Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Nenhures

Nenhures

08
Jul24

Kambaku, uma página a visitar

jpt

kambaku.jpeg

Recomendo esta Kambaku - Notícias do Mundo Natural, uma belíssima página digital que (muito bem) corresponde ao seu título. Trata-se de uma plataforma noticiosa dedicada à informação e análise de conservação da biodiversidade, centrada em Moçambique mas bastante atenta a essas questões em África e, até, alhures.

O seu nome Kambaku (também usualmente grafado Cambaco) é o termo em língua changana para o velho e solitário elefante, irritável sempre dele se disse. E cheguei a esta tão interessante página através de uma chamada de atenção do Afonso Vaz Pinto, também veterano confrade bloguista no seu Mar me quer, e que desta Kambaku é um dos artífices.  

O seu conteúdo é muito consistente, textos escorreitos, diria até "cirúrgicos". Mas isto sem minimamente se encerrar num "discurso especializado", pois ela funciona muito bem como divulgação para nós, vulgares amadores e amantes interessados, mesmo nos exaltando, devolvendo-nos esperanças, se se quiser. Tem uma secção de notícias sobre conservação e biodiversidade, outra sobre ciência e investigação - entusiasmante para um leigo como eu -, um outra, preciosa, dedicada à sustentabilidade, ou seja às dinâmicas da economia ecológica, e uma outra ainda sobre inovação tecnológica ligada à biodiversidade

rino.jpg

E como exemplo de notícias que vão para além de Moçambique, e também alertando para o seu suporte audiovisual, deixo estas recentes abordagens à magnífica reintrodução de rinocerontes brancos no Kruger ou da corrente maior migração mundial de mamíferos terrestres no Sul do Sudão.

migração.jpg

E tem também - como não podia deixar de ser - uma secção fotográfica, como exemplifica esta deliciosa imagem do regresso do xaréu gigante às águas moçambicanas:

xareu.jpg

Finalmente tem uma secção de entrevistas radiofónicas (hoje em dia chamadas podcast), conversas com cerca de uma hora tidas com verdadeiros especialistas da matéria em Moçambique. Ou seja, verdadeiramente preciosas para quem queira aperceber-se do "estado da arte" desta tão relevante matéria. Chamo a atenção para as que ouvi, uma com o justificadamente célebre escritor (e biólogo, veterano destas questões ambientais) Mia Couto. Uma outra com Pedro Muagura, reconhecido administrador do Parque Nacional da Gorongosa. E ainda uma com Alexandra Jorge, administradora da Biofund, organização não lucrativa que actua em cerca de 30 parques naturais no país.

Em suma, Kambaku é um local que muito merece ser visitado. E, também, divulgado. Que outros o possam fazer, se assim o entenderem.

28
Jun24

Texto sobre história de Moçambique

jpt

capela.jpeg

Desta vez não venho vender livros, como quando há meses - e para notório fastio de alguns - fiz, ao tentar impingir o meu "Torna-Viagem". Pois agora apenas dou: um texto longo – seria maior do que um opúsculo, se eu o fizesse como tal. Há anos participei numa homenagem ao historiador José Capela - a que teve este cartaz, que encima o postal -, grande figura da história de Moçambique e de Portugal em Moçambique. E do escravismo. Depois reescrevi o texto. Agora, como o nosso presidente vem recomendando que atentemos nesses assuntos, decidi divulgá-lo - é longo, repito, e não o escrevi para ser fácil, “amigável ao utilizador” mas apenas como dele gosto. E não é, decerto, ajeitável ao uso dos “activistas” de agora. E divulgo-o também para reavivar a homenagem a Capela, homem que esteve bem à frente do seu tempo e da maioria dos (pobres) pares.

Aqui fica a ligação ao meu: "José Capela: o escravismo em Moçambique como violência estruturante".

