A fruta da presidente da junta
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The Russians Are Coming (1966) foi uma bela paródia sobre o temor, paranóia até, com o "perigo soviético". Uma era em que se augurava a omnipresente infiltração russa, em que todas as desgraças ou mesmo meros engasganços se explicavam pelos pérfidos efeitos da conspiração comunista. E também em que todas as medidas menos populares ou "canónicas" se justificavam pela sua afirmada utilidade na necessária oposição a tais ameaças.
Nestes últimos tempos muito me tenho lembrado deste filme. O "fascismo" vem sendo apregoado como "aqui mesmo ao virar da esquina" - convém lembrar as declarações da então nova deputada Moreira logo no dia das eleições legislativas, clamando contra o perigo eminente e iminente desse "fascismo", na figura do então último deputado eleito, o prof. Ventura. Pois este veio servir como "inimigo útil" para afirmação desse movimento - o qual agora finalmente realizou a sua vocação, coligando-se com o PS. E desde então - mesmo que a extrema-direita ocidental tenha regredido, com o apagão progressivo de Farage, Bannon, Trump, etc., já para não falar da afinal normalidade democrática dos conservadores britânicos, do sossego nos redutos ditos "Padania", bem como na Flandres e na "Neerlândia" como agora teremos que dizer - esse tal "fascismo", o perigo da "extrema-direita radical" continua a ser brandida como justificativo da configuração actual. O espantalho ficou mais viçoso com o bom resultado do prof. Ventura nas eleições presidenciais, muito devido ao fraco cardápio de candidaturas e ao voto de protesto à direita e centro contra o evidente conúbio entre Sousa e o PS na defesa das metástases nepotistas do regime.
Este tópico "direita radical" - e a sua versão original "fascismo" - serve, fundamentalmente, de justificação para os defensores da Situação. Exemplo dessa artimanha é um texto recente em que Pacheco Pereira refere os ataques a Paulo Rangel ["O Caso de Paulo Rangel" - texto de 9 de Setembro, com acesso completo apenas para assinantes]. Nele, e apesar das evidências, como esta infecta capa do pasquim "Tal & Qual", o autor nega a existência de qualquer campanha contra o eurodeputado. Resume tudo o que aconteceu a uma (mera) "homofobia". E explicita que esse episódio apenas demonstra uma tramóia da tal "direita radical" (aliás "fascista", poder-se-á concluir) em se apropriar do PSD, desviando-o do bom caminho. A qual, malevolamente, utiliza Rangel como instrumento inconsciente, verdadeiro "cavalo de Tróia".
Não deixa de ser interessante que a defesa da Situação o conduz até este interessante ponto: hoje, na sua coluna na mesma revista "Sábado", a três dias das eleições autárquicas, o militante e ex-dirigente do PSD, aflora essas eleições atacando Santana Lopes - em termos porventura pertinentes mas que não fazem esquecer ser ele candidato na secundária Figueira da Foz. Nada lhe ocorre sobre a Lisboa da hidra camarária, nada sobre o renhido despique em Coimbra, nada sobre Braga, por exemplo. Pois, de facto, o que importa a Pacheco Pereira e aos Situacionistas é brandir o tão útil "espectro que assombra" Portugal, o "espectro do fascismo". E nisso, já agora, cruzarem este período eleitoral sem terem tido a decência de se demarcarem do deputado socialista José Magalhães, esse da maledicência vergonhosa e, acima de tudo, que apelou ao espancamento armado dos simpatizantes do PSD. Nem isto convocou o social-democrata a afastar-se do seu ex-colega produtor de opiniões. Nem isto! Decerto que os grupos económicos deficitários proprietários dos órgãos de comunicação social nos quais Pacheco Pereira actua gostam desta via. A da defesa arregimentada da Situação. Contra o tal "fascismo". Pois "The Fascists Are Coming", como é consabido.
E as pessoas continuam a ler e ouvir esta farsa. Um dia alguém fará o filme...
(Volto a encontrar nas redes sociais um gozo generalizado com a propaganda das candidaturas às eleições autárquicas. Por isso recupero este meu postal de 30.7.2017, do qual me lembrei quando encontrei o meu co-bloguista José Navarro de Andrade a resmungar no facebook contra estes tiques dos pretensos "urbanos").
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Talvez nada mostre tanto a abjecção intelectual da classe média portuguesa do que esta já tradição: a cada eleição autárquica surgem colecções partilhadas na internet do "ridículo" captado nas campanhas em contextos rurais ou periurbanos. Sim, o poder local tem muito que se lhe diga (mas não será isto). E sim, o seu seguidismo, mimetismo até, ao estilo propagandístico "nacional" é pobre.
Mas este humorzito de merda, este chalacismo com a ruralidade ou, melhor dizendo, com a localidade, com os recursos, características e preocupações muito situados, "territoriais", é mesmo o espelho da patetice urbana, essa que se julga cosmopolita. A deste netos de migrantes, malteses, chapeleiros, pastores ou seminaristas armados em finórios, envergonhados ou meramente deslembrados das famílias de onde vêm. Para esta gente Portugal é Lisboa (e o Porto) e o resto é bom para ir à praia, para o turismo rural. E como não há taco para grandes coisas então fica-se em casa na internet a gozar com esse resto, a dizê-lo piroso.
