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Nenhures

Nenhures

27
Mar23

Expurgar Agatha Christie

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Agora todas as semanas segue mais um "expurgo", "protector" das "sensibilidades", "racializadas" ou quejandas. O mais recente  é com os livros de Agatha Christie, toca a retirar-lhes termos que possam ofender alguns trastes - é a instrução dada pela sua editora, atenta aos temíveis efeitos actuais das agressões cometidas pelos pressupostos de época de Miss Marple, Hercule Poirot e restantes personagens daquele pequeno emaranhado pós-vitoriano, tão pequeno-doméstico de facto.

Tendemos a confundir estas trapalhadas - o outro dia foi notícia que uns rústicos americanos, lá de uma aldeia de fundamentalistas cristãos, despediram a directora de escola porque havia mostrado uma obra-prima renascentista aos petizes, ofendendo-lhes as progenituras devido ao pequeno pirilau aposto por Michelangelo ao "David". Gente do mesmo universo que volta e meia é notícia por querer impor o ensino do criacionismo nas suas escolas locais - efeitos directos da peculiar administração escolar dos EUA e consequências do molde de secularismo (comunitarismo) desbragado que vigora naquele país. E que por cá os esquerdistas querem assumir - a maioria dos quais sem mesmo perceber que é disso que falam, tamanha a indigência intelectual que os caracteriza. 

Mas estas “depurações” literárias que se vão acumulando têm outra dimensão… Não provêm de minorias social e geograficamente excêntricas. Vêm embrulhadas no capital “cultural”/“académico” dos proponentes e defensores e estão a penetrar nas administrações dos grupos económicos editoriais. Tornam-se “elite”, “norma”. E há imbecis à nossa volta que os defendem…

29
Jan22

Com Açúcar, Com Afecto

jpt

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A minha geração foi abalroada pela heroína, e nem preciso de juntar grandes detalhes memorialistas para o comprovar. Não naquilo da implosão de muitos dos heróis (Coltrane, Hendrix, Joplin, Morrison e tantos outros). Mas no descalabro de amigos e vizinhos, desde os finais dos 1970s, muitos que por então se foram, alguns até de propósito, outros que se rearranjaram, "sabe Deus" com que esforços, e tantos destes para virem morrer no cabo dos seus cinquentas, dos fígados devastados. Para quem não se lembra, ou faz por isso, bastará lembrar a Lisboa dos 1990s, carregada de já velhos junkies penando pelas ruas, arrumando carros, perseguindo as carrinhas da metadona...
 
Entretanto, nós aqueles que havíamos seguido doutro modo, uns mesmo saudáveis, outros nos mares de álcool apropriados à nossa nação de marinheiros, ou nas multiculturais ganzas, quanto muito aqui e ali polvilhadas de uma chinesa "só para experimentar", e mesmo alguns já adult(erad)os como aburguesados encocaínados, fomos crescendo e procriando. Nisso deparando-nos com aquele "saber de experiência feito" do nosso Duarte Pacheco Pereira, e nisso a angústia do que viria a ser com os nossos queridos. A heroína perdera o prestígio social, ainda que resista no mercado, mas haviam surgido várias novidades, sintéticas, até legais.
 
 
(Lou Reed, David Bowie, I'm Waiting for the Man, Live, 1997)
 
Ora nesse longo - e preocupante - entretanto, por mais angústias que houvesse, ninguém se lembrou de exigir a Lou Reed que apagasse esta célebre "I'm Waiting for the [my] Man" (ou aquela "Heroin" ou tantas outras, como as que me são fundamentais "Caroline Says" I e II). Ninguém, com dois dedos de testa, quis que amputasse ele o seu percurso, a sua arte, a sua refracção poética do que vivia, em nome de qualquer "causa", justa ou espúria que fosse. E também por isso, para que não me digam que também então se "cancelavam" textos, aqui deixo uma versão feita em 1997, trinta anos depois dos Velvet Underground terem irrompido e rompido com quase tudo o que vigorava.  Não é uma das melhores, apesar de Bowie, e por isso para uma de píncaros deixo abaixo uma majestosa do John Cale, um pouco mais antiga.
 
Pois mesmo com a maldita heroína a rebentar à nossa volta o que se pedia e pede aos nossos é que a evitem - "por favor, não entres num carro onde haja gente com os copos, não uses químicos, por favor, só isso!". Mas também "ouve Lou Reed [e John Cale], e especialmente aquelas Caroline Says I e II, já agora". E não que se apaguem textos que não a denunciem. Porque os poetas não se amputam. E porque são tão mais importantes quando dizem aquilo que "não fica bem", para não estar eu aqui com prosápias ensaísticas.
 
