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Nenhures

Nenhures

30
Mai24

Um novo Zippo

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Há umas décadas a minha namorada deu-me um Zippo, que me era então preguiçosa ambição. Uns bons anos depois, já casados, perdi-o, deixado na mesa de cabeceira de um hotel em Providence, coisas de partida estremunhada e atrasada. Lamentei-o, muito mais a perda do que o mero Zippo. Nunca comprei outro, primeiro naquilo daquele ser assim insubstituível, e era-o. Depois devido àquela utopia do deixar de fumar... E fiquei indígena do mundo dos "bics" e similares.

Há dias, aqui na esplanada olivalense, um dos convivas usou o seu habitual isqueiro, coisa que lhe será até demasiado constante, diga-se... Não sei porquê, talvez o estalido, ou o cheiro da gasolina, ou talvez mesmo o número das "imperiais" havidas, a incendiarem a mecha da nostalgia, não sei porquê, dizia, atentei nisso, sorri-me num "Um Zippo!" e narrei-me, saudoso do tal estalido, do odor a combustível, e mais ainda, decerto, de ser aquele jovem ofertado.

E ontem o homem, verdadeira metade de um casal divertido, simpaticíssimo e elegante - e o bem que me faz assistir à elegância sem ademanes -, que conheci há bem pouco tempo, aparece-me café adentro com uma oferta: um novo Zippo e seus artefactos adjacentes. Fiquei desvanecido. Ou seja, este morcão comoveu-se...

E agora mesmo enrolei um Amber Leaf e estreei-o, ao novo Zippo. Uma cigarrada que me está a saber imensamente bem... Até a sentir-me rejuvenescido.

30
Mai24

As Tâmaras Azedas de Beirute

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O Craveirinha tinha como data de aniversário o (para nós) peculiar 28 de Maio - e isso foi agora recordado. E lembrei-me da última vez que com ele falei. Estava eu na Alfredo da Costa para buscar a recém-chegada Carolina e sua mãe, levando-as para casa, nós encantados e atrapalhados naquele novo estatuto paternal. Pressentindo a azáfama que se seguiria, telefonei-lhe para Maputo ainda do corredor da maternidade, era o seu 80ª aniversário! Foram breves palavras, saudações mútuas, ele convocando a felicidade futura da pós-nascitura, eu aventando-lhe "muitos e bons". Mas não foram... Fiquei uns meses por cá, quando regressámos foi a correria esperada, a rotineira e a de recuperar o que entretanto não se havia feito. Depois soube que estava doente, encolhi-me num "não vou incomodar".
 
Hoje é o dia do "Corpo de Deus". Pouco (me) importam as questões da fé alheia, suspendo o sorriso diante destes feriados religiosos flutuantes, que sempre me parecem inspirações astronómicas em tempos ditas paganismos. Apenas recolho o que me é relevante, noto a festividade como um dia em que os crentes se congregam para convocar o bem. E no qual os incréus seguimos repousando, nisso plácidos. Mais pacíficos do que na labuta. Ou seja, é um dia para o bem no mundo.
 
E por isso me lembro do mais-velho Zé Craveirinha. Em particular de um poema dele. Não o que sinta como um cume da sua obra. E sem que partilhe do simbolismo invectivador que convoca. Explico-me, de antemão: desagrada-me a ideia de serem os judeus (ou israelitas) arvorados em "povo escolhido", nisso com responsabilidades especiais. Ou seja, que o sofrido às mãos nazis (e sob tantas outras, já agora) os obrigue a uma maior benevolência. Pelo contrário, têm o direito de serem como todos os outros povos: e assim péssimos. E os outros, nós neste caso, têm o dever de os aplacar, controlar. E também não vou perorar sobre as causas do "conflito israelo-árabe", que não faltam palavrosos sobre isso, que o anseio fetichista de "tomar partido" é pandemia vigente.
 
Mas há muito que é evidente que os israelitas perderam a tramontana: "Are you out of your fucking mind?", resmunguei em Novembro, pois resmungar é única coisa que um tipo pode fazer. E assim, neste dia para o bem, transcrevo o poema do Craveirinha, escrito no rescaldo de uma sua visita ao Líbano - e que o Nelson Saúte juntou à sua excelente antologia de poesia moçambicana "Nunca Mais é Sábado" (D. Quixote, 2004):
 
Tâmaras Azedas de Beirute
 
 
Plagiando a "blitzkrieg" dos seus saudosos tempos nazis
soldados judeus em apropriados dromedários de aço
de nefastas patas blindadas
assolam o Líbano
E MATAM!
 
