Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Nenhures

Nenhures

30
Abr24

Um novo presidente no F.C. Porto

jpt

1473882.jpeg

Foi surpreendente - pelo menos aqui a Sul do Trancão - a estrondosa derrota do Papa Doc do Douro, o (aparente) arredar dos seus tonton macoute... Com efeito, quem o diria, 80% da freguesia portista proclamando o verdadeiro Inverno do patriarca? Diante disto alguns mimetizam Abril - como se Villas-Boas seja avatar de Salgueiro Maia, metáfora fácil dada a efeméride tão recente. Outros, mais pérfidos, lamentam que o velho chefe não tivesse "saído em grande" - pois embalsamado na sua teia de perversos interesses, deve-se-lhes responder. 

"Sair em grande"? Será melhor perceber que os 80% (mais os remanescentes 20%) não o repudiaram. Apenas consideraram que já não é suficiente, competente, enérgico, malevolente eficaz. Pois as suas 4 décadas de "vale tudo" sempre foram sufragadas por aquela gente. Não para defender fronteiras, para salvar vidas de conterrâneos, acabar com a miséria. Mas apenas para os urros orgásticos de ganhar taças. Uma mole de guardas abéis e macacos? Sim, mas também daqueles Lourenço e Adriano Pinto, e quejandos. E daquele Fernando Gomes, a quem Guterres até deixou pensar ter o delfinado. Ou este autarca Moreira, a quem alguns querem ungir. Ou até mesmo aquele Mayan Gonçalves que se diz "liberal" enquanto pactua com tudo aquilo. 

Foram décadas daquele abjecto "vale tudo". Não há como "sair em grande" daquela miséria. Há apenas que louvar quem se lhe opôs, com custos. E perceber que os 80% - mais os outros - apenas desejam... mais do mesmo, rapaces que são.

25
Abr24

25 de Abril Sempre!

jpt

 
25 de Abril Sempre! E esta é a minha "canção de intervenção" (poderiam ter os Xutos cantado e gravado com os "coronéis" da censura actuantes?, e convém agora perguntar isto aos pategos do voto CHEGA. E aos melífluos da "maioria da direita" actual....). Mas nunca o foram as tralhas a la "Pedra filosofal" e quejandas pinderiquices daquela época, e as patéticas de ignorantes quais "Um homem novo veio da mata", e isto ninguém o diz pois 50 anos depois José Afonso, o sempre "Zeca", continua incriticável.
 
Enfim, 24 de Abril, almoço em restaurante goês, por mim recomendado. Chamuças gloriosas, o meu cabrito soberbo. Infelizmente o caril de camarão dos convivas não justifica a deslocação. Bebinca como deve ser, e entretanto o achar de manga apresentava-se magnífico. À minha frente - pretexto do almoço - um querido amigo, comunista de outras paragens. Atravessar-me-ia por ele, se viesse a ser necessário. E se vier a ser, sublinho, ainda que já não creia em tal coisa, morreremos em paz.
 
Diz-me ele, sempre, ser eu o único reaccionário de que gosta. Quero crer que, se tivesse sido necessário, me teria safo, avisado para que me escapasse ou protegido em algum campo em que estivesse eu recluso, evitado que fosse eu encostado ao célebre, e tão dito virtuoso, "el paredon". Aquelas coisas de sempre aquando mandaram os da sua ideologia.
 
Um dia, há já muitos anos, quis contextualizar o seu pensamento. Ri-me, com carinho, num "conheço-te, és como o meu pai", comunista puro - ainda que o meu pai, o Camarada Pimentel, fosse ainda mais puro, mais crente qu'isto poderia melhorar num rumo benevolente, sem esta percepção de que "a vida é sempre a perder" e por isso "uma vontade de rir nasce do fundo do ser...". Ou talvez a tivesse, o Camarada Pimentel, sabendo bem que "contra tudo lutas, contra tudo falhas, todas as tuas explosões, redundam em silêncio" e por isso, acima de tudo por isso, a sua infinita doçura ortodoxa, essa de nunca reconhecer a descrença. No fim, os famous grouse bebidos, diz-me o meu amigo que amanhã irá marchar "avenida abaixo", comemorando. E que sabe que eu quererei marchar "avenida acima". Conhece-me bem, este meu mais-velho, rio-me.
 
Sigo, e recuo até ao bairro. Sento-me com uma mais-que-querida, mana. Diz-me, provoca-me, e nisso até me surpreende, que irá marchar amanhã, na tal "avenida abaixo", coisa de ser o "cinquentenário". Acompanhada de amigas, as minhas queridas, lindas, ainda mais agora, com um pé ou ambos nos 60s, do que antes o foram. Rio-me, com sarcasmo invectivo-a, digo-lhe que "nem pensar". Convoco-a para que me leia, que o ano passado fui a Bogotá louvar o 25 de Abril explicando porque nunca "desço a Avenida". Insiste, risonha, provoca-me. Hesito, na perspectiva da passeata, da junção com as mais-belas, com os seus maridos, gajos porreiros, na expectativa de uma jantarada posterior... Na mesa um vizinho lembra, telefone na mão, que "os teus" (como se eu os tivesse) "também desfilarão" - para quem não saiba há uns anos a organização comunista do "descer a avenida" impediu os da IL de participar mas desde há dois anos que aceitam os "neoliberais" (aka "fascistas") naquele calcorrear do Marquês abaixo.
 
Sorrio, peço mais uma imperial, toca o telefone, combinam-me uma reunião a meio da tarde. O que me evita as hesitações. Sorrio mais ainda, a tal "vontade de rir nasce do fundo do ser". Pois por mais que as minhas tão queridas me sejam tão queridas, e os seus maridos tão porreiros, a minha vontade de marchar com os António Filipe é tão grande como a de ombrear com os Ventura. E, murmuro, para que ninguém me ouça, pior ainda seria o marchar com os do PS, gente tétrica.
 
Mas 25 de Abril Sempre! Porque "todas as" minhas "explosões redundam em silêncio!"

25
Abr24

Eleições europeias

jpt

ele.jpg

1. Nas próximas eleições europeias repetirei a opção que fiz nas últimas eleições - é a ressalva para situar este postal. 

