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Nenhures

Nenhures

10
Set23

50 anos após Pinochet

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Amanhã é dia de (tristes) efemérides. Passam 50 anos sobre o golpe de Pinochet, que marcou a minha geração - e as anteriores. Fui ler os chilenos que tenho. Mas mantenho-me nada atreito a Neruda. Por isso virei-me para este nicho de Luís Sepúlveda, que o meu pai me legou. Reli "O Velho que Lia Romances de Amor", a história de António José Bolívar Proaño, num livro bonito, com um grande começo, "O céu era uma inchada barriga de burro, pendendo ameaçadora a escassos palmos das cabeças". Gostei mais do que antes gostara - então havia resmungado com a antropomorfização final da onça, com o tom "new age" que havia naquela novela antropológica, com o muito Hemingway que pressentira, pois aquilo é uma espécie de "O Velho e a Selva" - e agora leio em vários textos Sepúlveda a convocar a admiração que tem por Hemingway, a confirmar, se necessário fosse, essa filiação. Mas é óbvio que baixei a crítica, estou mais sensível, velho - mas continuo a resmungar que um romance "amazónico" se espeta quando chama insecto a um escorpião (ou será que estou errado?).
 
Li depois "O General e o Juiz", textos de opinião de quando o juiz espanhol Baltazar Garzón tentou prender o já velho Pinochet, não só sumarizando a malvadez do ditador como irando-se contra os obstáculos que foram sendo levantados pelos Estados a esse julgamento - e o vieram a inibir. E mais três colectâneas de textos de opinião e algumas crónicas - "Histórias Daqui e Dali" (o mais interessante, em minha opinião), "Crónicas do Sul" e "Uma História Suja" -, mostrando o escritor empenhado e de verve solta. Mas com grande défice na ironia, pois constantemente a escorregar para o sarcasmo, furibundo quantas vezes, até cruzando o que se poderia antever - como quando resumiu Colin Powell a um "escurinho" que cantaria "spirituals" na Casa Branca ("Uma História Suja", pp. 115-116). São textos nos quais apresenta laivos de memórias do regime de Allende e a (triste) história chilena desde o golpe, entre factos da ditadura e protestos contra a urdidura constitucional que enquadrou a subsequente democratização do país, salvaguardando os implicados na repressão. Mas também as suas opiniões pessoais sobre o estado do mundo.
 
Entretanto comecei hoje o "A Sombra do que Fomos", romance com belo ritmo inicial, que me parece ser uma memória ficcionada dos tempos de Allende - mas vou mesmo no início, não posso afiançar. Promete... E depois seguir-se-á o último que tenho, "A Lâmpada de Aladino", conjunto de contos.
 
Antigo membro do PC chileno, miliciano de Allende, guerrilheiro sandinista, exilado na Europa, Sepúlveda tem nestes textos, escritos até cerca de 2010, um anti-americanismo -- anti-gringuismo, se se quiser -, típico da sua região de origem. É mesmo um olhar típico de região e de era: nas centenas de páginas que percorri em que vitupera EUA, a UE, os democratas europeus que não sejam da esquerda profunda (e para todos estes vai usando epítetos como "fascistas" ou similares) - ainda que se deixe louvar, em voz indirecta, pois por interpostas personagens, a social-democracia sueca -, elide o mundo comunista, tendo eu notado apenas uma referência à STASI. E para a considerar similar ao governo de Bush Jr... Ou o mais liminar "julgávamos que o mundo ficava melhor com a queda do Muro mas ficou pior" (cito de memória). Um tipo vai lendo isto e não  diz "não acredito". Porque sabe que era assim, uma enorme franja de intelectuais (e não só) pensou assim: décadas passaram a lamentar as vigentes e passadas ditaduras, os sofrimentos, torturas (e Sepúlveda alude as que sofreu e assistiu), assassinatos, censuras, etc. E depois as mesmas sensibilidades esqueciam os sofrimentos, afinal, vizinhos, sob os jugos comunistas, "camaradas". Um tipo de facto sabe que era assim. E que, não se deve esquecer, ainda é entre os escombros das "Internacionais", agora muitas delas feitas "identitaristas". 
 
