Idadismo
O "idadismo" é a única das "discriminações" que o actual identitarismo esquerdista ainda aceita.
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O "idadismo" é a única das "discriminações" que o actual identitarismo esquerdista ainda aceita.
Não acompanhei o festival de abertura dos Jogos Olímpicos, dei-lhe alguns soslaios durante o fim de tarde no café. Notei que chovia imenso, o grande Zidane e o grande Nadal, e nem etc. e tal. Alguém me disse, meio surpreso meio escandalizado, que o músico Snoop Doog carregara a tocha olímpica - na senda de Olivia Newton-John que também o fizera in illo tempore, tal como mais alguns outros músicos esquecíveis e esquecidos. Surpreendi-me mesmo, pois nunca ouvira falar desse artista.
Depois li que a organização se desculpou, devido aos imensos protestos com um trecho, aquilo de terem posto uns mariolas transformados em mulheres histriónicas a glosarem os apóstolos da "A Última Ceia". O encenador Jolly, atrapalhado, veio afiançar que não se tratava disso, remetendo a influência para um qualquer "olimpismo", clássico. Está-se mesmo a ver que não foi o caso, é evidente que Jolly e sua equipa se grisaram imenso a meter @s drago@s ao barulho naqueles preparos.
Um tipo pode lembrar que os JO são (isso sim, desde os tais clássicos) um período de suspensão, tréguas. E que assim Jolly e Cia podiam ter dado tréguas aos católicos. Como deram aos judeus - dos quais há tanta tradição em França que até os vêm perseguindo, não só em célebre "affaire" como até também ajudando os primos alemães a levá-los para leste do Hexágono (assunto que não foi abordado no festival, ao que me parece, que foi mais atento aos nobres guilhotinados). E como deram aos islâmicos, que também os há em França, ao que consta.
Mas estas indignações por cardápio também têm muito que se lhes diga. Os tipos da "Charlie Hebdo" foram massacrados por este tipo de "ofensas", implacáveis que eram (e são). E muita gente se esquece que em democracia não há o direito de não se ser ofendido. Pode-se é dizer, como o Diácono Remédios dirá, "não havia necessidade...".
O Partido Comunista Português é agora um pequeno partido português, decadente. Tem quatro deputados eleitos: Paulo Raimundo (o seu secretário-geral), Paula Santos, Alfredo Maia. E António Filipe - esse que chegou a ser presidente da AR, patética iniciativa simbólica no primeiro dia desta legislatura, dado ser o decano do parlamento vigente. Personalidade política execrável, como patenteou no seu apoio constante, sarcástico, inumano até, à invasão russa da Ucrânia. E que tão louvado foi quando nas penúltimas legislativas até surpreendentemente não foi reeleito, coisa dos ademanes da corporação vigente no "campo político". Estes quatro indivíduos (Raimundo, Santos, Maia e Filipe) acabam de produzir este texto sobre as eleições deste fim-de-semana na Venezuela, absolutamente laudatório do regime de Maduro.
A propósito da actual situação eleitoral troquei ontem mensagens com amigos residentes nos países vizinhos. Digo-lhes sobre este texto. Do Brasil, saído de um encontro com estudantes de ciências sociais venezuelanos ali refugiados (que não constituem um núcleo da "extrema-direita", com toda a certeza), um amigo e colega espanta-se com o rumo das gentes da Soeiro Pereira Gomes. E logo me envia um texto com a posição dos comunistas venezuelanos, linearmente avessa à manipulação do regime de Caracas.
Entretanto a missão de observação eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) repudia o processo eleitoral. Na vizinhança os países reagem, de forma matizada, o que é normal face à complexidade da situação e às articulações internacionais. Os governos ditos de "esquerda" também têm posições diversas: no Brasil Lula da Silva é Lula da Silva, e já sufraga a situação; mas o Chile de Boric refuta o processo, originando conflito diplomático, e convulsões políticas no seu próprio governo (Boric tem um governo de coligação no qual está o PC chileno); enquanto em Bogotá Petro mantém o silêncio. No país há contestação popular, violentamente reprimida, e Maduro afirma os manifestantes como "drogados e mercenários". As forças armadas do país suportam o regime e denunciam o "golpe de Estado mediático". E, sempre sinal bem denotativo, não há manifestações de júbilo pela vitória.
Nada disso - a realidade, as características do regime de Maduro, a fraude em curso, a sua via repressiva e âmago cleptocrático, as próprias declarações dos seus congéneres e camaradas venezuelanos - conta para os 4 deputados do PCP, Raimundo, Santos, Maia e Filipe. Não seguem qualquer "coerência" ideológica. Nem têm - como pequeno partido de outro continente - quaisquer preocupações geoestratégicas. São apenas o que são, boçais.
O dia fora péssimo, acometera-me uma irritação gigantesca - desnecessária de injusta que tanto a senti -, nisso um gigantesco pico de tensão, tamanho que me ocorrera, ainda que militante anti-hipocondríaco seja, um "será isto um enfarte?". Mas bom amigo havia-me desafiado para ir petiscar jantar e não me neguei, num "navegar é preciso...", urge viver a vida, parca que esta seja, e sempre na crença de que o bom convívio é bálsamo. E assim acorri ao "Gambrinus", o balcão lendário, no qual não aportava desde o covid, malvado.