 

Sobre Capela antes deixara também:

- recensão a "Conde de Ferreira e Cª. Traficantes de Escravos" e "Delfim José de Oliveira, Diário de uma Viagem da Colónia Militar de Lisboa a Tete, 1859-1860", de José Capela;

- "José Soares Martins, de pseudónimo historiador José Capela", quando morreu; 

- recensão a "José Capela, "Caldas Xavier. Relatório dos acontecimentos havidos no prazo Maganja aquém Chire, Moçambique, 1884";

 

25
Jun24

José Forjaz

jpt

forjaz.jpg

Morreu hoje José Forjaz, o mais renomado arquitecto em Moçambique e alma mater do ensino de arquitectura na Universidade Eduardo Mondlane. Sobre a sua obra há publicações do Instituto Camões - que não tenho. Mas também este "José Forjaz: a Paixão do Tangível, uma Poética do Espaço", uma rica longa conversa que concedeu ao António Cabrita e que a Escola Portuguesa de Moçambique acertadamente publicou em livro (2012). Li-o naquela época, fiquei então com a ideia (talvez desajustada) que ainda faltaria ao Cabrita algum Moçambique para ir mais longe no inquirir. Mas isso em nada apoucou a pertinência do entrevistador e, muito menos, o interesse do entrevistado. E é isto que relerei hoje, em forma de homenagem ao arquitecto.
 
Forjaz era um exemplo, até típico, dos homens "maiores do que a vida". Lembro-me de o ter conhecido, em 1996. O António Hespanha (também já morreu, os maiores já foram quase todos) mandara-me a Moçambique com a incumbência de preparar um conjunto de acções de "cooperação cultural" para dar um corpo peculiar às "comemorações" da aguada do Vasco da Gama cerca de Inhambane (10 de Janeiro de 1498) e do seu embate com o Mussa Al Bique, uns tempos depois, um bom naco do litoral acima. Para isso, chegado a Maputo, pedi que Forjaz me recebesse, para que me iluminasse ele.
 
O célebre arquitecto era já um quase velho - tinha então a idade que eu tenho agora. Acolheu-me na sua casa, também atelier, ali na 24 de Julho. E deu-me duas ou três horas, uma conversa que foi aula magistral, cultíssima de chã, sobre o país, o passado recente, o "estado da arte" de então, numa elegante acidez sem azedume. Tudo aquilo, percebi-o eu, embrulhado com alguma gentil condescendência para com este rapazola, cabelo azeviche, ainda carregado de convicção esperançosa. Eu fiquei logo impressionado: sim, o saber, mas também o ambiente daquela casa de arquitecto, pejada de pastas, peças, livros, tudo com ar de uso, vivido, sentido, nada em mera "exposição" burguesa. E, também, o facto do homem ser lindo - sim, até eu, nada sensível à beleza masculina, fiquei encantado... Saí dali embevecido (lembro-me de ter telefonado à minha mulher dizendo-lhe que encontrara "um príncipe renascentista em Maputo").
 
No ano seguinte eu acabara de aportar a Maputo. Coube-me integrar a pequena comitiva de Federico Mayor em visita à Ilha - a minha primeira vez lá. Forjaz também foi, eminência parda da então influente Associação de Amigos da Ilha, naquela era de imaginados planos de reabilitação da UNESCO - nos quais ele não seguia muito crente, sábio que era. E lembro-me bem de que à chegada, com as "personalidades" da Ilha perfiladas à espera da comitiva, ali junto à célebre figueira-da-índia, ele teve o cuidado de se apartar de todos convocando-me para me apresentar a Amur, a mais relevante personagem das confrarias da Ilha, alertando-me de que "para você perceber a Ilha é com este Senhor que tem de falar". Só quem conhece a Ilha pode entender o certeiro que estava a ser. E também a gentileza que estava a ter para com este miúdo, o menos graduado daquele grupo mas que mesmo assim ele não descurava.
 
Passaram as décadas, vim a reencontrá-lo em Lisboa, ele já adoentado. Mas mantendo a fineza irónica, caústica por vezes, assim sem se distrair da envolvência que entendia relevante. Ou seja, mantendo o encanto, por assim dizer. Foi um homem grande. Vénia!

25
Jun24

Na morte de Chude Mondlane

jpt

chude.jpeg

Morreu agora a Chude Mondlane. Lembro-me de a ter conhecido ("a filha de Eduardo Mondlane", logo me avisaram, ela então chegada dos EUA, onde passava parte do tempo). Mas muito mais do que isso, cantora e mulher, sem quaisquer ademanes de importâncias estatutárias, no seu rumo enleante, cativante, absorvente. Tinha uma "g'anda onda", como se dizia então, na enfática linguagem do apreço.
 
