Fora-me quinta-feira um dia complexo, coisas cá minhas. Animei-me um pouco ao fim da tarde. O Miguel Valle de Figueiredo tem uma exposição (Atelier Inês Cannas, Rua Sanches Coelho, 4D, distância caminhante de Entrecampos, no início da transversal anterior à antiga "Pindô"), à qual apropriadamente chamou "Relicário Sacro-Profano", 40 fotografias de temática cristã feitas mundo afora. Há dias telefonara-me num "ó ateu, escreve algo sobre isto". Eu saí das minhas trevas - demoníacas? - e botei um petit rien... Entretanto a exposição foi inaugurada com sucesso. Ou seja, com apreço dos visitantes.
Mas para ontem o mvf esmerou-se. Convidou Miguel Almeida, Provincial da Companhia de Jesus, para falar a propósito daquele conteúdo. Este fê-lo com enorme simplicidade, em verdadeiro epítome de sageza, nisso indo muito para além da exposição sem dela ter saído. Haverá melhor coisa?...
Depois o Pinino (o tal mvf) resumiu o que lhe conduzira esta exposição. E repetiu a provocação, "ó ateu, fala tu também". Eu balbuciei algo. E, profano que sou, chamei a atenção - e aqui o repito: as fotografias estão para venda. E ainda há algumas disponíveis.
No fim houve um agradabilíssimo convívio, estendido pela boa conversa e simpatia interlocutora. Durante o qual alguém fotografou o trio que falara. Algo que me honra - e julgo que também ao Miguel Valle de Figueiredo.
O Euro-2024, termina hoje. O meu prognóstico é antes do jogo: a selecção de Espanha, país do nosso querido Roberto Martinez, tem sido a melhor do campeonato. Surge mesmo como uma equipa invencível...
Voltara eu ainda há pouco tempo, ano e tal, de Moçambique. Certo dia fui convidado para jantar em casa de uma amiga, seríamos um pequeno grupo, íntimo, a dona da casa, um enorme amigo meu, colega desde há então trinta anos, meu verdadeiro irmão, e outra grande e antiga amiga deles, e que comigo namorava. Afinal na mesa estava também uma outra conviva, extremosa amiga de infância da anfitriã.
A conversa correu, bem-disposta. A palavras tantas alguém disse à tal amiga que "o Zé Flávio viveu vinte anos em Moçambique, voltou há pouco". E ela, agradada, disse que ia com alguma frequência ao país - que muito apreciava -, pois mesmo que isso não lhe fosse o cerne do trabalho tinha algo a ver com a cooperação estatal no sector jurídico. E falou um pouco das questões e da relevância dessa actividade - desde sempre um sector crucial da cooperação portuguesa.
Fiquei de imediato estupefacto. Passara eu duas décadas envolvido e/ou atento à cooperação portuguesa - até durante algum tempo tinha tido como obrigação profissional acompanhar a cooperação jurídica. Sobre o assunto, este sector em particular, e a cooperação global, ouvira falar imensa gente, desde os mais elevados governantes até uma vasta série de normais agentes. Nisso escutara muita mediocridade, muita vacuidade, imensa sobranceria. Mas também - e não convém ser maximalista nas críticas - também ouvira gente competente e atenta. Escassa mas existente.
Mas nunca ouvira alguém, e ainda por cima naquele registo en passant, conversacional, com tamanha perspicácia, tamanha pertinência, tanta acuidade. Lembro-me bem de ter pensado "que é isto?", devo até ter arqueado as sobrancelhas. E perguntei-lhe, de facto abismado com toda aquela competência intelectual, "Desculpe, qual é o seu trabalho?". E foi um coro de risos dos nossos amigos, "Ó Zé!, a Joana é a Procuradora-Geral", ao que eu (sentindo-me mesmo tonto) balbuciei "Desculpe" tendo ela ripostado, então rindo-se também - pois decerto achando piada à minha distracção -, deixando-me um "Desculpa-se de quê, por favor...".