Está o estabelecimento como sempre esteve, excelente! E nisso o que este - cada vez mais frugal - cliente realça é a qualidade do serviço, a elegância sem mesuras, a atenção acolhedora, a boa educação para isso sumarizar. Cada vez mais rara na cidade, massificada e gentrificada, assim boçalizada. Fomos ambos parcimoniosos, ele bebendo cerveja de pressão mesclada, ali dita "mestiça" - "já não se pode dizer mulata, pá!", esclareceu-me, sábio [Adenda: de imediato recebo nota de um amigo, verdadeiro veterano e sábio: e diz-me ele, "não era nem mulata nem mestiça, era um "gambrinus"!!" Obrigado, Nuno, temos de lá ir "antes que a gente morra"]. E eu fiquei-me na clássica "loura", a qual também mudou de epíteto, é agora remediada como "branca", derivas até paradoxais da actual higiene semântica. Entretanto, ocorreram-nos umas importantes torradinhas debruadas a fino presunto, que por si só justificariam a visita. E cada um de nós enfrentou um trio de croquetes, esses ex-líbris da casa, deliciosos como sempre o foram, satisfazendo o agora também ao convocarem laivos de memórias de incursões no antanho, naqueles apetites juniores ali mesmo recompensados. Este decorrer exagerou-nos a gula, e por isso coroámos o repasto com um prego per capita, "meio-termo" como o deve ser, cuja definição apropriada me exigiria o socorro de um qualquer dicionário de adjectivos, dada a extrema compostura do que me foi apresentado.
Neste entretanto foi diversificada a nossa conversa, flanámos as questões do mundo e da pátria. E depois disso nos apartámos, mergulhando em coisas de livros, lidos e feitos, conversa que se impunha, pois é ele já responsável por um punhado destes - um dia até se deu ao trabalho, gentilíssimo, de peneirar uma Antologia do Delito de Opinião, blog onde ombreamos, e no qual ele vigora como coordenador -, e acabara de apresentar o seu último "Tudo é Tabu",
cujo tom freudiano é apenas fonético, uma boa e até urgente "denúncia" do denuncionismo vigente, essa mania dos gringos para cá já importada, e com vigor. Obra que lhe invejo, pois bem ufano ficaria eu se a tivesse feito (e ao trocadilho do título também...).
E nesse entretanto digo-lhe que estou a ler um livro de nosso confrade bloguista e camarada de bancada (mais dele do que de mim, que sigo demasiado relapso ao José de Alvalade), o "Terra Firme", uma incursão pela produção alimentar no Alentejo, do qual muito estou a gostar, pela escrita, nada torneada à máquina sim bem moldada, e nisso macerada de devaneios.
Mas mais ainda, até nisso surpreendido, dada a pertinência analítica e opinativa do José Navarro de Andrade - o qual arranca amiúde certeiros diagnósticos como este, logo à ombreira deste seu alentejanar: "Mas o que é tangencial para os idosos, para os novos é o epítome do inferno. Na desimpedida paisagem do norte alentejano, capaz de encantar os sentimentos telúricos dos forasteiros, os jovens defrontam uma wasteland sem trabalho para eles; e qualquer esboço de ambição que acalentem de uma existência além de sofrível não cabe ali. Entre velhos e novos, todos os outros ficaram por lá ficar, nem sempre pelas más razões; uma vida ao arrepio de sobressaltos não é um bem negligenciável para quem tende a observar os sinais de progresso pelo óculo do atavismo. Vai-se a ver o Portugal contemporâneo, no estado em que se pôs, e poder-se-á reflectir se afinal este cepticismo não terá sido avisado" (11). Ele ri-se quando partilho a minha surpresa face ao Navarro armado de escalpelo assim tão aguçado, e nisso obrigo-me a explicar, não fosse deixar medrar engulhos futuros, até melindres, desse que nunca se sabe...: o Navarro é companheiro e bem simpatizo com ele, mas deve ser o único sportinguista que detesta, e nisso é bem veemente, não só o Bruno Fernandes como também o Pedro Gonçalves, o que me deixou dúvidas sobre as suas análises para além-da-bola. Desfeitas agora...
E continuando neste rumo de leituras amiguistas - mas para me encenar como leitor ávido, que o homem é mesmo voraz nisso -, referi ter acabado este curioso "A Sorte que Tivemos! Um Espectáculo Sobre Abril", um quinteto de textos, um do bom do António Cabrita, ainda lá por Maputo, e que eu vira (com o Navarro, pois eles são amigos) há poucos dias, dois de Rui Cardoso Martins, o qual sempre lembro com um dos raros bons cronistas na "imprensa de referência", nas belas peças nas quais nos trazia a vida dos tribunais, e nisto decerto o apouco, pois dizem-mo bom romancista, e outro de Jacinto Lucas Pires, de quem eu nada lia desde há já décadas.
