14
Mar23
3 anos após o confinamento
jpt
(Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)
Ontem, 13 de Março, passaram-se 3 anos exactos!: a minha filha chegou de Inglaterra, onde a sua universidade encerrava por todo aquele ano lectivo, eu recebi-a num misto de angústia - aquela que presumo todos os pais terem sentido nessa época, ainda desconhecedores dos efeitos que a nova doença teria entre os jovens - e de ira, pois acolhendo-a num aeroporto pejado de turistas ingleses que vinham ao Sol do Algarve, e sabendo que os paquetes apinhados ainda atracavam ao Tejo..., isto tudo entre as já trapalhadas da futura "Super-Marta" (que agora se anuncia "para Lisboa"!), sua dra. Graça ("visitai os lares de terceira idade", clamara ela nessa mesma semana) e restantes dignitários... Saímos da Portela logo rumo a Sul do Tejo, e confinámo-nos junto a um grupo de amigos que já se tinham encerrado há já uma semana, abrindo o portão apenas para que nós entrássemos - Amigos-Irmãos, verdadeiramente.
Era-me um momento importante, regressara há pouco da Bélgica, tinha ido ao Brasil, tinha sido convidado para regressar a Moçambique. Terminava um trabalho demasiado longo ("falta-me um mês, mês e meio, não mais do que isso..." augurava eu), reinventava-me como jovem, nisso homem com sentimentos, "isto" parecia que ia recomeçar. Logo um amigo brasileiro, também antropólogo, desafiou-me a escrever algo sobre o Covid-19 por cá, a publicar entre um colectivo de textos. Nas noites (de angústia, claro) fui ver o que os outros botavam: uns davam-se à demagogia anti-liberal, nisso julgando-se "intelectuais orgânicos" de uma qualquer "pós-modernidade". Outros, mais plácidos, actualizavam, talvez inconscientemente a velha e colonial "etnografia de varanda" fazendo "etnografia de Whatsapp" ou, pior ainda, "de marquise".
Por isso tudo, deixei-me nas noites (as tais de angústia, repito) na catarse de escrever este "O capitão MacWhirr e o Covid-19: os dois primeiros meses de pandemia". Julgo que o melhor texto que escrevi na vida - algo comprovado por ter colhido para aí 10 elogios de amigos, coisa inédita. Não foi publicado, talvez por eu não ter feito qualquer "etnografia de quinta", talvez por eu me ter dedicado a partir a loiça toda - que era o que me apetecia, ainda mais do que habitualmente... Ou talvez por ser extenso em demasia, 40 e tal páginas, disse depois, em dias mais serenos.
Entretanto o resto logo estancou, nem os sentimentos medraram nem o trabalho (longo) fluiu, ou vice-versa. O regresso ao Índico desabou. Atrapalhei-me, está visto e revisto. Depois morreu a minha mãe, enclausurada na sua "residência", e, parece-me agora, este ríspido heteronormativo tóxico desabou (mais?) um bocado. Há as alvoradas, bem matutinas, às vezes almoço, e as noites - já sem angústias. Uma salamandra e uma piscina vizinha, depende da época. Ficou-me, apenas, este "MacWhirr e o Covid-19", lido por um punhado de amigos. E um constante "I would prefer not to", feito que fui Bartleby...
O confinamento já acabou?