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Nenhures

Nenhures

30
Mar24

À mesa a propósito do "Torna-Viagem"

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"Não podes deixar de publicitar o teu Torna-Viagem", escreve-me um amigo, daqueles mesmo..., homem de relevante carreira no comércio cultural, "senão, no frenesim das redes sociais as pessoas esquecem-no. Faz um filme [terá querido dizer um "live", como se diz agora], por exemplo".
 
Hesito, temo cansar os (muito) hipotéticos leitores. Mas acedo à voz sábia. E dou conta dos passos ocorridos. Neste processo editorial constou um almoço com os designers do livro (resmungaram um pouco, não muito, com a falta de total homogeneidade do grafismo nos três exemplares que transporto, atribuível à sua produção avulsa, mas gabaram a impressão).
 

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O repasto foi no excelente Restaurante Zuari, ali a Santos, capitaneado pelo senhor Orlando há mais de 45 anos, desde que partiu de Vilanculos. As chamuças estavam esplêndidas, o meu balchão de camarão supimpa, os convivas deliciados com o que lhes coubera em parte. O achar de limão era de grande efeito. E tudo foi rematado com fatia de bebinca, soberba.
 
Segui até ao fotógrafo que deu a imagem da capa, encontramo-nos na consagrada petiscaria Cockpit Bar, nas cercanias da Av. de Roma, acompanhados de um grupo de beldades ( pois, diga-se o que se disser, até o Fernando é um homem bem apessoado).
 

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Optei pelo gin tónico "à antiga" - ou seja, Gordons, com limão e gelo, sem estas mezinhas de agora, que recorrem à ervanária, e até às essências, assim deixando a empregada entender que não sou eleitor do LIVRE. Entre os "pequenos nadas" que animaram a meia dúzia comensal, foi notado este "camarão à moçambicana", excêntrico àquela tradição nacional, mas bastante saboroso.
 
No final do (longo) repasto todos os convivas haviam veementemente louvado o meu "Torna-Viagem". Certo que ainda não o leram, mas trata-se um claro exemplo de ética da convicção.
 
Neste longo entretanto abordou-se a necessidade de realizar a tradicional cerimónia de "lançamento" do livro. Assim acontecerá, em torno, claro, das sacrossantas chamuças. Será em breve...

 

28
Mar24

Votos de uma Santa Páscoa

jpt

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Memento mori, e na Páscoa... Ontem, durante trabalho longo e monótono, que não exigia a minha constante atenção mas sim presença, pus-me a organizar uma festividade, requerida pelo livro que (auto)publiquei...

Para tal fiz um "evento" no FB. Essa função "eventos" tem uma opção para os "convites" em que surgem todos os "amigos-FB" por ordem alfabética, algo que nunca vira. Percorri o rol das minhas ligações, para "clicar" nos nomes a convidar/informar - segundo critérios vagos, de conhecimento pessoal (ou digital), presumível interesse alheio, proximidade geográfica, fundamentalmente.

Mas nisso fiquei impressionado. Arrepiado até. Com o ror de pessoas nessa lista que já morreram, e falo daquelas que sei por conhecimento pessoal.

Não estou a arengar sobre este pântano digital, no qual as pessoas morrem deixando, inadvertida ou voluntariamente, a sua "pegada digital" póstuma ao dispôr alheio.

Falo mesmo de coisa bem mais importante e humana, nada digital: a omnipresença da morte, essa que - laicos e crentes - tanto fazemos por esquecer, por arredar da nossa vida. E que ontem, desta distraída forma, me inundou.

E assim, ateu que sou, arrepiado agora, a todos desejo uma Santa e esperançosa Páscoa

27
Mar24

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e Portugal

jpt

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Aqui remeto para o artigo do renomado advogado Francisco Teixeira da Mota sobre a recente sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Na qual, mais uma vez, condenou o Estado português (e a sua Justiça) pela sua manutenção ilegal - frise-se, ilegal - das condenações por difamação. Tudo isto a propósito do caso que opôs Pedro Arroja (que escreve, sulfúrico diga-se, no Portugal Contemporâneo) a Paulo Rangel, o qual contra aquele intentara uma acção que colhera êxito nos tribunais portugueses. Abre hoje uma nova legislatura e é tempo de se exigir uma alteração na lei portuguesa, que aniquile esta vetusta jurisprudência.