Dedico a minha solidariedade aqui mesmo em Maputo.
Sirvo-me da máquina de escrever e da minha insónia
e um sobrevivente palestino na tenda metralhada
ouvindo esta mensagem certamente ficará
grato pela minha camaradagem moçambicana
mas não terá nas suas mãos crispadas
nem sequer uma espingarda a mais
contra as semíticas automáticas
do inimigo.
 
Neste papel estarei quite com a minha consciência
mas as crianças assassinadas terão outra vez vida?
E as tâmaras azedas de granadas deflagrando
serão novamente tâmaras doces
nos desfeitos lares
de Beirute?

29
Mai24

Na abertura da Feira do Livro

jpt

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A mistura de excesso de livros em casa com a penúria orçamental, já para não falar de algum fastio com as "novidades" (sorrio diante do afã com as novas "A história da Palestina" ou "Israel", da "Rússia", dos "Fascismos", etc., pois um tipo folheia-as e constata que as velharias que tem em casa são bem mais suficientes) torna-me um window shopper na Feira do Livro, daqueles clientes que apenas atravancam os balcões sem levarem um mono que seja. Consciente disso - e até porque as barracas de "comes e bebes" têm preços inflacionados - não tenho passeado por lá.
 
Assim, nos últimos anos só tenho ido para a apresentação dos livros de amigos. Lembro as sessões do "A Cidade Suspensa" do Miguel Valle de Figueiredo (da FFMS), do "Sair da Estrada" do Paulo Dentinho (da Caminho), do "Antes Que a Gente Morra" do Nuno Quadros (na Dinalivro), do "Transcolonial" de João Pina-Cabral (ICS), sempre presumindo - e às vezes acertando - que seriam pretextos para convívio e um copo. E também me lembro de no ano passado ter lá ido para ouvir o excelente Jerónimo Pizarro - emérito editor pessoano (na Tinta-da-China) -, que acabara de conhecer em Bogotá. Ficam aí as referências aos livros, que já não sendo "novidades" bem que justificam serem procurados e levados para as casas ainda deles desprovidas. Ou ofertados.
 
Enfim, a Feira - que abre hoje - para mim agora é mais isto do que "compras". E parece-me que este ano não terei amigos por lá activos, pelo que não me parece que a visitarei. Mas nesta azáfama livreira e autoral já vi um anúncio apetecível. No dia seguinte ao final da Feira, 17, no Capitólio falará Peter Frankopan, interessantíssimo autor. É de ir (e de ler, claro).
 
(Agradeço à equipa da SAPO o destaque atribuído a este postal)

25
Mai24

25 de Maio, o aniversário

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Hoje, 25 de Maio, é o dia da Argentina - para mim sempre a terra de Jorge Luís Borges, que me desculpem todos os outros argentinos este aparente, mas de facto inexistente, desprimor para com todos os compatriotas. E também o dia de África. Saudações àqueles que queiram celebrar.
 
E é também o aniversário da minha filha Carolina. Há 21 anos celebrámos o seu primeiro num almoço (num restaurante italiano na Engels, já desaparecido e do qual esqueci o nome), entre os argentinos de Maputo, por convite dos tão queridos Miguel e Susana. Nos anos subsequentes houve umas festas divertidíssimas, sempre por iniciativa da extremosa mãe. Lembro-me de num ano estar no célebre Kampumo com alguns pais, já acelerados na noite longa, eles lamentando-se de que no dia seguinte teriam uma festa matinal - era a nossa!, ri-me... Pois a mãe da Carolina introduzira nesse ano o "brunch" infantil, que depois tantos de nós, e eles também (afinal!?!..), acabámos em jantar, bem festivo, diga-se... Ou, entre outras, numa para mim comovente festa (o 9º aniversário) na belíssima Casa Macamo, na qual o grupo do excepcional Mário Mabjaia representou uma versão infantil do "O Círculo de Giz Causasiano" de Brecht. Ia eu chorando, e não por causa de ter bebido em demasia. E as crianças absolutamente encantadas. Uma cena absolutamente extraordinária.... E depois a sucessão das festas em nossa casa: "pai, podes não convidar todos os teus amigos?", "podes não convidar todos os pais dos meus amigos?", dizia-me ela, já entrada no secundário, querendo preservar o seu espaço e nós todos, velhos pois adultos, sequiosos de celebrar as vidas, prolongando-nos tardes e noites afora...
 