Nos anos seguintes (até ao Covid, de facto, esse que tanto cerceou os hábitos convivenciais) tive o privilégio (é a expressão devida, não apenas usual) de a encontrar, através da nossa amiga comum. No convívio risonho, qual familiar, sempre deixando a marca de uma mulher de uma simplicidade gentilíssima, e, até em modo subliminar, pois nesses contextos nada ostensivo, de um enorme intelecto.
Uma Senhora. Uma Senhora na República. Uma sentida vénia na sua morte. E um grande beijo para a nossa querida amiga comum, sua amiga de infância.
Recomendo esta Kambaku - Notícias do Mundo Natural, uma belíssima página digital que (muito bem) corresponde ao seu título. Trata-se de uma plataforma noticiosa dedicada à informação e análise de conservação da biodiversidade, centrada em Moçambique mas bastante atenta a essas questões em África e, até, alhures.
O seu nome Kambaku (também usualmente grafado Cambaco) é o termo em língua changana para o velho e solitário elefante, irritável sempre dele se disse. E cheguei a esta tão interessante página através de uma chamada de atenção do Afonso Vaz Pinto, também veterano confrade bloguista no seu Mar me quer, e que desta Kambaku é um dos artífices.
O seu conteúdo é muito consistente, textos escorreitos, diria até "cirúrgicos". Mas isto sem minimamente se encerrar num "discurso especializado", pois ela funciona muito bem como divulgação para nós, vulgares amadores e amantes interessados, mesmo nos exaltando, devolvendo-nos esperanças, se se quiser. Tem uma secção de notícias sobre conservação e biodiversidade, outra sobre ciência e investigação - entusiasmante para um leigo como eu -, um outra, preciosa, dedicada à sustentabilidade, ou seja às dinâmicas da economia ecológica, e uma outra ainda sobre inovação tecnológica ligada à biodiversidade
E tem também - como não podia deixar de ser - uma secção fotográfica, como exemplifica esta deliciosa imagem do regresso do xaréu gigante às águas moçambicanas:
Finalmente tem uma secção de entrevistas radiofónicas (hoje em dia chamadas podcast), conversas com cerca de uma hora tidas com verdadeiros especialistas da matéria em Moçambique. Ou seja, verdadeiramente preciosas para quem queira aperceber-se do "estado da arte" desta tão relevante matéria. Chamo a atenção para as que ouvi, uma com o justificadamente célebre escritor (e biólogo, veterano destas questões ambientais) Mia Couto. Uma outra com Pedro Muagura, reconhecido administrador do Parque Nacional da Gorongosa. E ainda uma com Alexandra Jorge, administradora da Biofund, organização não lucrativa que actua em cerca de 30 parques naturais no país.
Em suma, Kambaku é um local que muito merece ser visitado. E, também, divulgado. Que outros o possam fazer, se assim o entenderem.
Através das "redes sociais" (pérfidos instrumentos de alienação, como adiante se verá) dois amigos enviam-me declarações de teor político emanadas agora por três romancistas. Um enviou-me o texto no "El País" com breve entrevista de Michel Houellebecq sobre as eleições francesas de hoje, na qual ele - enquanto, até distraidamente, deixa cair o seu sentido de voto avesso ao pacote lepenista - se declara "pessimista e resignado" e avança, ainda que num registo conversacional algo superficial, algumas causas sociológicas para a complexa deriva francesa.
Outra amiga, cruel, enviou-me o "Expresso", em óbvio convite para que eu lesse os artigos de Miguel Sousa Tavares e Clara Ferreira Alves, que há décadas acompanham os nichos de classe média leitora do semanário. São duas, longas (estes colunistas têm direito a página inteira), bojardas, ignaras, nisto até indignas. Pouco francesas, dir-se-ia se comparando com o exemplo anterior. Aquilo a que décadas atrás, quando se discutia o efeito do marxismo, se chamava "determinismo", "reducionismo economicista (tecnológico)". Os dois "fazedores de opiniões" dos licenciados lusos de meia-idade e seniores, abordam as eleições mundiais actuais, atribuindo a viragem "à direita" à perniciosa e malévola influência das redes sociais, à instrumentalização executada pelos seus magnatas. CFA centra-se no debate presidencial americano e vê o evidente colapso democrata como causado pelos tais magnatas - nem um caractere sobre as características do plutocrata sistema político americano, sobre a sua socioeconomia, sobre a degenerescência do partido democrata, sobre a sua incapacidade de gerar em XXI candidatos e ideários. Pois a "culpa" é das redes sociais.