Aproveito para recordar o que já aqui narrei: também eu fui alvo de um (para mim surpreendente) processo por difamação. Tendo-me insurgido contra uma inaceitável candidatura socialista ao Tribunal Constitucional, expliquei-me das razões para tal ira. Assunto ao qual voltei. Utilizando alguns argumentos (para além da experiência havida com esse estadista) que são perfilhados por influentes socialistas - como, por exemplo, o actual ministro da Cultura, Adão e Silva, como frisei aqui.

O candidato, depois de derrotado na Assembleia da República, colocou-me um processo. Uma muito ponderada procuradora aconselhou-me a evitar a ida a tribunal. Como aqui expliquei, desprovido de recursos financeiros para cooptar um apoio jurídico, que seria de longa duração, e desprovido de coragem moral para anos de choques em tribunal com um prócere do socialismo português, transformei a ira em úlcera e aceitei pagar uma quantia (200 euros) ao Instituto Português de Oncologia para encerrar a patética sanha do ex-governante. Espero, agora,  muito sinceramente, que todos os colegas daquela - muito  respeitável - procuradora leiam esta sentença. E que esta ilegal (repito) reclamação de "difamação", usada por socratistas e outros, seja expurgada da trapalhada jurídica portuguesa.

27
Mar24

A (vice-)Presidência da Assembleia da República

jpt

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Começa hoje a legislatura - e mal, com a "simbólica" atribuição da presidência do primeiro dia ao putinesco António Filipe, em nome de uma veterania parlamentar, pois o agora regressado deputado comunista é o decano dos 230 empossados. Apaziguar o ambiente, celebrar um novo começo, um "natal" parlamentar, é bonito. Esquecer o frenesim anti-ucraniano de António Filipe, os sucessivos dislates que foi proferindo, os insultos a Zelensky quando discursou na AR, não é isso... É uma vergonha, sinal de uma casa sem  memória. E uma casa sem memória é uma casa "sem rei, nem roque", passível de sofrer xeque pastor.
 
Quanto ao resto, desde a manhã que as notícias falam da possível eleição como vice-presidente da AR do deputado Pacheco de  Amorim. Lembro-me de um postal que escrevi, a este propósito em 5 de Fevereiro de 2022. Sorrio (e resmungo, deviam pagar-me para ser comentadeiro político...). E cito-me para o comprovar: 
 
"Ainda nem acabou a contagem dos votos e já reina a primeira polémica da próxima legislatura, sobre a (vice-)presidência da Assembleia da República, com efervescentes opiniões sobre se deverá ou não o partido CHEGA ascender até a esse palanque, no qual consuetudinariamente se agregam representantes dos diversos grupos parlamentares. O relevo desta matéria é, acima de tudo, o de denotar como o debate político está transviado.
 
1. Muitos contestam a pertinência de que alguém do partido CHEGA assuma uma posição relevante na Assembleia da República, devido às antipáticas posições que aquele vem veiculando. Estique-se esse argumento até ao limite, um modo algo acurado de entender da robustez de um argumento: se em próximas eleições democráticas esse partido obtiver a maioria absoluta (longe vá o democrático agoiro) os outros partidos recusar-se-ão a ocupar os lugares e funções parlamentares para as quais tiverem sido eleitos, devido a discordarem de uma coabitação com o CHEGA? Pois agora é exactamente essa a lógica que defende uma exclusão parlamentar desse partido. 
 
Há também a questão do perfil político do deputado Pacheco de Amorim, apontado pelo seu partido como candidato a vice-presidente. E essa também deve ser abordada, pois esta eleição interna ao parlamento passa por um sopesar pessoal. (...)
 
Agora a pertinência - e mesmo a legitimidade democrática - da eleição de Pacheco Amorim é refutada devido à sua anterior militância no MDLP, organização que desenvolveu acções armadas contra partidos de esquerda logo após o 25 de Abril, e sobre a qual sempre correu que tinha uma ligação - ideológica, afectiva, porventura até organizativa - com o antigo presidente Spínola. Ora, e se assim foi, torna-se importante lembrar que o Marechal Spínola foi, após o seu exílio - e com extremo ênfase simbólico -, reintegrado na genealogia do regime democrático. E que, como tal, isso pelo menos implicitamente abarcou os seus então compagnons de route.
 
