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Nenhures

Nenhures

15
Nov24

25 de Abril, hoje

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Morreu hoje Celeste Caeiro, que no 25 de Abril em Lisboa distribuiu cravos vermelhos pelos soldados revoltosos que terminavam, o mais pacificamente que lhes era possível, o estuporado e bélico Estado Novo. Assim ela construindo um símbolo.da liberdade, da democracia, por trôpega que esta por vezes pareça.

Nesta já noite vejo, no Facebook, inúmeras publicações de Moçambique, onde tanto vivi. Do monumental "panelaço" que está a ocorrer, o povo pacífico batendo tachos e panelas clamando "basta!" à aldrabice FRELIMO. (Decerto que para incómodo dos intelectuais orgânicos do regime, que protestarão em defesa dos "ordeiros" cidadãos que querem ir dormir sem que haja barulho na rua.). País onde decerto as mulheres estarão disponíveis - como a mamana Celeste Caeiro esteve - para distribuir flores que cubram as armas dos homens.

Pois acabou! Não é Venâncio Mondlane que tem "pressa", como escreveu um académico colaboracionista, nisso até vil. É o regime que gangrenou. E há anos que fede. Fim!

Venham as flores, as da liberdade. 

14
Nov24

O silêncio do nosso governo diante de Moçambique

jpt

Acordo Ortográfico: “O cidadão Marcelo escreve como os moçambicanos”

Há dias aqui referi o demasiado longo (relativo) silêncio da imprensa portuguesa sobre a situação política em Moçambique, originada por mais uma mega-fraude eleitoral, a qual veio na sequência de uma crescente criminalização do Estado e enorme aumento da pobreza no país. Mas nos últimos dias, e finalmente, a imprensa, tanto a escrita como a audiovisual, tem incrementado as referências àquele processo. O qual é um verdadeiro estertor de uma autocracia cleptocrática, um "Outono do Patriarca", para convocar esse monumento de Garcia Marquez. E que tem provocado já dezenas de mortos e centenas de feridos devido à repressão policial - e aduzo que no país a polícia está mais equipada do que o exército, ao invés que é habitual, devido ao processo de reorganização acontecido após a guerra civil.

Mas por cá continua o silêncio político. Alguns partidos têm referido o assunto (BE, CHEGA, IL), mas o "centrão" cala-se.

Sobre o assunto nada há a esperar do Presidente Rebelo de Sousa, cuja superficialidade é consabida. E extremada quando sobre Moçambique - eu lembro a minha estupefacção, irada, no seu primeiro empossamento, pois convidou apenas três chefes de Estado: o espanhol, o brasileiro e... o moçambicano. Isto quando o poder de Maputo fazia já inaceitáveis razias no centro do país, para além da deriva cleptocrática instalada. E recordo que ainda há pouco, já na sequência de outras visitas sem objectivos políticos discerníveis, Rebelo de Sousa foi a Moçambique, destemperadamente, apenas para inaugurar um hotel de um grupo português. Não só em plena vigência deste degenerado poder, não só após a crise diplomática entre os países devido à indiferença do governo moçambicano face ao assassinato de um empresário português no centro do país, acontecido por razões militares. Mas, ainda por cima, 15 dias depois da associação de Maputo a uma posição "neutral" face ao imperialismo russo. Ou seja, é normal o desatino de Rebelo de Sousa nestas questões.

Mas os partidos do centro podem actuar. Em tempos aqui muito saudei a excepcional intervenção do então eurodeputado Paulo Rangel, que no Parlamento Europeu esteve imensamente bem ao colocar no centro de debate político internacional a questão do Cabo Delgado e da inacção do governo de Maputo. Foi uma acção parlamentar - que surtiu efeitos - que muito honrou a carreira política de Rangel.