Lembro-me disto ao ler que o magnífico Chico Buarque anunciou a "reforma" (o cancelamento, para ser explícito) da bela "Com Açúcar, Com Afecto", devido às pressões feministas. Encho-me de compaixão pelo ancião.
 
 

(John Cale, "I'm Waiting for the Man, Live, 1984)

15
Ago21

A "Cancel Culture" Contra o Xadrez

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Recebo várias mensagens com uma denúncia do Xadrez, devido ao seu conteúdo racista, machista, antropocentrista e capitalista. São dislates de quem nem o joga nem lhe compreende os sentidos implícitos. Pois o Xadrez é o jogo mais consentâneo com os bons valores actuais: é a apologia do matriarcado, sendo também memória dessa era histórica, pois nele domina a Mulher-rainha, que tudo e todos come, protegendo o frágil Homem-rei, eunuco passivo, encastrado num quase imobilismo. É, e muito, a expressão da verdade decolonial, pois todos os jogos demonstram a agressão dos brancos face a bem ordenadas e pacíficas sociedades dos negros, condenados à resiliência em esmeradas estratégias defensivas. É também expressão do sentir ecológico, na afirmação da irredutível riqueza da Natureza, demonstrada na criatividade única dos rebeldes movimentos do Animal-cavalo. E, finalmente, afixa os direitos de género, não só ao consagrar a elegância arguta do cruising gay, nesses "Bispos" em lestas diagonais debicando meros peões, marujos e magalas das forças adversas. Mas mais ainda na sua proposta filosófica até radical, anunciando o transgenderismo como óptimo existencial, pois tudo estrategizando para promover a cinzenta peonagem em exultantes e ariscas Rainhas.
 
Parai pois com essas afrontas ao iluminado Xadrez. Jogai-o. Apreendei-o.

13
Jun21

A paciência

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Há algum tempo - talvez nas vésperas de um dos meus imensos aniversários - aqui [no FB] clamei contra a irritante mania do "parabenizar", palavra que há alguns anos ninguém com dois dedos de testa se atrevia a usar. Irrita-me porque é feia. E muito mais porque só mostra que as pessoas nem percebem o que quer dizer "parabéns", desejar todo o Bem possível. Já agora, temos uma bela palavra para isso, "abençoar" - e para aqueles que dirão que esse é termo reservado às entidades metafísicas, e aos membros do clero, lembro que era costume os mais-velhos abençoarem (darem os parabéns, na linguagem de hoje) os descendentes, directos e indirectos. E sublinho que quando damos "parabéns" estamos a convocar o Bem alheio, a afirmar a possibilidade própria de influenciarmos o destino, como se micro-entidades divinas fossemos (sim, dar os "parabéns" é, para cristãos, um pecadilho de soberba teológica). Enfim, daqui a cerca de um mês mais uma vez cruzarei um aniversário. Peço um favor aos que me dedicam alguma simpatia: abençoai-me, não me parabenizem...
 
E sobre a questão deixo este delicioso texto de Rita Ferro., até pasmada com o "ofendidismo global" que a invectiva devido ao seu desgosto com essa horrível "parabenizar". Texto esse que tem tem um belo corolário: "Só vos digo isto: viver, hoje, é uma longa história de paciência."

17
Mai21

Monumento a Portugal

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Os romanos criaram a Europa e a Cristandade e nisso o primado do livre-arbítrio ("É de sua livre e espontânea vontade que contrai matrimónio?"). Por isso a nossa civilização. Fizeram-no devido à sua superioridade cultural e ao primado da lei. E também porque as suas legiões eram fortificadas contra as desinterias - assim podendo-se deslocar em combate sem desfalecimentos - bebendo posca, vinho avinagrado misturado com água.

Por isso aqui em Azeitão este cacho de uvas regado a repuxo é o grande monumento nacional dedicado à nossa identidade, portuguesa e europeia. Urge cultuá-lo, em romarias e oferendas. E protegê-lo das hordas de bárbaros pós-modernos.