E neste caso é interessante notar que muitos dos mais exaltados invectivadores de Pacheco de Amorim, dizendo-o envolvido em manobras políticas violentas pós-25 de Abril, foram durante 2021 grandes paladinos da consagração póstuma de Otelo Saraiva de Carvalho (sobre isso botei aqui). Ora, e como também botei a esse respeito, estabeleceu-se na sociedade portuguesa um consenso de "que houve desmandos no PREC, houve violência (encetada pelos assassinatos perpretados pelos agentes da PIDE em 25 de Abril), mas que se constituiu um posterior consenso de que "o que aconteceu no PREC ficou no PREC.". Um consenso que os adeptos da extrema-esquerda (e de uma facção da esquerda PS) ainda querem deturpar, alargando-o para os desmandos assassinos ocorridos já após a institucionalização da normalidade democrática (pós-Constituição, para facilitar). Ou seja, os cultores de Otelo Saraiva de Carvalho não têm qualquer legitimidade intelectual (e como tal política) para negarem a pertinência de uma pretérita associação ao movimento anti-comunista MDLP como factor de elegibilidade democrática. E o historial da democracia portuguesa não suporta esse tipo de inviabilização, mesmo que por vontades de sectores mais abrangentes da sociedade. Isto não impede que se vote, racionalmente, contra o deputado, por discordância face ao seu perfil pessoal e/ou às suas opiniões políticas. Mas não permite que se clame qualquer ilegitimidade individual."
 
Pode ser que alguns tenham aprendido alguma coisa. Levaram dois anos, mas mais vale... devagar do que nunca.
 
(Postal para o Delito de Opinião)

26
Mar24

Oppenheimer

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Ainda não vi o "Oppenheimer" - desconfio sempre dos "biopic", não me lembro de ter visto um que me encantasse, e não é a chuva de óscares que me anima, ou até mesmo mais me retrai. Enfim, verei na tv, numa noite insone... Mas é tão falado que fui agora à estante buscar este livro do meu avô - mas sublinhado pelo meu pai, que lhes conheço os diferentes trejeitos -, o "Ciência e Saber Comum" de J. Robert Oppenheimer, editado pela Livros do Brasil, sem data aposta (mas de 1967 ou antes, como prova a assinatura avoenga).
 
É um conjunto de seis pequenos textos, as lições que proferiu em 1953 nas célebras "Reith Lectures". Alguns podem pensar que neste campo do saber textos com sete décadas estarão desactualizados. Mas não. Deixo citação de breve trecho da primeira lição, dedicada a Newton, totalmente actual:
 
"Verifica-se até como a ciência de grandes cientistas é aproveitada em nome desses cientistas para justificar pontos de vista e atitudes a que eram inteiramente estranhos e que, por vezes, inteiramente lhes repugnavam. Tanto Einstein como Newton criaram sínteses e aprofundamentos da natureza dos fenómenos tão convincentes e tão grandiosos que provocaram nos filósofos profissionais uma febre de reajustamento, nem sempre apropriado. No entanto, a crença no progresso material, o entusiasmo brilhante, e a relativa indiferença perante a religião, característicos do iluminismo, eram tão estranhos quanto possível ao carácter e às preocupações de Newton; o que não impediu os homens do iluminismo de considerarem Newton o seu patrono e o seu profeta. Os filósofos e vulgarizadores que erradamente tomaram relatividade por doutorina do relativismo, interpretaram os grandiosos trabalhos de Einstein como ideias que punham em cheque a objectividade, a solidez e a conformidade com a lei, do mundo físico, quando é certo que Einstein via nas suas teorias da relatividade apenas como uma confirmação do ponto de vista de Spinoza, de que a mais elevada função do homem é conhecer e compreender o mundo objectivo e as suas leis" (11-12).
 
E por aí adiante... Julgo que gostarei menos do filme do que deste livro. Apesar da Emily Blunt...