MST insurge-se contra este generalizado "Triunfo dos ressabiados". Diante deste seu título logo me lembro de quando há uma década voltei ao país e encontrei esta constante utilização por parte dos socialistas e seus compagnons de route. Todos nós, que vozeávamos contra o miserável socratismo e a cáfila dos seus apoiantes, éramos ditos "ressentidos" e "ressabiados" - um antigo meu colega e, depois, chefe, teve até a descarada lata de cortar relações comigo, por razões "políticas", usando esses termos. Ou seja, todos os que nos opunhamos a este lamaçal antidesenvolvimentista sofreríamos de doenças de foro psicológico, por causas psicóticas (o "ressentimento") ou orgânicas (o "ressaibo"). Era - e essa escumalha socratista, estadodependente, nem o percebia - a tradução lusa, nos nossos propalados "brandos costumes", da velha prática soviética: os "dissidentes" eram doentes psíquicos e deviam ser internados em hospícios.
E MST vem agora preencher mais uma das suas páginas de "Expresso" com estes disparates, tão queridos dos tais leitores "classe-média". Aborda um feixe de eleições recentes (e manipula tanto que foge a referir as últimas eleições britânicas que não lhe dariam jeito ao ditirambo), funda os seus resultados no "algoritmo" das redes sociais, atribui a "viragem à direita" à ignorância dos povos, dos jovens e, claro, ... à ultrapassagem da mediação dos jornalistas. Ou seja, antes é que era bom, reinava a "iluminação" global.
Entretanto os imbecis, licenciados, continuam a comprar esta tralha "Expresso". E, pior, a ler estes "intelectuais" da treta. E consomem os produtos que publicitam no douto semanário.
E nós outros, "ressentidos" e "ressabiados", chafurdamos, orgásticos, sob o Algoritmo.
(Adenda: nesta segunda-feira, e diante destes dois textos dos conhecidos colunistas e comentadores televisivos, apetece perguntar o que terá acontecido ao Algoritmo britânico - na quinta-feira - e ao Algoritmo francês - ontem, domingo. Enfim, como a realidade mostra a vacuidade destes textos).
Pois lá me tornei sexagenário. Antes de tudo, na possibilidade de a todos agradecer, repito, qual sublinhado, na possibilidade de a todos agradecer - o que eu me rio com os taralhoucos que vão para o Facebook dizer "na impossibilidade de agradecer a todos os parabéns que me endereçaram", como se fossem a Tylor Swift, com milhões de "fans". Um tipo pode não ter vagar ou paciência para responder a toda a gente, mas clamar "impossibilidade" disso é pateticamente ridículo. E o sentido do ridículo não é congénito, é apre(e)ndido. O problema é que ninguém avisa os pobres mortais que estão a ser ridículos, acham antipática essa generosidade até pedagógica ... - Enfim, dizia eu, na possibilidade de a todos agradecer os bons votos que me enviaram (FB ou telefone) assim o fiz - e noto, encantado, que ninguém me "parabenizou", parece-me que essa praga de cretinismo lexical se desvaneceu, qual covid... -, e fi-lo porque muito me acalentaram as mensagens, simpáticas, recebidas. Porventura sinal de degenerescência proto-senil, um tipo a sensibilizar-se em demasia, assim já de pingo no nariz, até lacrimejando, a anca a dar de si, varizes entumescidas, e todos os outros itens do vasto rol que aí virá...