16
Mai21

Na morte do Fittipaldi dos Chaimites

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(12 de Março de 1975, assassinato de António Ramalho Fialho) 

Morreu Dinis de Almeida, peculiar "militar de Abril". O breve e horrível filme mostra o estado em que estavam as suas tropas em Março de 1975, no período áureo da sua carreira profissional. Dele lembro algumas peculiaridades nesse meu tempo de menino. Entre outras a de ser conhecido como o (Emerson) "Fittipaldi dos Chaimites".
 

Ocorre-me agora, a latere, que esta necessidade de "descolonizar" a história nacional e de reinventar os portugueses, expurgando-nos de memórias e símbolos, deve de imediato denunciar esses "Chaimites", ícones desta II República e do memorialismo abrilista. Pois viciosos elogios ao colonialismo.

(Sobre o 11 de Março de 1975)

30
Abr21

Reescrever a História de Portugal

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Uns atrevidos, potenciados pelas tácticas do PS, obscurantistas ditos "interseccionistas", entoam que Portugal não se expurgou - "não se descolonizou" ou "decolonizou" (nesta matéria a doutrina divide-se). Escrevem imensos dislates no jornal "Público" e afins, e querem "intervencionar" a História do país, reescrevendo-a e nisso depurando-a de atrevimentos e recobrindo-a de incúrias e malvadezas. À mercê do autoclismo interseccionista estão os resquícios das navegações (pós-)medievais, ditas causas imediatas das desgraças actuais e das deficiências da FCT.
Nessa senda decerto que se os deixassem exigiriam "intervir" sobre esta garrafa que mãos amigas me entregaram há pouco. Um Royal Brandy Macieira engarrafado em data incerta, dotado de calibre digno de galeão espanhol afundando piratas da Ivy League. Mais exactamente um exemplar pertencente à "Colecção Descobrimentos Portugueses", da espécie "Nau Santa Catarina do Monte Sinai", embarcação do século XVI.
Quem dedicar a atenção devida reparará que o meu trémulo desfraldar promoveu o naufrágio da velha rolha. Não será isso que eliminará as veteranas artes de mareação e impedirá que se cumpra a rota prevista. E se alguma embarcação interseccionista for avistada a sua tripulação seguirá borda-fora, sem quartel, como manda o direito marítimo.

09
Abr21

O sexo e a EMEL

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Descubro este "Inquérito aos Hábitos de Mobilidade em Lisboa". Presumo que tenha algo a ver com isto das bicicletas, e é feito pela EMEL, aquela empresa predatória dos rendimentos dos cidadãos. Leio esta pergunta sobre se "o sexo [dos hipotéticos ciclistas lisboetas] atribuído à nascença coincide ou não com a identidade de género" e, para além de outras questões menores, surge-me uma memória recente.
 
Na quinta onde estava, há algumas semanas acolhi uma jovem gatinha, algo desamparada, miando naqueles hectares pejados de simpáticos mastins. Acolhi-a, resguardei-a. E dada a sua atitude lânguida e mimosa, nomeei-a - inscrevendo-a sob os meus ancestrais - com a graça de Flávia. No que foi um evidente reflexo de "machismo estrutural", como fui recentemente denunciado por uma bloguista sportinguista. E logo a anunciei aos vizinhos - e, depois, nas "redes sociais", o que foi modo de lhe arranjar lar apropriado (aqui narrei o caso). Lá na quinta a primeira pergunta que os vizinhos me fizeram foi "é gato ou gata?". Ao que eu respondi "sei lá!". Então o dono da quinta, meu amigo, que é professor (e nisso excelente) foi até ela, pegou-lhe, virou-a e disse "é gata". E explicou-me que há diferenças entre gatos e gatas, e quais são elas e como se detectam. E eu aprendi. As tais diferenças de sexo.
 
Agora o meu problema é ideológico. Pois há uma empresa municipal (o Estado) que nos pergunta "se o sexo que foi atribuído à nascença corresponde...". Ora, que pergunta é esta? O sexo foi "atribuído" por quem? Que entidade atribui sexo? Entenda-se bem, Portugal é um Estado laico. Não é um Estado secular, nem confessional, é laico. E como tal não é legítimo que uma empresa pública (sob Medina ou qualquer outro) ande, de modo vicioso, a aludir a entidades metafísicas. A liberdade de culto é um bem fundamental, um direito inalienável. Mas o proselitismo metafísico, uni ou multilateral, está vedado aos órgãos estatais.
 
Ou seja, isto tem que ser já retirado. E algum responsável, seja lá de que género for, tem que ser demitido.

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

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