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Nenhures

 Tina Turner durante apresentação na O2 Arena, em Londres, em março de 2009 — Foto:  REUTERS/Stefan Wermuth/Arquivo

 

Vi a Tina Turner em 1991, talvez, depois dos Stones e do Bowie, antes do Santana, lá no José de Alvalade, então sede lisboeta do rock... - aquilo dava-nos cabo do relvado mas valia bem a pena, pelas receitas para dissipar pelo clube e pelos grandes espectáculos. Lá cheguei um bom bocado antes do concerto, como sempre dirigi-me ao nosso "ponto de encontro" - "onde nos encontramos?", perguntavam os neófitos mais ansiosos. "No sítio onde o Oceano joga", respondia, veterano, para desnorte alheio, logo acabrunhados num "isso é onde?" para acolherem um ríspido e rústico "em qualquer lugar do lugar do relvado!!", tão omnipresente era o nosso grande Oceano, que eles decerto desconheciam.

Ou seja, ia lá para o rock e não para o convívio - sim, isto foi um pouco antes de conhecer a Inês, que me mudou (e bastante) a "abordagem" às coisas. E não estou a romancear o passado - a Carolina faz 21 anos amanhã, e tudo começou algum tempo antes, estou apenas a ecoar a empiria de então. Enfim, lá aportei, aproximei-me da velha Bancada Central. Estava apinhada. A Tina original, a Turner, havia ressurgido há anos, estava no topo dos topos, o grande Mad Max também ajudara.

Lembro bem que ao lusco-fusco do crepúsculo, ainda ao som de música gravada, o público já dançava exultante. Mas mais do que isso, estava pejado de Tinas - negras, mulatas, até brancas. E de Tinos também, que não Ikes. Tudo dançando. Depois encheu o relvado. Sim, ela reaparecera anos antes neste pop-rock até manso, mais do que tudo sexy, um embrulho abrangente que a tantos agradava - será que os miúdos de hoje poderão perceber o impacto daquilo? E nisso a quantidade de noites bamboleando nestas cançãozinhas que ela tornava um "must"? Um caldo comum?

Não tenho qualquer vinil ou cd dela. Mas ficou a memória dessas imensas danças. E de um grande concerto, esfuziante. E de como - perceba quem quiser - este embrulho amalgamado, produtor de amálgamas, era virtuoso. Por isso aqui deixo esta versão ao vivo. Com ela cantando e dançando de calças - porque era muito mais do que umas "hot legs".

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(Jorge Forjaz, Ilha de Moçambique, 2017)

Ao longo da vida vão-se fazendo amigos, mais quando se é novo como é consabido. Na meninice, na escola e universidade, às vezes na tropa, na boémia. Nos empregos. Passos biográficos conjuntos, convívios, projectos ou obrigações comuns. Depois a gente cresce, vai envelhecendo, enquista, escasseiam as novas amizades pois rareia a disponibilidade, a abertura. Conhecimentos sim, até simpatias, mas afecto?

Jorge Forjaz é um desses meus raríssimos últimos amigos. Conheci-o já no início dos meus 40s, ele acabado da ancorar na Ilha de Moçambique - imerso no seu projecto de reabilitar uma feitoria para fazer um hotel, num interessante projecto de turismo comunitário que nunca veio a terminar. E, um pouco depois, como gerente do célebre "Relíquias", o restaurante do bom do Jorge Simões. E também nos seus trabalhos de reabilitação das casas da cidade. E por aí afora, nas minhas inúmeras estadas ou visitas à Ilha.

Não tenho projectos ou interesses comuns com ele, nem as nossas biografias são muito próximas. A minha amizade com ele veio mesmo só da minha empatia, a promover-me carinho e um grande prazer em estar com ele. E mesmo saudades, quando demorava em regressar a Muipiti... Talvez por isso aquele meu hábito de então, de lhe entrar feitoria adentro com uma Famous Grouse e de irmos bebê-la (apesar da sua consabida frugalidade) para diante do continente, com o mar a bater-nos quase nos pés, em risonhas - o tipo tem uma calma risada deliciosa - conversas.

