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Nenhures

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(AS CAUSAS MÍTICAS DA DIVERGÊNCIA ECONÓMICA PORTUGUESA - MEL, Movimento Europa e Liberdade)

Não sou economista nem historiador. E fui lendo ao longo da vida mais ou menos o típico (a moda, no duplo sentido: referente à quantidade; aludindo ao que esteve em voga) de um tipo que estudou ciências sociais. (Ainda assim li o suficiente para não ter paciência para os brutos que põem aspas sarcásticas neste "ciências sociais"). Assim apresentado avanço.
 
Nuno Palma (de quem nunca ouvira falar) é professor universitário na Grã-Bretanha. Falou numa convenção - é o primeiro interveniente do filme, durante 20 minutos - sobre, grosso modo, o regime político português ancorando a sua reflexão na história económica portuguesa. Defende, é explícito, uma postura de direita e uma posição liberal. E analisa a produção do discurso oficial sobre o passado recente, a "narrativa" histórica promovida pelas instâncias estatais, dizendo coisas consabidas (ou que o deviam ser). O que ali avança - em particular sobre a economia e educação no Estado Novo, referindo-se ao "atraso económico e político do país", que apresenta como estrutural - não é particularmente inovador (nem ele o terá procurado).
 
Eu, que li alguma coisa sobre a história do sistema colonial português, volta e meia vou ao blog resmungar contra este actual (e serôdio) discurso anti-colonial que demoniza o Estado Novo enquanto higieniza a I República, que foi veementemente colonialista. E sei, por leituras abrangentes, que se o Estado Novo não foi "desenvolvimentista", no sentido que lhe damos agora, não é nele que radica o atraso económico do país, e isso nota-se bem no delinear das políticas coloniais de XIX e XX. De facto, e fazendo-o de forma vulgar, é mais ou menos o que Palma diz, ele com mais sageza e reflexão, e com um âmbito mais alargado: temos uma "narrativa" (na Escola, na Universidade, no jornalismo de "referência") que amputa a história portuguesa de algumas das suas características estruturantes e inventa outras, para com isso moldar a la carte as sensibilidades da acção política actual - também por isso se quer agora, no seio de demagógicos "movimentos sociais", pontapear António Vieira e não Afonso Costa, ou denunciar Afonso de Albuquerque enquanto se louva Humberto Delgado, por exemplos.
 
Enfim, o relevante - para quem não saiba deste caso - é que o académico Nuno Palma nada disse que seja errado. É um intelectual e teve um contributo intelectual condigno, na sua subjectividade, numa convenção política. Logo um ex-ministro e actual nº1 dos eurodeputados socialistas veio deturpar a argumentação, tanto o explicitado como o que lhe está subjacente, acusando-o de fazer a apologia do Estado Novo, o que é uma vilania intelectual. E, bem pior, surge um outro académico, Francisco Santos Silva, do Centro de História de Além-Mar da Universidade Nova, que o denunciou à Universidade de Manchester, empregadora de Palma. A miséria moral e a incompetência deontológica deste tipo de intelectuais activistas chega a este ponto. E hoje no "Público" José Pacheco Pereira, que foi meu professor (e que professor!) segue nesse mesmo ímpio caminho. E são estes "camaradas e amigos" (para citar Pacheco Pereira quando foi à Aula Magna fundar a futura geringonça) que se reclamam paladinos das "liberdades". Pouco amplas, constata-se todos os dias...

Why should you read "Macbeth"? - Brendan Pelsue (TEDEd); Animação de Silvia Petrov.

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Para quê reler Macbeth aos cinquenta e tal anos? Talvez para nunca esquecer a dúvida sobre a virtude do poder, aquilo que diz Malcolm a Macduff, antes de partir à reconquista do reino de que era legítimo herdeiro, e que fora usurpado por Macbeth: 

"... penso que a nossa terra se afunda debaixo do jugo. Chora e sangra e, em cada novo dia que passa, junta-se mais uma ferida às suas chagas. ( ...) Mas, apesar de tudo isso, quando esmagar a cabeça do Tirano, ou a erguer na ponta da espada, terá a minha pobre Pátria ainda mais vícios do que tinha antes, mais sofrimentos e misérias do que nunca sob o reino daquele que lhe suceder. (...) É de mim próprio que falo, de mim em que conheço tantos vícios que, quando libertos, o negro Macbeth parecerá tão puro como a neve, e o pobre Estado o tomará como cordeiro, se o comparar com as minhas infinitas malfeitorias. (...) Sei que ele é sanguinário, libidinoso, avarento, falso, desonesto, violento, mau, pejado de todos os pecados que se podem nomear. Mas não tem fundo a minha libertinagem (...) É melhor Macbeth do que um tal Rei". (Tradução de João Palma-Ferreira, edição Livros do Brasil 171-173).