2. Os partidos vêm apresentando as suas listas de candidatos. Imprensa e cidadãos optam não tanto por vasculhar os róis de candidatos e talvez ainda menos as propostas eurocentradas dos partidos - os ditos "programas eleitorais" e, mais relevantes, os fluxos de posições sobre a "Europa" que cada partido vem assumindo. E preferem centrar-se nos nomes sonantes apresentados e, principalmente, nos cabecilhas das candidaturas. 

Não é espúria essa atenção nos nomes cimeiros, pois podem ter significado político. O anúncio que Moreira de Sá é "lugar-tenente" (segundo na lista) do CHEGA indiciará algo - como aqui aflorei: dentro do PSD há uma corrente ("passista", se se quiser o facilitismo) que pugna por  uma conjugação com a direita "profunda". E o processo de escolha do cabecilha do LIVRE - o partido parlamentar que mais cresceu nas últimas eleições - também é relevante, pois denotativo do carácter "sonso" (demagógico, entenda-se) do partido celebrizado pela ex-deputada Katar Moreira, o qual se vem apresentando como "o primeiro partido de esquerda que não vem do marxismo", como há algum tempo ronronava o militante Sá Fernandes, ex-candidato do MDP/CDE.

Também é significativa a opção do ADN, partido que mais cresceu nas últimas eleições - porventura devido à remanescente iliteracia popular, a causar ter o partido octuplicado a sua votação. Ao escolher a protuberante Joana Amaral Dias aquele partido garante alguma atenção popular (ela própria recordou que o eleitorado a reconhecer por já a ter visto "de biquini"). E assim afronta não só as acusações de recolher votos "distraídos" desconhecedores, mas também as acusações de "misoginia" que lhe foram endereçadas pelo activista Mamadu Ba.

Mas convém lembrar que a hierarquia dos candidatos nem sempre explicita a sua importância para os partidos proponentes, pode derivar apenas de estratégia ("comercialização") política ou de cosmética. E recordo que nas últimas eleições o PS deixou no topo da sua lista os antigos ministros socratistas Pedro Marques e Maria Manuel Leitão Marques, indiciando serem os nomes com maior peso político. Mas depois fez eleger Silva Pereira (o braço-direito de Sócrates) como vice-presidente do PE, ainda que ele tivesse sido (apenas) o terceiro da sua lista, demonstrando assim que era ele, afinal, o mais relevante candidato. 

3. O nome que mais polémica causa é o de Bugalho, o indicado para a encabeçar a lista do PSD - partido que vem seguindo o paradigma PCP, o de se apresentar como "coligação" CDU agregando-se a irrelevâncias políticas. Eu sorrio com este desejo patente em Montenegro: afirmar-se como o Frederico Varandas da política, arriscando um "all-in" na contratação de um putativo novo Rúben Amorim.

Mas é notória a reacção negativa a este nome, desde a direita "profunda" à esquerda: nos murais de Facebook (inclusive de responsáveis de altos institutos estatais) abundam as acusações de que o nóvel candidato apenas procura "tacho" - o "são todos iguais" reina -, e os gozos com o seu apelido. É o tom "CHEGA" a entrar no domínio dos "quadros" intelectuais e a demontrar-se no ambiente PCP e circundantes... E, em tom mais curial, as acusações de que os seus comentários políticos estavam sobredeterminados por uma agenda pessoal (como se fosse caso único...). Sobram ainda acusações à "transferência" de um jornalista para a "política", algo interessante por um feixe de razões: 1) o homem não é exactamente jornalista, é "comentador" (comentadeiro, melhor termo para a viçosa actividade); 2) os jornalistas não são militares, não lhes está vedada a actividade partidária e, ainda menos, eleitoral; 3) a transumância, explícita e implícita, entre "jornalismo" e "política" é constante.

Mas o caso mais interessante é o da opção do PS, encabeçando-se com Marta Temido. Surpreende um pouco pois é consabido o estado deslizante dos serviços estatais de Saúde. Desde há anos (na era pré-COVID, para ser explícito) que os profissionais do ramo consideravam ser ela uma má ministra da Saúde - mesmo que não reduzissem os problemas do SNS à acção da ministra ou a questões estritamente contemporâneas. No período do COVID a ministra tornou-se muito visível - até simpática para muitos, pois presença quotidiana na tv e dotada de "boa imagem". Nisso fazendo esquecer a atrapalhação do Estado (não só dela mas também dela) nos meses precedentes à vaga no país, e obscurecendo a sua incapacidade real de induzir adequações gerais nos serviços durante a pandemia. Fazendo esquecer a sua participação durante 2020 e 2021 no fluxo de erráticas decisões governamentais relativas aos constrangimentos à mobilidade populacional (e ilustro isso com aquele episódio tétrico de ridículo do "Natal com compota caseira"). 

Todos fizemos por esquecer isso, essa irrazão governamental (e presidencial), que teve Temido como um dos dínamos fundamentais. E todos querem esquecer que em finais de Janeiro de 2021 Portugal se tornou por mais de uma semana o pior país do mundo - em termos absolutos - em infecções e mortos diários. Independentemente dos vírus não obedecerem aos ditames governamentais, isso bem mostrava a atrapalhação que reinava no governo.

Convém ilustrar a situação - para além das afinal sempre argumentáveis estatísticas: cerca de um mês depois daquela tétrico pico português grassou um terrível surto de COVID na gigantesca Índia, que encheu as notícias internacionais. Na TV o comentador (já agora, antigo jornalista e antigo político) Paulo Portas referiu-se à "catástrofe indiana". E na Índia havia 11 vezes mais mortos diários do que houvera em Portugal naquele final de Janeiro de 21, após os atrapalhados ziguezagues governamentais do segundo semestre de 2020. 11 vezes mais mortos diários, numa população 140 vezes maior. E era uma "catástrofe"...

Naquele pico que nos alcandorou ao pior lugar na luta contra o COVID, Temido foi entrevistada na RTP. E respondeu desabridamente às difíceis questões que lhe foram postas. Logo Morgado Fernandes - um antigo jornalista que passou a trabalhar na política, decisão que lhe é perfeitamente legítima, já agora - a apodou de "Super-Marta", dada a rispidez demonstrada diante da comunicação social. E nesse seu "Super-Marta"! teve um enorme sucesso, o epíteto generalizou-se. Apesar da tétrica realidade.

