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Bill Evans - Peace Piece
Está bonita a tarde. Fria, bonita. À beira da salamandra sigo, lento, num romano que deveria ter lido há 40 anos. Ao lado toca uma colectânea do homem, que recebo já sem notar. De repente percebo esta clássica, "inunda-me" diria eu se fosse dado a versalhadas... Absorve-me, absorto fico. Mesmo deseducado intuo-lhe os antepassados, as linhagens bilaterais dizemos nós, antropólogos - perigosas, e agora lembro o pavor até masoquista nos meus imensos "loops" de Satie aquando em Bruxelas. "Paz" como diz o título, não etérea pois sempre abissal. Ainda assim, mesmo se precavido, ponho-a em "loop", "atenção" responde-me a garganta, logo gutural. Defendo-me, troco o latino pela recensão da música. É insuficiente: a "paz" é temível, não saudável, nada saudável. Desabafo com quem me ouve. E levanto-me, sigo à vizinhança, ao Croácia-Bélgica, quero o estupor.
Um tipo aprende que a vida se escoa. Ainda assim às vezes surpreende-se, pelo ápice que isto é. Como agora, ao ler que hoje passam 5 anos (já!) que morreu o Zé Pedro, o verdadeiro Homem do Leme!
Morreu Erasmo Carlos, o siamês do Rei. Sei que o que comporia a minha imagem seria proclamar o apreço pela atonal ou uma qualquer do Miles free, uma vintage Coltrane, Monteverdi, Casals, Dilon Djindji, uma roufenha gravação operática, sempre Lou Reed, uma "etno" qualquer ou velharia blues, esse que nunca dito étnico.
Mas sempre lembro este "O Portão", uma canção de vida... Nos meus já 30, apartado em Pemba, matabichos de Castle, ovos com polony, de suor em bica da ressaca e clima, a conhecer isto, aprendê-la em trauteio, e logo a pedir ao nórdico ali patrão para que ma gravasse em K7, depois seguir na íngreme escadaria até à Baixa na baîa, aos correios para enviar isto, declaração de amor quando, cândido, ainda nele acreditava...
Anos depois vim a saber que a receptora olhara a encomenda dadivosa de sobrolho torcido, num desconfiado "este anda bêbedo"... In vino veritas, diziam os antigos.
Obrigado pela ilusão do "Portão", Erasmo Carlos.
Modinha Para Gabriela - Gal Costa (Gabriela) 1975
Houve uma época - um pouco cândida - em que o "Brasil" era importante. A omnipresente "Livros do Brasil", as prateleiras de todas as casas pejadas nem tanto de Machado de Assis mas obrigando-se a Lins do Rego, Veríssimo, o pai Erico, Jorge Amado - ao qual alguns, e nem tão poucos assim, não perdoavam ter-se tornado quase Lampedusa, no "tudo mude para que tudo se mantenha", naquilo de ter inflectido na presciência de ser Mundinho Falcão afinal igual a Ramiro Bastos -, o poeta de Andrade, mais o "Chico" de "Tanto Mar", o enorme Milton, o Caetano - do qual ainda nem sabíamos a demagogia nativista -, enfim a MPB exultante e ainda chegariam o excêntrico Hermeto, o gigante Gismonti, a Cor do Som e etc, para além do sempre rei Roberto Carlos (e o meu "Portão", ao qual apenas ascendi nos anos 90s, já com idade para me comover nas alvoradas), esse que os "bem-pensantes" já então "cancelavam" devido à pirosice que lhes é natureza. E o tão esquecido Josué de Castro, presente nas prateleiras daqueles que olhavam o mundo - tão diferentes esses dos pacóvios d'agora, liberais "chic" ou "pós"-marxistas ..., avessos a prescrutar o mundo que se escapa às certezas de manual que apregoam.
E foi essa também a era desta "modinha", que nos encantou, arrebatou para um outro mundo tão mais rico e saboroso. Gal Costa morreu agora, e a nós faz-nos imensa falta outro choque, sem manifesto nem panfleto, como "Gabriela" o foi. Quanto àquele Brasil não sei o que lhe aconteceu, há muito que dele não ouço falar. Nem quero. Morreu Gal Costa, vou ouvir a minha juventude:
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