24
Mar24

O Affaire Coimbra (4)

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Há algum tempo rebentou a escandaleira do CES da lusa Atenas. Deixei aqui eco desse "Affaire Coimbra" (1, 2, 3  e este extra), que apontava dois tipos consabidamente imprestáveis - só não vira antes quem não quisera ver -, e uma rede eunuca de conúbio. O assunto foi muito falado e depois sendo esquecido. Agora, saiu o resultado do inquérito, nem sequer fui ler as notícias, apenas me sobressaiu um cabeçalho que indicava não terem sido nomeados os mariolas, e que o sénior se declarava "muito sossegado" com os resultados. Sorri, num muito esperado "Safaram-se!!".
 
Dias depois recebo um email circular - decerto que por ter blogado sobre o assunto, pois foi entregue no email do blog - contendo a reacção das queixosas. As quais, afinal, louvam a investigação... Leio com atenção o texto, e constato que os resultados são verdadeiramente letais. Para os malandretes, e para a tal rede conivente. E só percebo que o sénior esteja "muito mais sossegado", tal como os seus sequazes, se presume a continuidade da inércia institucional, a do CES e a das suas tutelas.
 
E é contra isso que - muito avisadamente - as queixosas exigem a acção correctiva e preventiva, no CES, na vetusta universidade dos lentes coimbrões, e nos poderes políticos que a tutelam. A ver vamos, menos distraidamente.
 
Há uma coisa importante no acompanhamento geral deste tipo de casos: não devem ser resumidos à questão sexual, sempre passível de compreensão, mesmo que sarcástica, nisso do ser "normal", "humano", o prof. mais velhote querer "comer a pitazita jeitosa", nisso do marialva "quem nunca pecou que atire a primeira pedra", etc.
 
De facto o que acontece é muito pior e mais alargado, é o culto do revanchismo. Pois se a "miúda" (quantas vezes senhora bem crescida) - ou o efebo - se recusa, e até mesmo quando anui, o que se segue é o longo acabrunhar, menorizar, da sua capacidade, o espezinhar perpétuo. E o minar, torpedear dos percursos, o obstar às carreiras profissionais. Impondo o exílio intelectual, quantas vezes mesmo pretendendo o assassinato moral. E isto não se passa só quando existe a tensão sexual - e até acontece mais vezes sem ela.
 
É uma coisa tétrica, esta autocracia do homo academicus luso. Dela ouvi falar nas gerações anteriores, conheci vários desses monstros - sempre saudados por inúmeras mesuras encomiásticas -, soube de várias situações dessas, mais suaves ou agrestes, na minha geração, algumas sofridas por gente que me é ou era bem próxima. E nem era de sexo que se falava, mas sim do cruel espezinhar, de verdadeira psicose laboral.
 
Também a mim me aconteceu. Não que algum professor me tivesse querido sodomizar - também deveria ser óbvio que arrancaria o falo ao pontapé ao primeiro dengoso que se me chegasse... Mas lembro que eu, e alguns outros colegas, fomos sonegados de bolsas de investigação de dois anos apenas por termos contestado a superficialidade das aulas de mestrado de um professor. E que década depois ainda estive dois anos à espera de um contrato (e cinco meses a trabalhar sem receber) devido aos obstáculos que ele me colocava na administração pública. Como podia tal? Devido à intocabilidade do estatuto de funcionário público, somado à mescla da influência das redes maçónicas e dessa difusa "esquerda católica", esta alimentada da mitografia do "reviralho". Por vezes gente que me conhece diz que eu tenho mau feitio, que me "sobe a mostarda ao nariz". Pois contesto, e recordo que um dia, depois disto tudo, lá no campus da UEM em Maputo, me entrou gabinete adentro o tal ex-padreca antropólogo, a querer falar comigo. E eu falei, aturei. Não o insultei. Nem lhe bati. Sou um santo, estóico.
 
Mas isso dá-me a empiria própria, "o saber de experiência feito", para olhar atento para estes casos, os dos porcos que querem levar as alunas e as assistentes para a cama a troco de (hipotéticos) favores, e os dos escroques que perseguem quem não lhes é fiel, e pisoteiam os que o são.
 
Têm razão as queixosas do "Affaire Coimbra", é necessário uma purga institucional, uma refundação dos procedimentos institucionais, um assumir da tal vetusta universidade que trata os seus mais jovens investigadores-docentes como futricas medievais. E é preciso, em todo o lado, lutar contra esta cultura da apropriação pessoal e do revanchismo. A qual se justifica, legitima como "natural", através de um mito: o da meritocracia.
 