Depois veio o processo de vacinação. Sob tutela de Temido logo se encetaram os desmandos: importantes líderes do PS, autarcas do PS (e não só, e não só...) de imediato trataram de vacinar os seus "entes queridos", torpedeando a confiança da população no difícil mas urgente processo. E ainda depois, cruzada a era Covid, agudizou-se a situação do SNS. Temido, a tal Super-Marta, saiu do governo.

E agora, anos passados, e após Santos ter anunciado - na noite da derrota eleitoral - que iria "renovar os quadros do partido", Temido, qual Super-Marta, é escolhida para encabeçar a lista nacional de candidatos do PS. A "narrativa" vinga. Apesar da realidade que foi o passado.

E os adeptos do PS? E os seus parceiros, aqueles da velha geringonça? Entretêm-se a gozar com os "alhos e os bugalhos". Sem pudor? Não. Sem pingo de Razão.

 

22
Abr24

25 de Abril? (2)

jpt

dmaria.jpg

Como é curial o Teatro Nacional D. Maria II acolhe um "ciclo de Teatro para celebrar a Liberdade", integrando-se nas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril.

DMII_LutaArmada_Digital_v4-980x980.jpg

Leio a programação. E noto este Luta Armada., uma produção da Companhia de Teatro Hotel Europa. A proposta é inserida num projecto de "teatro documental multidisciplinar", neste caso incidindo sobre "projetos políticos que recorreram a ações violentas como forma de luta." Na sua página digital a companhia tem uma sinopse do programa. No programa do D. Maria II a sinopse foi resumida.
 
Pode-se discutir (e discute-se) se a linguagem é constitutiva e/ou algo determinante das mundivisões dos seus praticantes. Nada sei sobre o assunto. Mas sei que os textos são constitutivos das percepções e interpretações alheias. Para isso falamos (e escrevemos). As opções que fazemos nas construções textuais têm propósitos, muitas vezes o da "demonstração" e o da "influência". Às vezes é estratégia é inconsciente, outras vezes não. Às vezes o propósito é explícito, outras vezes implícito. Às vezes é-se competente, outras vezes mesmo incompetente. Às vezes a retórica é adequada (ao contexto de interlocução), outras vezes um verdadeiro disparate (no contexto de interlocução). E a interpretação daquilo que os outros dizem (e escrevem) é um "mundo", uma miríade de hipóteses, pois se "a cada cabeça sua sentença" também é verdade que "a cada cabeça seu resmungo". Até porque - creio - as interpretações são muitas vezes apriorísticas, interpreta-se o que o outro diz (ou escreve) não em função do texto mas daquilo que pensamos (e assim antevemos sobre as suas intenções) do locutor.
 
Dito tudo isto, o Teatro Nacional D. Maria II comemora "a Liberdade" e apresenta um interessante projecto com este texto: "Um trabalho que passa pelas ações de grupos que atuaram antes e pós-revolução: os que viam na luta armada a única forma de acabar com o fascismo e o colonialismo português; os grupos de extrema-direita que atuaram no período do PREC; os movimentos independentistas dos Açores e da Madeira e ainda os que, pós-1980, lutaram para repor o socialismo." 
 
Que cada um interprete à sua maneira os implícitos e os explícitos deste breve trecho, produzido pelo Estado português em 2024. A avaliação patente, "valoração" discriminada, se se quiser, dos processos históricos. Para comemorar ... "a Liberdade".

18
Abr24

25 de Abril?

jpt

sc.jpg

 
Desde há anos que venho resmungando com isto da extrema-esquerda se abespinhar em reescrever a história nacional, afirmando que urge - para nosso actual e futuro bem - dissecar os "mitos" e apear os "heróis". No fundo olham o nosso real como se os Albuquerques, Afonso e Mouzinho, e seus pares sejam frenéticos "influencers" digitais a moldarem anseios e modos destas novas gerações.

Interessante, ainda que nada surpreendente, é que nada se preocupam com o dissecar das "narrativas" sobre "mitos" e "heróis" do passado muito recente. Viu-se bem isso quando morreu Saraiva de Carvalho: ao pequeno nicho sobrevivente de esquerdistas sanguinários associou-se um coro de carpideiros burguesotes, tantos deles bem instalados neste "Estado Social" capitalista, e muitos "revolucionários de beca" - esses que julgam ficar-lhes bem diante dos alunos "ser de esquerda".... Todos eles interromperam o afã microscópico da denúncia das malevolências cometidas por Diogo Cão pós-Bojador e seus próximos. E trataram de entoar loas ao "Otelo", falsificando a história d'agora, escondendo a biografia assassina do traste contemporâneo. No máximo, com a desfaçatez da desonestidade intelectual, concedendo que o miserável era algo "ingénuo"... Enfim, uma mole de gente falsária e negacionista. Que muito lesta era (e é) em chamar "fascistas" ou, pior, "neoliberais" aos que não só repudiam o tal Saraiva de Carvalho como as aldrabices dos seus adeptos serôdios.

Em tempos deixei um postal, a tentar explicar a quem os sofre que existe uma diferença entre o tal "Otelo" assassino e todos os outros nomes políticos com alguma relevância.

Enfim, três anos passados e temos o cinquentenário da revolução de 74. 50 anos deveria ser suficiente para análises ponderadas. Mas não, continua o seguidismo à narrativa falsária, adepto dos assassinatos em democracia. Disso exemplo é a peça feita por Maria José Garrido, transmitida no Jornal Nacional da TVI, que falsifica a história de Otelo Saraiva de Carvalho, elidindo a sua vertente terrorista. Na sua página no Facebook Manuel Castelo-Branco disseca a reprodução dessa mitografia que vai sendo reproduzida sem qualquer pudor.

E que dirão os revolucionários de beca?, os activistas analistas? Aplaudirão Otelo, para a semana descerão "a avenida" entoando vivas ao morto Saraiva de Carvalho, abraçarão os anciãos enverhoxistas, maoístas, trotskistas, guevaristas, brejnevistas - que se tivessem tido hipótese lhes teriam dado tratos de polé, literalmente falando.

