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Nenhures

Nenhures

29
Out24

Incentivos aos "desacatos"

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Se durante a passada semana a Grande Lisboa esteve dedicada aos "desacatos" - essa censória inovação semântica, a querer evitar os termos adequados, como "motim" ou "tumulto" o seriam -, eu estive orientado para outros assuntos, até porque por cá a conversa foi isto do "então aqui nos Olivais não se passa nada? Isto já não é o que era...", semi-jococo lamento do tempo que passa, a vida que escorre.

Mas mesmo assim ainda deu para me espantar com esta notícia. A fazer lembrar, claro, o cromo - verdadeiro meme - das (não tão velhas assim) licenças de uso de acendedores e isqueiros, anacrónico proteccionismo da fosforeira nacional, com certeza...

Mas é um sorriso triste. Sim, os demagogos do CHEGA querem ser acendedores, incendiários. Sim, as práticas de polícias - ou até mesmo a cultura policial dominante - poderão ser criticáveis, desde que analisáveis. Mas os verdadeiros incendiários são estes juristas, juizes e quejandos. Os códigos não permitem prender preventivamente os deliquentes que praticam este tipo de crimes? Remetem-nos para casa, à espera das calendas gregas, que será quando os tribunais os atenderão. Mas não lhes coloquem estas risíveis sanções, insultuosas para nós-vulgo, assim descrentes na protecção estatal. Incendiários? Provocadores? São os juízes, apatetados. E os legisladores, distraídos, inertes.

29
Out24

As canhoneiras de Manchester

jpt

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Acorda Lisboa com o pérfido John Bull ocupando o estuário do Tejo, suas ferozes canhoneiras apontadas ao Estádio de Alvalade. Urge, como nunca, o sobressalto colectivo, o "às armas!", o "marchar contra os bretões". O "desacato" patriótico. Leonino.

29
Out24

Napoleão em Lisboa?

jpt

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Passo pela televisão, desatento percebo que continuam a debater os "desacatos" na Grande Lisboa, e ouço um tipo clamar contra "este pequeno Napoleão que tomou Lisboa...", uma "boca" de acinte óbvio.
 
"Quem é este gajo?", pergunto. Ao que a minha companhia responde "é o tipo do BE na Assembleia". Rio-me, nem enojado. Ao ver o chefe parlamentar dos comunistas identitaristas a gozar com a estatura física de Carlos Moedas. Não por naquilo reconhecer qualquer ofensa. Mas sim pela imbecil contradição com a exigência que têm para com os outros, essa que apela ao discurso "correcto", envernizado. Mas neles quebra-se-lhes o verniz, sempre... Talvez por isso sigam tão... minguantes.

26
Out24

Indignações estratégicas

jpt

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["A TVM a reportar tumultos em Portugal e não fala do caos nos arredores de Maputo"]

O processo eleitoral moçambicano tem sido complexo. Com assassinatos. A seguir ao anúncio dos resultados houve manifestações de repúdio em várias cidades, fazendo temer a disseminação de violência, o que felizmente não aconteceu, pelo menos em grande escala. Recebi imensas mensagens no frenesim comunicacional destes últimos dias - reduzido desde ontem, pois o Estado bloqueou os "dados móveis" para acesso à internet (fazendo lembrar quando há 14 anos bloqueou as comunicações telefónicas mais populares, aquando de tumultos em Maputo). Entretanto vários amigos, moçambicanos e portugueses, enviaram-me esta mensagem (foto e legenda): no telejornal do canal estatal (TVM) foram noticiados os "desacatos" na Grande Lisboa enquanto se calava qualquer referência à turbulência acontecida nesse dia naquele país. O controlo da imprensa estatal é coisa típica, não monopólio  moçambicano. Mas não deixa de ser notável.

Ontem assinei uma petição pública, avessa aos deputados André Ventura e Pedro Pinto, autores de declarações inadmissíveis sobre estes motins nas cercanias de Lisboa. Não sou adepto, nada mesmo, da criminalização de deputados por declarações de teor político, fazê-lo arrisca ser um destapar da caixa de Pandora. Mas abstenho-me agora desse princípio, associando-me a uma manifestação de repúdio diante de uma verdadeira abjecção - o deputado Pinto chegou a apelar que os agentes "atirem para matar". Em última análise, é a própria polícia que não merece tamanho disparate! E também sabendo, como o disse Sérgio Sousa Pinto, que os deputados nunca abdicarão da imunidade parlamentar.