(Macbeth de Orson Welles) - é ver já, antes que seja bloqueado

 

"William Shakespeare and the Roots of Western Civilization" - Paul Cantor

 

Paul Cantor on Shakespeare and Politics (I, II): Conversations with Bill Kristol

Livro em inglês ( edição colocada no sítio The Complete Works of William Shakespeare);

Livro em edição bilingue inglês-português (do Brasil), com tradução de Rafael Raffaelli.

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Uma belíssima capa do Guardian, algo escatológica, típico lamento dos "remainers". Inclino-me para que daqui a poucos anos nem nos lembremos deste episódio. Ou seja, que a saída da G.-B. da UE não cause o fim do mundo tal como o conhecemos.

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Mas faz-me lembrar um pequeno episódio. No ano passado, nas estantes da casa de Bruxelas onde vivi, reencontrei este livro, institucional, "As Novas Fronteiras da Europa – o Alargamento da União: Desafios e Consequências”. Trata-se das actas de uma conferência organizada pela Gulbenkian, em Outubro de 2004. Dedicada à problemática do alargamento da União Europeia. Várias personalidades reconhecidas foram falar (Daniel Hamilton, Roxane Silberman, Michael Zuckert, Thérèse Delpech, Yegor Gaidar, Antoine Compagnon, Josef Jarab, Michael Emerson, Willem H. Buiter ou Jean-Claude Trichet). E também o presidente da república, Jorge Sampaio (discurso de Jorge Sampaio).

Li o livro na diagonal, mas com a suficiente atenção para ver que quase todos referiam os "problemas" e as "dificuldades" que o recente alargamento da UE impunha. Mas também se anunciava a necessidade de integrar a Turquia na UE. Uma necessidade apresentada como inevitabilidade, qual corolário quase tautológico da integração europeia. E também como evidência ética. Não houve naquela colecção de conferências um texto verdadeiramente crítico do conteúdo e das modalidades da União Europeia, nem das suas instituições. E muito menos uma voz dissonante relativamente à integração turca. Ou seja, na pluralidade de tons e sons normal numa série de potentados retóricos, assistiu-se ali a um pensamento único. E plácido, naquele estilo do reconhecer "problemas" de facto menores mas sem presumir "problemas" de facto maiores. Aqueles que atrapalham o tal pensamento único. Plácido. Assim inútil face à polvorosa que é sempre o mundo. E na história, europeia e não só, repetem-se as ultrapassagens sofridas por quem pensa politicamente assim.

Ok, a conferência foi em 2004. Não se pode exigir aos grandes académicos, aos políticos retirados ou aos políticos no activo (e aos assessores que escrevem os discursos) que sejam áugures. Que imaginem o imediato futuro ou o longínquo. Mas podemos exigir que não tenham um pensamento plácido. Muito feito de "deveres-seres". E muito feito na monotonia do exercício do poder, alimentado da bononia que isso traz.

Convirá lembrar o quanto todos os que se opuseram (opusemos) à entrada da Turquia foram "fascistados", "racistados". Entretanto a Erdoguização turca fez fenecer o projecto. E o mundo, europeu e alhures, tudo mudou. Agora veio o Brexitismo. Também ele "fascistado" (e um pouco "racistado").

Ficaria, num mundo melhor, para este pós-Brexit um desafio: o da exigência aos políticos e aos grandes académicos que saíssem do pensamento plácido, o dos "deveres-seres". Que saíssem do conforto das grandes conferências a repetirem-se, entoando coros. Missas laicas. Que tentassem antever o mundo, não à medida dos seus pontos de tomada de vista (dos seus horizontes), mas o mais panopticamente que pudessem. Ou seja, exercendo a verdadeira utopia intelectual e política, a inteligência abrangente.

Mas isso seria num mundo melhor. Neste mundo? Seria interessante ir perguntar aos turcófilos de então como avaliam o seu desempenho intelectual dessa altura. E sublinhar-lhes a extrema incompetência. Ou seja, apeá-los do estatuto de curandeiros que, injustificadamente, reclamam. O resto, a História. Essa segue, indomável aos fracos esforços destes sossegados intelectuais-políticos.

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