São os trocadilhos de merda (Coina é uma constante, e gente que acha de mau tom escrever no FB ou em blog cona ou caralho, não se exime ao ademane paneleiro de brincar com o nome daquela terrra). É o gozo com as características físicas dos candidatos, porque carecas, feios, gordos, velhos ou seja lá o que for, feito por patetas que votam em candidatos urbanos que surgem retocados (e muito) nos materiais propagandísticos, pois apoiados por enxames de assessores, cabeleireiros, massagistas e photoshopeiros. É o abandalhar com os nomes das terras, feito por imbecis que dizem "shopping", "paper", "abstract", "header" e têm as ruas citadinas cheias de lojas com nomes em inglês, e que acham "cool", um "must" até, ajavardar com a toponímia portuguesa. É o avacalhar das causas e preocupações locais, feito por morcões que depois nem sequer percebem exactamente porque votam nos candidatos para as suas grandes câmaras, a não ser que "este é a favor da/contra a" geringonça.
Talvez o mais significativo que já vi foi este: numa localidade há um cemitério que se tornou insuficiente. Provavelmente é difícil aumentá-lo. O candidato (desconheço por completo os seus hipotéticos méritos, bem como a situação da localidade em causa) escolhe a questão como fundamental, decerto que dialogando com os fregueses/munícipes. Os palhaços das cidades (que as tratam a tratos de polé, já agora) riem-se, basbaques.
Lembro-me de Maputo, onde o cemitério de Lhanguene estava cheio, "sobrepovoado", o quão até dramático era irmos enterrar os nossos, tão apinhado estava o terreno. Lembro-me do meu bom amigo, que foi excelente vereador, e que tinha esse pelouro. Das dificuldades que teve, e mas contou. Lembro-me do júbilo (sim, júbilo) sentido quando o novo cemitério de Maputo foi inaugurado. Porque era uma tremenda necessidade.
E olho para esta gente aqui, para estes filhos e netos de ratinhos a julgarem-se burgueses, a largarem risos sobre os seus, sobre o "piroso" que julgam reconhecer. Pirosos.
A inveja é uma coisa muito feia, e brotou-se-me, em catadupas. Mas, horas passadas, concedo: há números que têm de ser feitos. E em assim sendo esteve muito bem o Carlos Moedas. Mais que não seja porque deixou um punhado de velhas esquerdalhas (cisgénero, transgénero, bigénero, etcgénero) aos guinchos de rancor.
(E sobre este "número" político, bem conseguido repito, lembro este meu postal).
Em meados de Abril de 2021 Fernando Medina descobriu que terá havido algo de errado no exercício político de José Sócrates. Por razões que nunca se poderão compreender - dado que eram consabidas as práticas pessoais do antigo primeiro-ministro, bem como públicas as suas concepções sobre o exercício do poder, em especial nas formas de articulação do Estado com os sectores económicos e de pressão sobre a comunicação social -, Medina nunca demonstrou incómodo com o modo político de José Sócrates enquanto foi secretário de Estado dos dois governos que aquele chefiou. Bem pelo contrário, foi um veemente apoiante do "animal feroz", um arreigado agente do pior momento da democracia portuguesa.
Poder-se-á assim dizer-se-lhe "tarde piaste!". De facto, muito tarde piou. E apenas "para inglês ver", pois é notória a dimensão de camuflagem deste seu hiper-tardio afastamento a Sócrates.
Ainda assim, apesar desta demonstração do carácter político de Fernando Medina, há quem o apoie. E desvalorize o verdadeiro escândalo - que deveria inibir a continuidade da sua carreira política - das dezenas (ou talvez mesmo centenas) de denúncias de activistas, nacionais e estrangeiros, às embaixadas estrangeiras. Entre as quais saliento as de activistas pró-palestianos à Israel de Benjamin Netanyahu, as quais, até surpreendentemente, não têm provocado grande alarido nos seus opositores eleitorais BE e PCP, tradicionalmente afectos à causa palestiniana. Tal como desvalorizam esta outra manobra de camuflagem que vem fazendo, a de tentar resolver esta suas continuadas inconstitucionalidades através da imolação de um funcionário expiatório.
Para esses munícipes menos atreitos à vigência da democracia, e que por isso este escândalo desvalorizam, também pouco importam as anteriores promessas eleitorais que Medina fez e não cumpriu: 13 centros de saúde, milhares de lugares de estacionamento automóvel, centenas de camas hospitalares, 6 mil fogos de habitação social.
Muitos se encantam - deixam-se encantar pela mole de "Miguel Sousa Tavares" disponibilizada - por estar a cidade "ajardinada", qual alindada. Como se de jardins públicos, seus bustos apostos, e cemitérios fosse a cidade feita. E descuram olhar de frente para o tipo de pessoa que é o actual presidente da câmara, para a sua concepção de exercício político, bem patente na forma como digere (e quer camuflar) o seu arrepiante percurso político. E tanto se encantam esses munícipes que aceitam o desplante de Medina, que agora se recandidata juntando mais um item ao rol de promessas eleitorais incumpridas: creches municipais gratuitas. É, e neste caso de forma literal, uma total infantilização do eleitorado.
Será que este cresce, de uma vez por todas, que nos decidimos a amadurecer? Caramba, há várias alternativas. Afastemos, nós lisboetas, este homem. E encaremos depois, criticamente, aqueles que forem eleitos. Mas este, francamente, é demasiado demenos.
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