Lembro-a aqui, nas suas versões acústicas - que tão bem resistem ao tempo.

07
Jun24

Os Xutos em Maputo

jpt

X.jpg

Isto de quando um homem veio para velho sucedem-lhe as memórias, em até frenéticas associações de ideias. E, felizmente, vêm elas em molde selectivo (entenda-se: autocensório), elegendo assim as risonhas e deixando as bisonhas no limbo amnésico. Explico o caso desta manhã:
 
Fui agora ao grupo-FB "Portugueses em Maputo", a publicitar o meu "Torna-Viagem" (que só se pode comprar através desta ligação colocada no título ), na (vã) esperança que algum desses patrícios (e não só...) se possa interessar. E nesse grupo vejo que neste fim-de-semana os Xutos actuarão na cidade... Logo me lembro da estreia deles por lá, há um quarto de século.
 
Uns meses antes haviam aparecido por lá uns funcionários em ambições de organizarem um grande espavento "lusófono", como então se dizia, com "impacto popular", tipo "encher um campo de futebol". E para tal queriam levar a Daniela Mercury, cantora então muito em voga - e que seria uma contratação caríssima, presumi. Ripostei-lhes - depois de em surdina suspirar um ateu "ai, meu Deus!" - que se o objectivo era encher um campo da bola seria melhor levarem o Roberto Carlos! Eles voltaram à pátria (a antiga Metrópole, entenda-se). E passados uns dias o meu amigo António Miguel - que eles haviam contactado para operacionalizar a "coisa" - telefona-me, meio (ou mesmo todo) espantado, "ouve lá, então tu queres levar o Roberto Carlos a Moçambique?, é que me pediram para tratar do assunto!!!". Eu ia caindo da cadeira abaixo, com a gargalhada azeda. Pois esquecera-me que, já naquela época da alvorada da internet, diante de alguns tipos de gente era preciso afixar um emoji quando se ironizava (ou sarcasmava, como fora o caso)...
 
Enfim, passados os tais meses lá aportou a comitiva musical em busca das enchentes. Mas numa selecção menos histriónica, e bem mais plural. Alheio à cena acabei por me associar aos convívios. Por intermédio da querida amiga Isabel Ramos, e conjuntamente com ela, pude oferecer à extensa comitiva musical uma excelente massada de peixe, confeccionada in loco no (velho) Mercado do Peixe pelo cantor Vitorino. Dia agradabilíssimo, durante o qual eu e a minha mulher pudemos conhecer Sérgio Godinho, ali o único verdadeiramente curioso sobre a cena musical (e artística, e literária) do país.
 
Uns dias depois foi o concerto dos Xutos, na velha FACIM. Arregaçaram imenso, como então o faziam. Tanto que às tantas abandonei a pose "sô doutor" e fui lá para a primeira fila, esbracejando Xs, nisso ombreando com o patrício Hernâni, sempre soberbo no seu visual "heavy". No final subi ao camarim e logo fui interrogado pelo Kalu - que não se lembrava de mim mas que eu conhecera anos antes, pois havíamos estado os dois a servir shots de tequila num casamento de amigos comuns - "ouve lá, estes gajos não gostam de rock?", pois a reacção do público não havia sido tão entusiástica como aquela a que estavam habituados (e mereciam, afianço). "Gostam, mas não reagem da mesma maneira...", antropologizei eu em síntese, fugindo a elaborar sobre as formas diferentes de absorção musical. (E sobre os limites da comunicação "lusófona", musical e não só, que isso seria outro assunto, nada adequado àquela noite).
 
E depois seguimos todos para a casa da Nice - a sempre princesa de Pemba - para uma festarola divertidíssima, até às tantas. Eu ficando a bebericar com o Zé Pedro ("sou dos Olivais, pá!", havia-lhe dito), um tipo do caraças, de uma gentileza rockeira única. Única mesmo.
 