Sobre a real situação securitária em Portugal nada sei, como escrevi há pouco. Mas sobre estes tumultos actuais concordo com o que ouvi ontem de Ângelo Correia na CNN (num programa de comentariado com Marques de Almeida, Sá Lopes e Sousa Pinto, que ontem descobri aquando em zapping) - o que me provocou um "ó diabo, eu a concordar com o Ângelo Correia?!" Ou seja, esta problemática não é apenas securitária. E não posso discordar mais da jornalista Sá Lopes, a qual reproduz uma ignorância generalizada na auto-reclamada "esquerda", essa que reduz as preocupações securitárias a meras "bandeiras da direita". Denotando como é espantosa e veemente a capacidade de intelectuais e jornalistas em nada aprenderem com as realidades circunvizinhas.

Enfim, apesar de desconfortável com a iniciativa criminalizadora de deputados, tendo recebido de uma queridíssima amiga (cherchez la femme, sempre) a petição, li-a e assinei-a, juntando-me a cerca de 70 000 outros (no momento em que escrevo o postal). É óbvio que a associação a uma iniciativa colectiva implica sempre a suspensão de alguns critérios próprios, o inflamar de alguns pruridos. Mas, e repito-me, o grunhismo dos deputados CHEGA é tamanho que a coceira se justifica.

Explicito dois desses focos de inflamação, para que se perceba o quanto me irritaram as declarações de Pinto e Ventura, pois só tamanha abjecção me faria "juntar", mesmo que modestamente, a tais pessoas num rol de assinaturas. A petição é encimada por um vasto rol de "primeiros signatários". Nele consta o nome do socialista Porfírio Silva, um político de execrável indignidade - foi ele que veio clamar que Passos Coelho usava a doença da sua mulher para colher dividendos políticos. É incompreensível como outros ainda lhe dão crédito para ser "alguém" na vida política e/ou de cidadania. 

O outro caso é mais significativo. Eu defendo que os estrangeiros, residentes ou não, podem manifestar-se sobre a vida política portuguesa. Mas fico a menear a cabeça, com indignação (nada estratégica, friso), quando vejo o angolano José Eduardo Agualusa a surgir como um dos "primeiros signatários" desta petição política sobre Portugal. Sabendo-o sempre em calmaria pública no Moçambique onde reside. E agora surgindo em declarações públicas suportando o bloco social no poder, invectivando o candidato Mondlane - mesmo depois da comitiva deste ter sido baleada pelas forças policiais. Compreendo esse silêncio sobre o país que habita. Grosso modo foi o meu - ainda que não radical -, na modéstia de qualquer repercussão que pudesse ter, pois sempre me dizendo meteco. Mas se isso compreendo também interpreto a sua adesão actual, enquanto segue plácido diante da violência estatal sistémica, de inúmeras declarações abrasivas, do rumo nacional, feito de coisas tao mais graves do que isto que se passa em Lisboa. Sobre as quais nada... assina

Por isso, e independentemente das nacionalidades de cada um, percebo como é necessário um grande desplante para que o autor surja agora com posicionamentos políticos em Portugal. Num rumo - que se quer "premiável" - feito de indignações estratégicas.

Ou, dito de outra forma, Agualusa é tal e qual a TVM. 

25
Out24

Canções românticas

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Então agora gostas do Marco Paulo?, perguntam-me por mensagem os (quase)censores Não tanto das suas canções. Mas gosto da sua figura, por ser popular e pelos enxovalhos que recebeu ao longo da carreira. Que - e com teor bem pior - perduraram para além daqueles 70s e inícios de 80s quando todos os músicos portugueses (os do rock, acima de tudo) eram destratados em público - à excepção, claro, dos "de intervenção" - coisa que minguou com o êxito do Rui Veloso.
 
A evolução do tratamento dado a Marco Paulo, paulatinamente tornado mais "respeitável", denota não só a real evolução cultural do país mas mais mostra como esta evolução veio do "povo" (sempre dito ignorante) e não da pequenota-burguesia, feroz de preconceitos e de arrogância censória, que julga "pedagógica".
 
Se gosto de cantores românticos? Sim, claro, amo Sinatra. E ouvi dezenas de vezes esta cançoneta romântica, verdadeira súmula da coisa: imaginando-me o velhote atrevido (jamais sugar-daddy, atenção...), o velhote atrevido, dizia, enleado com a bela jovem desvanecida? Antes e hoje, ainda mais no agora mesmo!? Não confesso tal coisa, apenas deixo a dúvida...
 