E para quem tenha curiosidade aqui discorro sobre o tal primeiro dia sexagenário. Uma querida amiga mimou-me, nisso providenciando-me o primeiro café. Após o qual assomei a esplanada vizinha onde camarada amigo me proporcionou parelha de "bicas", e partilhámos um queque como matabicho - sim, eu sei que assim dito parece um bocado gay, dois maduros a dividirem o bolito matinal, mas é no bairro, conhecem-nos, só dirão que são aqueles dois simpáticos sexagenários (pois, a partir de agora será assim...), meio desasados... Depois cruzei o dia em casa, fingindo escrever ("acaba lá isso tudo, a ver se se publica um livro", desafiou-me uma bela amiga, intelectual) enquanto ia atendendo o frenético telefone, um rosário de solidários amigos no "vais ver que não custa nada", clamando que se é jovem aos 60 e até aos 70 (é o que eu digo no primeiro parágrafo, as pessoas não têm a a noção do ridículo, e ninguém as ensina...). Consegui escapar-me a vários desafios para almoço, jantar ou convívios - tenho lá eu dinheiro para festas de aniversário ou meras rodadas que sejam...
Ao fim da tarde fui até ao Saldanha, à livraria Almedina, para o lançamento deste livro do amigo Pedro Correia, o comandante do blog Delito de Opinião, o "Tudo é Tabu", editado pela Guerra e Paz, no qual ele vergasta estes esquerdalhos identitários, também ditos "wokistas". O livro é recomendável... Lá assomei, pude conhecer um co-bloguista (emérito) no Delito De Opinião, e reencontrar um antigo co-bloguista do sportinguista És a Nossa Fé. Mas a sala estava composta, e constatei o que esperava, isso de não haver chamuças (ou croquetes, como no Rock in Rio) ou algumas bebidas espirituosas. Mas os comparecidos, de aparência elegante, não estavam com isso nada esmorecidos, e compravam o livro com afinco. Assim, percebendo-me ali inútil e até porque descobrira ter uma notória nódoa nas calças (será do óleo Fula, que agora me substitui o azeite e que tanto espirra?), abraço autoral já recebido, fugi dali, escapando-me às doutas palavras que iriam ser proferidas - privilégio dos sexagenários, isto de fugirem às "doutas palavras", não porque delas desnecessitem mas porque já não as retêm.
Lá regressei na "linha vermelha", bebi uma imperial em esplanada olivalense, no remanso da companhia de um livro do Javier Marias. E depois fui até à Casa de Frangos de Moscavide, ali ao Largo do Ferrador. E seguiu-se jantar com a minha filha e seu gentleman, o dito frango, batatas fritas, um naco de azeitonas temperadas, um vinho tinto barato e uma cerveja de litro. Eles seguiram e eu voltei à minha rotina, em espiral repetitiva disto:
Nick Cave & The Bad Seeds - More News From Nowhere [OFFICIAL VIDEO]
A BBC, que não é um tablóide mas sim a estação pública da pérfida Albion, esse decrépito e abjecto antigo império de onde vem essa ralé turística, tatuada e bêbeda, decidiu-se gozar com o grande atleta e nosso ídolo CR7, chamando-lhe "Misstiano Penaldo". Abandalhar um atleta numa falha é uma vergonha. Sendo uma estação de serviço público é miserável.
Isto é mesmo o exemplo da célebre "fleuma britânica". Ou seja, da arrogância daqueles imundos bárbaros, que nem os romanos conseguiram civilizar. Seria bom, desejável, que pelo menos durante dois ou três dias a escumalha britânica que cá anda em veraneio não fosse servida em bares e restaurantes. Que fossem confinados aos kebabs e quejandos que por cá pululam. E que a razão para tal lhes fosse explicada, naquele profundo e singelo "Fuck off". E isso serviria para nos mostrar - até fazer - menos servis. Até porque "contra os bretões marchar, marchar," sempre!
