaz para presumir que venha a ser bastante interessante.
 
A sessão decorre em Maputo, partir das 14 horas locais (13 em Lisboa). Pode ser acompanhada via Zoom - bastará procurar a ligação 838 0294 0436 e inscrever-se com a senha 522030. (Os dados estão no cartaz).

Mais um capítulo na polémica! Vídeo mostra Jenni Hermoso a rir-se do beijo de Rubiales

A plataforma SAPO publica um curto vídeo (que não é integrável em blog - e não compreendo como uma plataforma que acolhe blogs não inclui uma opção "incorporar" nos vídeos noticiosos que publica, como fazem várias outras plataformas) em que se vê a futebolista Jenni Hermoso e as suas colegas, recém-campeãs, a rirem-se, com humor e sem preocupações ou mágoas, da beijoca entre o presidente da Federação de Futebol e essa futebolista durante a cerimónia final do Campeonato de Mundo de futebol. É evidente o júbilo, brotado da vitória história, mas ressaltado para as brincadeiras entre várias jogadoras que, em coro, referem o brevíssimo episódio. O filme, que decerto muito em breve estará em plataformas que permitem a sua captação para blogs, está aqui.

Como é sabido, passados dias, após a estratégica intervenção de ministras socialistas espanholas - decerto que influenciadas pelo confronto com os peculiares discursos sobre este tipo de temáticas emanados do partido rival VOX, e isto sublinhado por se estar em pleno processo de formação de governo  coligado no país - a jogadora apareceu a lamentar-se do caso. Depois secundada pelas colegas. E por todo o lado - desde a patética intervenção do porta-voz da ONU até ao próprio Delito de Opinião, passando pelo primeiro-ministro espanhol até aos patetas televisivos nacionais do costume - cai o "Carmo e a Trindade", denunciando o caso de "assalto", "assédio sexual", de machismo empedernido que teria conduzido a tamanha violência. A própria SAPO destaca hoje um postal lacrimejante sobre o assunto, que remete - dando-lhe estatuto de prova - para um texto de jornalista espanhola que afirma haver machismo e falta de educação entre os membros da federação espanhola de futebol. Nem duvido que haja, mas a questão é outra: o que aconteceu ali, durante a cerimónia?

aqui botei sobre o assunto: o que o homem fez - ainda por cima sendo ele não um "doutor" tutelando a bola nacional, mas um antigo jogador -, é mesmo o inverso, tratou a jogadora "como um homem", replicando um gesto tantas vezes feito pelos praticantes quando em júbilo. Para não me repetir sumarizo: é um gesto assexuado (no sentido de desprovido de erotismo). Basta ver. Voltei ao assunto aqui, diante da histriónica incapacidade analítica de propalados intelectuais. Esse tipo de gente para quem é porreiro surfar as vagas em voga, e botar umas coisas na imprensa...

O assédio sexual (laboral e não só), a violência sexual, o mais abrangente machismo, são temas fundamentais. A combater, pela lei, pelas instituições, pela opinião pública, pela sensibilização. Profissionalmente cruzei casos tétricos disto. Até incríveis, de inacreditáveis, passe a aparente redundância. Mas quando uma mulher feita e realizada, trintona bem sucedida, campeã mundial, se ri a bandeiras despregadas, quando um conjunto de mulheres feitas e realizadas, profissionais campeãs mundiais, se riem a bandeiras despregadas, isso a propósito de um gesto que bem entendem desprovido de qualquer violência ou ameaça, não  podem depois invocar terem estado sob "assalto", "assédio", "violência". Nem há argumentos convocando contextos "infalsificáveis" (a la Popper) que justifiquem estas inflexões interpretativas. Ou seja, entenda-se, como prevalece um machismo violento e desrespeitador aquele gesto é violento e desrespeitador. Isso é um acto falsário, um silogismo aldrabão. E contestar essa evidência, em nome de uma qualquer "boa causa", é apenas desvalorizar, apagar, superficializar, as abissais realidades do "assédio", da "violência sexual", do "machismo", mundo afora. É uma pantomina abjecta. Matéria-prima por excelência para políticos demagogos e para os "activistas" de agora. Mas uma vergonha para quem se veste (ou traveste, melhor dizendo) de intelectual, de militante. Ou, pior do que tudo, de professor. Uma vergonha intelectual. E uma vergonha moral.

E isto tudo independe de Rubiales.

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Ontem, Estação de Metropolitano de Chelas, quase 23 horas. Comboio parado, luta de grupos - verdadeiramente multicultural. Tem ar de coisa avulsa, mera "zangadaria", não aparentando ser confronto de grupos "orgânicos" (os sempre ditos "gangs"). Nada de tiros, felizmente, nem se vêm brandir naifas, pedras ou coisas do género. Mas muito mais a tradicional gritaria histérica. A passageira brasileira que me ladeia - talvez por me ver seráfico, ainda que amarfanhando o pobre livro de bolso - pergunta-me "é preciso esperar que chegue a polícia?" antes que retomemos o nosso rumo, pois "assim vou perder o autocarro das 11...". Respondo-lhe, fleumático - já espreitei, notei a tal ausência de armas e a prevalência dos apenas símios gritadores, tendencialmente inofensivos - "não faço a mínima ideia, nunca vi uma coisa assim". Crianças choram, mulheres praguejam, transumância entre carruagens, velhos caducos caducam. Um destes, que é da zona - di-lo pelo sotaque e, mais do que tudo, através dos trejeitos -, logo avança a bom som as suas explicações para o caso pois "há pretos", olhado com algum espanto pelos circundantes ali retidos, entre os quais haverá um ou outro "branco" para além de mim e dele, e da brasileira (a qual talvez se reclamasse, lá no país dela, "parda" para ver se colheria alguns apoios estatais). Os dois sikhs estão calados, ainda que os turbantes lhes pendam um pouco.  Imensos brasileiros brasileiram, e como praguejam!, comprovando os seus "avôs transmontanos", apesar de serem - se necessário - também "afrodescendentes". Os chavalos de Chelas seguem a la Olivais, não se ficando atrás no esbracejar e no vernáculo, mas este sai-lhes sem o trinado arábico típico do nosso bairro. Não há dúvida, para além da Marechal Gomes da Costa o sotaque é diferente. A malta PALOP está calada e furiosa com estes atrasos a atrasar o descanso. E alguma olha-me, quero eu imaginar, com simpatia - haverá algo no meu semblante que dirá por onde andei? Ou será por ser o único dos dois velhos tugas brancos que ali não clama "há pretos"? Os funcionários estão excitados, cais acima, cais abaixo, armados de velhos Motorola, ou similares. Enfim, espera-se a polícia. Milhazes é citado com abundância. Uma das alas contendoras avança e dissemina-se na minha carruagem, continuando a gritar os impropérios que são rescaldo, catarse e ressaca. 

O comboio avança. Mais uma estação e chego ao destino. Estou, verdadeiramente, em casa. Na escada rolante um companheiro de viagem, talvez angolano, murmura-me, entreolhando-me, "filhos da puta!". Sorrio-lhe, encolhendo os ombros. E não lhe digo o que penso: somos, de facto, aqui e agora, nós os dois, lusófonos!

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