E avanço até que esta versão tem uma dimensão sociológica. Esmiucei-a tanto que até escrevi sobre o assunto: muitos saberão que sou dos Olivais, e sobre isso me repito. "O que é isso dos Olivais?", perguntarão. A resposta está aqui, nesta canção romântica: "Olivais" é o meneio e a onomatopeia que o velhote xunga ("pimba" também se disse) dedica aos exactos 2'35'' à tão bela jovem encantada.
 
Aqui entre nós, rapaziada, quem não gostará de canções românticas? Se estas assim, vividas assim...?
 
Viva Marco Paulo. E os seus colegas...

24
Out24

Marco Paulo

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As reações à morte de Marco Paulo - SIC Notícias

 

[Marco Paulo - Maravilhoso coração]

Desprezado pelos gentrificados - e de que maneiras soezes o foi, vilipendiado por ser quem era e por ser de quem era. Pois amado, verdadeiramente, pelo povo. Cantou, deu-se, até ao fim, muito após a voz lhe doer. Morreu hoje o Marco Paulo. Decerto, tanto assim o surgiu durante décadas, um "maravilhoso coração". E um excelente cantor romântico.

24
Out24

Falar à bolina sobre Moçambique

jpt

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1. Escolho uma foto tirada em Nampula com mais de uma década. "Uma delícia polissémica", disse-a então. Tremendamente denotativa, senti então. E assim a sinto hoje, agora.

2. Os resultados finais foram anunciados. Uma vitória esmagadora do Frelimo - a permitir a revisão da constituição, julgo -, a devastação do Renamo. Com o esfacelar da oposição, a degenerescência do Renamo, a regionalização do MDM - este também em decadência desde a morte do seu presidente Simango - e a tardia constituição da candidatura de facto unipessoal de Mondlane, a vitória frelimista seria mais do que previsível.

Tudo reforçado pela grande abstenção acontecida. E sustentado pela sua base social de apoio nacional, o âmbito dos seus militantes e simpatizantes, a influência do voto tradicionalizado, também do atávico. E por ter um novo candidato, apresentado como indivíduo sem mácula.

3. Ou seja, em termos de votos efectivos nada surpreende que o Frelimo tenha ganho as eleições. Dito de outra forma, não era preciso isto tudo! Agora o partido tem uma vitória ilegitimada, interna e externamente. Fruto de uma total irracionalidade política.

4. Por causa disso surgem manifestações em vários pontos do país. Não são "jovens", são moles de "cidadãos" contestando o rumo. Entenda-se, a questão não é quantitativa (percentagens de votos, eleitos), é qualitativa, a legitimidade do processo... nacional. Espero, sinceramente, que não surjam "desacatos" - esta inovação semântica que alguma imprensa está a usar para os tumultos agora importados para a Grande Lisboa.

5. Uma nota sobre a imprensa portuguesa. Do jornal "Público" (esse boletim ideológico) - esse mesmo que há pouco tempo anunciava Venâncio Mondlane como descendente de Eduardo Chivambo Mondlane - emana agora a ideia de que "Venâncio Mondlane é perigoso", porque "populista", e nisso imprevisível... Entenda-se, segundo o especialista local - pois dizendo-o o tal único "populista" -, ele será portador de uma visão de que representa o "povo" sem mediação, imbuído de uma retórica (e crença) nacionalista, e desprovido de um substantivo conteúdo programático. Tudo isso causador de uma "perigosa" (e irresponsável) imprevisibilidade, um não-futuro.

Não sei se as pessoas conseguem reconhecer alguns desses traços ideológicos noutro qualquer partido moçambicano...

Mas também importante para nós, portugueses, não sei se as pessoas se conseguem irritar tanto como eu com este tipo de jornalismo, escrito e podcasteiro. Dito "de referência".

6. Enfim, espero que não seja uma "noite longa" nas cidades moçambicanas. Paz, paz! É muito fácil estar atrás de um ecrã, ao teclado, a clamar "Avante". Mas "Paz", "Cuidado", é muito mais....

Revolucionário.