Mas, apesar de tudo isto, vale bem a pena correr os textos de Sepúlveda. Para que não se esqueça a barbárie de Pinochet e dos seus congéneres de então. E para que sempre se refute o malvado aforismo "os nossos ditadores são melhores do que os dos outros", ou coisa parecida, que norteou (e vai norteando, ainda que menos do que antes) a "política real" de tantos Estados democratas.
 
E, após todas estas leituras, mais uma coisa: Sepúlveda era visita recorrente em Portugal. E morreu de Covid, após ter sido contaminado nas "Correntes de Escrita" no início da pandemia. Nessa época vários o invocaram, nas habituais eulogias, dizendo-o um homem interessante, simpático, cativante. Um tipo lê-o, vai discordando, resmungando, de vários dos textos opinativos - mas noutros percebe-o bem pertinente... E, acima de tudo, fica com a sensação que deve ter sido um gajo porreiro.
 
(Agradeço à equipa da SAPO o "destaque" feito a este postal)

10
Set23

De volta ao "Azulejos Pretos", de Pedro Bidarra

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Há algum tempo o Pedro Bidarra publicou o "Azulejos Pretos", livro muito bem conseguido - dito de grosso modo, conseguiu meter o universo do Rossio lisboeta a rodar durante uma festarola pela Betesga de uma casa-de-banho, tudo a cheirar coca com veemência. E nisso deixou um microcosmos disto tudo como vai estando, e sem puxar o autoclismo. O livro - repito - está muito bem conseguido. Publicado há 3 anos parece-me que terá passado algo despercebido. Ou pelo menos não o vi nas parangonas e escaparates - talvez por o autor não ser do meio literato, talvez porque o estilo é despojado de requebros. Ou por pouco se ligar aos livros dos não canonizados.
 
Ou talvez por outra razão, essa de a muitos ter parecido demasiado ríspido condensar o mundo circundante a um cagatório, no qual se acumula gente a meter coca, fumar ganzas, beber copos. e, um pouco também, levar outrem ao sexo. Assim sendo excêntrico às sensibilidades que do remanso do sofá burguesote se julgam "realistas".
 
Num mural alheio vejo agora que a popular cantora Aurea comemorou os 36 anos. E assim os assinalou na sua página de Instagram, colhendo imensas entusiásticas saudações. Na sanita, entre azulejos... azuis.
 
Para quem se espante com estes modos de hoje, com uma mulher a celebrar-se sentada na sanita, apenas me cumpre dizer - vão ler o "Azulejos Pretos". No qual o autor fez, e bem, o que se pede, como agora se comprova: anteviu, e assim foi "até ao osso" do real, deste cagatório.
 
Adenda: em tempos deixei um postal sobre o "Azulejos Pretos".

09
Set23

Matar o Boer

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Acabo de ver que João Pedro Simões Marques publicou um artigo no "Observador", "A Culpa do Homem Branco". Onde aborda o silêncio da intelectualidade portuguesa sobre a actual polémica sul-africana (e  mesmo mundial, até pela intervenção do magnata Elon Musk) em torno da insistência do político Julius Malema em cantar em público a célebre canção anti-apartheid Dubul’ Ibhunu (Matar o Boer). Na qual a frase "aw dubul’ibhunu" [atira no boer] é ritmicamente repetida, e o mote “dubula dubula" [atira, atira] é omnipresente. Julgo que a canção - um hino anti-apartheid - é de 1993, escrita como homenagem a Chris Hani, líder do PC sul-africano e dirigente do ANC, assassinado nesse ano.
 
Apesar da sua letra ser linear, explícita, como qualquer canção a Dubul’ Ibhunu é polissémica, com o sentido dependendo do contexto do entoar. E há literatura sobre isso (só no meu computador tinha três artigos de universitários sul-africanos sobre o assunto - e deixo aqui duas reportagens a dar algum contexto). E apesar dos tais múltiplos sentidos ela fora proibida em 2011 pelos tribunais sul-africanos, dado o seu carácter pouco irenista. Mas agora o peculiar político Julius Malema de novo a recuperou, tendo o tribunal revogado a proibição anterior.
 