Hoje, segue já nos 22 anos, não mais a "minha princesa" (carinho que as megeras de agora tanto criticam), mas sim a "rainha" dela própria, lá longe na pérfida Albion. Mas para mim sempre, claro, esta menina fotografada pelo meu companheiro Pedro Sá da Bandeira. Com uma mãe (muito) competente, um pai que é o que se arranja. E que, querida, às três horas desta tão longa noite ouve o "Mon Couer est Rouge" do Keith Jarrett. E é festa suficiente.
 
Avante.

22
Mai24

A razão de falar sobre livros

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Meti-me nesta coisa de falar sobre livros que leio - ou (re)li. Em registo despretencioso, e mais do que tudo ambiciono não soar pomposo. Vou ver se tenho energia para ser perseverante nisso... O propósito, disse-o na primeira publicação, é conversar sobre livros com os "amigos" - os reais e os digitais. Já tive bons ecos disso, dois deles a pedirem-me livros emprestados, e sobre livros não há nada melhor do que... emprestá-los. Contrariamente ao que os decoradores de estantes sempre afivelam, muito ciosos de que nessa recusa simbolizam o seu apreço pelas "letras", pobres coitados. E quero ilustrar o que é esta coisa boa de se conversar sobre livros.
 
Um pouco antes disto das "redes sociais" alguns escrevíamos em blogs, tanto que até se falava de uma comunidade blogal, aquela "blogosfera". Interagia-se muito. Em debates, até em questiúnculas, em referências (os chamados "links" por aqueles que desconheciam o termo "elo"). Isso eram conversas, às vezes ombreando, outras conflituando. E nisso ouvíamos-nos (líamos-nos). Para exemplos, por questões políticas passei anos a resmungar com o senador blogal Luis Novaes Tito e por razões do meu encanto com Moçambique outros anos passei a seguir a louvar o belíssimo blog do André José. E assim (através dos tais "links", aliás "elos") ecoando-os, explicitamente... Isso perdeu-se nestas "redes sociais". Às vezes "partilha-se" algo alheio, muitas vezes "gosta-se" ("laica-se", dizem os imberbes e as ainda pré-menarcas). Mas nesse frenesim não se identifica, não se refere, não se... remete. Não se explicita aquele "vão lá ler aquele tipo". Ou seja, até paradoxalmente, a "rede social" impessoaliza-se, torna-se um mero (e extenso) rol de itens, não um agregado de gentes conversando.
 
Vem-me isto a propósito destas minhas "conversas" sobre livros, estes "estou a ler isto". O Carlos Sousa de Almeida (lá está, identifico e remeto) - que tem um bom mural no Facebook, do tão interessante que lá deixa - é gentil, elogia, e reconhece, sorridente (percebo-o), que "você gosta de fazer isso". É verdade, gosto de falar sobre livros, e faltam-me essas conversas. E, também o disse, é melhor falar do que escrever - pois na escrita tendo ao orlar ("tens/tem uma escrita rebuscada", já me escreveram 3 dos poucos incautos que compraram o meu "Torna-Viagem", esse "flop" que fica na minha "história de vida"). Ou seja, mais vale falar, sem ademanes. E sem palavrões (por mais que muitos livros mereçam pragas, devidas à forma e, acima de tudo, ao conteúdo apresentado).
 
Por que gosto eu de conversas sobre livros? É simples, pelas algumas pistas simpáticas que poderão aparecer. Mas principalmente pelas memórias ressuscitadas que acontecem. No pimeiro filme que fiz no meu mural de Facebook comentou o Acácio Manuel Maia Carreira - que eu conhecera há 30 anos quando ele era leitor do Camões em Nampula e que reencontrei agora - dizendo-me que naquele meu registo lhe apetecia reler o Calvino.
 