E lembro que também nessa altura Paulo Rangel dedicou um acertadíssimo artigo no "Público" sobre a questão do Cabo Delgado. Criticando a tibieza do governo português face à situação moçambicana. Recupero algumas das suas acertadíssimas palavras, pois tão adequadas são ao actual governo e ao actual ministro dos Negócios Estrangeiros: "A actuação do governo português é tíbia e decepcionante. Limita-se a declarações, quase extorquidas a ferros, do ministro dos Negócios Estrangeiros. Fala no papel da CPLP, mas ninguém ouve falar dela. Em Bruxelas, é tal a timidez dos esforços de Portugal, que ninguém diria que está em jogo a vida de centenas de milhares de cidadãos de um país irmão." E mais: "Nem só o nosso Governo decepciona; também a esfera pública e a sociedade civil desiludem. Diante de crimes tão ominosos, como é explicável este silêncio brando, esta letargia conformada e conformista?"

Abaixo transcrevo um bom texto sobre o assunto, publicado na "Sábado", da autoria de João Carlos Batalha, o "Volta para o silêncio, Moçambique" (disponível para assinantes).

 

***

Volta para o silêncio, Moçambique

Por: João Carlos Batalha, in Sábado


A cumplicidade suja com o roubo sangrento de Moçambique é mais uma mancha de vergonha para Portugal.

A geração anterior à minha não se apercebeu disto, e a seguinte voltou a esquecê-lo. Mas, nascido em 1978, a primeira vez que soube que existia no mundo um sítio chamado Timor-Leste foi em novembro de 1991, quando o massacre de Santa Cruz trouxe esse território longínquo de novo para os olhos de Portugal e do mundo. Por essa altura – tinha eu 13 anos – já as aulas de História na escola me tinham ensinado a ladainha do Portugal país de heróis, que deu novos mundos ao mundo e que espalhou a língua e a concórdia pelas sete partidas. Já me tinham mostrado no mapa todas as ex-colónias africanas (nem todas; não referiram o Forte de S. João Baptista de Ajudá, essa capital do ridículo). Mas sobre Timor, nem uma palavra. Nem na escola, nem em casa, nem no país. Portugal, esta entidade com um talento instintivo para a cobardia organizada, varreu o abandono de Timor e dos timorenses para debaixo do tapete da vergonha coletiva, e a geração nascida imediatamente a seguir à descolonização nunca sequer ouviu falar do lugar. Isto nem é uma crítica à descolonização que, pelas circunstâncias em que foi feita, dificilmente podia ter saído melhor. É uma crítica, ou um lamento, à nossa queda para a amnésia seletiva. À nossa tendência para, usando a expressão muito portuguesa, existirmos no mundo com "muito medo e pouca-vergonha".

Ontem Timor, hoje Moçambique. Mais de um mês depois das eleições presidenciais e legislativas naquele país e quase três semanas depois do anúncio de resultados obviamente fraudulentos que atribuíram a vitória à Frelimo, partido no poder desde a independência, há quase 50 anos, o Estado português continua a assistir silencioso à repressão brutal das manifestações de protesto do povo moçambicano, que se saldaram já em dezenas de mortos e centenas de feridos. Venâncio Mondlane, o candidato cuja vitória foi roubada pelo regime, está fugido do país, em parte incerta, depois de, ainda antes do anúncio oficial dos resultados, o advogado e um mandatário da sua candidatura terem sido assassinados com rajadas de tiros na via pública.

Em Moçambique, um país capturado por um partido único transformado numa máquina voraz de corrupção e rapina, a democracia está a ser assaltada por rajadas de metralhadora e disparos de gás lacrimogéneo. O que faz o Governo português? Acompanha "com grande preocupação", nas palavras moles e prudentes do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel. Não é a primeira vez que a Frelimo falseia resultados eleitorais para se manter no poder, só que desta vez os moçambicanos estão mesmo fartos e mobilizaram-se em torno de Mondlane, um candidato da oposição que, pela primeira vez, conseguiu romper a hegemonia do partido-Estado.