Enfim, se estivesse em Maputo, amanhã iria ao Centro Hípico ver os Xutos. Até porque no início dos 80s os vi quando tiveram os Minas e Armadilhas na primeira parte. E, depois, entre tantas outras vezes, no célebre "ao vivo no Rock Rendez-Vous", no 31 de Julho para que cantássemos em coro, já adequadamente "É amanhã dia 1 de Agosto / E tudo em mim é um fogo posto / sacola às costas cantante na mão..." E foi um longo 1º de Agosto, o fogo posto esteve ateado muito tempo. A ver se reatará..., ainda que duvide disso.
 
 

1º de Agosto - Xutos e Pontapés

05
Mai24

A "Nwahulwana", de Wazimbo

jpt

makweru.jpg

Gastei parte da noite insone a ver na televisão o "A Promessa" ("The Pledge"), um sofrível filme policial realizado por Sean Penn em 2001. Vale sobretudo pela galeria de notáveis actores que vão desfilando, alguns em curtas aparições: o grande Harry Dean Stanton, Vanessa Redgrave numa breve e magnífica actuação. E também dada a presença da sempre perturbante Robin Wright (então casada com Penn). E, mais do que tudo, por Jack Nicholson, ainda por cima porque ali um pouco menos actor histriónico do que tornou hábito nas suas últimas décadas profissionais.
 
Enfim, dito tudo isto, o relevante é bem diferente. A meio do filme, noite longa, até já eu cabeçeando - apesar da referida Robin Wright -, despertei-me, verdadeiramente surpreendido, pois a "banda sonora" do filme integra esta "Nwahulwana" do grande Wazimbo.
 
Fiquei mesmo estupefacto pois nunca soubera que Wazimbo tinha sido cooptado pela indústria de Hollywood, essa grande montra. Escapara-se-me o facto. E, honestamente, até acredito que tal não tenha sido muito divulgado em Moçambique - ou então andava eu muito distraído. Aliás, basta lembrar o escarcéu festivo, impossível de não acompanhar, que foi por cá naquela época quando a "Canção do Mar" de Dulce Pontes surgiu num filme insuficiente, com o Richard Gere...
 
Enfim, o que isto me lembra é que conheci Wazimbo quando ele gravou o disco "Makwêru" em 1997, e nos espectáculos subsequentes, tudo mesmo muito bem produzido pela Conga (do Luís Moreira et al). E de logo me ocorrer, e dizer, entusiasmado, que "se este tipo fosse da África Ocidental seria uma "estrela" internacional", dado que aquela região era então muito vasculhada pela indústria musical.
 
Pois, e é o sumo, Wazimbo é um enorme cantor.
 
 

(Nwahulwana, de Wazimbo)

10
Abr24

O jornalismo "de referência"

jpt

mondlane.jpg

No decadente contexto da imprensa portuguesa o "Público" continua a receber o estatuto de "jornal de referência". Como seu antigo leitor dele tenho uma experiência que me leva ao sorriso. Durante as duas décadas que vivi em Moçambique no jornal fui vendo vasto rol de dislates sobre o país - muitos deles produzidos durante e após reportagens longas. Não se tratava apenas do efeito de um olhar enviesado (a patetice "lusófona", o paternalismo bacoco, o "póscolonial" de algibeira, o "exotismo" de pacotilha, etc...), mas também de apatetados erros factuais. Sobre algumas dessas asneiras fui escrevendo em blog. Entretanto, desde há largos anos que no jornal se sedimentou uma "célula" de "activistas" "decoloniais", que sobre África - a pouca "África" a que alude -, e a "afrodescendência", vai vertendo um "jornalismo" demagógico, para isso cooptando "colaboradores" entre os "activistas académicos", mais frenéticos das causas identitaristas, e ecoando os desbragados rugidos dos políticos esquerdistas que se alimentam dessa retórica. E recordo, como ilustração deste rumo, o desvelo com que no jornal foi tratada a deputada Moreira do partido LIVRE.

Mas para além desse viés ideológico continuam os mais simples e rasos disparates e desatenções. Ainda há pouco tempo o "Público" se "esqueceu" de noticiar o assassinato do jornalista moçambicano João Chamusse - e eu permito-me aventar o barulho que aquela redacção teria feito se um jornalista negro tivesse sido assassinado num qualquer país europeu ou um "pardo" no Brasil... E não só se esqueceu de o fazer como se atreveu a permitir que o seu "provedor de leitores", José Alberto Lemos, tivesse o desplante de vir mentir aos seus leitores - como aqui referi - fundamentando essa "falha" na ausência de informação proveniente da LUSA (uma falsidade, agredindo colegas de profissão) e no facto de apenas um jornalista do "Público" escrever sobre temas africanos, o reconhecimento da indigência vigente.