Sorri, iluminado. E interrompi-me, Fui à estante, até à prateleira do Calvino. E, só por causa do bom do Acácio, reli o "6 Propostas para o Próximo Milénio", um pequeno tesouro de inteligência. Cuja leitura completara no... 25 de Junho de 2001 em Xai-Xai, está lá escrito. Quando eu era imensamente feliz. E seguia, qual verdadeiro milenarista, cheio de propostas para o próximo (este) milénio. O Acácio (e o Calvino também) levaram-me assim, pela mão, até àquele jovem Zé Teixeira de quem eu, apesar de tudo, gostei. E depois, por causa da mesma influência, surgida devido à tal "conversa sobre livros", avancei para a releitura do maravilhoso "As Cidades Invisíveis" desse mesmo Calvino. Para apanhar logo na primeira página este meu veemente sublinhado, aposto em 1995!. Que transcrevo, para que se perceba o quão bom é.... falar sobre livros e assim a eles regressar:
 
"Na vida dos imperadores há um momento, que se segue ao orgulho pela vastidão ilimitada dos territórios que conquistámos, à melancolia e ao alívio de sabermos que em breve renunciaremos a conhecê-los e a compreendê-los; um sentimento como que de vazio que nos assalta uma noite com o cheiro dos elefantes depois de chover e da cinza de sândalo que arrefece nas braseiras; um vertigem que faz tremer os rios e as montanhas historiadas em fila na exuberante garupa dos planisférios, que enrola uns nos outros os despachos que nos anunciam a derrocada dos últimos exércitos inimigos de derrota em derrota, e tira o lacre dos selos dos reis de que nunca se ouviu falar e que imploram a protecção das nossas armadas que avançam em troca de tributos anuais em metais preciosos, peles curtidas e cascas de tartaruga: é o momento desesperado em que se descobre que este império que nos parecera a soma de todas as maravilhas é uma ruína sem pés nem cabeça, que a sua corrupção está demasiado gangrenada para que baste o nosso ceptro para a remediar, que o triunfo sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros da sua longa ruína."
 
É perceptível a razão que me leva a gostar de conversar sobre livros?

18
Mai24

Ser feliz

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Com a idade chega o desencanto, na morte dos queridos e dos conhecidos - qual bosque a desmatar-se -, no sopesar dos falhanços próprios, na escassez de vontades, no esboroar de horizontes, qual o punk "No future". No pesadelo com a "Mitra". Em tudo isso germina, e de que maneira, a acidez, ensimesmada. Em suma, a tristeza. Quotidiana.
 
Ontem um grande amigo, daqueles "dos tempos", chamou-me a jantar, deu-me excelentes notícias suas, para minha satisfação. E coligámo-nos com casal de amigos, mais recentes. E excelentes. Corremos até uma das últimas tascas da Lisboa velha - 12 euros por cabeça, invejai-o. Resmungámos, noblesse oblige, a Lisboa agora turística - qu'eu diante da "Taberna Minhota" feita miserável kebab, depois de cruzar tantos "bistro"(s), "pizzeria"(s) e "wine bar"(s) fico quase qual o energúmeno Ventura. E avançámos por nós mesmos, discorrendo risonhos sobre projectos e modos de os conseguir, mariolices várias também, aquilatámos o futuro próximo do país, recordámos escritores (Nemésio, Onésimo, outros e outras mas não outr@s), eu nisso até de sorriso já escarificado, como se eterno, entenda-se.
 
A palavras tantas toca-me o telefone. Lá de longe três queridas, queridíssimas mesmo, amigas, falando-me da Ponta do Ouro, num "lembrámo-nos de ti e telefonámos", dito entre risos ("de que se teriam lembrado/falado?", "nem quero saber...", pensei, timorato). Que estavam diante do mar, sem luzes e no silêncio, dizem-me. Assoma-me uma vaga de nostalgia do Índico, aquela do "que faço eu aqui?", o estilete que ainda me vai ferindo. E reajo, irónico, num "estão a querer magoar-me", no jingar daquele bem-estar? "Stronzo!", recebo de volta, "estamos a partilhar contigo", e é óbvio que é isso, e assim o recebo, inundando-me, chapinhando na Ponta enquanto aqui na bela Lisboa de ontem à noite.
 
Na alvorada vejo ter recebido no telefone esta fotografia, também lá do Índico outra querida amiga num "olha o que eu descobri", mensagem saudosa, carinhosa. Vejo-me ali, com a Ana Loforte, minha chefe durante década e meia, a tão saudosa Amélia Souto, a Conceição Osório e a Teresa Cruz e Silva. O escol da academia moçambicana, e eu ali no meio, em algum almoço de trabalho. Com ar feliz! Estremunhado ainda, surpreso, deixo cair diante da fotografia-memória o tão clássico "era feliz e não sabia".
 