No momento em que Moçambique mais precisa do apoio internacional para resgatar a sua democracia, os apelos do Governo português à contenção e ao diálogo são demasiado pouco, demasiado tarde. A CPLP é a inutilidade habitual, incapaz de tomar uma posição clara e assertiva sobre as violações eleitorais testemunhadas pela sua própria missão de observação. Em Portugal, o Presidente da República saúda e aplaude a passividade do Ministério dos Negócios Estrangeiros no mesmo fôlego em que invoca o estatuto sentimental de Moçambique como sua "segunda pátria". Marcelo Rebelo de Sousa limita-se a desejar que "tudo corra pelo melhor", semanas depois de ser óbvio que está a correr pelo pior. No Parlamento, Chega, Iniciativa Liberal e Bloco de Esquerda apresentaram projetos de resolução apelando ao Governo para que não reconheça os resultados eleitorais e faça pressão para que o roubo da eleição seja investigado e os verdadeiros resultados divulgados. É o mínimo, mas continuamos à espera de que alguém no Governo se comova.

Ontem Timor, hoje Moçambique. Portugal tem uma relação sombria com os seus "países-irmãos", que consiste na cumplicidade vergonhosa com os piores abusos, em troca de uma participação, mesmo que modesta, no saque, embrulhada em plácida contenção e sentido de Estado dos partidos no poder. Em Maputo, a Frelimo está a carimbar com sangue a repressão à vontade popular dos moçambicanos, reforçando a sua captura de um país martirizado pela pobreza e pela corrupção. Não tarda, o trabalho estará feito, os mortos enterrados e os negócios, de novo, de vento em popa. Com que cara os portugueses encararão os seus "irmãos" de Moçambique, não me perguntem. Com o nosso talento para o realismo, a próxima geração não se lembrará de nada.

14
Nov24

Livro sobre o processo em Moçambique

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1. Quando há alguns anos Nuno Rogeiro publicou o seu livro "O Cabo do Medo: o Daesh em Moçambique" logo recebi, e de supetão, inúmeras cópias do livro, em formato pdf, enviadas via Whatsapp. Ufano, senti-me até verdadeiro "influencer". Pois decidi-me a atribuir essa dilligente gentileza alheia ao facto de ter sido eu (o google tinha-me dito isso) o primeiro português a escrever na internet (no Delito de Opinião, no O Flávio) sobre a insurreição, e a espantar-me com o silêncio moçambicano. E com o português. E, quiçá, haver até expectativa alheia sobre um comentário meu ao ali escrito.
 
2. Mais recentemente foi publicado o livro "Identidade e Família", de autoria de um conjunto de intelectuais portugueses - entre os quais lembro o socialista Guilherme de Oliveira Martins, que foi presidente do Centro Nacional de Cultura e é administrador da Gulbenkian, o qual defende a censura literária e artística não só por razões legais mas também de "bom gosto". Os artigos defendem, ao que constou e ao que prenunciava o rol autoral, posições muito "conservadoras" sobre as matérias abordadas.
 
E nos dias seguintes recebi imensos exemplares - também via Whatsapp, também em formato pdf - desse livro. De novo me senti acarinhado, elevado ao tal estatuto "influencer", presumindo - mais uma vez - que as gentis ofertas se prendiam com o facto de ser eu um antropólogo que escreve em blogs, e que me poderia não só interessar nas opiniões publicadas como emanar doutas observações sobre aquele ultramontanismo cristocêntrico debruçado sobre temáticas que são centrais à minha disciplina académica.
 
3. Agora fervilha Moçambique. E acontece-me o mesmo fenómeno. Desde ontem que recebo (via Whatsapp, formato pdf) inúmeros exemplares - comecei a escrever o postal quando chegou a 12º cópia - do livro de Joseph Hanlon "Como o FMI Criou os Oligarcas Moçambicanos...".
 