Entretanto, peço a alguém que conheça o tardio enverhoxista e ladino retórico Sousa Santos, que o informe que este "diplomorto etnocêntrico" lhe está "a cuspir na campa". Apenas por desprezo.

24
Mar24

Protocolo bloguístico

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A propósito da minha (auto)publicação deste "Torna-Viagem" (o qual se pode encomendar na plataforma bookmundo através desta ligação  https://publish.bookmundo.pt/books/366121 ), manda o já velhíssimo protocolo bloguístico que aqui expresse a minha gratidão aos parceiros bloguistas que o divulgaram, em termos gentis: o Luís Novaes Tito (LNT) do A Barbearia do Senhor Luís - que escreveu no Facebook -, ao Fernando Gil, do Moçambique para Todos, ao Samuel Carvalho no BigSlam. Gratidão alargada a um punhado de amigos e amigos-digitais que o referiram no Facebook.

20
Mar24

O meu livro "Torna-Viagem"

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Torna-Viagem, de José Pimentel Teixeira (ligação com acesso ao livro no "sítio" de aquisição)
 

Escrevo em blogs há 20 anos - antes no ma-schamba, e depois também no És a Nossa Fé, agora no meu Nenhures e no colectivo Delito de Opinião. Desde há mais de um década - ainda eu em Maputo - que amigos me desafiavam a publicar em livro o que ia escrevendo. Convenci-me, até ufano. Por isso fiz uma selecção e alguns deles enviaram-na a editoras que conheciam, por lá publicarem ou teres contactos. Não tive sucesso (uma recusa amável, por compreensíveis razões financeiras, o silêncio das outras, algo que me afiançam ser habitual). Agora, a um passo dos 60 anos, decidi publicar umas "memórias". "Presunção e água benta, cada um toma a que quer", e eu tomei a da ideia de talvez interessar a outros o que escrevi sobre o que vivi.

Retoquei uma centena de crónicas (de viagens e paragens), dois terços delas escritas em Moçambique, algumas sobre outros países onde trabalhei, o restante em Portugal no meu retorno após duas décadas ausente (e com algumas apropriadas lembranças dos Olivais). É uma espécie de "prova de vida"...

Ao volume chamei-lhe "Torna-Viagem" e publico-o agora através da plataforma editorial Bookmundo. O livro foi arranjado pelos meus amigos da TVM Designers e leva na capa uma fotografia da Fortaleza de São Sebastião na Ilha de Moçambique, feita pelo meu amigo Miguel Valle de Figueiredo. 

A impressão do livro é feita apenas por encomenda digital, tal como a sua venda. Quem tenha interesse bastar-lhe-á "clicar" nesta ligação directa ao livro, colocada no nome, e encomendar o Torna-Viagem. Depois, como será óbvio, seguir-se-á o envio postal do(s) exemplar(es) comprado(s), que chegarão ao destinatário alguns, poucos, dias depois. Ou seja, o livro não estará disponível nas livrarias físicas. Nem haverá futuros monos, sobras destinadas à célebre guilhotina de livros.

Finalmente, aqui replico a sinopse que apus no livro: Chegando agora aos sessenta anos deixo neste "Torna-Viagem" algo como se uma autobiografia. Faço-o através de uma centena de crónicas escritas durante as duas últimas décadas. Sessenta dessas agreguei-as na primeira parte do livro, à qual chamei "A Oeste do Canal", pois escritas sobre Moçambique, nelas ecoando viagens por aquele país afora, alguns pequenos episódios — trechos do real — que senti denotativos das transformações ali acontecidas, e memórias de personalidades que conheci durante os meus dezoito anos de permanência. Em algumas outras recordo momentos vividos em países onde trabalhei. E as restantes três dezenas formam a segunda parte do livro, na qual deixo excertos deste "Ocaso Boreal", a minha actual aventura de retornado pós-colonial defronte à "pátria amada".

 

(Agradeço à equipa da SAPO o destaque dado a este postal - na sua réplica colocada no Delito de Opinião)

19
Mar24

Quem semeia ventos, colhe tempestades...