E depois irão de férias para os países do "neoliberalismo", do "fascismo". Onde até têm os filhos, a estudar, a trabalhar. A viver. Bem!

O problema de Portugal não é, nunca foi, "o povo que lava no rio". Nem as elites que dissipam o "ouro do Brasil". É mesmo esta tralha. A que chamam, agora, "classe média".

16
Abr24

Cobrir os cabelos?

jpt

sic.jpeg

Há um punhado de anos o Sporting foi jogar ao Restelo. Às tantas o Rui Patrício chutou a bola, esta embateu num jogador do Belenenses e entrou na baliza. Pouco depois a publicidade da SAGRES - talvez patrocinadora do Belenenses - gozava um "Frango à Belém". Entre a massa adepta do SCP foi um frenesim de protestos e logo o anúncio - incompetente, pois ferindo a sensibilidade de largo espectro de consumidores - foi retirado. Passados todos estes anos continuo a não comprar SAGRES - bebo-a, decerto, em formato "imperial", mas nunca mais a comprei em lojas ou a pedi em restaurantes. É uma sorridente birra minha, diante de uma minudência irrelevante - o Rui Patrício continuou a sua extraordinária carreira, as agruras e sucessos do SCP independe(ra)m daquilo. Mas é a única reacção que podemos ter como consumidores diante de algo (não ilegal) que as empresas fazem e que nos agride ou desagrada. É pouco, claro, mas é a única arma possível. A outras marcas fiz o mesmo: as batatas fritas Lay's patrocinavam a Liga dos Campeões quando um árbitro russo roubou tanto o Sporting que até o director do clube alemão beneficiado lamentou a situação. Nunca mais comprei. E nunca na vida me passaria pela cabeça comprar azulejos Revigrés - que durante décadas financiou a clique de Pintos portistas cujo imensas aldrabices (e violências) faziam as delícias deste falso liberal Mayan Gonçalves - que anda para aí em bicos dos pés - ou do autarca Rui Moreira.
 
Vejo agora que ontem uma jornalista ("jornalista", note-se) da SIC foi entrevistar o embaixador do Irão em Lisboa e cobriu os cabelos. Desconheço o seu nome, não posso assim dedicar-lhe o insulto mais do que devido. Isto não é uma minudência da bola, não convoca uma "birra sorridente". É até mais do que um acto político, é uma questão de valores. Como é possível que uma mulher, profissional de comunicação em Lisboa, seja tão indigna? Já vi, há pouco tempo, aquela ordinária Catela a esfregar-se (literalmente falando) no então deputado socialista-maçónico José Magalhães, defendendo a lei censora (que veio a ser revogada) de que ele fora autor. E durante anos vi a inominável Câncio defender até à exaustão a tropa socratista. Mas nunca vira uma abjecção desta dimensão.
 
Compro uma Sagres, petisco umas Lay's. E prometo a mim mesmo que aos produtos (falidos, ao que consta) do doutor Pinto Balsemão não mais consumirei. É a minha única arma. Pois não tenho paciência para este tipo de mulheres ordinárias (eufemismo, devido à autocensura que a minha família me impõe). Nem para os seus proxenetas

15
Abr24

Beleza Feminina

jpt

kh.jpg

Uma jovem senhora - diante da qual eu procuro (muito provavelmente falhando) manter algum garbo - entra no meu escritório e avança para junto de mim, assim enfrentando o meu computador. Eu estou a percorrer, em modo célere, um rol de mensagens recebidas via Whatsapp. E assim ela depara-se com uma fotografia que consta de uma mulher, daquele tipo basto bojudo, nua, deitada de costas dentro da água do mar, para cá da zona de rebentação, esmiúço, numa posição que a tradicional ideologia machista denomina "oferecida" e a novel ideologia feminista presumo que denominará "agressiva"... A jovem senhora - que conhece e respeita o remetente - resmunga o seu desagrado. E a mim ocorre-me meter-me debaixo da minha secretária - se nela coubesse -, ainda que inocente e ali apanhado prestes a premir a tecla do "delir" ("deletar", dizem os grunhos).
 
Depois, muito pouco depois, já só, para mim murmuro um palavrão, daqueles peludos, invectivando os alguns amigos que me enviam estas tralhas, usualmente uma mescla saudosista ("ah, se fosse no meu tempo") humorística. Resmungo por duas razões:
 
uma universal - pois qualquer indivíduo que tenha acesso à internet pode consultar um ror quase infinito de imagens com mulheres de diferentes "raças, credos", formatos e poses. E até - sei-o de fonte segura - imagens de homens, que há quem as prefira. Ou seja, não é necessária a "partilha"...
 
a outra é particular. Tenho poucos livros sobre cinema, uns 20 ou 30 (sobre Clint, Fellini, Ford, alguns temáticos, outros históricos). E um deles é este, comprado em Joanesburgo nos anos 1990s. E a razão da compra foi simples: é Katherine Hepburn o meu ideal de beleza (e quantas vezes revi o Philadelphia Story!!!...) e não uma qualquer "Samantha Fox". E, já agora (apupem-me de machista, se quiserem, e talvez também de "sacristão"), não há nada tão bonito como uma mulher vestida...
 
Ou seja, queridos amigos, não me mandem estas tralhas, raisparta isto.

15
Abr24

Nas falésias

jpt

em inverness.jpg

 
No sentido "romântico" - como nos ensinam a sentir - na minha vida amei três mulheres. Por último, vera última vez, a mãe da minha filha, um amor perene, imorredoiro, não tendo eu sabido blindá-lo aos terramotos da vida. E demonstrá-lo...
 
E antes, anos antes, naquela nossa longa tardia adolescência, dedicando-me a duas vizinhas. Em confuso, pois alternado, monopólio de sentimentos. Nesse tempo seguia eu todo inepto por uma dupla razão: pois apenas uma década depois os Radiohead cantariam a "Creep" que talvez então, se nesse antes tão jovem, me tivesse sossegado, dado a conhecer-me, porventura libertando-me... E, muito pior, pois nesses anos havia eu encarnado uma tétrica mescla de Jack Barnes, de Hemingway, e do Fowler de Greene, um irremediável rumo à trôpega e atemorizada solidão.
 