A realidade (social, político-económica) da África do Sul é muito complexa e não tenho conhecimento actualizado para perorar sobre tudo aquilo. Mas parece-me óbvio - ainda para mais sabendo que tipo de político é Malema - que a insistente utilização da canção será tudo menos "progressista". Ou, pelo menos, é problemática dado que constitui e reproduz mundividências. E deixemo-nos de rodeios - três décadas depois do final do "apartheid" político-jurídico as desigualdades sociais e económicas do país não podem fazer esquecer o rumo do poder ANC e reduzir a situação a uma continuidade do velho regime. E muito menos podem convocar o apagamento das características ideológicas e práticas do radical populista Julius Malema, o "cantador"-mor de agora...
 
E assim João Pedro Simões Marques terá razão no seu artigo - só li o resumo, pois não sou assinante do "Observador". De facto, numa intelectualidade "activista" portuguesa, sempre pronta a "indignar-se" com o estado do mundo global - seja com uma saída mais ríspida de Melloni, uma hungarice de Orban, umas bastonadas defronte das jacqueries de magrebodescendentes, uma queixa em Kiev sobre qualquer bombardeamento sofrido, mas também com "fait-divers" como uma beijoca espanhola, um aparte de Morrisey, ou até mesmo (imagine-se!) um cruising de estrela de Hollywood, para além das boutades de Von Trier e coisas dessas, já para não falar de nacos de textos (e canções) de antanho -, a tal intelectualidade portuguesa, dizia eu, cala-se diante desta austral "mata o branco".
 
Não que se pudesse esperar que o que estes clérigos viessem a dizer sobre isto fosse de aproveitar - normalmente não se aproveita o que dizem, e ainda por cima nada perceberão da complexa África do Sul. Mas é interessante a atitude silenciosa - pois demonstra o pobre olhar que têm sobre o mundo. E a vacuidade do seu constante perorar "activístico".
 
Por isto tudo recupero este meu postal, de há cinco anos - para quem tiver paciência está aqui. O qual é uma memória de episódio de há quase 30 anos, quando trabalhei na África do Sul. Nele não falo da "Dubul’ Ibhunu" (Kill the Boer) mas sim da sua parente de então, entoada nos comícios do velho e radical Pan-African Congress, a "One Settler, One Bullet". Não só sobre a sua pertinência para aquele país naquela era - e nisso implicitamente aludindo à sua pertinência para agora, nas tais três décadas passadas.
 
Mas também como isso me serviu, já na altura, em Maio de 1994, quando regressei a casa, para perceber a tontice total dos "intelectuais" "activistas" cá do burgo. Estão agora como eram, nada aprenderam. Não porque sejam de facto incapazes de aprender com o mundo. Mas porque se absorvessem algo isso desmontaria o capital que lhes dá dividendos. O qual é, exclusivamente, a atitude...

09
Set23

O desvanecer do Facebook

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Pelo que me parece a frequência no FB vem decrescendo, e muito. É o destino das "redes sociais" - mostrou-o o historial do HI5, na qual nunca tive conta; e também, à sua maneira, o dissolver da rede bloguística.
 
Nem julgo que tal se deva ao apelo de outras redes (como a filial Instagram ou a juvenil Tiktok). Terá muito mais a ver com o envelhecimento da rede, após 15 anos há muito que o FB já não tem o viço da novidade, esse que o globalizou. E também o do seus utilizadores, que trará o desligar advindo da monotonia do que aqui cada um de nós vai partilhando do seu quotidiano - que reflexões, ideias ou "eventos" ainda teremos para informar outrem? Que interesses ainda vemos nos outros? Ainda para mais sendo o FB a "rede social" dos mais-velhos, que se vão amodorrando e também muito fenecendo - e sem querer ser mórbido é óbvio que o FB é já um enorme cemitério.
 