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Os votos dos emigrantes ainda estão a ser contados, mas desde há dias que correm as mensagens - e agora já as notícias - aventando que o candidato Santos Silva não será reeleito. Se assim acontecer não só será simbólico da derrota socialista, que tantos querem mitigar em nome de um "empate" - por exemplo, a ex-ministra e actual responsável socialista Alexandra Leitão, no seu avatar "comentadora", há dias dizia isso na televisão. Mas será também uma derrota pessoal estrondosa, denotativa dos efeitos da clausura na "bolha" política. Santos Silva é um intelectual brilhante e eterno governante - foi-o sob Guterres, Sócrates e Costa -, tendo tido tutela em várias áreas políticas. Na última legislatura foi eleito Presidente da Assembleia da República, cargo que exerceu de forma pouco tradicional, pois tão enviesada, tamanha a forma estratégica como confrontou o CHEGA - de facto, o deputado Ventura. A forma como isso seguia o tacticismo do PS era evidente mas também o era ser um trampolim para se afirmar publicamente como "candidato natural" de uma esquerda "antifascista" à presidência da República. Coisa tão óbvia que até Ferro Rodrigues, seu camarada de partido e antecessor no cargo, veio criticar. Altaneiro, imprevidente até, Santos Silva aos dizeres críticos fez-se mouco, e há dois meses anunciava a sua disponibilidade para continuar a ser presidente da AR, evidenciando não estar a par do que se passava.

Essa sua arrogância teve um ponto alto. É certo que o escol socialista e a "classe média" PS - os governantes e os tonitruantes - sempre reclamaram nada terem sabido sobre o percurso de José Sócrates. Com ele ombrearam, a ele defenderam até à última - até mesmo quando regressado de Paris papagueava sobre Rimbaud ou perorava no ISCTE, (pela mão de um antropólogo...), maquilhando-se da "alta cultura", pela "esquerda" entendida como necessária a Belém. Mas depois, após a queda do ex-PM, entre essa sua rede reinou um longo e atrapalhado silêncio, naquilo do "à justiça o que é da justiça". Até àquele célebre final de semana em que Carlos César e João Galamba (para além da necessária Fernanda Câncio) surgiram em simultâneo demarcando-se do antigo secretário-geral, tornando-o assim lastro largado ao mar. Ainda assim continuou-lhes o silêncio substantivo, sem qualquer autocrítica, nem inversão de marcha ou mesmo mero atalho.

Silêncio que teve uma excepção, quando há três anos, Santos Silva veio, com o sarcasmo de quem se julga plenipotenciário, dizer-se tão "parolo" que nem sabia que havia outro Santos Silva (o celebrizado "bom amigo" de Sócrates). Ou seja, no fim de tudo isto, ainda veio gozar com o pagode, desrespeitar a (escandalizada) população... O único das lideranças socialistas que se atreveu a tamanha soberba. Como tal, a confirmar-se que não será reeleito deputado isso será muito, mas mesmo muito, agradável. 

Mas não evita uma amargura. A nova grande bancada parlamentar eleita parece assustadora, e muito para além das proclamações políticas mais imediatas. O rol das declarações pretéritas de vários eleitos do CHEGA mostra-os ultramontanos, um anacronismo. Para além disso, a bancada aparenta conter - a fazer fé nas fervilhantes mensagens que cruzam o "éter" (como se dizia no tempo em que vingavam algumas das atoardas defendidas por vários dos tais neo-deputados) - uma percentagem de indivíduos nada recomendáveis, alguns mesmo infrequentáveis. Algo verdadeiramente inverso ao anúncio Cheguiano de que é preciso "limpar Portugal"... E isto prenuncia algo: ou na próxima legislatura o CHEGA (apesar dos seus 50 deputados) continua a ter apenas a voz de Ventura, truculenta que seja mas hábil. Ou então falam vários e os dislates (e acima de tudo os "esqueletos") tanto espantarão os eleitores que aquilo implodirá...