E foi sob esses miasmas "literários", esse real temor da vida, que aos 21 anos segui em viagem com ambas, juntos ao querido amigo Luís (então sempre dito Ambrósio). Avançámos para um trabalho no norte da Escócia, ao que se seguiria uma incursão festiva a Barcelona.
 
Numa quinta perto de Inverness acampámos um mês, destinados à colheita de framboesa. Logo à chegada o capataz, um anglo-mexicano que agora imagino à imagem de um Santana já quase calvo, se apiedou das belas meninas e do meu delicado amigo, remetendo-nos para o mais suave trabalho fabril. Deixando-nos também escolher as tarefas diárias, eles assim sempre na algo repousada passadeira de selecção dos frutos, eu - evidentemente mais rude - quantas vezes remetido para serviços de carga no armazém frigorífico. O acampamento de trabalhadores sazonais era cosmopolita: os magrebinos tinham sido excluídos desde o ano transacto, dado a sua tendência para perseguir e violar as mulheres europeias. Abundavam os polacos, que os do Jaruzelski deixavam sair no Verão, nos seu Lada em busca de libras... E os cockney, de inglês incompreensível. Para além de norte mediterrânicos de diversos passaportes.
 
Elas, as minhas amadas, eram - deliciosamente - implacáveis: tive de me banhar todos os dias, mudar de roupa (e lavá-la), apesar da chuva constante todos os dias se cozinhava, e para suporte disso tínhamos uma tenda despensa (espanto de toda a comunidade residente). Ao fim do dia, quase sempre, saíamos da herdade, cruzávamos a estrada rumo ao "pub", onde eles os três arejavam e eu bebia "Cutty Sark" (recomendado pelos velhos locais) em doses algo imoderadas.
 
Aos sábados, única folga, íamos a Inverness. Um desses dias, e por mais apaixonado que estivesse - pelos três, elas e ele, de facto -, escapei-me deles, daquela pressão ordeira. E deparei com um alfarrabista. Um mundo - para um lisboeta daquela era - de livros, de viagens e de antropologia. A história foi recontada durante décadas, pois encontraram-me horas depois rua afora carregando uma pilha de "hardcovers". Escrevo ainda agora a uma braçada do que então trouxe, do Max Muller, de sei lá mais o quê, e mesmo à vista, dos de Margaret Mead ("New Lives for Old", "The Golden Age of American Anthropology" e, notem bem, e percebam porque tanto me rio destes de agora que descobriram o "género", do "Male and Female"). É desse dia esta fotografia, tirada pela Inês, eu, a Cristina, o Luís à nossa frente. E, na minha esquerda, um bocado da pilha de livros, a qual sempre desconfiei ser o motivo da fotografia (rara, como o eram então todas).
 
Depois o trabalho acabou, chegara o momento de partir para Barcelona. Ganhara-se pouco, e eu gastara demasiado, entre o referido Cutty Sark e os hardcovers. E não tinha dinheiro para os acompanhar. As meninas tinham algum extra, insistiram em partilhá-lo comigo e que seguissemos juntos. Eu sou um jovem, um miúdo ainda, mas já sei que um homem não aceita tal coisa. Pego na mochila, carrego os tais hardcovers, mais a pesada tenda checa que comprara a outro vizinho e sigo, ajoujado, à boleia em busca de trabalho nas quintas do Sul...
 
Estou hoje numas falésias atlânticas, onde tantos nos congregámos para celebrar a Cristina, que agora morreu, para mim inesperadamente, pois estava eu desavisado. Não choro, um homem não deve chorar em demasia. Distancio-me, estou a lamentar não ter ido a Barcelona naquele Verão, ter fruído mais uns dias daquele sorriso sagaz, do carinhoso bisturi que ela brandia. Minto, lamento não ter fruído mais dias do meu tamanho encanto. Entoo a "Creep", apenas para mim claro. O Zé G., sempre atento no seu jeito, chama-me lá de longe e diz-me, em falso sarcasmo, "não saltes". Eu não salto, claro, para quê?, se sinto já tanto de mim ter morrido...

13
Abr24

Rumo a Gáfete

jpt

1000064851.jpg

A um homem dizem-lhe estar com bom aspecto - "estás na mesma", jurou, palavra de honra, sinceramente, o Zé Maria, bom amigo moçambicano agora reencontrado e que não me via há anos - o médico deu-lhe o selo na revisão anual, sente-se em forma, animado - apesar das agruras -, até jovem nos alguns disparates que vai fazendo,...

e nisso aligeiro-me na alvorada, acorro ao casamento de queridos amigos (sim, um casamento de gente da nossa jovem idade), vou "rebel, rebel", eternos "sapatos de vela" nem bem engraxados, noto, e deixo a gravata em casa, e já antevejo a diversão, aquela do rejuvenescimento que sempre ocorre quando com os de Maputo,

e é com este sorriso mariola que aporto a Sete Rios, à camioneta que me transportará a Gáfete, ao Alto Alentejo, aos festejos do amor feliz, da vida, do futuro ambicioso. Na bilheteira a mulher pergunta-me "tem desconto?", despercebo-a sem me fazer despercebido, insiste "tem 65 anos?"...

Lá se me acaba o sorriso. Os planos de fim-de-semana. E o ânimo

11
Abr24

Passos Perdidos

jpt

1024.jpg

1. Não li nem lerei o livro que Passos Coelho apresentou, o colectivo "Identidade e Família – Entre a Consistência da Tradição e as Exigências da Modernidade". E como tal não o posso comentar. Nem quero. A minha indisponibilidade para a leitura tem uma razão simples: família, parentesco e identidade são temas centrais na antropologia. Sei que mesmo se estudando a disciplina há quarenta anos me falta ler muitos textos relevantes sobre os assuntos. Mas também sei, e exactamente pelo ror de leituras havidas, que não mais me iluminarei lendo autores como César das Neves ou Portocarrero de Almada - cujas mundividências desde há muito vêm apresentando na imprensa. Ou Guilherme de Oliveira Martins, já agora - cuja indigna defesa da censura, após o atentado à Charlie Hebdo e que aqui abordei, me cerceia qualquer curiosidade sobre o seu pensamento. Ou seja, não é com este rol pensante, mesmo que algo plural, que melhor pensarei sobre estes tópicos.