O Pedro entretanto aflorara já alguns dos seus projectos de escrita - pois o homem não abranda -, e convocou-me a que me explanasse eu sobre o tão íntimo assunto, inquirindo se estou a seguir os seus bons conselhos. Eu ri-me, pois desde há muito que me exige ele avançar eu numa colecção (re)escrevendo textos (de blog) em que articulo com o meu pai, o "Camarada Pimentel" - "para quê, não terei editora para isso", sempre tartamudeio, "pouco importa isso, avança", responde conduz, a distribuir alento. Mas agora ri-me, e por causa outra: pois neste "A Sorte Que Tivemos!" há um outro texto, "O Cavalheiro de Abril", dedicado ao tal camarada Pimentel. Uma verdadeira delícia - pelo menos para mim, filho do descrito homenageado -, a deixar-me - mas isso não disse ao Pedro, pois não são coisas confessáveis - choramingando, mesmo chorando, também decerto por estar aqui no escritório dele, diante da sua secretária, na sua poltrona, entre as suas estantes e tantos dos seus livros. Belíssima peça esta vinda da Patrícia Portela, neta amada do meu pai, assim minha sobrinha, e mais do que tudo filha da minha mana tão querida.
"Não seja por isso", sorriu o Pedro, "avante nisso, e agora ainda mais!". "E também nessas outras tuas ideias", que já me havia eu gabado de uma colecta de resmungos, já reescrita e de título armado, para além de uma espécie de catarpácio de antropologia, minha tapeçaria de Penélope.
"Mas para quê?", insisti eu - e nisto já estávamos, a meu pedido, num breve Famous Grouse, vitualha mais adequada a resmungos. Pois se um tipo pouco vende, assim quase nada será lido, de que vale tamanha azáfama? E repeti-lhe, o meu "Torna-Viagem", que me deu uma enorme trabalheira, vendeu 160 exemplares. "Isso é muito bom!", "e ainda por cima nesse sistema de venda por encomenda na internet", disse-me, de novo ensaiando o alentar-me (um "coaching", diz-se no português actual).
Eu gargalho - nada como o tal uísque na mão, não há dúvida - e conto-lhe que aquando das 150 vendas fiz uma informação geral para os meus amigos e conhecidos, anunciando o facto. Descurando aquilo que dissera há meses a um velho amigo - romancista, e bem credor de melhor do que o silêncio leitor que recolhe. O qual é desde sempre, da nossa adolescência, dono de uma consagrada rispidez mas que me acolheu certa vez com surpreendente benevolência, elogiosa até, tanta que temi aparentar eu estar com aspecto deveras moribundo. Mas depois percebi-nos, ele decerto me andaria a ler in-blogs, e tive de o avisar - nisso libertando-o, para que voltasse ao registo agreste que é o dele, é ele, e é assim que deve ser - "éh pá!, atenção pois a autoderisão sarcástica não é lamúria!", ao que ele, lépido, ripostou "mas tens de meter um emoji, que agora já ninguém percebe as ironias"...
Mas, dizia eu, às 150 vendas fiz uma "circular" anunciando o facto. Era o número da minha anunciada utopia comercial! Mas a mensagem era também um sarcasmo, autofágico, e escrevo-o aqui como se fosse o tal emoji. E logo várias pessoas saudaram o sucesso, três académicos publicados dizendo-o com evidente sinceridade, dois outros autores também, sem pingos de ironia, sem odores de "coaching" - coisas que se detectam nas sintaxes, nos léxicos, nas entoações.. Ao que o Pedro, veterano da escrita publicada, resume: "mas são mesmo bons números, há muitos livros mas vendem pouco", haverá leitores e leituras, mas debruçados sobre temas e tons muito diversificados.
E "o que é necessário", aconselha mesmo, "é que sejamos nós mesmos a fazer a divulgação". Pois não serão as redes sociais - e até porque já desfeita a confraria do bloguismo -, e menos ainda a imprensa. "Já o fiz", defendo-me. "Insiste", diz, autocrata, "repete!". "Impinjo?", aflijo-me, escorropichando o uísque. "Pois!", diz o mais-velho.
E assim saí, saímos, do belíssimo e tão recomendável "Gambrinus". Eu com esta missão auto-atribuída. A de não ser blasé, o que me será fácil pois abomino o blaseísmo. E isto de não ser blasé convoca-me agora a impingir o meu "Torna-Viagem" (que só se compra nesta ligação aposta no título). Mas também, já agora, e não porque qualquer noblesse oblige, estes livros d'amigos.
É Verão, verão que se podem ler. Todos estes que aqui referi têm as ligações apostas nos títulos. Basta comprar, um, vários, todos. E procurar um bom balcão - do "Gambrinus" em dia de festa, um qualquer mais modesto para o dia-a-dia. E ler.
Na sexta-feira a crudelíssima capa da "The Economist" (o "idadismo" é a única das "discriminações" que o folclore identitarista esquerdista ainda aceita). No sábado a outra fotografia.
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