Mas nada disto obsta a que o jornal continue a receber o benevolente estatuto "de referência". Decerto porque mantém um leque de doutores, ali elevados a colunistas ou consentidos como meros colaboradores avulsos, que escrevem as suas "opiniões", ou seja, ali "produzem opinião pública" em função de agendas políticas. 

Cada vez que eu resmungo sobre mais um disparate profundo, um rumo mais demagógico, um olhar mais vácuo, seja sobre Moçambique ou sobre África em geral, logo alguém - usualmente jornalista, ex-jornalista, ou boa alma - socorre aquela indigência, fundamentando-a no estafado estado da imprensa escrita, carregada de profissionais subremunerados, estagiários sobreexplorados e de remanescentes veteranos supraexauridos. E assim assoma a piedade, esta feita factor de manutenção do tal epíteto "de referência" e, como tal, também da credibilidade dos disparates "decoloniais" do "Público".

Enfim, hoje de madrugada um amigo de Maputo envia-me por Whatsapp esta foto, reproduzindo um artigo de página inteira dedicado à actualidade política moçambicana, país no qual se debate sobre as personalidades que concorrerão à liderança dos grandes partidos e às eleições presidenciais deste ano.

O artigo estrutura-se sobre a ascensão dos filhos dos antigos presidentes da Frelimo à liderança dos dois grandes partidos moçambicanos - indiciando esse factor como situação denotativa. Por um lado Samora Machel Jr. (dito Samito), aventado como futuro presidente do Frelimo, filho de Samora Machel, primeiro presidente do país.

Por outro lado, Venâncio Mondlane, um já veterano político, deputado, antigo candidato ao conselho municipal (a nossa câmara) de Maputo. E no artigo publicado no jornal "de referência" dito filho de Eduardo Mondlane, primeiro presidente da então Frelimo. 

Acontece que Pedro Nuno Santos não é filho de Almeida Santos, Sérgio Sousa Pinto não é filho de Mota Pinto, Jerónimo de Sousa não é irmão de Marcelo Rebelo de Sousa, nem Pedro Passos Coelho sobrinho de Jorge Coelho. Tal como Venâncio Mondlane não é filho de Eduardo Mondlane, e até nasceu 5 anos depois da morte deste... E não há piedade suficiente para aturar disparates destes. Principalmente num jornal "de referência" que depois nos quer "ensinar" a urgência de um olhar "póscolonial" sobre África. E sobre nós-mesmos. E se não há piedade suficiente para isto também não há paciência para os tontos que continuam a fazer as mesuras ao tal "jornal de referência".

10
Abr24

Eugénio Lisboa

jpt

eugénio

 
Morreu Eugénio Lisboa, relevante pensador de origem laurentina que - entre outros eixos da sua actividade - nos deixou notável monografia (em registo memorialista, integrando a sua vasta "Acta est Fabula") do ambiente intelectual da burguesia tardo-colonial portuguesa, um documento precioso para se entender o nosso ocaso colonial. Deixo aqui ligação a um bom obituário que o Pedro Correia lhe dedica no Delito de Opinião. E também a um interessante texto que o Nelson Saúte lhe dedicou por ocasião do seu nonagésimo aniversário .
 
"Tive o privilégio" (como sói dizer-se) de o conhecer. Após ter ido viver para Maputo, a primeira vez que vim a Portugal solicitei-lhe um encontro, uma "apresentação de cumprimentos", por assim dizer. O qual se me impunha por respeito intelectual e por considerar que ele poderia ser (e era-o) um agente fundamental para o conhecimento nacional da realidade intelectual e artística moçambicana, neste país cuja intelectualidade estava então alheada das realidades africanas. E isto bem antes da publicação da sua "Acta est Fabula", que acima refiro...
 