Depois bebo o café matinal, fumo o primeiro Amber Leaf. Regresso à fotografia para a gravar. E também às memórias de ontem. E digo-me "Stronzo!", com veemência. Pois com este convívio vivo, estas lembranças de antes e de agora, estas amizades, "eu sou feliz e devo sabê-lo!".
 
"Eu sou feliz, e devo sabê-lo!". E para mim estipulo que escreverei isso 100 vezes no quadro! Num como o que está na fotografia. Para não me deixar esquecer isso.
 
Esta é a primeira da série.

16
Mai24

Sobre os livros que vou lendo (2): 25 de Abril Sempre!

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Falo destes livros:
 
1. Eduardo Gageiro, 25 Textos de Autores Portugueses Sobre Fotos de Abril (Avante, 1999);
2. Mia Couto, Vinte e Zinco (Ndjira/Caminho 1999);
3. Sebastião Salgado, Um Fotógrafo em Abril (Caminho, 1999);
4. Mário de Carvalho, Apuros de Um Pessimista em Fuga (Caminho, 1999);
5. António Borges Coelho, O 25 de Abril e o Problema da Independência Nacional (Seara Nova, 1975);
6. Alfredo Cunha, O Dia 25 de Abril de 1974: 76 Fotografias e Um Retrato (Contexto, 1999);
7. J.M. Lameiras, J.P. Paiva Boleo, J. Ramalho Santos, Uma Revolução Desenhada: o 25 de Abril e a BD (Afrontamento, 1999);
8. Adelino Gomes, José Pedro Castanheira, Os Dias Loucos do PREC (Público/Expresso, 2006).

15
Mai24

O Aeroporto "Luís de Camões"

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1. Da construção de aeroportos nada percebo. Diante do anúncio da construção do futuro serviço lisboeta ocorreu-me uma previsão e uma preocupação: a) já serei pasto de compostagem quando aquilo for inaugurado; b) que impacto poderá ter na Academia de Alcochete?
 
2. Na alvorada leio várias críticas, sarcásticas ou até indignadas. Não à construção, ou aos critérios da escolha - coisa mais complexas de abordar. Mas ao nome escolhido, o "Luís de Camões", matéria mais acessível ao perorar cidadão. Para mim a questão é simples, as estações aeroportuárias devem ser nomeadas como as ferroviárias: a estação do Rossio, o aeroporto da Portela de Sacavém... Sem mais.
 
Ainda assim, a dar-se um epónimo ao novo aeroporto poderia ser "Bartolomeu de Gusmão", recuperando-o até aos brasileiros, ou nisso "incentivando" o espírito daquilo da CPLP. Mas é óbvio que se tal acontecesse o jornal "Público", esta versão trimestral do presidente Rebelo de Sousa, a página "Buala", o partido LIVRE, a rede de "activistas", o professor Bethencourt, o colectivo CES coimbrão, as ramificações entre Campolide e as Forças Armadas, e outros, tudo se uniria a denunciar a inadequação dessa opção, dado o estatuto e vivência colonial do jesuítico Bartolomeu, desprovida que foi a sua vida de denúncias anti-racistas e de militâncias libertadoras.
 
Ou então, e seria a minha preferência, poder-se-ia escolher Aeroporto "Fernão Mendes Pinto", esse verdadeiro arquétipo do português histórico, o grande viajante errático, o maior narrador da tal "gesta". Mas também os "intelectuais orgânicos" e os "activistas" se ergueriam, avessos, pois ao mariola, por mais complexa de ambivalente seja a sua "Peregrinação", não se pode atribuir o estatuto de antepassado de Fanon, Said ou mesmo a condição de "subalterno".
 
3. Vêm estas aceradas críticas ao "Luís de Camões" de trabalhadores intelectuais, alguns sendo professores - universitários, liceais -, até mesmo pedagogos de questões literárias. São todos do mesmo universo "moral": a "esquerda", identidade que lhes servirá de unguento para o cieiro da alma, escalfeta do ânimo, pilates do intelecto. Pois se assim são nada sinistros seguem, lutam pelo "bem" e pelo "certo", capazes de análises profundas, assentes em conhecimentos desalienados. Invejo-os, deve ser bom ser tão bonito.
 