Para além disso há causas outras: a crescente profusão dos canais televisivos ou a divulgação pirata de quase toda a imprensa nacional e internacional, convocarão as atenções dos (ex)facebuquistas. E, claro, a sucursal Whatsapp, a facilitar as comunicações multimédia gratuitas.
 
Nada li sobre isto, assim não tenho dados estatísticos, apenas elaboro a partir da minha experiência. Cheguei a ter duas contas (a do "José" e a do "Zé"), para cruzar o limite dos 5000 "amigos", e nisso compondo cerca do dobro das ligações que hoje tenho - e decerto que tantas delas com contas agora (semi)abandonadas. E durante anos a fio era constante a chegada de pedidos de ligação, coisa hoje em dia raríssima.
 
Alguns dirão "ah, já não há paciência para este tipo, cada vez mais chato e desinteressante, e agora está à procura de causas externas para que não o aturem...". Também concordo. Apenas aduzo razões complementares para o decréscimo das minhas interacções, que independam da minha soturnidade.
 
E um dos meios para perceber a impaciência alheia para comigo é ver a reacção aos postais de blog que deixo na minha conta de Facebook. Mas isso também me serve para entender o que os utilizadores vão ainda aceitando. Pois se meto alguma coisa sobre "comes e bebes" ou outras actividades prazerosas ainda surge um até vasto ombrear simpático. Mas se venho com "actualidades", coisas da política - ou mesmo do malvado futebol - colho o "scroll down" alheio, algo bem diferente do que acontecia há uns anos. De facto, já não se vai para o FB para aturar politiquices...

08
Set23

Meninos?

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Anteontem jantei no promontório que olha o Sado e avista o Tejo, num pequeno sítio que desconhecia, pois segunda-feira em vilória, mau dia para demandar casas de pasto. Ali uma espécie de absurdo a Sul do Tejo, pois alguém aprontou uma casa de "pastas", uma italianice. Coisa que nunca tem sentido, quanto mais naquele universo rico em saberes de açordas. Refeição partilhada com alguém que mal conheço, estávamos na terceira pessoa e assim ficámos. Fomos frugais: uma entrada de moelas fornecidas de molho com sabor enfarinhado, uma salada de tomate sensaborão com queijo branco, dito fresco. E depois um esparguete partilhado, que o cardápio apresenta em nome estrangeiro. Beberam-se umas imperiais, tudo isso o suficiente para se matar a fome do fim da jorna.
 
Mas o pior de tudo foi o empregado, um rapazola nas cercanias dos trinta anos, com os ademanes concentrados no vozear. Diante de mim e do parceiro de mesa, um quarentão, calva a despontar, passou aquelas duas ou três horas a tratar-nos por "meninos". À segunda imperial estava eu com vontade de lhe dar um par de tabefes, e não estava sozinho nisso. Sou liberal, que cada um faça com os genitais e os anais o que lhe apetece. Mas que vá ele trinar de "meninos" quem o sodomiza, "a falta que a tropa faz a estas gerações" escuto-me, nisso do desagrado com gente pateta que já não aprende a escala etária, aquilo da antiguidade. A mais-velha atrás do balcão estava simpática, como deve ser, presumi que ali algemada ao verme loquaz. Decerto que percebera o desadequado, pela forma como se veio despedir, apaziguadora.
 