24
Out24

A falar sobre Moçambique

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[Neil Young - Rockin' In The Free World (Glastonbury 2009)]

Há poucos dias fui a um jantar, colectivo, homenagem a um grande vulto moçambicano (vénia!), ali acompanhado da sua talentosa Senhora. Num intervalo fui à rua, esfumaçar. E nisso conversei com uma senhora presente, com a qual estivera uma vez, coisas de amigo (antropólogo) comum. Lindíssima, interessantíssima, e deixou-se ela elaborar sobre o apaixonante trabalho que está a realizar, garimpando um filão que descobriu. Eu, claro, encantado, nisso demorando-me, enrolando mais um e outro cigarro... A conversa derivou, ela preocupada com essa gente do CHEGA, eu matizando-lhe o receio, qu'aquilo não há-de crescer, é um mero "ponto negro" (expressão que não tem racismo, é até namoradeira). E avançou ela também que os da IL são mais ou menos o mesmo perigo...

E aí eu - estúpido desde o berço, como é consabido - avancei "calma, eu voto IL!", nisso de querer explicar que entre um liberal e a maltosa do CHEGA não há apenas diferenças, são mesmo espécies diversas. Pois um liberal que é liberal (e mesmo havendo tantas formas de o ser) nada tem a ver com aquela imundície. Mas à minha proclamação a senhora (lindíssima, interessantíssima, repito-me, veemente) vacilou, nisso recuou, quiçá arrepiada, até horrorizada, quase se encostando aos muros daquela Alfama. Enfim, lá continuámos a conversa, mas em registo mais apressado, e logo voltei ao restaurante, afogando no já uísque aquele "burro, porque não te calaste?, não tens jeito nenhum...", desjeito que me persegue desde as festas de garagem aos 14 anos...

Este é o preâmbulo para dizer que o bom do Victor Hugo Mendes me convidou para participar amanhã (23.10.2024) no seu muito animado e visto programa "Tem a Palavra", transmitido na RTP-África a partir das 10 horas (Lisboa), para se discutir a situação em Moçambique. (Repetido à noite e alojado na RTP Play).

Irei com uma agenda, que aqui anuncio. Sei que sou "tuga", branco, heterotóxico e reaccionário, aliás "neoliberal", ("o gajo vota na IL!!!!!!"), daí que decerto (neo)colono, e outras coisas quase tão más como estas, e que assim serei visto e entendido.

E porventura também devido a essas "condições" não gosto - mesmo nada - de rap (ou hip-hop e quejandos barulhos). Deste modo explico assim a minha agenda - de estrangeiro, "cunhado", (ex-)viente - para Moçambique. É esta: em paz (Em Paz!!!!!) o avô do grunge junto à malta da meia-idade, diante dos mais-novos, esses que alguns insistem em desvalorizar dizendo-os como "jovens". Todos a rockarem "in a free world", aliás, país...

Quem quiser ver o programa a sua gravação está aqui: Peça a Palavra" (23.10.2024)

22
Out24

As ofertas

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Como é viver velho, só (e pobre)?, é o que (não) me perguntam os amigos... E sacio-lhes a curiosidade, explicitando o processo nesta "vinheta etnográfica" (expressão ademane, querida aos antropólogos mais académicos).
 
Viver assim é seguir amparado pela solidariedade benfazeja da "comunidade", esta sempre harmoniosa. E venho sendo cumulado com oferendas, mimosos actos a quererem desalquebrar-me, aliviando-me o calvário até à Mitra. Tantas são elas que cada vez mais venho ouvindo repetidos resmungos de circunvizinhos, queixas de "o Zezé está a sempre a receber prendas, a mim ninguém me dá nada...", coisa da inveja dos abonados, esses gente sempre ávida.
 
Nunca me nego a aceitar, e faço-o com júbilo, pois tendo lido o velho Marcel Mauss sei da obrigação moral em entrar no constante ciclo de dádivas e contra-dádivas (oferecer/receber/tornar a dar/ doar aos deuses). E assim não só acolho como sempre retribuo as ofertas recebidas. Em verve.
 
Hoje é dia desses, como o comprova a mesa do meu matabicho. Um delicioso feijão com óleo de palma - trazido por casal amigo, "o próximo será com feijão manteiga, como deve ser", anunciou a sua bela obreira, dotada de ascendentes saberes e sabores angolanos. Com travo suficiente para desnecessitar do recém-chegado achar de manga, sempre glorioso, transportado de Inhambane por querida (e também bela) amiga, e que veio à mesa estrear-se. Repasto acompanhado pelos livros recebidos ontem, o recente "Nas Terras do Lago Niassa", a excelente (e bem escrita, caramba) tese do camarada Elisio Jossias. E os 4 velhos volumes de Georges Dumézil, o primeiro da trilogia "Mythe et Épopée" que não tinha - "mãe, não precisas de comprar os livros, eu fotocopio-os" disse-lhe eu na Bucholz, com os outros dois tomos (então caríssimos) na mão, e a minha mãe a responder-me com aquele seu ar determinado quando o queria ter "os livros compram-se"... E o "Idées Romaines", o célebre "L'Idéologie Tripartie des Indo-Européens", e o de bolso (PUF) "Les Dieux des Indo-Europeens".
 