A nenhum destes intelectuais li críticas, resmungos que fossem, quando se percebeu que o antigo ministro da Cultura - o socratista Adão e Silva (um daqueles frenéticos publicistas que defenderam Sócrates até ao fim, como Galamba, Vale de Almeida, Câncio e quejandas execrandas figuras) - se esquecera de comemorar o quinto centenário de Camões, decidido para este ano.
 
As razões para tal são simples: não podem dizer mal da "esquerda", socratista ou outra, pois os "neoliberais" e os "fascistas" estão à espreita, sedentos... Daí que urge criticar, seja lá o que for, vindo da "direita", agora no governo. E, acima de tudo, não sabem que fazer do "Camões", agora que há estas críticas "decoloniais", "póscoloniais", e do próprio Professor Rebelo de Sousa.
 
4. Como tal, e ainda vamos só na madrugada seguinte, toca de criticar a opção, como "pirosa" ou coisa similar. E feita por um PM e seu governo, aos quais logo se aponta não serem militantes leitores, até especializados, de Camões.
 
De nada valerá dizer a estes sábios e pertinentes intelectuais que países nossos congéneres têm aeroportos nomeados por figuras grandes das culturas locais: "Aristóteles" (haverá melhor nome para um aeroporto?), "Liszt", "Prokofiev". Pois "com o piroso dos outros posso eu bem", logo ripostarão eles. E também de nada valerá opor-lhes o espúrio que é o habitual costume de nomear as instalações com nome de políticos, frenesim dos seus correligionários em busca de eternização (de Jan Smuts para Joanesburgo e daí para Oliver Tambo, para exemplo). Para além do extremo mau-gosto de chamar "Francisco Sá Carneiro" (já agora, o regime conseguiu ao fim de 45 anos ter uma versão sobre o incidente aéreo que o vitimou?) a um aeroporto inaugurado quando o antigo PM tinha... 11 anos.
 
Mas de nada valerá dizer-lhes isto. Pois são cultos, analíticos, pertinentes. De "esquerda", entenda-se. Ariscos aos poderes, julgam-se e dizem-se. Ariscos aos políticos, os de "direita", os que não lêem. Nem Camões nem o resto...
 
5. A estes intelectuais - universitários, liceais, liberais - desagrada o nome "Camões", pois "fascista", "colono" e, pior, "piroso". Mas a nenhum deles li críticas quando, há anos, o governo socratista mandou chamar "Humberto Delgado" ao aeroporto da Portela. Apupam este Montenegro e seus segundos por não terem lido Camões. Mas eles, os tais intelectuais, engoliram sem mais a mitografia do "reviralho", a grande democraticidade do afinal proto-generalíssimo Delgado. E, ainda que intelectuais - sábios e pertinentes -, não o leram. Nem aos seus elogios, ele homem feito, oficial instituído, II Guerra já avançada,  Wermacht URSS adentro, ao grande Adolf Hitler. Nada disso os incomodou...
 
Estes tipos não são ariscos. São bichanos... Uma "esquerda" bichana.
 
(Adenda: agradeço à equipa da SAPO o destaque dado a este postal, também colocado no Delito de Opinião.)

14
Mai24

A Adega do Isaías, 30 anos depois...

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É o "A Bola", claro, sempre consabido e fiel órgão oficioso de uma popular agremiação lisboeta, que recorda a efeméride: hoje, aos 14 de Maio de 24, cumprem-se exactamente 30 anos que jantei no "Adega do Isaías", então renomado restaurante em Estremoz.

Regressara há poucos dias a Portugal, depois de ter trabalhado durante 3 meses na África do Sul como observador eleitoral, aquando da ascensão de Nelson Mandela à presidência. Fora uma experiência extraordinária, exaltante, imensamente marcante, e não só por ter sido a minha primeira viagem em África. Tanto que a tentei descrever, e à influência que em mim teve, através de dois postais, distanciados no tempo: o "Now is the time: Nelson Mandela" e o "O Corredor" - e a ambos coloquei na minha selecção de uma centena de crónicas, o "Torna-Viagem" (o qual, repito a tentativa de o impingir, se pode encomendar através desta ligação aposta no título).

Naquela época (e não só então, e não só então...) eu estava muito enlevado - para não dizer de outra forma - pela minha namorada, condição que já não era recente. À chegada, saudoso, logo marcámos para o primeiro fim-de-semana uma incursão a Estremoz, uma bela opção havida por razões que já não recordo. E assim avançámos, ficando albergados numa linda casa em recanto bucólico, até idílico, poiso que decerto veio depois a ser considerado "de turismo rural". 