Finalmente, o "Guardian" tem uma "reportagem" - de facto, uma recolha de declarações - sobre as eleições portuguesas. O mote é o das reacções das "minorias" face ao crescimento do CHEGA. A síntese é simples, há um milhão de racistas em Portugal. Evalina Dias, da Djass - Associação de Afrodescendentes, é liminar nessa perspectiva. Mas também afirma algo significativo: "não tínhamos ideia de que havia tantos racistas em Portugal. É como se estivessem escondidos." Eu concordo que as "minorias" - e também as "maiorias" - devem estar preocupadas com a ascensão desta extrema-direita, não tanto por derivas legislativas ou administrativas mas pela formação de um ambiente de práticas avulsas, uma hipotética vaga de turbulências avessas ao mito dos "brandos costumes" lusos. E será importante não reduzir o CHEGA a "racismo", pois muitos outros factores impulsionaram a vontade da tal "limpeza de Portugal".

Mas o importante é notar a surpresa patenteada por afinal haver tantos racistas... Ou seja, quando há alguns anos o demagógic0 partido LIVRE (do professor Rui Tavares) lançou a campanha de que "Portugal é um país racista", essa generalização do racismo nacional não era matizada, deixava-se a ideia da sua universalidade. A reacção popular foi francamente negativa. A furibunda deputada desse partido de ex-comunistas, entre loas e mentiras (um célebre discurso em comício pós-confinamento no qual afirmou que a polícia não investigava um assassinato, ainda que 8 indivíduos estivessem presos há já meses, por exemplo), clamava ser criticada por ser negra - apesar do palco que a ávida imprensa lhe dava. Outras deputadas negras não reclamavam isso, uma influente ministra da Justiça negra também não, o próprio primeiro-ministro, com ancestrais indianos (ainda que o estatuto social dos goeses católicos/brâmanes sempre tenha sido algo diferenciado), também não - apenas, anos depois, quando amuou com os professores, verdade seja dita.

Ou seja, os custos sociais dos dislates do (agora vitorioso) partido LIVRE, a aversão que colheu a sua demagogia afirmando  um "Portugal, país racista" - em vez do crítico "Portugal país com racismo" -, ou a da proclamação do apartheid em que vivemos, como clamava o socratista Miguel Vale de Almeida., - em vez de incentivar a efectiva e gradual, ainda que defeituosa, inserção dos imigrantes e seus descendentes nos serviços públicos - estão agora à vista. Não se trata de exigir humildadezinha, respeitinho, chapéu torcido nas mãos, a quem pugna pelos seus e nossos interesses. Trata-se de arrenegar a demagogia, o agit-prop dos nostálgicos da "revolução", proletária antes, interseccionalista agora. Demagogia que tem, em alguns  momentos históricos, estes efeitos. Contrários. Pois quem semeia ventos, colhe tempestades, como diz o velho ditado ... sim, próprio de um povo de navegadores, desgraçados marujos, paupérrimos pescadores, quantas vezes truculentos saqueadores.

Ilustro desta maneira: uma coisa é defender a radical liberdade individual nas opções sexuais, existenciais. E a total liberdade artística. Outra coisa é ver num qualquer ecrã um prostituto (estrangeiro, ainda por  cima) entrar em cuecas, armado de um par de implantes mamários - como se mamas sejam sinónimo de "mulher" -, interromper aos gritos um espectáculo teatral numa instituição estatal, em nome da exclusividade da sua "identidade", exigindo um emprego em cena. E ver que a instituição estatal lhe dá razão! Pede desculpa e consagra que alguém transgénero só pode ser representado por um seu "semelhante", sacralizando isso das "identidades". E ver ainda alguma "minoria" intelectual a louvar isto - ainda que, já agora, o dito brasileiro preferisse, como logo veio dizer, ir ao futebol com o namorado pois o teatro aborrece-o. 

Quantos milhares de votos "custa" uma patetice destas? E as outras...?

(Postal para o Delito de Opinião)

19
Mar24

Rumor Civil

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Cada vez menos leio ficção ou poesia. E vou lendo estas colectâneas do passado, crónicas ou (é este o caso) textos de opinião - a quem o novo cânone chama também "crónicas". Descubro agora nas estantes este "Rumor Civil", uma colecção de textos de Nuno Brederode dos Santos (1944-2017), publicada pela Relógio d'Água em 1990. Com ele cheguei a privar, escasso convívio intermediado por amigo comum em já enubladas noites no "Procópio", onde ele era figura predominante. Eu ainda jovem, cabelo azeviche, talvez exageradamente radical pois pouco atreito àquele que já então considerava um apparatichk das letras, ele já bastante velho - mais novo do que eu sou agora... Brederode era um fazedor de opiniões, colunista afamado do "Expresso" quando isso era relevante, fervororo paladino socialista, e disso tinha o perfil e o teclado. Escrevia bem e era caústico, alinhado mas caústico, justiça lhe seja feita. E culto, nota-se na leveza - por vezes irónica, outras sarcástica, mas também sensível - com que deixava transparecer o percurso de leituras havidas.