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(A feitoria, fotografia de Miguel Valle de Figueiredo, 2011)

E depois há isto, que a muitos será até imperceptível, a suave elegância do Jorge: ainda hoje lembro a primeira vez que ele foi jantar à nossa casa em Maputo, todos naquela informalidade que nos caracteriza mas mesmo assim a forma como ele tratou a Inês (que conheceu nesse dia) num tão discreto trato fino. E que, à sua saída, eu comentei entre-casal "(não desfazendo...) o Jorge é o único cavalheiro a Sul do Rovuma"... - e isto num país carregado de proto-oligarcas, administradores arvorados e doutorados do Equador.

Há cinco anos fui à Ilha para proferir uma conferência, para aí a minha 30ª visita. Fiquei 4 dias. Não me deu para as poesias que tantos sentem quando lá chegam, não invoquei antepassados nem me deu para reescrever a história, não me encantei com o mussiro das mulheres, não calcorreei o macuti nem me espantei com a pedra-e-cal, não fui mergulhar alhures. Pois para mim, e desde há muito, a Ilha é um punhado de amigos. Com o Jorge na cabeceira (que não na Cabaceira...). Ou seja, passei a maioria desses dias sentado no restaurante que então ele tinha, o Karibu, onde se comia muito bem, bebericando e palrando na sua companhia. Assim deliciado. É desses dias esta fotografia.

Há três meses fui passar uns dias junto ao Sousa, tomar conta da quinta de uma amiga. O Jorge - que entretanto voltou a Portugal - apareceu por lá, almoçámos frugalmente com o casal Bacelar, também já regressados de Maputo e que também me visitavam nesse dia. Foi um dia óptimo, de conversa animada, risadas. Um bocado na sequência de umas visitas que antes me fez em Lisboa, mesmo aos Olivais. O outro dia enviou-me uma mensagem gravada, sabendo que eu estava na Colômbia, a dizer-me que continuava no espírito de "avante...".

Há uma hora uma querida amiga telefonou-me de Maputo. O Jorge morreu ontem, em Braga. A gente, ele e nós, sabia que ele estava muito mal. Ainda assim se fosse eu um tipo diferente, talvez melhor, estaria ali a chorar. Mas como não sou, sou apenas isto, escrevo.

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No canal Cine Mundo passou há dias, e gravei, o lendário Apocalypse Now. Há muitos anos que não o revia - vira, entretanto, 2 ou 3 vezes, a versão gorda, "Redux", acrescida de umas cenas cortadas na versão original.

Vejo-o agora e ficam alguns apontamentos (escrevo quando o Dennis Hopper aparece): o filme era e continua excepcional, não envelhece (alguns toques iniciais da banda sonora enrugaram mas nada mais, o que é incrível quase meio século passado). É um manifesto contra a ressurreição de Maniqueu, mas entender isso é demais para alguns activismos e academicismos. E, coisa de cinema, é a prova acabada que a "versão de autor" (final cut ou coisa assim) nem sempre é a melhor - como sempre pensei a tal "Redux" de Coppola é balofa, com cenas inúteis. Este inicial, depurada, é uma pérola. Única na sua perfeição. Talvez só a visão do "Horror" a permita.

Soeharto_as_President_of_Indonesia

Muitos celebram hoje os 25 anos da abertura da Expo-98. Alguns, com mau feitio, resmungarão que aquele núcleo oriental não se desenvolveu como seria de esperar, como o mostra o relativo declínio de restaurantes, bares e instalações culturais da zona, bem como o suburbanismo do seu grande centro comercial, degenerado em xópingue. Algo matizável com este Festival católico de agora, dizem os crentes (na fé do Progresso). Outros, de péssimo feitio, mais em voga agora do que naquela já vetusta era, apuparão a evocação dos Descobrimentos que então aconteceu, a ela atribuindo as actuais maleitas sociais - enquanto nisso se deleitam a elidir as trapacices socratistas e suas sequelas bem vivas.

Eu, com o meu belíssimo feitio, neste quarto de século sobre a inauguração da "Expo" lembro, acima de tudo, que na véspera caíra o horroroso Suharto. E que Alegria foi!

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