Ao segundo dia da estada, no sábado, aconteceria o Sporting-Benfica, em plena fase final do campeonato, esse que estava destinado ao nosso Sporting, então possuindo uma magnífica equipa: treinada pelo professor Queirós, que à pátria dera recentemente dois tão entusiasmantes títulos mundiais, blindada por uma excelente parelha de centrais (Valckx e Vujacic), dificilmente repetível, e orlada por um meio-campo luxuoso, esse sim mesmo irrepetível, verdadeiros "Quatro Violinos" (Figo, Capucho, Paulo Sousa, Balakov). E para conclusão, lá na frente impunha-se o codicioso avançado Jorge Cadete, oriundo da antiga Porto Amélia, então já Pemba - terra para onde eu me aprestava a partir para um também entusiasmante semestre de "trabalho de campo".

O jogo teria transmissão televisiva. No nosso refúgio havia uma televisão, algo que à chegada eu havia considerado inútil, até intrusivo, em tal local. Durante a tarde a beldade, sempre completamente alheada das coisas do futebol, disse-me "vês o jogo e depois vamos jantar", ao tal restaurante que nos havia sido basto recomendado, dito como "o" verdadeiro sítio estremocense. Logo refutei a proposta, pois era o que faltava, abstrair-me dela apenas por causa de um mero jogo da bola... Pois o Amor impunha a sua Lei, em regime de "servidão voluntária", como havia dito o La Boétie (falando, é certo, de outras coisas). Assim abdiquei de ver a partida, imunizando-me às vãs paixões futebolísticas, e naquele fim de tarde fomos passear pelas redondezas. Nunca soube se ela percebeu a magnitude daquela minha atitude, o seu significado - mas é certo que depois casou comigo, tivemos uma filha, e aturou-me mais vinte anos, é capaz de ter compreendido...

Pela hora de jantar (jogo da bola completamente esquecido) entrámos em Estremoz e fomos até ao tal "Adega do Isaías". Uma casa aprazível, numa decoração típica, mais que acolhedora, até reconfortante, de cariz etnográfico, na mesa para nos receber foram instalados uns acepipes iniciais consuetudinários, lembro-me que de fino recorte técnico. Mas num dos topos da sala estava uma televisão - ainda nada de ecrãs engrandecidos que vieram depois a vigorar -, e diante dela estavam congregados alguns clientes locais. No recato da disciplina auto-imposta sentei-me de costas para ela, encarando a amada. Nesse entretanto, e através do empregado "...do Isaías". soube - teve de o ser - estar o jogo no intervalo, que o Benfica ganhava por uns (inusitados) 3-2. Acolhi o prometedor cardápio com um sorriso complacente, convicto que aconteceria a reviravolta ("remontada", espanhola-se agora) do nosso Sporting, e divergi a minha atenção. Ainda assim pelo canto do ouvido notei que na reentrada em campo o prof. Queirós havia tirado o lateral-esquerdo Paulo Torres...

E logo depois o ulular dos restantes clientes fez-me notar que o Isaías - não o do restaurante mas sim o jogador do Benfica - cavalgara à desfilada pela avenida onde já não estava o tal Paulo Torres e marcara o 4-2. Petisquei mais uma lasca de enchidos locais, entrecortados por azeitonas verídicas, ainda mergulhado na carta dos vinhos. Breves minutos passados, ainda rodando o primeiro copo de um bom tinto, que me acalentava sonhos de futuros comuns, o "Isaías" restaurante tremeu com a gritaria estremocense, pois o outro Isaías -. o de Carnide - tornara a cavalgar, com os sequazes, a tal avenida desprovida do Paulo Torres, fazendo o 5-2. Mantive-me impávido, soberbo, nem olhei para o ecrã. Naquela "Adega do Isaías" indiferente aos feitos do Isaías.

Nunca mais voltei a Estremoz. E ainda hoje estou crente de que a minha vida teria sido diferente se o Paulo Torres não tivesse sido substituído.

(Adenda: agradeço à equipa da SAPO o destaque dado a este postal - também colocado no Delito de Opinião - na simpática rubrica "Palavras de blog", devido à "consuetudinários" que aqui usei.)

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Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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