Entretanto cumpri o 60º aniversário. Nesta minha era sexagenária compreendi que, afinal, não sou um "influencer". Ora nos casos anteriores não tinha feito nenhum comentário público aos livros que me eram ofertados, para que a por mim temida superficialidade da minha abordagem não beliscasse a auto-imagem imaginada de "esperto" sobre matérias.
 
Mas agora, desvanecida a ambição de glória digital, não me coíbo de comentar a vaga de ofertas face ao conteúdo do livro. Entendo estas doacções como dizendo-me "Zé Teixeira/José Pimentel Teixeira (ninguém que me trate por Zezé ou Flávio me envia o livro) a culpa é vossa" (entenda-se, "ocidente" ou mesmo "brancos" - neste último caso em especial se os remetentes são brancos).
 
Julgo que sobre o assunto deverei escrever um livro - o qual espero venha a ser distribuído em pdf via Whatsapp. Mas para isso, para uma maior erudição minha, apesar da vetusta idade deverei voltar aos bancos da escola. Tipos estes, que o FMI mandou construir - assim mesmo, com este modelo arquitectónico - pelo Moçambique inteiro.
 
("Demagogo, eu? Sou eu que sou demagogo?"... respondo de antemão aos comentários empenhados)

12
Nov24

Pregador Político em Moçambique

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(Pregação de Luís Fole)

Breve excerto da pregação de Luís Fole, cabecilha da Igreja Ministério Divina Esperança, na qual professa e é pastor Venâncio Mondlane. Aqui abordando a situação política moçambicana.
 
A argumentação não me surpreende - é típica nestas igrejas do evangelismo politizado. Para alguém como eu a reacção imediata - o arrepio - nem se funda no meu ateísmo. É muito mais provocado pela adesão, radical, à laicidade - o que é algo bem diferente, tanto que esta até se pode fundar na Bíblia, naquele fundamental "dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" (Mateus 22:21), um dito político.
 
Acredito que alguns daqueles (moçambicanos e também outros) que querem tomar partidos - os que optam pela legitimidade histórica do Frelimo, avessos a esta espécie de novos matsangaíssas; os que repudiam os até satânicos do Frelimo, num Glória in excelsis Deo da voz do povo - discursos pregados deste tipo alimentam as polarizações entusiásticas.
 
Mas há os que não têm de tomar partidos (principalmente nós, os estrangeiros). E neste sentido a problemática relevante é a de perceber as causas sociais e políticas da ressurgência nas últimas décadas da religiosidade politizada, nisso atentando que algumas destas igrejas evangélicas, pentecostais ou não, são expressões de novas religiosidades "populares", dos "descamisados". É muito mais importante perceber o significado social disso do que andar a clamar "bolsonarismos" alheios ou quejandas invectivas..., isso um pensamento paupérrimo.
 
Uma segunda demanda é terminológica, e liga-se com a primeira. É perceber que a "virtude" não se restringe à qualificação - bondosa ou maldosa -, uma simplificação semântica típica dos cristianismos vulgares. E assim recordar, sublinhando-o, que "virtude" significa também potencialidade. Ou seja, que dinâmicas - positivas, negativas - têm as expressões sociais, os movimentos políticos. Assim percebendo um pouco do que é que isto tudo, o real, significa.
 
E após isso quiçá, se cada um o entender necessário, fazer opções, "tomar partido".
 
Ou então, como bom ateu, ser bíblico num "não há nada novo debaixo do Sol" (Eclesiastes 1:9). Neste "pessimismo antropológico" que alguns apupam como de "direita" E que eu considero ser mera lucidez. Amesquinhada.