Esta colecção abarca de 1985 a 1990, o primeiro quinquénio do "cavaquismo", e é nisso muito interessante, fazendo recordar o acinte de então. E se alguns textos envelheceram por "de ocasião" em demasia, outros são relevantes por demonstrarem o ambiente cultural (e de cultura política) daquela época, e que tanto persistiu e persiste. Por exemplo, foi de Brederode o abjecto elitismo do "socialismo" maçónico - tão continuado pelos adeptos PS até ao final do mandato de presidencial de Cavaco Silva, e que continuam a repetir em formato avatar, sem pudor e sem abdicarem da caraça "esquerda" - "foi fácil tirar o homem de boliqueime, mas agora não conseguem tirar boliqueime do homem" (121). E é até engraçado ver como em plenos finais dos 80s o reaccionarismo da "esquerda" encartada era tão impante que lhe aplaudiam um texto aviltando a CEE por regulamentar a criação avícola - hoje o homem seria lapidado como CHEGA pelo PAN, mas será conveniente recordar que aquela década foi a da disseminação europeia da sensibilidade política ecológica... mas que no "Portugal da CEE", à Lisboa que abominava "boliqueime" e lia o "Expresso", isso ainda não tinha chegado.

Mas não quero exagerar os remoques diante do livro. Pois ele é precioso não só no que denota como também no que explicita e recorda. Como quando Brederode aponta os que então queriam controlar o acesso às fotocopiadoras, por serem uma tecnologia estratégica... Parece-nos ridículo, agora, essas preocupações em finais dos anos 80s, dos descendentes dos tempos da "outra senhora", os antepassados do socialista José Magalhães, coisas de que nos esquecemos...

Mas mais interessante será recordar, em particular aos agora adeptos do PS, o que dizia em 1987 o socialista Brederode dos Santos no "Expresso". Tão interessante que deixo a longa citação: "Aquilo que, de 1985 [eleição de Cavaco Silva] para cá, mudou foi o modelo de relacionamento entre o poder político e o poder económico - que passou do piropo avulso e do apalpão furtivo a algo de qualitativamente diverso que nos ameaça com a mancebia incestuosa. (...)

Não foi a corrupção que nasceu: já havia. Não foi o compadrio incidental deste alto funcionário ou daquele político - já havia também. Foi a descoberta, por alguns dos grupos económicos que ganharam entretanto peso e dimensão, da lógica e da valia instrumental dos lobbies: é possível antecipar, inflectir, protelar ou impedir as decisões políticas por forma a melhor corresponder aos nossos interesses. Mais vale uma boa cumplicidade política do que um bom investimento. O jogo é legislativo, administrativo, contabilístico - mas nunca económico, que é do interesse geral. Por isso o lobby não é desenvolvimentista, mas apenas corruptor. Por isso o lobby não visa criar riqueza, mas apenas distribuir melhor em seu proveito aquela que já existe.  O lobby parasita o Estado e o património público, tal como o fazia o empresário afilhado da ditadura..." (114-115).

Para Brederode dos Santos a "esquerda" - entenda-se, principalmente o PS - era virtuosa e a "direita" vil, presa ao "populismo" de Cavaco. Que o PS estivesse incrustado na administração das participações (económicas) do Estado e, então, na governação do "boom" macaense não surge nesta colecção de textos, assim parecendo que irrelevante para o autor. Alguns anos depois deste textos, lá para 1995, deixei de comprar o "Espesso" como então se dizia, não mais acompanhei os ríspidos (vénia) textos do autor. E depois emigrei, deixei de seguir o seu percurso. Não sei assim se alguma vez ele veio a abandonar esta dicotomia, virtude vs vilania, se conseguiu "tirar boliqueime de dentro dele próprio", por assim dizer.

Mas sei uma coisa, os seus camaradas de partido e os seus sucessores na produção de opinião não o leram. Ou, vá lá, não acreditam nele.

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