Recebeu-me na Comissão Nacional da UNESCO, a que presidia, foi simpático e também algo complacente - teria recolhido algumas informações (talvez pouco laudatórias) sobre mim, foi-me óbvio que me atribuiu alguma candura juvenil, naquela quase inconsciente displicência que agora também me acontece quando diante de qualquer tipo com cabelo ainda azeviche. Mas algo talvez também oriundo - pareceu-me - daquela mundividência dos agentes do "campo literário". Esses que - mesmo que tantas vezes simpáticos - tanto privilegiam os seus pares, como se membros de um panteão de demiurgos e semi-demiurgos, apenas entreaberto a alguns teólogos graduados. Enquanto nós - em particular se antropólogos, quero desejar - cremos mais em Xenófanes, naquilo que o grego disse de "se as cavalgaduras tivessem mãos... desenhariam os deuses como cavalgaduras"... Mas foi, insisto, muito simpático. No fim da pequena reunião perguntou-me "então em que lhe posso ser útil?", e pareceu-me surpreendido, até agradado, quando lhe disse o motivo do meu pedido de encontro, do aquilo "Em nada. Eu é que talvez lhe possa ser útil, vim aqui para me disponibilizar para algo que lhe possa ser interessante lá em Maputo"...
 
Algum tempo depois esteve em Maputo, integrando uma gigantesca comitiva cultural. Seria, entre os seus pares, o que mais conhecia o contexto, e perceberia aquele desajuste luso, verdadeiro disparate. Mas constatei então que a sua argúcia analítica, o seu consabido "avinagrado", estaria mais direccionado para os textos, e não tanto para a realidade "palpável". Ou, então, que o distribuía... estrategicamente. E que naquele momento não lhe interessaria vertê-lo, com ele aspergir os próceres culturais nacionais.
 
Anos passaram, eu já teria algumas cãs. Um dia, no primeiro intervalo de um congresso académico, fui esfumaçar até ao gélido pátio, no qual estava apenas um outro participante, com os mesmos propósitos. Emprestámo-nos um isqueiro e apresentámo-nos. E surgiu Eugénio Lisboa, sorriso aberto. Saudações cumpridas fez-me uma pergunta, algo indiscreta, sobre eu em Moçambique. Retorqui "quer uma resposta franca ou diplomática?", "franca, claro" e assim o fiz. Logo fez outra pergunta, também indiscreta, sobre o mesmo tema, eu em Moçambique, e de novo lhe perguntei "quer resposta franca ou diplomática?" e de novo convocou a minha franqueza. Após a qual fez mais uma pergunta indiscreta, ainda sobre eu em Moçambique, ao que, de imediato, o outro congressista exclamou, veemente, "uma resposta diplomática, por favor!". Rimo-nos, eu e ele, o grande, enorme, Ruy Duarte de Carvalho, e logo ali ficámos amigos para o resto da sua vida... E Lisboa nada mais perguntou.
 
Há cerca de 15 anos, já ancião, Lisboa esteve em Maputo - talvez tenha sido a sua última vez ali, pelo menos até 2015 não terá voltado. Logo acorri à Escola Portuguesa de Moçambique para o ouvir, no que foi uma preciosa abordagem/homenagem a José Régio, por quem tinha enorme admiração. Estava muito emocionado - tanto que, apenas por isso, me pareceu que estivesse doente, já em processo de despedidas. Felizmente não era o caso, e tivemo-lo mais 15 anos a exercer o seu vasto conhecimento. Num verdadeiro "magistério de influência", mesmo que algo recatado.
 
Por vezes implacável, naquilo que consideraria realmente relevante. Como neste magnífico texto "Elogio da Temperança", que publicou nos seus 90 anos, pontapeando o provincianismo luso demonstrado na mania dos elogios fúnebres hiperbólicos. Um texto que é agora, na sua morte, urgente recordar. Pois é evidente que o então nonagenário nele convocou o tino alheio para a hora da sua morte, que decerto previa relativamente próxima.
 