11
Nov24

O Nó Górdio Moçambicano

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Um amigo - decerto com um sorriso irónico nos lábios porque já me ouviu resmungar diante de ditos de Ana Gomes - envia-me esta foto e trechos das suas declarações. Convém ler (deixo esta ressalva, não tenho a certeza que o que diz sobre a percentagem de donativos no OE moçambicano esteja correcto):
 
"Frelimo tornou-se uma associação de malfeitores". "Nos 2 mandatos de Nyusi o país regrediu, o nível de pobreza atingiu 70%". "Portugal e outros países doadores da UE (que são quem, de facto, sustenta o orçamento de Moçambique) podem e devem exigir um governo de salvação e a repetição de eleições, e a condenar a repressão violenta." ""O silêncio da CPLP não existe. É uma vergonha. A CPLP não é solidária com os seus povos.".
 
Deixo uma nota, aproveitando a clareza das afirmações da veterana do PS: aqui tenho comentários (e no whatsapp alguns amigos também me falam no mesmo sentido) duvidando da possibilidade de qualquer acordo, dado o radicalismo das partes envolvidas. Ou da possibilidade de uma qualquer "terceira via".
 
Mas a solução é simples, qualquer epígono de Alexandre Magno a conhece. A situação é um nó górdio (não, não falo do Kaulza do Arriaga). Desata-se cortando-o. Ou seja, repitam-se as eleições, verdadeiramente supervisionadas (ou seja, não apenas "observadas" por parlamentares da Guiné Equatorial e quejandos...).
 
É caro repetir eleições? Não é problema. Pois o malvado "ocidente" pagará. Ou então fica assim, os camaradas da China apoiarão...

11
Nov24

Um domingo nos Olivais

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Cada vez mais concordo com o Prof. Ventura e seus apaniguados. Pois urge defender os valores pátrios, a nossa identidade e o nosso secular, e correcto, modo de vida. Noto-o ainda mais agora.
 
Aqui nos Olivais vim, sozinho, ao café de sempre. Agora tornado restaurante chinês - o que a nossa gente bem acolheu dados os séculos de amizade que nos une ao Império do Meio, consagrada em Macau.
 
Mas há limites que deveriam ser intransponíveis. Sentei-me na esplanada, em busca do modesto crepe. Na outra mesa está uma dezena de estrangeiros a almoçar. Nada de particular fazem. Mas são, e com evidência, de outro sítio e outros modos. Franceses! Depois chega outra dezena de estrangeiros, também estes carregando seus diferentes seres, usos e costumes. Barulhentos estes, e muito (e os homens latagões, como se nigerianos ou vikings). Espanhóis!
 
Uma situação que anos atrás nunca teria acontecido. Assim degenerado está o bairro, ameaçada a Comunidade. Hesito. Devo partir, largar a minha freguesia a estas diferentes "etnias"? Recuso-me a isso. Peço mais uma Super Bock. E fico. Sou! Um Quadrado de Aljubarrota. Uma Linha de Torres.
 
Sozinho. E com o prof. Ventura (e o seu coelhinho) na alma.

10
Nov24

Do que se vai dizendo sobre Moçambique

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(Fotografia de João Vaz de Almada, Maputo, esta semana)
 
A fotografia é de Maputo, esta semana, feita pelo João Almada, que está a escrever reportagens para a "Sábado". Uso-a para encimar este postal, continuando a falar sobre a abordagem da imprensa portuguesa à situação em Moçambique. Chamando a atenção para algumas intervenções, para quem se possa interessar. Mas também como desabafo, diante de outras.
 
Se há um relativo silêncio ele vem-se desvanecendo. A quem não tenha ouvido ou visto recordo que a Rádio "Observador" tem dado espaço a excelentes comentários de João Feijó (1, 2). E acabei de ouvir um programa "Contra-Corrente", no qual muito se justifica ouvir Paula Cristina Roque (as outras intervenções são despiciendas). E, repito a nota, na RTP 3 também muito bem falaram Pedro Martins e Fernando Jorge Cardoso.
 
