Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Nenhures

Nenhures

04
Mar22

A CPLP e a Ucrânia

jpt

cplp-logo.png

(Postal para o Delito de Opinião)

A votação na ONU em 2 de Março da resolução avessa à invasão russa da Ucrânia foi um assinalável sucesso (141 países a favor, 5 contra, 35 abstenções, 12 ausências) - independentemente de outras considerações  mais analíticas, aludindo ao efeito efectivo destas resoluções, ao peso relativo dos países que surgiram com diferentes posições, à evolução do sentido de voto de países e/ou regiões, etc. E, acima de tudo, sobre o que o voto desta resolução significa efectivamente para cada país.

Mas há outra dimensão analítica que poderá ser interessante, o da heterogeneidade das decisões interna a cada comunidade de países. O que é normal, pois cada país decide segundo os seus interesses nacionais, suas relações bilaterais preferenciais, e também porque é comum que países pertençam a diferentes  comunidades internacionais. E dessa heterogeneidade interna a cada "bloco" é exemplo muito significativo que entre os 16 países da SADC, 7 tenham votado favoravelmente, 8 se abstiveram e o Eswatini não tenha expressado a sua opção.

Neste âmbito é interessante olhar para o que aconteceu entre os países da CPLP. Entre os seus 9 países, 4 dessolidarizaram-se com esta denúncia da negação russa à auto-determinação ucraniana - Angola, Guiné Equatorial e  Moçambique abstiveram-se, a Guiné-Bissau eximiu-se à votação. E nisto é preciso contar com o actual percurso brasileiro, pois sendo certo que se esse país votou favoravelmente a (de facto) simbólica condenação, o seu presidente Bolsonaro não só acaba de visitar, efusivamente, a Rússia como já depois do início da invasão reiterou a "neutralidade" do seu país face a esta situação. 

Isto é muito significativo pois a CPLP tem como primeiro objectivo geral (Artigo 4º.1.a.) "A concertação político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais, nomeadamente para o reforço da sua presença nos fora internacionais". Repito o que acima disse, é normal a existência de diferentes estratégias nacionais dentro de cada "comunidade de países", e assim este facto não justifica a armadilha das hipérboles "críticas"  (o popularucho "aquilo não serve para nada").

É certo que esta guerra é de importância global, pelo peso mundial da Rússia, pelo que deixa (ante?)ver sobre os seus propósitos futuros, com uma estruturante política bélica em curso. E pelo "efeito dominó" que poderá ter noutras regiões, um reanimar do paradigma do nacionalismo de base "etno-racial", agora tão proclamado pelo presidente Putin - e tão magnificamente denunciado pelo embaixador queniano na ONU -, sempre presente mas quantas vezes adormecido ou, pelo menos, contido. Ou seja, esta votação - e até exactamente pelo seu carácter mais simbólico do que executivo - foi um dos momentos internacionais mais marcantes desde o surgimento da CPLP.

Ainda assim, e apesar dessa preocupante relevância mundial desta guerra, é normal que entre os países da CPLP ela seja sentida em Portugal com particular ansiedade: pela (relativa) proximidade geográfica; pela proximidade política, dada a integração na U.E. e na NATO; e pela pertença à não tão fluida assim (apesar de tantas críticas e negações, que se querem ilegitimadoras) a uma "identidade europeia". Nesse sentido, e sem ter em conta adesões mais ou menos ideológicas à Carta das Nações Unidas ou a um pacificismo, é normal que estas votações dos países da CPLP sejam mais descoroçoantes para os portugueses do que para os cidadãos dos outros países.

E é neste relativo desânimo - ainda que compreendendo as múltiplas influências que imprimem as legítimas estratégias de política externa de cada país - que se torna normal interrogar qual o estado da CPLP, que tipo de organicidade se conseguiu conquistar, por fluida e até conflitual que seja. Ou seja, e simplesmente, qual a consecução do seu primeiro "Objectivo Geral". Pois face a uma situação destas as lideranças austrais nada se abstraem. Mas abstêm-se. Ou retraem-se.

Seria muito redutor imputar as causas desta situação à acção de Portugal. Mas ainda assim, como portugueses olhando a tão celebrada CPLP, podemos interrogar-nos sobre o que isto representa. Sabendo que a diplomacia portuguesa é de qualidade, mostra-o o percurso internacional do país nesta II República, talvez nos possamos interrogar se a política externa portuguesa o é. E talvez este estado da CPLP possa contribuir para esse ajuizar. 

Mas com toda a certeza permite, desde já, uma conclusão, ainda que de relevância muito secundária: a política externa portuguesa não ganha grande coisa com dancetaria tropical e banhos de mar em águas tépidas do seu responsável máximo. Por mais que as nossas imprensa e "opinião pública" se regozijem com esses devaneios. É preciso muito mais.

Bloguista

Livro Torna-Viagem

O meu livro Torna-Viagem - uma colecção de uma centena de crónicas escritas nas últimas duas décadas - é uma publicação na plataforma editorial bookmundo, sendo vendido por encomenda. Para o comprar basta aceder por via desta ligação: Torna-viagem

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Contador

Em destaque no SAPO Blogs
pub