E se estou algo comovido com o tão consistente livro do meu mais-novo, estou mesmo deliciado com estas prendas das amigas antropólogas (às antropólogas não as posso dizer "belas" senão acusam-me de "gender issues"). Quem lerá hoje Dumézil? Mas na minha era de estudante universitário foi o que mais me agradou - a par de Leach, claro, mas com este tinha também um apreço másculo, nada "póscolonial", pela sua coragem física e atrevimento intelectual.
 
Dumézil foi-me outra coisa - e se na época não conhecia as críticas "ideológicas" que lhe foram feitas agora estou-me borrifando nelas. Pois era-me encantador, inebriante: "Zé Flávio", disse-me depois, algo atrapalhada, a professora, que então me leccionava duas disciplinas, "importas-te de que te baixe um valor na nota desta e te suba na outra?". "Claro, é-me indiferente" - nessa época eu julgava que ser blasé era boa coisa - "mas porquê?". "É que não gosto de dar 20s", confessou a jovem... O que sempre sorrio nessa memória.
 
Enfim, com tudo isto, o matabicho do velhote foi soberbo. E porque estando só me posso atrever a estes desvios, comiscando o feijão com óleo de palma, debruado com o achar de manga, folheando os velhos Dumézil, decidi pecar e fui bebericar um tinto. Brindando à saúde dos ofertadores. E aos antepassados, divinos ou não, que nos protegeram. E protegem.

21
Out24

Maputo e o "Público", hoje

jpt

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Em Maputo uma manifestação pacífica de repúdio pelos assassinatos de Dias e Guambe, convocada por Venâncio Mondlane, agregou inicialmente algumas poucas centenas de pessoas. Antes da chegada do candidato a polícia dispersou a maioria com cargas de gás lacrimogéneo. Quando o candidato chegou ao local deu uma "conferência de imprensa", rodeado de algumas dezenas de jornalistas (a RTP transmitindo em directo) e alguns, poucos, apoiantes - talvez da sua segurança. A polícia disparou gás sobre essa pequena mole que ali trabalhava (ligação para curto filme totalmente demonstrativo da situação) numa praça já vazia. O candidato presidencial teve de fugir em corrida, rodeado por alguns poucos dos seus.

Na quarta-feira passada a sua comitiva fora alvo de disparos com munição real em Nampula. Na sexta aconteceram os assassinatos de Maputo. (Há agora relatos videográficos da praça OMM mostrando cápsulas de munições reais que teriam disparadas pela polícia, mas não se pode afiançar tal).

Por cá, no sempre "Público" de hoje, o sociólogo moçambicano Elísio Macamo publica um interessante artigo. Usando a ferina armadura da ciência política e sociologia, das quais é exímio profissional, não deixa de se alongar sobre as causas passionais que foram invocadas pela polícia como causa dos assassinatos de sexta-feira. E, com pertinência retórica, elabora sobre a luta interna no Frelimo - partido que ganhou as eleições, avança, decerto que assente na história eleitoral do país -, luta essa que terá causado estas mortes, acontecidas apenas para desmererecer o novo presidente Chapo. Com Dias e Guambe assim vítimas de "balas perdidas", num "fogo cruzado que pouco tem a ver com eles".

Ou seja, esmiuce-se bem o argumento: esta violência não é sistémica, é um desvio, qual epifenómeno (eu também sei usar termos dos jargões, ainda que seja menos exímio). E, já agora, retira-se assim que as verdadeiras e substantivas dinâmicas do país se encontram encerradas no jogo interno do Frelimo, como se pairando sobre uma quase insignificante população e seus (ir)representantes excêntricos ao partido no poder.

O que não consigo perceber é isto: se o Frelimo ganhou as eleições com naturalidade, tal como o vem fazendo (por exemplo, nas últimas autárquicas em que Mondlane também foi "derrotado"), qual a razão do Estado, e sua polícia, não deixar em paz uma manifestação pacífica?

(Mas essa, claro, é uma resposta que nunca obterei num jornal como o "Público").

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Bloguista

Livro Torna-Viagem

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