Na imprensa escrita pouco tenho lido, apenas o que me enviam. Mas há uma constatação evidente. Em Portugal continuamos com a ideia que consagra "jornais de referência", altaneiros face aos "populares". Destes o mais apupado é sempre o "Correio da Manhã" - e ainda mais desde a célebre expressão "perguntas do Correio da Manhã", proferida pelo famigerado José Sócrates, esse que a intelectualidade clientelar defendeu até ao "último cartucho" nos tais órgãos "de referência".
 
Para aquilatar da pertinência dessa velha distinção - entre "bons", pois intelectuais, e "maus" jornais, pois do povoléu - convirá ler o que hoje publica o CM (no suplemento Domingo), uma reportagem de Alfredo Leite: "Moçambique: um país amordaçado". E comparar o texto de António Ribeiro, o tal que considera Mondlane "populista", "perigoso" e "imprevisível", no "referência" "Público". Ali são notícia as declarações dos bispos católicos, justiça seja feita. E é dado o restante espaço às vozes do poder (governantes e jornalistas) a criticarem os "desacatos" - como agora cá se diz -, os quais prejudicam os bons (e ordeiros) cidadãos. É uma peça porventura incluída nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, pois invocando o espírito dos defuntos "Diário da Manhã" e seu sucedâneo "Época"...
 
Os meus amigos dizem-me que desde há décadas tenho a "secção africana" e "afrodescendente" do "Público" como minha besta negra (ou "branca", se preferirem, a cor é-me indiferente), tantos os dislates e as demagogias ali regurgitados. Mas se esta breve comparação não chega dou outro exemplo: há dois dias o "Público" publicou esta crónica-reportagem, in loco, "Moçambique, como acertar a bússola". A autora é Ana Bárbara Pedrosa. Nunca ouvira falar, fui ver quem é: escritora, militante activa do Bloco de Esquerda, colaboradora do jornal do partido "Esquerda.net". Tudo confere, seja com o conteúdo do texto seja com o perfil da tal secção "afro" do jornal.
 
O argumento da cronista, ali recém-chegada, é relativamente simples: o problema do país é Venâncio Mondlane, um populista, messiânico e, pior, fugitivo que abandonou as massas a um infausto destino.
 
Ao ler a imunda tralha de Pedrosa ocorreram-me alguns daqueles termos que a minha irmã e a minha filha me impedem de escrever. Enviei-o para alguns amigos em Moçambique. Responderam-me com termos ainda piores.
 
Mas há um ponto a retirar do disparate pegado desta bloquista encartada. Pois é um viés que não está apenas nela. Já o vi por cá, e já o li em pelo menos dois romancistas sitos em Moçambique. É a radical aversão (ideológica) ao facto de Mondlane ser um evangélico, dito messiânico. Se a Comissão Nacional de Eleições moçambicana é usualmente encimada por um clérigo, isso não lhes levanta problemas. Se há proclamações de índole política dos bispos (católicos ou anglicanos) também não. Se as hierarquias islâmicas (muito mais difusas) intervêm, também não. Em última análise, se o grande Tutu se ergueu isso não foi mal. E se Jesse Jackson quis ser presidente dos EUA também não. Etc.
 
O que quer dizer isto? É que para estes "ideólogos" - marxistas globais, bloquistas de cá, samoristas de lá também, os neo-identitaristas, etc. - há umas religiões boas, as "(re)conhecidas", cujo clero até pode participar na política. E depois há estas (novas) igrejas, evangélicas, pentecostais até, às quais dizem "abrenúncio". Como se sejam satânicas.
 
E se em jornalistas generalistas esta incompreensão até pode nem ser deslize grave, já aos intelectuais escritores a gente pode-lhes dizer: "vai lá ler, pá!". Porque as dimensões políticas, variadas, das igrejas evangélicas estão estudadas, há literatura sobre isso - e também em Moçambique. Ou seja, este espanto, repugnado, é mera ignorância.

09
Nov24

A escassez noticiosa sobre Moçambique

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(Ardinas do Porto, início de XX, autor desconhecido)
 
No meu mural de Facebook um amigo (que viveu anos em Moçambique) comentou o silêncio (relativo mas evidente) da imprensa portuguesa sobre a actual situação naquele país. "Respondi-lhe" assim: 
 
A esse silêncio referi-o em alguns dos meus postais sobre esta situação - (como neste e neste). E diante disso tentei, na modéstia da repercussão de blog/mural de FB, ecoar alguns contributos interessantes na imprensa .
 
De facto há um enorme desinteresse noticioso (ausência de destaques, escassez de informações, rarefacção de comentários). Podemos encarar esse silêncio (relativo) como sintoma de vários factores. Indo além do resmungo contra o défice de qualidade da nossa imprensa. No seu (ignorante e/ou preguiçoso) seguidismo às "agendas noticiosas" internacionais (agora os EUA, Gaza, Valência, Ucrânia, até a Alemanha). Ou a sua falta de recursos económicos (para ter correspondentes ou encomendar reportagens) e humanos - há um ano referi o caso extraordinário do "Público", que se veio justificar por não ter noticiado o assassinato do jornalista moçambicano Chamusse por estar de folga o único (!) jornalista que lá escreve sobre África.
 
Tudo isso será verdade. Mas há outros factores relevantes: continua uma enorme dificuldade - um desconforto - em abordar as problemáticas nas antigas colónias. O que passa, por um lado, pela permanência de uma espécie de "remorso colonial", qualquer coisa como um "não temos o direito de nos imiscuirmos" (mas podemos fazê-lo sobre a inacção espanhola em Valência, por exemplo...). E por um outro lado, algo ligado, pela dificuldade em abordar as realidades africanas - e as das antigas colónias portuguesas, em especial - por gente que continua presa à velha topologia direita/esquerda como instrumento de interpretação do que lá se passa.
 
Entenda-se, como pode um tipo que se entende de "direita" ou "centro" compreender que alguém louve, criticamente que seja, um estadista como Chissano, que é do Frelimo, um antigo movimento marxista-leninista? Durante anos levei com comentários abrasivos em blog por causa desse meu "chissanismo", que nem sequer explicitava recorrentemente... 
 
Ou, de outra forma, como pode um tipo que se "identifica" como de "esquerda" perceber o movimento em curso em Moçambique, agarrado às necessidades de invectivar como de "direita" o evangelismo "bolsonarista" de Venâncio Mondlane (como Agualusa - e sobre este telefonou-me ontem um amigo, "tenho de te contar esta!!!", ria-se, acabado de conversar com intelectuais da "velha guarda" "samorista" os quais, com ironia caústica, o chamavam "Aguavumba", menosprezando o seu camaleonismo, de cooptado ao "bloco histórico" do poder - e não só andam a clamar).
 
Para além disto, haverá também um factor para o qual olho até por percurso biográfico. No nosso país há pelo menos três décadas de formação superior pós-graduada nessa amálgama disciplinar "Estudos Africanos". As quais não foram suficientes para produzir "intelectuais públicos" oriundos dessas formações, que tenham apetência e competência para intervenção comunicacional abrangente e ganho "espaço" na imprensa. (E um exemplo típico é o conflito de Cabo Delgado: o absurdo longuíssimo silêncio moçambicano sobre essa "insurgência" foi ombreado pelo português. O único indivíduo do "espaço público" que dele falava, e já anos depois daquilo ter começado, era Nuno Rogeiro...).
 
Mas este nosso silêncio informativo tem um outro factor motriz, talvez o mais relevante. E que afronta o "complotismo dependentista" usado para legitimar os regimes autocráticos pelos "intelectuais" clientes desses "blocos históricos" de poder, e seus "compagnons de route" internacionais. Esse é o factor estruturante, promotor do silêncio: a inexistência desde 1975 de um qualquer projecto neo-colonial.
 