Dois dias passaram. Hoje de novo tive a sorte de ser convidado a jantar. Com um amigo, não íntimo mas que se vem tornando próximo, ele recente sexagenário por direito próprio. Agora na capital, no velho CCA, diante do Santo António, uma esplanada de triste nome "Mula" mas com bom serviço e aprazíveis petiscos. Um jovem empregado muitíssimo eficiente e simpático - angolano, por cá há um ano... Perto do final, e depois do meu parceiro ter feito elegante alusão àquilo do meu cinzeiro já estar repleto, eu lançado no "pode-me trazer mais gelo, por favor", surge-nos a chefe de sala, uma simpática e muito bem apessoada brasileira, perguntando-nos "o que desejam os meninos?". Expludo! Para vera surpresa dela... "Não chame "meninos" aos homens", convoco-lhe... E enquanto o mariola do meu parceiro lhe vai dizendo "eu não me importo", defende-se ela argumentando "que aqui todos usam assim". Resmungo-lhe, ainda que procurando ser simpático (ela é, de facto, e repito-me, bem apessoada e estava gentil), que esta é uma moda recente, estúpida, até de desrespeito, isto de chamar "meninos" aos homens. Ri-se, riposta que ao chamar-lhe eu "senhora" a estou a fazer mais velha do que é. Rendo-me, concedo-lhe que "quando cá voltar a Senhora pode chamar-me menino" (ela é, não sei se já o disse, bastante bem apessoada), "mas diga lá aos seus colegas para evitarem isso".
 
Mas de onde virá esta moda, absolutamente patética, de chamar "meninos" aos clientes? Esta gente anda a brincar com quem?

06
Set23

Um almoço em Sines

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A minha querida amiga - ainda que rabugenta e um pouco instável - Vida levou-me hoje até Sines, onde não ia há anos. Acordara eu às 3.30 da manhã, por mandamentos do psicossomático. Umas horas passadas, já sob Sol enublado, bebera a malga de café (Vumba, que moera na véspera) e comera três figos apanhados na hora. E fizera-me à estrada. Bem depois, já cerca das 13 horas, aportei ao A Nau, restaurante sem ademanes na dita Sines, que também resguarda os clientes numa simpática esplanada. E na qual me deparei com um atendimento simpático, até jovial, mas nisso sem exageros. Para a refeição rápida os meus vizinhos de mesa pediram sardinhas assadas - que vieram a louvar. Eu indaguei se os joaquinzinhos o eram ou se seriam Joaquins. Afiançaram-me da justeza do diminutivo. Convoquei a dose. Não que estivesse esfaimado mas em mim grassava já o apetite, dado o historial desta jorna. Trouxeram-me um arroz de tomate solto, que saudei - detesto o habitual arroz de tomate empapado, "malandrinho" dizem-no, pois pesado, sempre gastricamente aziago. E os peixinhos estavam deliciosos. E quando me encontrei saciado o meu prato tinha este aspecto.
 
Após o café chegou a (muito em) conta. E assim aqui deixo a nota, para quem passar pela terra da refinaria - ou do "elefante branco", como há quem a diga. Acomode-se no Restaurante "A Nau". Eu, se voltar à região, repetirei...

06
Set23

O Beijo

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Fui à consulta de "médico de família", aquela anual comme il faut... Indagou sobre o meu estado físico, blaseei e instaurou-me a vasculha rotineira para a minha classe etária. Perguntou-me sobre o "estado de alma", decerto porque atento ao psicossomático - disse-lhe que sou, e assim me sinto, daquele tempo em que o Woody Allen era símbolo do iconoclasta progressista. De imediato exarou-me uma Certidão de Decrepitude. E receitou um químico de incidência psicológica, de utilização crónica, perpétua avançou. Também me disse para reduzir o sal.

(Woody Allen sobre o beijo espanhol...)

04
Set23

Taremi e o Resto

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Ele é o meu mais antigo amigo em exercício. Pois nos conhecemos na primária no Valsassina. E, depois, sendo vizinhos olivalenses, assim fomos continuando, até agora, ambos nas vésperas da era sexagenária. Apesar das andanças austrais, mais prolongadas as minhas do que as dele... Entretanto o pós-Covid foi-nos fixando fora de Lisboa, e vão escasseando os encontros - ainda que ele seja dos que vão aparecendo em nenhures quando sobe até ao Tejo.
 
E ontem aportou ele, vindo dos Algarves, onde vai maturando com a sua Senhora. Fui à gaveta buscar um velho cachecol, apanhei o metro, uma dupla via, calcorrei do Santo António até casa dele. Recebeu-me ele vestido com uma também velha camisola do clube. Dedicámo-nos, com reciprocidade simétrica, umas violentas imprecações - que há coisas que nunca podem mudar. Depois falou-se um bocado da vida que vai sendo. E, até, um pouco daquela que esperamos ainda vir a ser, que a expectativa é a última a morrer (e não a esperança, como dizem os tolos). Comemos um pacote de batatas fritas, a acompanhar uma boa garrafa de vinho tinto, isto tudo à varanda para que fosse eu fumando. Entretanto na sala a televisão mostrava o Long Goodbye do Porto-Arouca. Levantámo-nos para ir ver um penalti às duas horas de jogo, ou coisa parecida. Rimo-nos, eu disse umas valentes bojardas (sou mais loquaz do que ele), rejuvenescidos - pois regressados à era dos Adrianos Pintos, Lourenços Pintos e outros Pintos, na qual éramos bem mais vivazes do que neste tempo de Rui Moreiras e quejandos. Depois ele abriu outra garrafa de vinho, viu-se o Braga-Sporting, ao intervalo partilhámos uma pizza. Recebi um querido e bem-humorado telefonema do Minho. Aventámos que esta semana próxima, na qual por cá estaremos, ainda nos reveremos para um jantar, talvez com amizades comuns, talvez não... Um brasileiro na UBER trouxe-me tranquilamente a casa.
 
O futebol é uma coisa porreira. Pois só isto conta.
 
(E as boas jogadas do Taremi...).

04
Set23

O quase sexagenário

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Este Setembro é um bom mês para se ler chilenos. Herdei uma resma deste, do qual só lera um livro - e sem grande encantamento -, e pego-lhe agora a ver como aquilo ia. Vou ficar mais um bocado:
 
"A sociedade fica estranha quando nos aproximamos dos sessenta anos: falo de livros que os outros não leram, e os outros falam de livros que não me interessa ler." (Luís Sepúlveda, Histórias Daqui e Dali, Porto Editora, 2010, p. 45).

03
Set23

Salif Keita

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Viver é ver morrer os nossos, os queridos e os ídolos, um contínuo desmate afectivo. Morreu agora Keita (o Keitá! dos locutores radiofónicos de então, Salif Keita Traoré), o enorme jogador maliano, uma estrela daquela época - e hoje seria uma macro-estrela global... - que o Eterno Presidente, Senhor João Rocha, teve artes de trazer para o Sporting.

Na época o divino Vítor Damas partira para a malvada Espanha, de onde nada de bom vinha, o herói Agostinho andava pelas Franças aos (gloriosos) terceiros lugares, e o nosso Hermes Carlos Lopes fora ultrapassado pelo finlandês Viren. E Yazalde transferira-se - pela fortuna de 12 500 contos (60 mil euros) - para Marselha, bem antes do malandrete Tapie lá mandar. O nosso panteão estava um bocado desertificado, enquanto os atrevidos lampiões controlavam o Portugal do PREC como o haviam feito no ocaso do Estado Novo, e a diabólica parelha Pedroto-Pinto da Costa começava as suas tétricas manigâncias, que ainda hoje perduram.

Mas no José de Alvalade ascendeu uma Trindade, em avatar de "tridente" (como então não se dizia), a preencher-nos o culto. Eram o sempre nosso "Manel" (Fernandes), o fabuloso Rui Manuel Trindade (lá está) Jordão - o que teria este avançado hoje em dia, um génio do futebol! E Keita! Chegado já trintão, veterano de inúmeras pelejas, fugido de Espanha - tal como Jordão - por razões de maus-tratos rácicos na imprensa (os tempos de então eram bem piores do que os de hoje). Classe pura, distribuindo júbilo pelas bancadas - ainda me lembro, ele, mesmo já o tal veterano, a meter a bola por um lado do defesa e a ir buscá-la pelo outro, que jogador é que faz isso hoje, todos amarrados às tácticas, à "posse de bola" e às "coberturas"?... Era o Maior!

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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