A morte de Fausto (Fausto Bordalo Dias, como depois veio a ser conhecido) faz-me recuar até aos anos 80 mas também me ancora no presente. Logo me lembro, como a tantos acontecerá, deste "Por Este Rio Acima", um disco magnífico. E uma surpresa na época - pois para além do íntrinseco autoral era muito bem produzido, muitíssimo melhor produto do que era a norma de então, e em especial nos muito básicos oriundos da chamada "canção de intervenção", "cantautores" vieram depois a ser ditos. A indústria musical portuguesa não era tão má, tecnologicamente, como a cinematográfica (esta era verdadeiramente uma desgraça), mas era deficitária. "Por Este Rio Acima" mudou isso. O sucesso, comercial e de reconhecimento, foi enorme. Lembro-me - mas lamentavelmente não encontro via motores de busca - de uma deliciosa primeira página de jornal que dizia "Fausto, o Chalana da Música", noticiando um novo - e bem abonado - contrato com empresa discográfica do músico (que me diziam ser um tipo profissionalmente muito difícil, exigentíssimo, até em demasia), fazendo-o equivaler ao grande ídolo da bola de então...
Mas a memória deste disco também me traz para o presente. Pois em alguma imprensa e na academia de algumas ciências sociais (nisso também na antropologia) vem vigorando um discurso - dito "pócolonial" ou "decolonial" -, militante de uma simplificação demagógica do passado recente e da actualidade. O seu cerne é a afirmação da inexistência de uma "descolonização" intelectual no país, da total perenidade da mundividência colonial, imperial, saudosista, após-1974. Há até textos (o jargão chama-lhes "papers") publicados nos locais "da especialidade", botados por estrangeiros (brasileiros de preferência) ou lusos empenhados, que consagram essa perenidade. Sobrevoam, apressados, o "campo literário", desatentam a (sofrível, repito-me) cinematografia. E aguçam-se, vampirescos, sobre o mundo da música popular, neste último clamando a representatividade, como se universal, daqueles obscuros festivaleiros Da Vinci. E, mais ainda, reproduzindo uma interpretação abjecta de básica desse fenómeno pop que foram os Heróis do Mar. Esses mariolas, sempre avessos à rugosidade do real, sua complexidade e multiplicidade, a tudo o que não lhes convém às "causas" (e aos subsídios) esquecem, não só a existência como a real influência de objectos que marcaram o país, suas gentes, as mundividências. Lembro a magistral peça "Fernão, Mentes?" da Barraca, logo no início da década de 1980. E nesse já tão recuado 1984 o monumento - tão influente - que foi este "Por Este Rio Acima". Nem tantas outras coisas, as produzidas e as formas da sua recepção pública.
E continuam "por esses rios abaixo" os tais intelectuais. E nós-outros, os avessos à aldrabice "póscolonial", deveras embrenhados no encapelado da realidade, continuaremos a entoar - e mais agora na morte de Fausto -, "Quem conquista sempre rouba / quem cobiça nunca dá / quem oprime tiraniza / naufraga mil vezes ... Já vou de grilhões nos pés / já vou de algemas nas mãos / de colares ao pescoço / perdido e achado / vendido em leilão / eu já fui mercadoria / lá na praia do Mocá...". Tudo isto, complexo, que não lhes cabe na ladainha, com a qual vão ganhando a vidinha, videirinhos que seguem.
Neste meu último dia de cinquentão permito-me um rescaldo público - que o pessoal é mesmo privado, "nem às paredes o confesso". Para um tipo como eu, que tem a mania (vício?) de perorar em blog, algo que já percebi ser-me "prova de vida", é relevante sopesar o que os meus correspondentes apreendem do que deixo. Não refiro as coisas da política sobre as quais em tempos tanto botei. Pois já me são distantes, mesmo indiferentes ("que me interessa isso, este futuro já não é o meu", respondia eu durante o fim-de-semana às minhas mais próximas que me interrogavam sobre que raio penso eu sobre o pai do mariola de Campo de Ourique no Conselho da Europa). Pois o país do socratismo, dos seus cúmplices e da imensa mole conivente, já não mudará na minha vida, não porque a minha geração tenha falhado mas sim porque a minha geração é aquilo: "não o convides para o jantar, ele agora é de direita", confidenciava-me um meu conhecimento bíblico ter-lhe sido dito. Não foi Sócrates que fez isto ao povo burguês, foram estes burguesotes que fizeram "sócrates". Esta modorra atrapalhada. Depressiva de lamacenta. "O que sou eu?", disse no dia festivo (g'anda festa!!!) de apresentação do meu livreco "Torna-Viagem". "Acima de tudo, sou um patriota", coisa que tanto arrepia os portugueses democratas, sempre aflitos com o que "parece"... E isso basta, encerra, a "coisa pública" que me coube.