Lamento (mais uma vez) que entre os muitos antropólogos portugueses não haja "intelectuais públicos". Que tenham agora - exactamente por esse estatuto e essa vocação - a disponibilidade (e a paciência) para dissecarem as argumentações que o livro traz. Esclarecendo-nos, com sinopses das teses apresentadas e articulando-as com as suas raízes intelectuais e políticas. E, comparativamente, inserindo-as em polémicas similares, em especial se decorridas em países algo congéneres. Seria precioso esse olhar especializado, em especial se imune a derivas polemistas, o "activismo" - tão demagógico - que subjaz o opinar dos poucos colegas que costumam assomar à praça pública. Presumo que historiadores ou sociólogos - oriundos de corporações mais activas no discurso público - o venham a fazer, mas sem exercerem a especificidade do olhar antropológico sobre tais questões.

2. A minha falta de curiosidade nada tem a ver com algo contra os quais alguns clamam: que as críticas ou insensibilidades (apriorísticas) face à publicação de teses conservadoras procuram a ilegitimação da liberdade de expressão - queixas reforçadas face a uma dúzia de pategos "activistas" manifestando-se contra a publicação de um livro durante a sua apresentação, coisas do habitual cretinismo esquerdista... Sempre o digo, o problema radica na (in)compreensão da língua portuguesa, mesmo entre os letrados: pois uma coisa é o "dever de respeitar a liberdade de opinião" (publicada, neste caso), algo estruturante na nossa sociedade. Outra coisa, completamente diferente, é o "dever de respeitar a opinião". Pois todos podem opinar e publicar - e é inqualificável uma manifestação contra um livro curial. Mas ninguém é obrigado a aturar (ler, bem considerar) o que outros opinam e publicam.

Apenas avanço uma citação (longa, avessa ao frenesim do "scroll down") para contextualização do debate que surgiu sobre este livro dedicado - como o disse, com temperança, o apresentador Pedro Passos Coelho - à "idealização da família". Escolho-o porque se trata de um trecho de livro publicado em Portugal: o "Sociologia da Família" (Terramar, 1999) da grande antropóloga francesa Martine Segalen. Diz ela, no começa da introdução (p.9) do seu livro, centrado na sociedade francesa (mas não a esta limitado): 

"Quando o presente vai mal, reinventa-se o passado. A inquietação suscitada pelas rápidas mudanças que têm vindo a afectar a instituição familiar desde há mais de vinte anos leva ao sonho de uma idade de ouro perdida da família. Assim , na década de 70, só se falava de "enfraquecimento da família", de "famílias desfeitas", de "famílias em crise", que contrastavam com as sólidas estruturas de outrora. Era então frequente afirmar-se que a família tinha passado a limitar-se ao casal e respectivos filhos, que tinha perdido as suas funções "tradicionais", que tinha deixado de manter relações com os outros membros da parentela. Dando os pormenores dos elementos da "crise" da família, todos estavam de acordo quanto ao facto de a família ser um lugar que proporciona apoio efectivo aos seus membros. Numa sociedade desumanizada, a família surgia como um "bastião", uma "fortaleza" contra o mundo exterior submetido às duras leis do mercado, do racionalismo, do progresso técnico, etc. (...)

Nos anos 90, depois de quinze anos de queda das taxas de nupcialidade e de fecundidade, de aumento de coabitação e do divórcio, o discurso sobre a crise da família desapareceu, dando lugar a uma redescoberta da importância dos laços familiares e do peso da instituição  na sociedade moderna. Os media celebram novamente a família, sem compreenderem que esta já nada tem a ver com a instituição dos anos 50 e, a fortiori, dos períodos anteriores e falam com saudade das estabilidades matrimoniais e das generosas taxas de fecundidade de um passado próximo. 

A nossa análise do contemporâneo não poderá pois deixar de fazer referência ao que era a família de outrora; observar-se-á assim que o discurso sobre a crise da família não é novo, tendo sido recorrente ao longo de todo o século XIX, quando a instabilidade familiar dos grupos operários proletarizados inquietava as famílias burguesas". Etc...

Ou seja, é totalmente legítimo que alguns defendam a disseminação de um modelo de família que privilegiam. Por mais "conservador" que seja apupado por outros. Mas querer fundamentar essa opção ("conservadora") numa avaliação ética (ou até moral), ancorada numa putativa "tradição" benevolente, nisso elidindo a multiplicidade histórica da nossa sociedade, a diversidade entre várias sociedades (esqueçamos a sacrossanta "cultura", sempre propagandeada como algo "visceral", qual "natural"), e a pluralidade das legítimas e ordeiras aspirações contemporâneas? Essa é uma argumentação deficiente - por ignorância ou por estratégia. Enfim, uma falsificação. E assim indigna de ascender ao debate político.

3. Dito isto, restrinjo-me a olhar o que disse Pedro Passos Coelho na apresentação do livro. E em algumas declarações à imprensa. Pois a sua participação tem impacto político, ultrapassando o conteúdo do livro, e é esse que me interessa.

Qual ressalva: tenho apreço por Passos Coelho. Nele votei - no partido a que ele presidia -, esperando que derrubasse o execrável socratismo. Assim aconteceu. Apreciei a forma como governou, sob aquele espartilho do colapso financeiro internacional exponenciado pela deriva socialista nacional. É certo que não repeti o voto - pois a poucos dias das eleições ele consagrou Dias Loureiro como figura recomendável aos (jovens) sociais-democratas. Resmunguei então "há limites" ("linhas vermelhas", como se diz agora), e a esse elogio entendi-o como o cruzar de um Rubicão, político.