Eugénio Lisboa publicava no excelente blog colectivo De Rerum Natura. Os seus parceiros de blog deixaram-lhe uma homenagem, sentida, publicando-lhe este soneto. Tão denotativo do seu percurso:
 
Na minha outra pátria africana,
não trincávamos maçã nem morango.
O que trincávamos mesmo com gana,
manga verde, encarilado frango,
 
maçaroca e ácida tcintchiva,
ensinava-nos a descobrir mundo,
naquela terra quente e lasciva,
onde tudo ficava mais fecundo.
 
Com tostões, comprava-se um mata-fome
e o caju arrancava-se do ramo.
Os esfomeados unhas-de-fome
 
inebriavam-se, comendo cânhamo.
Era uma pátria cheia de mistério,
que foi pra mim fecundo magistério.

09
Mar24

Nas Terras do Lago Niassa

jpt

jossias.jpg

De publicação muito recente, este "Nas Terras do Lago Niassa : Historicidades do Território, Usos e Pertença da Terra" do antropólogo moçambicano Elísio Jossias, meu bom amigo, "mais-novo". No qual ele condensa a sua interessantíssima tese de doutoramento. O livro traz um prefácio de Susana Matos Viegas, antropóloga portuguesa que lhe orientou o processo académico.

Direi que é um livro imperdível para todos os interessados nestas temáticas, independentemente das áreas de formação escolar de que provenham. Algo que posso sublinhar pelo facto de que é de acesso livre. Ou seja, grátis, mahala...

Para gravar o precioso livro basta "clicar" aqui.

24
Fev24

Slava Ukraini!

jpt

ucrania na ilha.jpg

Há alguns anos (muitos, já, cada vez mais, raisparta) fui mais uma vez à Ilha de Moçambique. À porta da Fortaleza, então sob qualquer intervenção, estava isto. Resmunguei, decerto (eu conheço-me, ainda que mal), a um "portão" barrando o acesso ao agora sacrossanto "Património Cultural" ungido pela UNESCO, pintado com as cores das duas empresas de telefones (Vodacom, MCEL) que invadiam todos os recantos do país com as suas publicidades... Só muitos anos depois alguém me soprou que talvez isto fosse obra, "como quem não quer a coisa", de algum imigrante (quiçá ex-"coooperante") ucraniano, ali resguardado em coisas da construção civil... Talvez. E que belo argumento para um conto seria...

Lembro a fotografia hoje, dois anos após a invasão russa da Ucrânia. Para além dos russófilos actuais (essa mescla nada-excêntrica de bafientos fascistas e comunistas) vejo críticas à Ucrânia e aos seus aliados ("ocidentais") porque a derrota militar se apercebe como provável, exaurido o país. Não deixo de achar uma triste piada ao ver a rapaziada que se imagina de "esquerda", no afã do seu nojo pela democracia liberal dita "ocidental", a filiar-se assim no ideário do "sucesso", do "empreendedorismo" bem realizado, essa ideia de que a fraqueza relativa (a tal derrota militar contra um inimigo superior) significa a fraqueza absoluta, como se uma injusteza ôntica.

E também encontro nenhuma piada aos que vêm "denunciar" a propaganda pró-ucraniana, que para eles conduziu a isto. Ou seja, implicitam que se devia ter apoiado/exigido a rendição imediata. Como esse "eterno comentador" (e mau escritor, já agora) Sousa Tavares que do palanque televisivo veio perorar essa tralha. E tem lugar cativo como "fazedor de opiniões". Por falar de propaganda e estar a botar uma fotografia da Ilha lembro a abjecta consideração do escritor Agualusa, logo no início da guerra, botando no Globo brasileiro o seu lamento de estar na distante Ilha enquanto os "nazis" defendiam a Ucrânia, regurgitando a energúmena propaganda russa, forma canhestra de ser "Sul". Típica, aliás.

De tudo isto me lembrei há horas, ao ver no telejornal as comemorações (fogo-de-artifício e tudo) em Moscovo dos dois anos de guerra. Dezenas ou centenas de milhares de mortos sofridos, idem de baixas alheias causadas, por um regime que se propunha derrotar em três dias (!!!) um poder de "drogados", "nazis", e até "judeus". E comemora.... E estes escritores sofríveis, e intelectuais de merda, e seus enlevados leitores? Dizem o quê?

Slava Ukraini! Especialmente se vier a sua derrota.

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Contador

Em destaque no SAPO Blogs
pub