Enfim, voltar à "primeira forma". Sopesar o que os outros apreendem do que digo, assim aquilatar a competência (não o talento, que seria pimpão dizê-lo, mas sim a competência, a adequação) dos escritos. Nisso encontro-me deficitário, muito. Problemas devidos à minha "escrita rebuscada", disseram-me. Ou aos "textos longos", repetem-me. Mas talvez não seja isso, será mais o ínvio pensar, pouco esclarecido, assim pouco se esclarecendo. Comprovei essa minha falta de clareza há dias, ao despedir-me dos 50s com o texto mais esperançoso que me lembro de ter botado, amparando-me na magnífica "Simple Twist of Fate" do Dylan - haverá canção mais esperançosa do que aquela? e que melhor me retrate, algo trôpego, com um papagaio palrador no ombro, na senda da felicidade, fugaz que seja? Pois logo me contactaram amigos manos, antigas namoradas, colegas e gente mais distante, pois esta minha esperança soou-lhes a des-esperança...
Bob Dylan - Simple Twist of Fate (Official Audio)
Incompetência textual minha, está provada. Neste meu final cinquentão ela está patente na minha conta da rede Academia. Estão lá os meus textos mais sisudos, na maioria sobre Moçambique. Entre o longo rol de coisas inacabadas ainda lá deixarei - neste Julho que hoje começa, pois quis fazê-lo antes dos 60 mas não consegui - três artigos, um sobre o Niassa, outro sobre Cabo Delgado, e um outro sobre Gaza. Depois desses três encerrarei esta linha de escrita, a inutilidade antropológica ficar-me-á para trás.
E está também patente neste meu "Torna-Viagem" (o qual só se compra por encomenda através do endereço acessível neste título "Torna-Viagem"). O tal da escrita "rebuscada", que agregou textos em demasia ("há uns que não estão lá a fazer nada", dizem-me amiúde). Que ainda assim tem sido um verdadeiro sucesso, vendeu até agora 148 exemplares e eu tinha apontado como objectivo utópico a venda de 150, estou quase a chegar à terra utópica, privilégio de poucos. Para chegar a este número tive a ajuda propagandística de amigos e também de alguns, raros, confrades bloguistas - o Joaquim Paulo Nogueira (que acumula as condições), o Luis Novaes Tito, o Henrique Pereira Dos Santos, que me recorde. Mas está cumprido o objectivo, outro livro não farei, não vou repetir o atrevimento de chatear todos os amigos e conhecidos para vender cem livros, e nisso ainda perder dinheiro, gasto, noblesse oblige diz o burguês, em "despesas de representação"...
Enfim, começa-me amanhã uma nova década. A ver se será melhor do que a anterior, assim o espero, talvez até com uma "simple twist of fate". E decerto que será - e é o sentido deste postal - muito menos palavrosa.
Como mensagem final destes meus 50s? Deixo, em citação, esta versão do grande, Enorme, Robert Plant, a voz da minha adolescência, quando ele ali com o Page, o Bonham e o JP Jones E com isto, por favor, não me telefonem/escrevam a animar-me, a dizerem-me "estás deprimido?!". Isso sou, é condição, não estou, situação. Estar estou porreiro. Liso, como Job, mas porreiro.
Parabéns a todos. Ou seja, tende todo o Bem que possais abarcar.
O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem