No dia exacto não me lembrei disto, assim falhando a efeméride pessoal, mas notei-o agora. A 3 de Dezembro fez exactamente 20 anos que comecei a blogar, lá de Moçambique integrando-me naquela vaga blogal que cá aconteceu em 2003. Primeiro no ma-schamba, que alguns anos depois se tornou colectivo. Depois, já em Portugal, no Courelas (o mesmo que ma-schamba...). Depois, sozinho, no O Flávio e agora no Nenhures. Entretanto também estive no colectivo sportinguista És a Nossa Fé e estou no Delito de Opinião.
Ou seja, isto de blogar tornou-se-me uma mania. 20 anos de verborreia - durante longos períodos até diária - deu para escrever muita tralha, inútil, às vezes até injusta, imensas vezes injustificada. Mas outras vezes acertei, releio e canto "rio-me de me ver tão bela nesta espelho". Por isso recolhi textos que estão esquecidos nos blogs - os quais não apago, até porque o tema dos arquivos dos blogs sempre me foi importante, ainda que me pareça ter isso sido descurado pelas instâncias arquivísticas nacionais. E dessa amálgama fiz este ano dois volumes que gostaria de tornar livros (vanitas vanitatum et omnia vanitas), um de crónicas de viagens e memórias, que seria (ou será, se vier a acontecer) um "Torna-Viagem", um outro de resmungos que julgo terem sido certeiros, a ser um "O Podcast Mudo". A ver se arranjarei editora para tais coisas, desde que não as pague eu, pois não tenho paciência para esse negócio - hoje em dia viçoso, ao que parece - de cobrar ao autor para lhe publicar o futuro mono e depois ainda o obrigar a impingir os exemplares aos desgraçados amigos, pobre gente que se deixa ir nisso.
Mas para relembrar o meu início blogal aqui repito o meu primeiro postal, este "Lavoura". Faço-o, por saudosismo. Mas também para convidar à leitura do grande Ruy Duarte de Carvalho, magnífico escritor, antropólogo e também cineasta.
"...a lances de catana e de machado desfaz a rama e a trama dos espaços virgens. Prepara um espaço para a nova lavra, esgotado o humus de uma lavra antiga. Alarga a circunferência de chão raso. Devolve o sol à terra e dá-lhe a mansa forma de um corpo fecundável e passivo. O tronco nu progride mata a dentro. Governa os braços firmes e velozes, confere exactidão ao gesto azado. E os fustes, gemem, fendidos pelo golpe. Martela, vigoroso, a rijeza maior de alguns dos paus, depois transforma em lenha as copas derrubadas..."
(Ruy Duarte de Carvalho, Como se o Mundo Não Tivesse Leste, Cotovia, p. 117 )