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Belo início do campeonato nacional. O campeão Porto e o já anunciado - no "A Bola" - futuro campeão Benfica golearam o titubeante Marítimo e o sempre débil Arouca - "o primeiro milho é dos pardais" resmungámos, os sportinguistas. E depois o nosso embate na casa do actual "quarto grande", esse sempre difícil Braga naquela "Pedreira" onde o Sporting acumulou derrotas nos últimos anos. E que ganhara em Alvalade no campeonato anterior...
Foi um belo jogo, este 3-3. Rasgado, vivo, emotivo, um pouco também devido a períodos de alguma "destactização" do jogo - essa relativa anarquia que os treinadores abominam e pela qual os adeptos anseiam, pois permitindo espectáculo! Talvez coisa de início de época, equipas ainda menos "amarradas" aos "princípios". E nisso, num jogo rápido e também físico, uma excelente arbitragem, sempre de saudar. Um Sporting rico em ataque - e que poderia ter resolvido o resultado na primeira parte -, com várias e criativas soluções. Desde logo a antecipar dados muito positivos para a época: a extraordinária condição física de Adan, que lhe permitiu recuperar num ápice de uma lesão temível; a excelência da adaptação de Nuno Santos a lateral-esquerdo; Morita, a justificar-se no plantel; o regresso de Pedro Gonçalves, livre dos incómodos físicos que o apoquentaram na época transacta; a pertinência da contratação do codicioso Rochinha; Porro qual Porro; e, evidentemente, o estatuto de Matheus Nunes, e que o Mercado permita que ele se mantenha no clube após Agosto...
Do outro lado - pois o jogo é uma competição entre duas equipas - um Braga forte, como é já tradição: bons centrais, sem fazerem lembrar aquele David Carmo que irá muito longe; um trinco muito competente; um meio-campo lutador, destemido e criativo. E vários atacantes em brasa, em particular um Vitinha que tem pinta de jogador notável. E nisto os dois treinadores a actuarem como poucas vezes se vê, arriscando ("metendo a carne toda no assador", como se passou a dizer). Primeiro o nosso Amorim, a mostrar que tem aquele "Plano B" (que tantos lhe exigiam), ainda que não esse não seja exactamente o que ontem introduziu no jogo, que muito teve de solução intermédia, e nisso evidenciando que no banco há soluções alternativas - e se Edwards já se demonstrara o suficiente no ano transacto, este Rochinha tem todo o aspecto de se vir a afirmar tal como o fizeram os antes "secundários" Nuno Santos e Pedro Gonçalves. E depois Artur Jorge, a atirar para o campo jogadores rápidos e certeiros - Ruiz é um jogador muito diferenciado, de dimensão inesperada para um clube da capacidade financeira do Braga -, para evitar a derrota, conseguindo-o.
Enfim, uma grande jogatana. Que nos acaba azeda devido ao empate, ainda para mais concedido após três vantagens e nos últimos minutos. Alguns "explicarão" o relativo insucesso dos três golos sofridos pela fragilidade do meio-campo, desprovido do magnífico Palhinha e do ontem suplente Ugarte. Acontece que Morita fez mesmo um belo jogo e que os três golos sofridos não tiveram origem num mau funcionamento daquelas suas zonas: uma distracção num livre a meio do meio-campo, um cruzamento bem conseguido (e sim, haverá demasiadas adaptações no centro da nossa defesa...), e uma fuga à linha em ataque continuado. Falhas colectivas e individuais nos golos sofridos? Sim, algo a melhorar. Mas que dizer dos três golos sportinguistas? Logo se fala da qualidade, até génio dos nossos artistas, nunca dos erros alheios. Mas, de facto, no primeiro golo houve uma auto-estrada aberta na esquerda bracarense, associada a um desajuste na manobra de "fora-de-jogo", dislates que terão encanecido Artur Jorge. E no segundo golo houve uma complacência bracarense, deixando (antes dos 20 minutos, portanto ainda sem cansaço), M. Nunes correr meio-campo com a bola sem que alguém pelo menos o derrubasse. E que dizer dos três pataratas defensores a deixarem Rochinha fazer o que quis no interior daquela cabine telefónica?
Em suma, belo jogo, seis golos, várias oportunidades perdidas - como sempre acontece nestes jogos -, grande espectáculo, muitos jogadores a brilharem, técnicos afoitos e criativos. E, como é obrigatório para que tudo isso aconteça, vários falhanços individuais e colectivos, promovidos pela grande intensidade alheia.
No fim de tudo isto solta-se o autofágico holiganismo de alguns frustrados sportinguistas, sempre em busca de um bode expiatório. O que está mais à mão de... apedrejar é Ricardo Esgaio, que entrou a cinco minutos do fim para ser batido pelo extremo bracarense, que entrou a quatro minutos do fim. Sim, Djaló "comeu" Esgaio, é para isso que lá está, foi para isso que entrou, não há como negar.
Mas o apedrejamento do nosso lateral é absurdo - ainda para mais num jogo com tantos erros, uns que resultaram em golos e outros que se diluíram. Tem tudo a ver com o estatuto do jogador. Há muitos que não gostam, e nisso nada perdoam e tudo incompreendem, aos que não são "estrelas". Acontece que Esgaio é um bom futebolista e uma componente fundamental do plantel. Isto é como no atletismo: há os especialistas de uma disciplina (os saltadores da vara e altura, os lançadores de martelo, de dardo), há os que tendo disciplinas preferenciais são algo polivalentes (usualmente os velocistas, alguns dos quais são até saltadores em comprimento; os meio-fundistas que abrangem várias distâncias, tal como fundistas o fazem; triplistas que fazem o comprimento). E essa analogia é fácil de entender no nosso clube - Coates ou Neto são especialistas (nem a trinco jogam, como alguns outros centrais fazem), Morita ou Nuno Santos são algo polivalentes. Mas há também uma terceira figura no mundo do atletismo, usualmente não sendo "estrela" - o declatonista, capaz em múltiplas disciplinas, em algumas com maior competência noutras nem tanto, mas capaz de feitos individuais únicos. E de colmatar défices nas competições por equipas.
E Ricardo Esgaio é o nosso decatlonista. Um bom jogador, fundamental para os desejados êxitos que a nossa boa equipa, com um belo, rico e jovem plantel, sob um extraordinário e destemido treinador, procura alcançar neste 2022/23. O qual começámos bem, com um empate no temível Braga, mostrando amplos recursos. A burilar. E assim sendo Viva Esgaio! Que muito jogue durante este ano que agora começa.