Depois soube-o isento de cargos nas "administrações (não) executivas" e quejandas prebendas, típicas em alguns apparatchicos muito louvados. Recolhido à docência universitária - algo que lhe foi vilmente criticado (como aqui abordei) por um conjunto de académicos, alguns mesmo infrequentáveis (entre os quais membros da ralé de publicistas socratistas). Tal postura deixou-me antever que Passos Coelho regressaria à política. O que, até pela vigência do recente socratismo sem Sócrates, esperei. Nunca lhe entoarei o "tens aqui a tua gente". Mas estou disponível para nele votar, enfrentando o clientelismo estatista antidesenvolvimentista do PS. Mesmo que, se calhar, depois venha de novo a recusar-me a repetir o voto.

4. Esta sua apresentação do livro "Identidade e Família" é uma actividade normal para um professor universitário. Mas, pelo conteúdo e pelo contexto, deixa entrever ser este o seu regresso à política. E parece óbvio que esta sua participação tem dois vectores: 1) o de mais curto prazo, procurando influenciar - o que explicitou - o actual governo minoritário para inflectir à direita as suas articulações políticas, assim mostrando-se Passos Coelho avesso ao cada vez mais evidente "bloco central" implícito em formação. Algo relevante, pois este poderá gerar um governo fraco, suportado num venenoso apoio avulso do PS, assim originando rápidas eleições, e nelas o crescimento do CHEGA e a recuperação do PS; 2) um outro, de mais longo prazo, o encetar da sua campanha presidencial, congregando as diferentes sensibilidades de centro e direita.

Neste (aparente) regresso à vida política activa, Passos Coelho associa-se a um conjunto de preocupações predominantes entre os sectores de maior conservadorismo cultural, patentes neste livro - ao que se depreende pelas breves sinopses propaladas e pelos perfis do rol de autores - e/ou explícitos na sua intervenção. E nisso aludindo a causas que têm sido agitadas pelo CHEGA. Já várias vezes referi (recentemente neste aqui) que é incompetente reduzir o voto nesse partido a "protesto" e a "fascismo/racismo". Mas aparecer agora a associar-se ao conservadorismo mais estrito levanta, relativamente a uma futura candidatura presidencial anti-PS, a dúvida sobre que efeitos isso terá entre o eleitorado urbano, e o de maior  formação escolar, e a juventude. Enfim, e uso a palavra, entre o eleitorado civilizado.

5. A apresentação de Passos Coelho não me choca, julguei-a ponderada. Tem razão quando afirma ser necessário o debate público entre perspectivas diferentes, sem estereótipos, achincalhantes. Mas o importante é perceber se é necessário discutir alguns temas cruciais, talvez até urgentes, da sociedade, com ponderação, ou se os devemos misturar com outros mais espúrios, apenas porque agitados em discursos políticos demagógicos ou em agendas intelectuais hiper-conservadoras - com os tais potenciais efeitos entre largos núcleos do eleitorado, já agora.

Ou seja, será que para debater um tema que começa a ser premente, como o é a preservação da extrema segurança pública - como o é a actual realidade portuguesa - temos de o associar a discursos que potenciam hipotéticas derivas xenófobas? Em vez de se optar por debater algumas alterações no funcionamento policial ou no controlo da imigração, este necessário e totalmente legítimo. Até para preservação dos imigrantes.

Pois tem razão quando alude à questão sobre as hipotéticas relações entre criminalidade e imigração, sem que isso implique criminalizar e repudiar os núcleos imigrados - e isso é uma problemática patente na Europa ocidental, e com actuais profundos efeitos políticos. Talvez em termos de efectiva criminalidade entre imigrantes e seus descendentes. Mas essa é argumentação que reclama verdadeira fundamentação sociológica - entenda-se, dados obtidos por investigações sedimentadas e não por impressões retiradas do frenesim mediático e da demagogia política. Mas acima de tudo, devido às representações (concepções, preocupações) dos cidadãos, incomodados face aos núcleos imigrados. E neste último aspecto, incluem-se as concepções e preocupações de vagas de imigrantes pretéritas e seus descendentes face às mais recentes, fenómeno que muitos se recusam a entender em nome da aversão ao que reduzem a "xenofobia". Ou seja, esta hipotética articulação de imigração e criminalidade, real ou imaginada, é uma realidade e deve ser discutida, assumida. Enfim, devemos "sair do armário" sobre o assunto, mesmo que ... "pareça mal".

Mas, e de outra forma, mais explícita, será possível congratular-se com a presença de Ventura, ombrear com seus apoiantes, e seus evidentes "compagnons de route" intelectuais, dissertar sobre as suas "causas", mantendo-se num registo de debate público sereno? Pois será possível debater a possível relação entre segurança, criminalidade e imigração quando Ventura tem o desplante aldrabão de confundir "refugiados" e "imigrantes" (exactamente como os "activistas" esquerdistas)? Quando Ventura tem o atrevimento de acusar directamente a política de imigração do governo de António Costa de responsabilidade directa no assassinato de duas trabalhadoras de um centro ismaelita por um refugiado afegão com transtornos psicológicos? É sob este magma de xenofobia desbragada que haverá um debate "sereno"? Será possível debater a imigração e o trânsito dentro da CPLP, quando Ventura propagandeia aldrabices - como quando "denunciou" o financiamento português de 32 milhões de euros para um museu angolano -, evidentemente indutoras de revanchismo pós-colonial, e de concomitante xenofobia? É com este líder, com os seus apoiantes, que se irá fazer um debate ponderado sobre a problemática da imigração? E da sua hipotética (hipotética, sublinho) relação com aumento e alteração da tipologia da criminalidade?

6. Neste seu deambular pela agenda hiper-conservadora, Passos Coelho tem algumas derivas escusáveis. Tem também toda a razão quando diz que é possível, e positivo, discutir a "família" enquanto instituição socializadora e sua relação com o Estado, e que isso pode ser feito, como frisa, no âmbito de um discurso de "idealização" dessa família - como reconhece no conjunto de textos -, mesmo que a realidade demonstre a pluralidade histórica, cultural e actual, dos formatos de "família". 