Há umas retóricas (algumas saudosistas, outras sentimentalonas), há efectivos interesses económicos (mas muito minoritários na economia portuguesa), há alguma articulação política entre Estados (coisa pouca, como se viu na recente questão russo-ucraniana), há pequenos núcleos de emigrantes (também muito minoritários no universo dos emigrantes portugueses). Mas não há grande intensidade de relacionamento nem interesse estatal ou societal em fazer crescer as interacções.
 
E tudo isto é denotado, melhor, demonstrado por este "silêncio" noticioso. De facto, Portugal, o nosso Estado e a nossa sociedade, está interessado noutras coisas. Neste tipo de situações isto pode irritar-nos, pois vivemos lá (em Moçambique ou alhures), ficámos com afectos e interesses (não interesseiros). E poderá irritar os "anticolonos" que sempre recorrem ao "xicolono" como "inimigo externo", necessário à sua (auto)justificação. Mas nada disso é o verdadeiro real.
 
Abraço. Ou, melhor, "estamos juntos".

08
Nov24

Narcisista

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No fim do almoço uma querida amiga oferece o meu "Torna-Viagem" à sua convidada, para tal o havia encomendado. Eu fico agradado, lá coloco o gatafunho, em formato muito encomiástico da ofertada, a qual bem merece os elogios. A minha amiga fora uma das pessoas que há anos cirandara, meu rascunho na mão, sob motu proprio, em busca de uma editora para o proto-mono, sem nunca encontrar resposta... E ali, agora, mostra que continua a empurrar(-me).
 
Horas depois, já só nós, eu de micro-cálice de CRF Reserva na mão, dispara-me ela, afinal, que estou "narcisista". "Porquê?", surpreendeu-se este autofágico. "Então!, divulgas o teu livro!!!... dizes quantos vendeste!!", atira-me. E nisso temo-lhe até, talvez minha imaginação, algum azedume para comigo - e tanto isso me supreende, estupefacto fico quando os outros não me adoram, tão encantador sigo. "Narcisista, eu?", resmungo repetindo-me, sustendo (ela é uma senhora) o palavrão. "Então, se não for eu a divulgar o livro quem o fará?", defendo-me, já entre a espada (aguçada) e... o abismo.
 
Regresso a Lisboa. Telefona-me um amigo, dos da "velha guarda", a saber do meu desarrumo. E nisso pergunta-me "então e o teu livro, como está?". "Isso já acabou, já não vende..." (vendeu 210 exemplares adianto, como se isso seja estrado para o púlpito narcísico...!!!). Ele convoca-me, "tens de insistir, vem aí o Natal, pode ser que alguns o encomendem para essa altura". Rio-me com o marketismo dele... "Devo impingi-lo para a santa quadra? É um verdadeiro paganismo...". Rimos e seguimos na conversa, também ela desarrumada.
 
Depois noto que desde há já dois meses que não impinjo o meu "Torna-Viagem" - a tal centena de crónicas, dois terços sobre Moçambique, o resto sobre alhures. Assim como se tendo eu próprio esquecido o livro.
 
E por isso - "narcisista" dizem-me, e esforço-me por o confirmar - aqui o torno a impingir. Encomenda-se através desta ligação (basta "clicar").
 
E depois, entre 3 a 5 dias úteis, o(s) exemplar(es) encomendado(s) chega(m) ao destinatário numa caixa destas.

08
Nov24

Em Moçambique

jpt

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Será, decerto, uma das fotos do ano. É do Eric Charas: Maputo, 5.11.2024, um puto com o seu "colete à prova de bala" nas manifestações de repúdio por mais uma fraude eleitoral.

Na RTP 3 um bom momento sobre Moçambique, com as intervenções do investigador Fernando Jorge Cardoso e do jornalista Pedro Martins (que foi correspondente naquele país durante seis anos). A partir dos 26' 30'', nesta ligação.

(Ou seja, por cá nem toda a gente é... Miguel Relvas).

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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