É é certo que é necessário debater o incremento do apoio social (estatal, organizacional, familiar) aos mais velhos, nesta sociedade tão envelhecida. Mas - mais uma vez - sem reificar a imagem idílica de uma "família tradicional idílica", sempre "cuidadora" dos anciãos. E acima de tudo - porque foi a isso que Passos Coelho aludiu, sem explicitar - é urgente regulamentar e normalizar a eutanásia. E tendo consciência da presença histórica, sob plurais formatos, da eutanásia na nossa sociedade - mais uma vez escapando-nos à tal visão "idealizadora" da família tradicional como "bastião" "cuidador" dos gerontes.

Não se trata de pugnar pela "sovietização" da sociedade (para glosar o próprio Passos Coelho), de defender o extermínio dos mais-velhos (como na distopia de Bioy Casares). E isto não significa prosseguir sob uma "cultura da morte" - como diziam os fundamentalistas católicos quando se discutia a lei do aborto, essa que alguns da neo-AD parece quererem rever. Um miserável epíteto que a clique católica e seus sequazes continuam indignamente a utilizar no debate sobre a eutanásia. Mas sim para com humanitarismo ("humanismo", sói dizer-se) nos equipararmos a algumas das nossas sociedades congéneres, numa ascensão civilizacional. Expurgando-nos da vilania obscurantista dos radicais católicos. Essa que tem sido bandeira do actual presidente Sousa. E a qual se espera ausente no próximo presidente.

7. Mais ainda, alguns dos temas a que Passos Coelho aludiu - talvez por estarem integrados no conjunto textual que apresentou - são espúrios. Aquilo que refere como a "sovietização do ensino" prende-se com a polémica face à disciplina "Educação para a Cidadania". Esta tem (e assim daqui a anos será considerada) o mesmo valor que a ridícula reacção da hierarquia católica face à exibição do simplório filme "Pato com Laranja" na RTP em finais de 1980. Ou a disparatada reacção cardinalícia face às "entrevistas históricas" de Herman José nos anos 1990 - posição pateta e patética, intelectualmente abjecta, sufragadaa pelo então presidente do PSD, este Rebelo de Sousa que sofremos como presidente da república.

Já o disse aqui, o intuito da escola é formar cidadãos, e apenas alguém que padeça de cretinismo é que o incompreende. O currículo geral é escolhido em função daquilo que o Estado, em determinado momento histórico, entende necessário transmitir aos seus cidadãos (por isso se aprende história de Portugal com ênfase bem superior a qualquer outra, por isso se estuda Camões e não Cervantes, Eça e não Flaubert, por isso se privilegia a futebolada e se esquece o cricket, por isso se prescinde da obrigatoriedade do latim ou da matemática...).

A polémica, tão anacrónica que até aviltante neste 2024, sobre a educação para a cidadania assenta na falsificação dos âmbitos das chamadas "esferas de valores", a "privada" (familiar) e "pública" (escolar). E advém do catolicismo trôpego que sempre quis recusar a educação (de facto, informação) sexual escolar. Disse-o aqui, e agora sumarizo: o currículo diversificado da "Educação para a Cidadania" é muitíssimo menos demoníaco do que o que alardeiam os núcleos ignorantes do fundamentalismo católico. É criticável: em abstracto, na pluralidade dos seus temas tem dois pontos discutíveis, o propagandear de uma visão hiperliberal da sociedade, na apologia do mitológico "empreendedorismo"; e uma implícita ênfase na benevolência estruturante das relações homossexuais face à violência constante das relações heterossexuais. E (disse-o nesse postal de 2021) "é patente a ausência curricular da apresentação de dimensões virtuosas das formas socialmente dominantes de reprodução social e biológica, as famílias." Mas o que de facto choca os hiperconservadores, o que levanta toda esta polémica, não são estas questões, é apenas uma superficial análise e uma preconceituosa rejeição: afirma-se na escola a naturalidade da homossexualidade. O que "parece mal" aos fundamentalistas católicos, que preferem o silêncio sobre o assunto, mesmo que - como saibam e vivam - tal "acontece nas melhores famílias". É, insisto, ridículo.

8. Ha temas para enfrentar, perspectivas que urge combater? Claro que as haverá. Desde logo esta provinciana vaga dita "woke". Como aqui disse, quantos votos custa um disparate como o caso do teatro da Trindade, com aquele imigrante prostituto a exigir um lugar no teatro e a soi-disant intelligentsia portuguesa a apoiar? Pois é constante e loquaz esta "ideologia de género" incomodando a maioria. Essa ideologia de género de facto existe - apesar dos seus paladinos (oriundos do marxismo e reclamando-se pós-marxistas) refutarem a sua existência, como se naturalizando as suas perspectivas, numa verdadeira falsária contradição com as suas bases teóricas. Pois com eles vivemos a pressão discursiva de um radical neoliberalismo racialista. Pelo qual as sociedades são reduzidas a conglomerados de indivíduos, racionais, movimentando-se autónomos no mercado de género, adquirindo identidades no cardápio de categorias genderísticas existentes, ou a estes criando (numa "destruição criadora"). Algo depois crimado na patética sigla LGB..., consagrando uma aparente infinitude de (id)entidades discretas, o que é uma verdadeira refracção do velho racialismo (de teor efectivamente racista), que presumia que a cada grupo identitário ("raça", "tribo", "etnia") corresponderiam não só características, capacidades e tendências, mas também problemas sociais específicos e reclamando políticas (formas de administração e de apoio) peculiares.

E se esta trapalhada ideológica poderia ser apenas algo risível, a forma como alguns partidos de poder (no nosso caso em particular o PS da geringonça) cooptam estas minorias "activistas", vem influenciando de forma despropositada e desproporcional, as agendas públicas. E induzindo - até porque é esse o seu objectivo - alterações das práticas/opções individuais no interior das gerações mais novas. E isso é necessário combater, até reverter. Sem que implique qualquer aversão às liberdades individuais, à informação, à educação.

Mas também sem implicar a associação a agendas hiper-conservadoras cristocêntricas. E, muito menos, aos políticos demagogos aldrabões. A la Ventura... Assim evitando que sejam os apoiantes destes que se procuram para que ululem "tens aqui a tua gente!".

E como tal, julgo que esta saída do antigo primeiro-ministro consistiu em Passos Perdidos.

Pág. 1/2

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Contador

Em destaque no SAPO Blogs
pub